O Invocador Sagrado - Capítulo 6
O covil era um labirinto claustrofóbico. Ravi marcava as passagens já investigadas com pedrinhas postas abaixo das tochas, para evitar se perder entre os caminhos.
“Acho que era melhor ter ido com eles, não tem nada por aqui!”
Até então, o trajeto se mostrava repetitivo; a maioria dos corredores terminavam em becos sem saída ou salas vazias. Porém, ao virar a esquina, deparou-se uma pequena sala escura.
Várias letras e símbolos se iluminaram na escuridão. Ele levantou o queixo, linhas eram traçadas até o teto e formavam quatro imagens distintas.
A primeira era uma criatura de longas garras, olhos vazios, um par de dentes pontiagudos e rodeada por fogo.
A segunda era uma enorme planta cheia de espinhos, coberta por linhas negras que destacavam o centro do corpo, onde havia uma mulher.
A terceira era uma grande centopéia que passava por cima de montes e era cheia de ferrões pontiagudos na parte de cima da carapaça.
Contudo, a quarta e última gravura estava destruída, os poucos pedaços restantes formavam o desenho de uma mão com um olho no centro.
“Bizarro, pena que não vai me levar a canto nenhum…” Deu as costas e analisou os outros símbolos enigmáticos. “Mas é tão estranho… Parece até que as paredes estão se movendo.”
De fato, ele não estava errado. O chão tremeu, as paredes se mexeram e revelaram inúmeras passagens, por onde dezenas de encapuzados saíram.
— Hmm? — Um deles balançou a cabeça de um lado para o outro. — Estranho… Viu alguma coisa, Jorje?
— Do que tu tá falando? Por Jigral, você deve ter ouvido coisas. Anda, acelera o passo.
— Sei lá, deve ter sido minha imaginação…
O grupo seguiu apressado pelo corredor. Ravi estava com as mãos fincadas nos tijolos, preso ao teto e segurando a respiração pelo máximo de tempo possível. Assim que foram embora, ele soltou um longo suspiro e voltou ao solo.
“Meu coração é fraco, caramba! Eu quase morri…”
Apoiou as mãos nos joelhos e se encostou nas pedras, mas seus olhos brilharam ao verem as janelas abertas à sua frente.
O Glifo de Furtividade evoluiu.
Rank F → Rank E
O Glifo de Furtividade evoluiu.
Rank E → Rank D
A magia Passos Leves foi desbloqueada por atingir Rank D em Furtividade.
A magia Agilidade Aumentada foi desbloqueada por atingir Rank B.
A magia Invisibilidade foi desbloqueada por atingir Rank A em Furtividade.
O Glifo de Furtividade evoluiu.
Rank A → Rank S
“Valeu a pena quase morrer de infarto!”
Com um sorriso no rosto, adentrou em uma das passagens abertas. Ao final dela, achou uma porta de metal entreaberta; pancadas metálicas soaram do outro lado.
Passou pela fresta da porta e analisou a sala; era um calabouço cheio de correntes e jaulas vazias penduradas ao teto.
Teve cuidado com os passos, haviam vários pedaços de madeira e algumas pedras soltas pelo chão.
A pouca luz do lugar era emanada de um lampião em cima de um toco ao centro do recinto, próximo a um encapuzado sentado num banco.
— Isso é tão injusto… — disse, enquanto batia nas barras da jaula com um pedaço de madeira. — Fica quieto, infeliz!
Na penumbra, o ladino observou uma pequena silhueta do que imaginou ser uma criança. Ao se aproximar, notou que na verdade era um senhorzinho muito baixo de mustache e rugas no rosto.
— Ora, seja modesto! — respondeu o anão. — Estou aqui há tanto tempo e tão sozinho! Não podem nem me passar pra outra cela? Lá tem mais gente, você sabe…
— Haha, tão engraçado. Não se mistura joio e trigo, qualquer um sabe disso. — O encapuzado cruzou as pernas. — Ninguém seria burro e deixaria um paladino de bobeira, é senso-comum dos vilões!
O longo suspiro do homenzinho encerrou a discussão. Ravi estreitou os olhos e conteve a língua para não xingar, um sentimento gigante de nojo crescia em seu peito.
Disposto a salvar aquele senhorzinho, ele apanhou o lampião e lentamente pôs no chão; agarrou o toco de madeira, aproximando-se devagar do encapuzado.
O anão notou a pequena mudança da luz e o rapaz, logo disse: — Na verdade, é um plano idiota, e é mais idiota ainda o que vocês estão tramando!
