O Invocador Sagrado - Capítulo 43
As magias de Roan voaram pela floresta amaldiçoada, choveram esferas mágicas de energia divina do céu e o cetro de dragão girou pela mão do invocador conforme os crânios dos esqueletos eram esmagados.
Aquilo era divertido e muito fácil, mas quando seus esforços eram combinados com Nat, a ossoficina se tornava ainda mais brutal, com relâmpagos e campos de força explodindo a área numa sequência absurda de ossos voando pelo campo de batalha. Mesmo sem o nível subir, a dupla abriu uma larga passagem para dentro da floresta.
Roan estalou os dedos, lançando uma explosão de energia divina em linha reta, erradicando a falta de vida de alguns esqueletos que vinham na sua direção. Esse era um dos truques aprendidos com Nat durante a pequena viagem de um dia que tiveram.
Ele também aprendeu outros, pois ambos passaram boas horas conversando e trocando ideias de como se ajudariam para cada um atingir seu objetivo. Isso até o fez lembrar de uma cena durante a noite do dia anterior, quando acampavam numa clareira não muito distante da praia.
— Nat, me ensine mais magias — pediu num momento de silêncio dos dois.
A expressão da bolota branca virou uma reação de completa suspeita, especialmente porque Roan não era o melhor em manter promessas, levando em conta que não fora enviado ao paraíso no seu antigo nível ainda. No entanto, não recusou o pedido, e durante a noite inteira os dois praticaram feitiços.
O primeiro e mais fácil era o que Roan tinha usado, chamado de Explosão Energizada, onde concentrava uma parcela de sua energia no mesmo ponto e pela falta de espaço ela estourava numa rajada furiosa. Haviam outras, mas preferia escondê-las para quando fosse necessário.
Ironicamente, no meio da prática, ele sentiu que seus movimentos eram mais rápidos e firmes desde que voltou ao mundo, mas não só isso, a necessidade de comer e dormir desapareceram.
Era bastante estranho, ao menos eram convenientes o bastante para não se preocupar em enfrentar as principais dificuldades de uma aventura, e eram ainda mais úteis ao saber que sua estamina duraria por um tempo quase infinito, perfeito para longas sessões de treino com meditação e manifestação de magias.
O invocador estreitou os olhos para o miasma roxo balançando na distância. Tinha algo estranho, mais e mais mortos-vivos vinham numa guerra de atrito constante para cansá-los. Por não precisarem de líder e nenhum suprimento para causarem destruição, eles eram a infantaria perfeita a qualquer louco viciado em guerras.
“Estranho, eles não acabam. Se fosse um necromante, isso já deveria ter cansado ele há muito tempo.” Sua atenção se voltou aos monstros, que constantemente recolocavam as forças que perdiam. — Nat, eu vou ir um pouco mais na frente, acho que alguma coisa está trazendo mais deles.
— Tome cuidado, podem ter outros monstros além desses. — Ele apontou o dedo no meio da horda, disparando um raio amarelo e rasgando os batalhões esqueléticos. — Eu continuarei abrindo caminho para você, então vai logo!
Roan correu na direção da passagem, seu corpo leve algodão ao vento atravessou os monstros. Os ousados que se impunham em seu caminho eram varridos numa rajada de esferas amarelas, das quais sequer sugavam um pingo de seu invocador.
Liberando a passagem com rajadas cada vez mais fortes de seu poder, avistou algo que não esperava: uma lápide gigante. O miasma se concentrava densamente ao redor do objeto, enquanto seus ornamentos de jóias negras reforçavam a aura pesada no ambiente. Não demorou para também descobrir que era culpa dessa coisa por haver tantos esqueletos à solta.
Roan ergueu o cajado na direção da pedra gigante e disparou repetidas Explosões Energizadas, até não sobrar nada além de um conjunto de poeira e pedaços de rocha. Quando a estrutura caiu, a atmosfera criada pelo miasma ficou mais leve e o ar mais limpo, mesmo que o excesso do musgo roxo no chão e os carvalhos secos dissessem o contrário.
— Certo, derrubei um… Antes de voltar, vou checar uma coisa. — Ele ativou sua magia de vôo e subiu, por fim ganhando um panorama maior da paisagem. — É mesmo pior do que eu pensava…
Havia diversos focos espalhados ao longo do cenário, os mais intensos, de acordo com a teoria do invocador, deveriam ser essas lápides. O essencial era destruir uma por uma, no entanto fazer isso levaria uma eternidade quando comparava com a quantia estrondosa delas. Não era à toa que tantos mortos-vivos vagavam por aí, tendo tantas bases espalhadas e com um amplo suprimento para manter suas tropas constantemente ativas.
