O Invocador Sagrado - Capítulo 5
Demorou um tempo para chegar ao final daquele poço. À frente havia um corredor mal-iluminado por tochas; caracteres e formas estranhas piscavam em uma cor branca nas paredes. Roan apanhou uma das tochas e se aproximou das letras estranhas. Uma mensagem amarela surgiu.
Os jogadores adentraram em um domínio sombrio sem proteção divina.
Os atributos de velocidade e resistência foram reduzidos.
“Isso me dá um pressentimento ruim…” Passou a mão na parede, então mais uma mensagem apareceu.
Sua natureza mágica de Invocador consegue decodificar as inscrições talhadas.
“Rito de Passagem Obscura
3° Portão Nefasto
Invocação do 1° Apóstolo
Gandriel.”
Mesmo sem imaginar para que aquelas letras serviam, temeu pelo pior. Observou os espaços entre as letras e os diversos símbolos macabros desenhados nas paredes, sentia que estava dentro da cova de um leão.
Cassandra e Ravi desceram a escada, ambos demonstraram expressões enjoadas assim que colocaram os pés no chão.
— Ok, acabamos de descer por essa tampa de esgoto — disse a loira, tapando o nariz. — O que fazemos agora?
— Acho que o melhor seria que eu fosse na frente primeiro — respondeu Ravi, com os olhos voltados ao corredor escuro. — Posso me esconder com minha habilidade. Mesmo se tivesse alguém no caminho, não conseguiriam me ver.
— Habilidade roubadinha, hein… — Cassandra cruzou os braços e deu um chutinho em Roan, que continuava estático. — Ei, acorda aí. O que tu tá fazendo parado?
O invocador balançou a cabeça; o cheiro ruim, misturado à atmosfera melancólica do túnel havia o deixado desnorteado por um momento. Ergueu a tocha, viu que no final do corredor o caminho se divergia em dois e que uma fina névoa arroxeada escapava pelas bordas dos caminhos. Por fim, virou-se para os companheiros.
— Desculpa, só estava distraído. — Coçou a nuca, um pouco envergonhado. — Ravi, já que você não teria problemas, seria melhor você pegar um dos caminhos primeiro, enquanto eu e Cassandra vamos pelo outro. Pode ser?
— Seria ótimo, na verdade. — O rapaz deu alguns passos e olhou de um lado da direita para esquerda. — Então… uni, duni, tê…
No final, foi pelo caminho da esquerda e ativou o Glifo de Furtividade no meio do caminho. Os dois viram sua silhueta se esgueirar pelas sombras, até encolher e desaparecer. Assim, seguiram pela direita.
Os pés de Roan formigavam a cada passo, era difícil de respirar e constantemente a visão embaçava por conta da névoa no caminho. As figuras nas paredes se iluminavam de tempos em tempos; a mesma mensagem retornava toda vez que os encarava.
Caminharam em linha reta por minutos, até pararem em um beco sem saída, com um familiar símbolo desenhado na parede. Ele analisou a figura, logo percebeu as setas cardeais, um sol pintado de preto e uma lua de cor vermelha.
“Isso não seria…” Ele arrastou o dedo e abriu diversas janelas amarelas.
Glifo de Invocação.
Rank — F
O usuário pode invocar uma criatura a partir do símbolo de Sonnemond para protegê-lo. A criatura permanecerá no mesmo plano que o Invocador até que seja atingida por um golpe fatal ou suas ordens forem cumpridas. A mana será reduzida em 30% por invocação.
Limite de Invocações: 1
Este glifo é permanente.
Diferente da última vez que obteve a habilidade, havia uma pequena imagem do símbolo logo abaixo da janela idêntico ao da parede. A mente de Roan começou a conectar os pontos; a casa destruída, os emblemas e palavras estranhas que viu e a diferença em relação a imagem original.
— Rito de Passagem Obscura… Portão Nefasto… seria um demônio? — sussurrou, enquanto recuava alguns passos para trás. — Cass, temos que sair da…
Tilintares metálicos ecoaram pelas paredes, engrenagens giraram com uma força gigante, a parede com símbolos se ergueu. Um homem encapuzado estava do outro lado da passagem secreta. Os três trocaram olhares e o rosto do sujeito se contorceu tanto que ele puxou uma alavanca, a rota de escape dos dois foi fechada por uma parede.
— Intrusos! — Ele tirou um bastão de madeira do manto. — Rápido, há intrusos no…
Não demorou para que o punho de Cassandra o derrubasse no chão. Tratou pessoalmente de colocar tanta força que aquela pessoa teria amnésia por pelo menos um ano inteiro.
