O Monarca do Céu - Capítulo 293
O Mar Astral.
— Mestre! — chamou Leona com uma expressão de tédio. — Não aguento mais ver água… a gente tá aqui há quanto tempo?
Colin continuava deitado no canto do barco. Ele abriu um dos olhos e fuçou no bolso, puxando seu relógio.
— Daqui a alguns minutos completa dez dias.
— Dez dias? — Leona arregalou os olhos. — Por isso a gente continuava nesse tédio todo… por que não conta alguma história? Hein?
— Peça para Heilee, eu quero dormir.
— Por que você quer dormir se a gente não sente sono nesse lugar? E Heilee ficou a vida toda dela dentro de uma cela, ela não tem história nenhuma para contar.
Ele olhou para Leona e depois para Heilee que também esperava uma resposta. O tédio consumia os três, e ninguém sabia quanto tempo levaria até encontrarem terra firme.
— Tudo bem… o que querem saber?
— Sua vida no outro plano, conta tudo!
— O quê? Tudo?
— Gente! — chamou Heilee. — Tem alguma coisa na água.
Quando eles olharam para onde Heilee apontava, a criatura voltou para a água. Foi bem rápido, mas viram a cauda de uma sereia.
— Ei! Por que não sai da água, hein? — disse Leona na beirada do barco. — A gente não vai machucar você!
Lentamente, olhos começaram a sair da água, e eles viram a cabeça da sereia. Seu rosto era suave. Os traços, delicados e perfeitamente esculpidos. Seus olhos, de um azul profundo e intenso, transmitiam um ar de mistério, como as profundezas inexploradas do mar. Suas sobrancelhas finas e bem definidas realçavam a expressão de seus olhos, enquanto seu nariz reto e lábios delicados completavam sua aparência encantadora.
As orelhas da sereia eram distintamente tritônicas, com uma forma elegante e pontiaguda. Elas se erguiam orgulhosamente de ambos os lados de sua cabeça, adicionando um toque de singularidade à sua beleza.
— Uma sereia! — Leona estava extremamente empolgada. — Olha, mestre, uma sereia!
— É, eu estou vendo.
Um pouco tímida, ela os encarou.
— Vocês não são daqui, né? — perguntou em um tom de voz suave. — A energia de vocês é diferente… é mais… viva…
— Que ótimo! — exclamou Leona. — Falamos a mesma língua! Sabe onde encontramos terra firme a partir daqui?
A sereia assentiu.
— Se querem encontrar terra firme, então não estão muito longe. Acho que mais trinta dias e a encontram.
— Trinta dias?!— Leona arregalou os olhos. — Pelos Deuses, acho que não aguento mais um uma hora nesse barco…
A sereia riu baixinho.
— Que criaturas vocês são? Você! — ela apontou para Leona. — Tem o corpo de uma mulher, cheiro de uma, mas tem orelhas de… o que é? Raposa? E você — encarou Heilee. — Essa energia que emana de você… nunca vi nada parecido antes, e tem você… — Olhou para Colin. — É um homem, né? Já vi alguns, mas não de tão perto.
Colin continuou quieto, enquanto Heilee e Leona estavam impressionadas e um tanto curiosas.
— Como se chama? — indagou Heilee.
— Meu nome… é Sirela, e o de vocês?
— Eu sou Heilee, essa é Leona e o homem na ponta é o senhor Colin.
Sirela assentiu, memorizando todos os nomes.
— Por que estão aqui? É perigoso para criaturas que não pertencem a esse plano vagar por aí… Há muitos monstros que adorariam se alimentar de vocês, e bem… tem outra coisa…
Ambas se aproximaram mais da beirada.
— Que coisa? — indagou Leona.
— Bom, os Elfos etéreos estão em guerra com os Orcs infernais. Recentemente alguém tem matado os Deuses esquecidos, alguém que dizem não ser do plano astral, e isso está desequilibrando tudo… as quatro criaturas mais fortes desse plano estão acusando um ao outro de estarem por trás disso.
Colin continuou quieto ouvindo tudo.
— Posso acompanhar vocês? — indagou Sirela um pouco envergonhada. — Não tem muitas sereias nessa parte do plano astral, e é um pouco solitário…
— Por que está desse lado do plano? — indagou Colin. — Não devia estar com o seu bando de sereias ou algo assim?