Trabalhou para achar uma solução, mas assim que a encontrou, sentiu-se imensamente burro. Era uma resposta simples: precisava de outros para fazerem seu trabalho! Pousou, abrindo o Banco Cósmico para coletar alguns itens, espadas de ferro e peitorais de aço. Desenhou com a ponta afiada do cajado um círculo de invocação divina, tendo destaque especial para os sóis e criaturas místicas ao redor.
Sua mana se concentrou no centro do círculo, que pulsou em um brilho dourado. Roan se aliviou ao usar sua boa e velha arte principal, a de trazer criaturas para o mundo com a pura imaginação. Ele desenhava em sua mente o design deles, de cavaleiros fortes e altos com capas coloridas e presenças ilustres por conta dos símbolos em suas armas.
⌈ ⌉
Invocação Realizada
⌊ ⌋
⌈ ⌉
Cavaleiro Glorioso invocado
Nível 20
Liderança C
Resistência Física C
Resistência a Magias D
Resistência a Maldições D
Esgrima B
Imunidade a Magia Sombria C
⌊ ⌋
Três foram invocados, todos iguais uns aos outros e compartilhando as mesmas características pensadas por Roan, exceto pelo brilho que escapava pelas frestas do capacete, o que dava a impressão de que um fantasma os movia por dentro. Ainda assim, ficou bastante satisfeito, pois esses caras nem usavam suas espadas quando enfrentavam os mortos-vivos ao redor, um sinal de uma força avassaladora.
— Certo! Me escutem bem, eu preciso da ajuda de cada um de vocês! — As invocações bateram continência. — Preciso que cada um vá para um lado e destruam lápides gigantes que vejam pelo caminho, o máximo possível delas. Se por um acaso encontrarem um monstro que não possam derrotar, voltem o mais rápido possível para mim.
Eles acenaram com a cabeça em concordância, então deram as costas e seguiram seu próprio caminho. O invocador ficou satisfeito, retornando para Nat, que se entediava sentado em cima de diversos crânios e limpava os dentes com palitinhos de osso, nada menos esperado daquele carinha preguiçoso.
Os dois retornaram à vila de antes e discutiram sobre a situação longe das orelhas dos demais, para terem certeza de que ninguém entraria em desespero. A bolota branca passou grande parte do tempo inquieta, dizendo sobre o que era necessário para realizar uma monstruosidade daquelas em grande escala, do poder mínimo de um necromante para trazer uma chamada “Sentinela”.
Sentinela era o termo usado para se referir às lápides. Suas funções consistiam em expressar o devido elemento que foram invocadas e gerar criaturas fracas para protegê-las. Era muito comum de outros elementos, mas essas surgiam de formas naturais de acordo com o ambiente, como no fundo dos mares e dentro de vulcões, por isso normalmente se encontrava criaturas mágicas nesses lugares.
No entanto, não existia esse tipo de lugar no mundo real para mortos-vivos e criaturas sombrias além dos planos do submundo, que por terem uma quantia tão massiva de energia lá, sequer precisavam de uma sentinela.
— Então quer dizer que alguém colocou aquelas coisas lá? — perguntou Roan, igualmente pensativo sobre a teoria de Nat.
— Sim, é o que faria mais sentido, só que se for o caso, significa que há necromantes e invocadores de demônios, o que pode ser um grande problema…
— Por que? Eles tecnicamente não estariam em menor número?
— Correto, o porém está na força das criaturas. Lembra-se quando me invocou, que você sequer conseguiu me controlar direito?
— Lembro, o que tem? — A memória machucou um pouco, pois até agora ele não teve como dar o troco na atitude chata da invocação.
Nat explicou que a realidade era formada por seis planos diferentes, quatro elementais, um superior e um inferior. As quatro principais equilibravam o mundo comum e material, mesmo existindo em paralelo ao mundo real, no entanto o superior e o inferior mantinham todo o ramo espiritual unido e permitindo um ciclo para que a vida continuasse ativa.
Por isso, ambos eram mais fortes que os demais, já que necessitavam de forças além da compreensão material dos elementos, criando uma discrepância no poder. Logo, se seres do plano inferior agissem de mãos dadas com um grupo, eles poderiam facilmente derrotar qualquer outro grupo que usasse invocações de planos comuns.
“Pensando bem, faz sentido. Seria semelhante a comparar Jade a um desses esqueletos. Ela com certeza perderia por ser fraca, e se aqueles mortos-vivos são os monstros mais fracos do plano inferior, devem existir outros muito mais fortes.”
Pensamentos iguais a esse se perpetuaram por sua cabeça durante o dia que passou dentro da vila. Ele sucedeu no suposto teste dos residentes, mas alguns mantinham-se acanhados quanto a esse homem misterioso.
Ninguém tinha coragem de enfrentá-lo, especialmente porque depois que ele apareceu, a faixa de musgo roxo recuou muito. Já estava longe do que a altura das muralhas poderiam ver, e eles associavam esse milagre ao homem.