Roan apanhou o bastão, possuía estranhas linhas negras que soltavam feixes elétricos escuros.
Suas magias do elemento Escuridão tiveram a quantia de mana gasta reduzida.
“Tomara que isso ajude.”
Levantou-se e encarou a passagem. Era um corredor branco, iluminado em todos os lugares igualmente; no final era possível ver uma porta de ferro entreaberta.
Ele apontou naquela direção e disse: — Aposto que acabamos de nos meter no meio de uns cultistas insanos. Você consegue imaginar o que tem do outro lado, certo?
— Rostos pra eu quebrar na porrada? — Ela estalou os punhos e o pescoço e abriu um sorrisinho desleixado. — Eu não poderia desejar menos que isso. Esfolar é chato demais.
— Cass, não aja assim, a coisa é séria.
— Relaxa, Roan, estamos em um jogo, não é? — Os passos dela foram rápidos e curtos em direção à porta. — Isso vai ser fichinha…
Roan a seguiu, devagar e com paciência. Ele devia ter esperado que Cassandra ia arrombar a porta com um chute, o que assustou os cultistas que esperavam calmamente naquela sala. Alguns fumavam, outros jogavam cartas, mas todos tinham uma expressão em comum: surpresa.
Uma baderna descomunal se iniciou, os 10 homens na sala começaram a gritar por reforços e apanharam qualquer objeto que servisse como arma. Dividiram-se em grupos de 5 para lidar com ambos.
A brutamonte era incontrolável, movendo-se com selvageria, contra-atacar seria pior do que receber seus golpes. Um homem a acertou com um pedaço de madeira, a tábua se espatifou em vários fragmentos ao colidir contra a cabeça; porém, diferente do que esperava, ela permaneceu de pé, seus olhos brilhavam em uma fúria descomunal.
O modo Fúria foi ativado.
Os atributos de força e velocidade foram temporariamente duplicados.
Glifo de Defesa sem Armadura Desbloqueado.
Rank — Passivo.
Se o usuário não usar armadura, sua resistência é duplicada.
Este Glifo é permanente.
Em troca, o pobre homem foi levado aos ares com um gancho potente e colidiu contra o teto antes de cair de volta ao chão. Do outro lado da luta, Roan erguia o cajado, conjurando Balas Sombrias em uma quantia inacreditável.
Seus oponentes também conjuraram suas magias, só que em escalas e em números menores. Em instantes, as barragens de feitiços colidiram e criaram explosões de pequena escala que viraram os móveis e lançaram ondas de vento unilateralmente pela sala.
Era uma guerra de atrito, Roan continuamente utilizava o mesmo feitiço para conter a barragem dos inimigos, caso contrário, receberia os ataques a queima-roupa.
“Hora do trunfo…”
| Deseja invocar essa criatura? |
Um clarão iluminou o quarto, amedrontando os encapuzados ao ponto de pararem de conjurar. Um constructo apareceu em meio ao lampejo, o corpo era feito de madeira, assim como a espadinha que carregava nas pequenas mãos. As articulações rangiam a cada movimento, a cabeça pontuda e os entalhes relembravam um soldadinho.
O Glifo de Invocação evoluiu.
Rank F → Rank E
— Geno! — Roan usou o primeiro nome que lhe veio à mente e apontou para os encapuzados. — Derrube-os e desvie dos feitiços que lançarem. Mire nas pernas e nas mãos, mantenha-se agachado. Vá!
A série de comandos criou uma nova habilidade.
A habilidade Reflexos foi gerada para a Invocação.
Geno passou direto pelo mestre, com movimentos ágeis e precisos. As Balas Sombrias eram tiros em câmera lenta para ele, suas séries de cambalhotas e acrobacias foram realizadas em sequência, esquivando-se dos projéteis a uma velocidade surreal.
Era rápido e implacável, tanto que os encapuzados não poderiam ter ficado mais pasmos. Quando a criatura chegou perto, as pancadas da espada de madeira desceram com força, e assim de um em um caíram de joelhos, para logo depois serem finalizados por uma pancada na nuca.
Cassandra acabou por dar um german suplex no último inimigo que ficou de pé. Em seu rosto havia poucos hematomas, além das sobrancelhas abaixadas e os dentes cerrados. Ao perceber que não teria mais ninguém para enfrentar, levantou as mãos para o alto.