Sirela desviou o olhar.
— Fui expulsa…
— Por quê?
— Eu… — Ela estava receosa em dizer. — Violei as regras… busquei por algo proibido, me descobriram e fui banida…
Colin franziu o cenho.
— O que buscava?
Ela engoliu em seco.
— Eu queria ver o que existe além do mar… queria ver tudo que o nosso plano tem a oferecer… eu queria caminhar sobre a terra como vocês…
— E conseguiu o que queria?
— Bem… aprendi a magia, mas não a coloquei em prática… eu estava indo em direção à terra firme quando avistei o barco de vocês… — Os olhos dela exalavam curiosidade. — São do plano material, né? Lá é tão horrível quanto dizem?
Colin suspirou e coçou a nuca.
— Só para alguns. — Colin deitou no barco. — Vou tentar dormir por um mês inteiro.
— Ele realmente consegue fazer isso? — cochichou Sirela encarando as garotas.
Leona abanou as mãos.
— Mestre Colin? Dormiria por um ano se quisesse.
Elas sorriram e continuaram a falar e falar enquanto Colin tentava dormir, mas sem sucesso.
As meninas falavam alto, principalmente Leona que era bem expressiva. Heilee aos poucos se soltava, e Sirela matava toda sua curiosidade em relação aqueles três.
Colin ainda se mantinha em alerta em relação a ela, mas suas companheiras também estavam cientes que não deveriam revelar tudo sobre elas, somente o essencial.
[…]
Em uma sala, Ayla aguardava ansiosa pela vinda do Barão Sigurd, “O Martelo do Norte”. Sua chegada estava prevista para hoje, com o atraso de alguns minutos, já que estava vindo em seu wyvern particular, adestrado pela grande elite do Norte.
Ela não estava enjoada, muito menos cansada. Aquela era uma reunião importante, e ela não poderia cometer deslizes.
A porta da sala de reuniões abriu-se.
— Senhora — disse Tuly. — Barão Sigurd acaba de chegar.
— Mande-o entrar.
As roupas de Ayla consistiam em um longo vestido de seda de cor branca, adornado com detalhes intrincados de renda e bordados dourados.
O vestido fluía graciosamente sobre sua figura, realçando a curva sutil de sua barriga de grávida.
Os punhos do vestido eram delicadamente franzidos, acrescentando um toque de refinamento e suavidade aos seus gestos. Ayla usava sapatos de salto baixo adornados com pequenos enfeites dourados.
O grande barão Sigurd adentrou a sala de reuniões vestido com trajes élficos de inverno. Suas roupas eram confeccionadas com tecidos leves, mas quentes, ornamentados com detalhes intricados de fios prateados e azuis.
Esses trajes geralmente possuíam capuzes adornados com delicadas plumas brancas, que proporcionavam um ar de nobreza.
O rosto pálido do Elfo da Neve era resplandecente, como a luz do luar refletida na neve fresca. Seus cabelos brancos e sedosos caíam em cascata até os ombros, emoldurando seu rosto graciosamente.
Seus olhos, de um azul intenso como o gelo, carregavam a profundidade de séculos de sabedoria.
Os Elfos da Neve eram naturalmente altos e esguios, destacando-se em meio às paisagens brancas e geladas. Sua estatura imponente e elegante, combinada com seu porte gracioso, transmitia uma aura de nobreza e poder.
— Rainha Ayla… ou devo chamá-la de imperatriz? — Sigurd sentou-se na ponta, de frente para a rainha, apoiando sua pasta com documentos em cima da mesa. — Enfim, estou aqui representando a coligação do norte. Espero chegarmos a uma solução benéfica para ambos.
Ayla assentiu.
— O senhor veio de longe, espero que tenha sido uma viagem tranquila. — Ela afastou uma mecha de cabelo para trás da orelha. — Bom, acredito que nossa reunião não irá durar mais que alguns minutos. O Norte tem um problema e eu estou aqui para oferecer a solução.
Ele ajeitou-se na cadeira.
— Que tipo de solução tem a me oferecer? Suprimentos? Soldados? Armas? Sinceramente, majestade, se veio me oferecer soluções fáceis assim, então perdi meu tempo vindo até aqui.