— O-o que?! — O cultista se embraveceu, de frente à cela. — Como você ousa…
— É idiota porque esse plano irá por água abaixo antes de funcionar, por conta dos paladinos. — O homenzinho estalou os dedos. — Você acha mesmo que ninguém notará os sumiços? Me poupe.
— Ora seu…!
O toco desceu contra a cabeça do encapuzado e o nocauteou na hora, então o rapaz procurou nos bolsos e encontrou um molho de chaves.
Tinha um total de cinco, todas feitas de cobre, latão e com caracteres esquisitos gravados na parte de cima.
Testou uma por uma na fechadura, até abrir a pequena cela. O anão saltou para fora e pôs as mãos na cintura.
— Phew! Obrigado mesmo, camarada. Nem sei como agradecer…
— Sabe se tem outros aqui, senhor…?
— Ah! Me chame de Pólito, e claro que sei, mas antes pode tirar isso da minha garganta?
Ele apontou para uma gargantilha de cadeado preto. Após momentos de procura do encaixe correto, a gargantilha caiu no chão.
— Vá para aquela porta à esquerda e vire à direita. Eles estarão lá! — Mal demorou alguns minutos e o homenzinho saltitou para a saída.
Ravi seguiu pela direção indicada com o lampião nas mãos para se guiar pelo escuro. Abriu a porta de metal na esquerda e pegou o corredor da direita.
Olhou para baixo e notou uma larga escadaria espiral iluminada por tochas fincadas nas muretas da escada.
Desceu as escadas, e ao entrar naquela parte do calabouço, viu diversas pessoas acorrentadas em linha. Linhas roxas atravessavam as correntes e eram conduzidos em direção ao teto.
Nenhum dos encapuzados apareceu para checar os prisioneiros e o corredor não possuía uma portas ou meios de chegar àquele lugar pelas laterais, então a única opção de entrar era a passagem atrás dele.
Sorte que quem havia feito as correntes, os cadeados e trancas havia usado o mesmo molde.
Após soltá-los, colocou-se em cima de um barril e gritou: — Me escutem!
Diversos olhares recaíram sobre o jovem, até mesmo os mal-encarados olharam-no de forma recriminadora.
— Há-há um mo-modo de che-chegar à superfície! — Era impossível segurar o gaguejo com tanta pressão sobre si. — Si-sigam o caminho de tochas que te-tenham pedras, ele os le-levará à saída!
— Companheiros! — Uma voz soou em meio a multidão, alta e melodiosa. — Que os deuses abençoem este querido cavalheiro, nosso salvador!
O dono daquelas palavras era um homem de longos cabelos loiros, cuja face seria confundida com uma mulher se não fosse pela altura e busto. Ele se aproximou de um dos barris, retirou um sabre de empunhadura de ouro e o ergueu para o alto.
— Cavalheiros, convido-os para derrotarmos estes homens perversos que ousaram pôr as mãos nos nossos colegas, amigos, mulheres e crianças inocentes que estão aqui! Imploro-lhes, caros aliados, vamos à guerra contra os vilões que nós puseram nesta jaula!
O discurso encheu os aventureiros na sala de animação, todos urraram em uníssono e saíram da sala com armas nas mãos.
O homem loiro, perto da saída, disse a Ravi: — Meu salvador, por favor, leve os pobres inocentes em segurança. Eles não merecem estar aqui, nem passarem por isso! Nós vamos limpar o que estiver na sua frente!
Então foi embora, deixando o pobre rapaz sozinho com uma multidão confusa que necessitava de um guia.
Os olhos tensos e tremores das crianças não o colocavam na melhor posição, sem contar as vozes preocupadas de mães reclamonas e os xingamentos dos idosos estressados.
— O-ouço passos! — disse, aquietando-os. — Me sigam, rápido!
*****
De volta à superfície, os que subiram se espalharam e gritaram pela vila. Ravi foi o último a sair da casa, cambaleante por conta do peito pesado de ser obrigado a correr tanto.
O lado de fora era um caos, muitos choravam de desespero e apontavam ou para ele ou para a casa.
Os aventureiros restantes demonstraram expressões estranhas. Analisaram os camponeses e principalmente Ravi, que além de ser o mais estranho, era o qual as mães brigonas e velhos rabugentos elogiavam.
Foi questionado por inúmeros indivíduos que exigiam respostas, mas fugiu antes que perdesse os braços por alguém que estivesse irritadiço.