— Caramba, isso é melhor do que as brigas no bar! — Logo após ter relaxado, seu fôlego voltou, ela estava pronta para ação de novo. — Vamos continuar, mas dessa vez você vai na frente!
Roan suspirou e andou junto do pequeno constructo, que Cassandra observou com os olhos cheios de curiosidade. Mais um corredor se estendia na extremidade esquerda da sala, completamente iluminado como o anterior, sem tochas ou focos de luz no caminho.
Ele seguiu e pôs os pés dentro do corredor, Cassandra demorou mais um pouquinho para se levantar; mas aquele maldito barulho de engrenagens retornou. Poeira caiu do teto, as paredes se embaralharam, logo a passagem foi tapada.
De relance, viu um dos encapuzados puxar uma alavanca antes do caminho se fechar.
— Oh, merda… — disse Cassandra, vendo mais encapuzados saírem de uma nova passagem secreta.
Roan escutou apenas o som de pequenas explosões e o chacoalhar do chão. Disparar feitiços era inútil, a mana se dissipou antes mesmo de tocar nos tijolos e as pancadas da invocação mal arranharam a estrutura.
— Cassandra! Droga, o que eu faço agora?!
Redirecionou-se para frente, observou o longo corredor que em um calabouço, dividida por um portal de pedregulho e cercado por bizarras gravuras. Engoliu seco, regressar não era opção, só restava uma única escolha.
“Parece que o jeito continuar sozinho…”
Ao lado de sua fiel invocação, atravessou o resto do caminho. Cada passo era cheio de receio e cuidado, quanto mais próximo estava, mais seu coração batia. Após chegar ao final do corredor, o queixo caiu, seus músculos tremeram e os olhos quase encolheram de medo.
Era uma enorme câmara, com um orbe branco no topo e fluxos de uma energia roxa se mexendo pelos entalhes marcados em círculos nas paredes ovais. As pilastras que sustentavam o teto brilhavam em uma cor vermelha e sugavam a energia roxa, para guiá-la em direção ao chão.
Abaixo, Roan viu um grupo de pessoas em uma roda, todos de mãos erguidas em direção a um altar central, demarcado por um caixão escuro feito de pedra. Um encapuzado em específico se aproximou do altar, pôs uma esfera no meio e se afastou.
Cânticos soaram da boca dos cultistas, eles ergueram as mãos e lançaram feixes escuros para o centro da câmara. O símbolo de Sonnemond clareou toda sala, mudando-a para uma cor arroxeada.
“É uma invocação!” Roan tremia, seus dedos mal conseguiam segurar o cajado direito, porém ele não queria imaginar que tipo de monstro poderia sair daquele caixão.
Levantou o cajado, as Balas Sombrias se formaram e choveram sobre os cultistas. O invocador pegou as escadarias e conjurou inúmeras vezes o mesmo feitiço durante a descida, o que acabara por atrasar em parte o processo de invocação.
O Glifo de Magia Negra evoluiu.
Rank F → Rank E
Quando pôs os pés no assoalho, um homem alto e com rosto cheio de marcas se aproximou, ao seu lado andava um enorme lobo verde, de olhos vermelhos e presas pontiagudas. Aquele homem vestia um manto diferente dos demais, era cheio de emblemas escuros e carregava um cajado nas mãos.
— Senhor Bodon! — disse um dos encapuzados, que se afastou para abrir passagem.
“Senhor Bodon?” A barragem de feitiços parou, ambas as figuras se encararam e era claro o olhar de superioridade do velho.
— Continuem o ritual — disse, pondo-se à frente dos demais. — Vão, idiotas! Não percam a chance que o lorde Jigral nos deu hoje! Eu cuidarei desse fedelho…
Com o balançar da mão, uma onda sombria impulsionou Roan e sua invocação vários metros para trás, quase forçando-o a se segurar nas pilastras para não ir mais longe. Bodon suspirou e abanou com a mão para a criatura ao seu lado.
O lobo grunhiu e disparou na direção do constructo, abrindo a boca e arranhando o piso de pedra. Não demorou para ficar cara a cara com a invocação, pronto para abocanhá-lo.
— Desvie para trás! — ordenou Roan, com a voz rápida. — E depois soque o focinho!
O boneco deu um salto para trás, esquivando-se por pouco da potente mordida do lobo. Em seguida, encaixou um gancho que arranhou o focinho, o que fez o animal recuar. O encapuzado ficou pasmo, era uma batalha que deveria estar vencida no primeiro movimento.
— Não recue! — Bateu o pé no chão, irritadiço. — Ataque, aquilo não é mais rápido que você, idiota!