Enquanto ele fosse amigável, os demais também seriam. Precaução era uma coisa boa, mas Roan julgava ser um pouco demais por conta da maneira como ele os tratava. Não tinha motivo para sentir medo dessas pessoas, o mesmo valia para si, então sua cabeça era cheia de questionamentos do porquê eles o evitavam.
Com um suspiro, Roan caminhou ao redor das muralhas de madeira, seus olhos alternando entre o lado de dentro e o lado de fora. Seus planos para hoje eram curar algumas pessoas e voltar a erradicar mais uma parte do miasma que talvez suas invocações pudessem ter perdido.
“Eu queria voltar pra minha viagem, mas não dá pra deixar esse pessoal sozinho e sofrendo aqui. Seria covardia e Cassandra com certeza iria me matar se soubesse que fiz issso.” Um sorriso surgiu em seu rosto ao se lembrar dela, a culpada por enfiar alguns conceitos nobres na sua cabeça. “É, essa maluca sempre teve um coração bom, acredito que deva também estar fazendo a mesma coisa que eu nesse momento.”
Inclusive, por algumas pessoas serem gentis oferecendo comida e roupas, achou mais motivo para livrar o fardo dos inocentes. Oscilando a mente entre suas atividades e a tristeza de ser tão julgado, ele não reparou num grupo de pessoas se aproximando a cavalo da fortaleza.
Sua atenção só foi direcionada às novas figuras quando estavam perto demais para se ignorar. Quem fosse desatento pensaria que fossem um bando de ladrões em busca de confusão, mas era exatamente o contrário: aquelas pessoas aparentavam ser cavaleiros e guerreiros fortes, isso se dava pelo fato de usarem armaduras pesadas e ainda por cima andarem a cavalo, coisa que um ladrão normal não teria dinheiro para pagar.
“As aulas de história compensaram uma vez na vida”, pensou, descendo as escadarias enquanto seu colega cavaleiro soltou um grito para pedir que parassem. — Hah, eu sinto que vai dar uma merda bem grande pra mim de novo…
Horas depois Roan agradeceu pelo seu pressentimento estar erradíssimo, mas enquanto ele não sabia o que o futuro lhe aguardava, decidiu recepcionar o grupo junto do outro guerreiro.
Ao todo, havia seis pessoas a cavalo e uma carruagem movida por um cocheiro velho e suado. Das pessoas montadas, quatro eram homens, três de armadura e um de manto, além de duas mulheres que se vestiam da mesma forma que o outro homem.
Roan estranhou, pois a armadura dos cavaleiros não era nem um pouco semelhante a de Lezandra, sua principal referência quando pensava nessas pessoas. Acreditou não serem paladinos, essa era a solução, mas já as outras de manto, desconfiou que fossem religiosos ou coisa assim.
“Mas por que eles vieram a essa vila no fim do mundo?”
Nenhuma resposta resolveu esse enigma, muito menos a pessoa que saiu da carruagem atrás. Era uma madame bonita, de vestido azul-marinho e com um cabelo curto escuro como a noite, suas orelhas pontudas indicavam com clareza a natureza élfica e seus olhos amêndoas refletiam o desprezo e deboche natural da nobreza. A atmosfera melancólica gerada ao redor dela também transformava sua presença numa coisa estranha, igual a um espinho numa linda rosa preta.
Roan estava desconfortável com a presença dessa menina. Tinha algo de errado, o olhar especialmente atraia sua atenção, pois parecia o de uma garota mimada com raiva de sair de casa. Um suspiro escapou de sua boca, as aulas de história do fundamental vieram a sua mente e criaram um preconceito imediato contra nobres — senhores pomposos, riquinhos, que faziam o que bem quisessem com seu dinheiro tudo porque Deus quis.
“Honestamente, a pior parte de tudo isso é ter que ficar encarando ela.” Ele cutucou o colega cavaleiro com o ombro. — Psiu, quem é a menina riquinha e esses caras?
— Você não conhece?!? — O sussurro subiu um pouco o tom, mas ainda se manteve baixo o bastante para não ofender a jovem garota. — Ela é a filha do duque Castell, Cilia Castell, e aqueles são os abençoados e os cavaleiros dela…
— Oh… entendi absolutamente nada do que você me falou, ajudou muito.
Ele continuou analisando o grupo, sem saber direito o que fazer no meio daquela situação. No final, ele não precisou fazer nada, pois a mesma menina que julgava deu o primeiro passo na conversa.
— Eu procuro um homem que comanda um grupo de três cavaleiros nobres que estão dentro da floresta. Por um acaso viram esses homens e seu líder?
“Ah, calma, ela tá me procurando?!”