Já escondido, imaginou o que teria ocorrido para gerar alarde entre os encapuzados. Apenas ele, Cassandra e Roan adentraram, a não ser que outra pessoa tivesse entrado, o que era improvável se levasse em conta o tamanho do labirinto e a hora.
— Santa dama alada!
O rapaz viu uma sacerdotisa de orelhas pontudas chegou ao centro da confusão. Ela andou em direção à moradia e afastou os que queriam investigar, acompanhada de um anão familiar.
Tratou pessoalmente de controlar o caos na vila, lançando inúmeras ordens a Toninho e a um pequeno pelotão de guardas. Os residentes foram evacuados das casas, montaram em jumentos e foram embora.
Pouco tempo depois, Lezandra encontrou o rapaz. Era impossível ver a expressão por baixo da venda.
— Meu jovem, me explique o que aconteceu lá embaixo e o que está acontecendo agora.
— Ah! — A mente do garoto se acendeu. — Bem, meio que centenas de encapuzados apareceram. Não entendi direito o que falaram, só escutei comentarem sobre um tal “Jigral”. Depois, libertei as pessoas que encontrei lá embaixo, então me mandaram voltar pra cá e avisar a…
— Já basta. — A elfa levantou uma das mãos. — Me diga, você foi com mais alguém?
— Se eu fui…? Eu… Oh não! Cassandra e Roan ainda estão lá embaixo!
Ele correu na direção da entrada do covil, mas foi impedido pela mão forte da sacerdotisa, que o empurrou para fora da passagem e pôs os dedos nos lábios.
O garoto ficou em silêncio, observando-a mover o cajado no ar. Uma redoma cinza cresceu a partir da ponta do cajado, e conforme aumentava, os sons de fora cessavam.
— Deixe-me cuidar do que acontecer daqui em diante. Eu lhe reconheço, bom menino, e sei que fará o que peço. — Com uma batida, ela atravessou a sala da casa e olhou para o buraco do esconderijo. — Acompanhe meus pobres amigos, os humanos e elfos que vivem nesta vila, enquanto eu salvo os seus. Não olhe para trás e vá!
Mesmo que por dentro estivesse muito preocupado, Ravi confiou nas palavras da sacerdotisa, correndo para fora da casa.
Teve o vislumbre de uma luz branca pela ponta do olho e um pequeno calor nas costas, porém não desacelerou o passo, até que Hirote estivesse longe demais para que pudesse vê-la novamente.
*****
Após muito caminharem, os camponeses pararam numa colina por ordem de Toninho, aquele que os liderava. Armaram suas barracas e tiraram a pouca carga de suas mulas e jumentos.
Ravi se situava no meio disso e reparou na maneira que agiam. Demonstraram ceticismo quanto a um suposto “calabouço” abaixo da vila.
Era estranho como os cidadãos comuns relaxavam e a pouca guarda tremia de medo por debaixo das armaduras apertadas e dos escudinhos.
Como sabia que olhá-los não daria em nada, sua única esperança era esperar o sol raiar e as notícias chegarem.
Pegou uma mesa num bazar montado por um bartender ainda naquele horário. Os outros comerciantes também aproveitaram o horário que todos estavam acordados para vender seus produtos.
O rapaz bateu os dedos na mesa, encarou de um lado para o outro, esfregou o rosto e pacientemente aguardou uma cara nova aparecer.
Uma pena que o céu também não era seu amigo. O tempo passou incrivelmente devagar, sua paciência só foi recompensada muitas horas depois, quando o ambiente começou a clarear.
Um homenzinho subiu a colina montado num corcel, acompanhado de um jovem de cabelo loiro e olhos esverdeados.
Ravi pulou da cadeira e disparou na direção dos sujeitos, que igualmente ficaram surpresos. Um era o senhorzinho que tinha salvo e o outro era o homem que apoiou seu discurso mixuruca.
— Ora, meu salvador! — disse o loiro, pondo uma mão no peito e realizando uma reverência. — Não esperava reencontrá-lo tão cedo. Por acaso ficou aqui para proteger os inocentes? Que grande…
— Pelo amor, só me digam o que houve! — O tom alto indicava a clara irritação e pressa.
— Uma vitória quase absoluta — respondeu o anão. — Aqueles malditos cultistas fugiram, infelizmente. Acho que não sobrou ninguém lá dentro.
— Viram alguém chamado Cassandra ou Roan? A primeira é baixa e loira, o outro é…
— Oh, você está se referindo àquela brava guerreira, meu salvador? — O moço apontou para a mulher que se aproximava do grupo.