O lobo passou a contornar o boneco e tomou cuidado com a própria movimentação. Em contrapartida, o único movimento que o constructo realizava era o de se virar para o inimigo, apontando a espadinha e ficando de costas para o encapuzado.
Era aquela abertura que Bodon queria. Balançou os dedos em gestos rápidos, uma esfera negra se formou na palma de sua mão, imediatamente disparada na direção do boneco. Roan reagiu a tempo e evocou centenas de Balas Sombrias para impedir um míssel preto de atingir sua invocação.
No meio do caos, o lobo ergueu suas grandes garras para acertar o constructo pela lateral.
— Agache! — ordenou Roan, sem perder o foco. Sua invocação obedeceu, esquivando-se das garras por pouco. — Deslize por baixo dele e mire no peito!
A série de comandos fizeram o atributo velocidade da invocação dobrar.
Em um instante, o boneco deslizou por baixo do lobo e estocou a espada diversas vezes contra o pêlo verde, deixando grandes marcas vermelhas nas regiões atingidas.
— Acerte a pata! — A espada girou pelas mãos de madeira, fincando-se no dedo da pata e arrancando com força bruta.
O lobo ganiu e fugiu com o rabo entre as pernas de volta ao mestre. Roan suspirou de alívio, sentia o gosto da vitória na ponta da língua; só que, aquele sorriso no rosto de Bodon indicava que havia algo errado.
Os pilares perderam cor, os cultistas se afastaram do caixão de pedra e correram em direção às paredes, por onde sumiram em passagens secretas. O círculo de invocação ganhou um brilho intenso e vermelho, ao ponto de ser cegante.
A câmara de pedra se encheu de chamas negras, tão quentes que derreteram o piso. O velho usou a cortina de chamas para fugir em cima do lobo, que escalou as paredes de pedra em direção ao corredor.
— Uma pena que você será o primeiro a ver os frutos do ritual, mas não importa. O que está feito, está feito! — Aquelas últimas palavras ecoaram pelo salão.
Roan caiu com as mãos apoiadas ao chão, não conseguia falar, sua garganta foi preenchida por fumaça e seus olhos ardiam quando via as chamas escuras. Entre as labaredas, um largo sorriso vermelho se abriu, seguido por um enorme par de olhos negros.
“O que é isso…?” Pensou, enquanto puxava o pouco fôlego que restava no pulmão. “Eu não consigo me mexer, droga! Eu não quero saber que tipo de monstro aquele cara invocou, mas sei que não posso ficar aqui por mais tempo!”
Chamar a invocação foi inútil, vários pedaços de madeira cinza estavam espalhados pelo chão. Ele foi obrigado a rastejar, sentiu o calor crescer tanto ao ponto de suas vestes chamuscar; escutou passos se aproximarem, pesados sobre o piso de pedra.
— Que alívio… — A voz era macabra, milhares de pessoas falavam ao mesmo tempo. — Seria você a minha recepção? Ou será que você é um sacrifício? Ou, quem sabe, alguém que me invocou?
O invocador teve o colarinho puxado, viu de relance os olhos vazios, dois buracos negros vazios. Pontiagudas garras roçaram em seu pescoço, poucos centímetros de perfurá-lo, mas aquele demônio parecia desinteressado.
— De toda forma, não importa. Estou com tanta fome…
Roan gritou de dor, duas afiadas agulhas perfuraram o pescoço e sugaram seu sangue. Aos poucos, perdeu a força das pernas, sua consciência se desvanecia conforme os fios vermelhos escorriam do pescoço, a pele ficava pálida; mas ele nunca deixou de gritar.
O som reverberou pelos corredores, tão alto que causou um intenso pavor a qualquer um que ouvisse. Satisfeito pela refeição, o demônio largou Roan no chão e lambeu os lábios sujos por uma cor carmesim.
— Um ótimo aperitivo! — disse, segurando-o pela cabeça. — Te deixarei viver por tamanha cortesia. Se você for sortudo, não nos encontraremos novamente.
Antes de apagar, o invocador teve um pequeno vislumbre do rosto escultural daquela criatura, tão pálido que deveria estar morto, que contrastavam com os olhos vazios e negros.
Viu-o fugir em uma forma de névoa, que se espalhou pelo ambiente. Roan tremia e chorava de dor, paralisado de medo, cada parte de seu corpo gritava, ao ponto dele não aguentar tanta pressão. Ali, sozinho e abandonado, sua mente colapsou, afundada em um desesperador pesadelo.
O jogador foi possuido.