Ravi ficou de queixo caído, seu corpo gelou na hora que a viu. Cassandra possuía muitos hematomas no corpo e pontinhos roxos nos braços, junto a arranhões nas bochechas e no pescoço. Contudo não era aquilo que causava tanto medo ao rapaz.
— Eles eram bonequinhos de papel… — falou ela, com um largo sorriso. — Tão fininhos que um soco era mais que o necessário para caírem. Caramba, esse jogo parece até que tá no Easy!
As roupas, o cabelo e as botas estavam pintadas de cor vinho, escuras demais para serem uma cor natural.
O modo de andar e os dentes sangrentos traziam uma aparência assustadora, enquanto o cheiro forte e enjoativo reforçava a ideia de que era sangue.
“Calma, ela matou aqueles caras…?”, pensou o garoto, que tremeu da cabeça aos pés. “Mas… eles eram pessoas reais, não eram? Isso…”
— Acorda, menino. — Cassandra estalou os dedos na frente de Ravi, que ficou parado na frente dela. — Não pegue essa mania do Roan.
— Do Roan…? E onde ele está?
— Meu salvador, seu outro amigo ficou para trás. — O homem loiro bateu nos ombros do garoto. — A sacerdotisa disse que era para ajudá-lo, sua amiga até concordou em deixá-lo lá.
— Lezandra comentou sobre um problema que ele tinha. — Sentou-se numa cadeira com as mãos esticadas para trás. — Não entendi nem metade das bulhufas que aquela senhora falou, mas aceitei. Abaixa aí, vou te explicar.
— Certo… — Assim, ele se assentou.
De acordo com Cassandra, os acontecimentos após a descoberta do covil não foram tão assustadores ou brutais como o rapaz imaginou.
Em dado momento, durante a luta contra os encapuzados, ela se separou de Roan e foi resgatada por grupos de aventureiros.
Nisso, Drigoro Vatares, o homem loiro que permanecia junto deles na mesa, a ajudou a escapar do covil.
Já o motivo de estar suja por aquele líquido rubro era por conta do certos inconvenientes que tentaram roubar vinho em um armazém do covil e por acidente jogaram nela.
Cassandra tinha sido a primeira a sair daquela batalha, e isso se dava por ter encontrado Roan no pior estado possível.
Descreveu que ele estava tão pálido ao ponto de ver as veias no corpo e muito fino, com uma respiração difícil até de escutar.
— Mas Lezandra não desceu também…? — perguntou o rapaz.
— Sim — respondeu o anão. —, esse é o motivo de termos voltado tão cedo. Minha colega tratou de nos mandar para cima e disse que seu amigo, esse tal Roan, precisava ser tratado com urgência. Bem, eu, sendo um anão e um paladino, devo dizer que fiquei de bigode em pé quando ela disse aquilo! O seu amigo parecia até ter morrido…
— Por favor, senhor Pólito — disse Vatares. — Não diga tais coisas, nosso salvador está horrificado!
— Ora, fale menos, rapaz! Nós, anões, temos nas nossas barbas e bigodes um sensor que fala mais alto que nossa intuição. Aliás, meus bigodes dizem que devo tomar uma cerveja!
Ravi acenou em resposta, então todos juntos pediram uma bebida para comemorar a vitória recém-adquirida. Com exceção do rapaz, que tomou um suco de laranja, beberam copos de cerveja ao som de um bardo que tocava músicas lentas e melancólicas no alaúde.
Aos poucos, outras pessoas se acomodaram no pequeno assentamento, era o restante do grupo que foram libertos.
Quando o viram, jogaram-no para o alto e soltaram urras para o garoto, que ficou muito envergonhado por receber tanta atenção.
Porém, um som estridente aquietou todos, um guincho sobrenatural que causou medo e temor aos que ouviram.
Os olhos dos aventureiros se voltaram à vila, os guardas se borraram de medo e os camponeses enfim tiveram uma razão para se preocupar.
Drigoro subiu no corcel junto ao anão e partiram em alta-velocidade ao local do som, enquanto uma troca de olhares entre Ravi e Cassandra falou muito mais que palavras; aquele barulho indicava perigo.
— Isso veio da vila! — disse a mulher, apressando o passo para a mata.
O rapaz ficou paralisado pelo medo, contudo a coragem de Cassandra o motivou a segui-la.
“Eu realmente espero que a comida que vão me oferecer seja muito boa, porque eu não aguento sacrificar tanto a minha vida!”, pensou, olhando para a distante vila que era um ponto vermelho em meio ao pasto esverdeado.