— Você é precipitado, Barão Sigurd. — Ela fez uma pausa dramática. — Já que é um homem apressado, seus problemas necessitam de soluções rápidas, presumo. — Ayla ergueu o indicador. — Que tal o fim da guerra dos gigantes e a morte de Yanolondor?
Sigurd ficou quieto por alguns minutos. Alisou o queixo e abriu um sorriso de canto.
— E o que quer em troca?
— Todo o Norte — disse Ayla sem rodeios. — Isso inclui Rontes também. O único rei governando o Norte será o meu marido, mas não se preocupe, todos vocês que são reis e rainhas hoje serão nomeados senhores e senhoras das terras que ocupam no império de Runyra.
A sala ficou em completo silêncio por alguns segundos, até que foi quebrado por Sigurd.
Ele riu tanto que sua barriga começou a doer.
— Háháhááhá! — Limpou as lágrimas do canto dos olhos enquanto recuperava a postura. — Você diz que vai terminar com a guerra e em troca quer todo o Norte. — Ele ficou sério. — As notícias correm, majestade. Vi vários homens se preparando para uma excursão, garanti de prestar atenção enquanto sobrevoava sua cidade. Ouvindo fofocas nos corredores, não foi difícil de entender o que estava acontecendo. A senhora está em rixa com os nobres do seu próprio reino, e o pior, parece que eles estão prestes a entrar em guerra contra os selvagens que tomaram o que já foi de Ultan. Você me oferece algo assim quando não consegue colocar ordem nem sua própria casa?
Ayla assentiu, ela já esperava uma resposta dessa do Barão.
— Acredite ou não, as coisas estão sob controle e vão ficar ainda melhores. Os soldados que viu não fazem parte do meu exército, são uma força privada que obedecem aos nobres. Quem entrará em guerra com os selvagens será eles, não eu. Alexander não move um dedo há meses, e o império do Sul também está quieto, o que me faz voltar meus olhos para o Norte. Todo o meu contingente está aqui, e tenho pessoal capacitado para resolver seu problema. Se Yanolondor for derrotado no processo, tenho certeza que será um grande golpe para Alexander.
Sigurd assentiu. A rainha estava cercada, a guerra poderia pressioná-la de todos os lados, varrendo vilarejos inteiros até chegarem à capital. Mesmo que tivesse um forte exército e os carniceiros do seu lado, os números estavam contra ela.
— Para mim isso tudo soa como um ato desesperado — disse Sigurd. — A visão que tenho, é que você está perdida, minerando em meio ao caos para tentar achar o impossível diamante.
Ayla deu de ombros.
— Minhas fronteiras estão seguras, não é a mim que estão atacando, nem o meu povo que estão massacrando, sabe por quê? Porque Alexander e seus aliados temem a mim e meu marido. Eles sabem que precisam ser espertos se quiserem nos derrotar. Agora com o Norte ele faz o que bem entende porque vocês são fracos. Aposto que o maior problema de Alexander são os gigantes, e não a grande “Coligação do Norte”. Sinceramente, Barão, eu devia ficar quieta assistindo vocês caírem, afogados em seu próprio sangue. Quando Yanolondor tiver acabado com vocês, então acabo com ele, que tal?
Cerrando os punhos, Sigurd tentou relaxar na poltrona. Alisou o queixo repetidas vezes e fitou Ayla no fundo dos olhos.
— Você quer que abaixemos a cabeça para um único rei, certo? Sabe o quão difícil será de convencer todos os outros? Nenhum deles abdicará de seu título.
— Então sinto muito. Obrigada por vir, barão.
— Espera! E se aceitássemos, como isso iria funcionar? Como você venceria Yanolondor e os gigantes?
— Isso é um assunto meu. Você os quer fora de ação, e você os terá, mas não se meta no meu modo de fazer as coisas. Leve minhas exigências para toda coligação do Norte. Se não aceitarem, então será um triste fim para vocês.
O Barão juntou seus documentos e ergueu-se.
— Uma mestiça sendo uma mestiça. Acha mesmo que abandonaríamos nossa identidade para nos juntarmos a esse império de lama que está criando? Coloque-se no seu lugar, criança! O que você teve até agora foi sorte! Não pense que irá durar para sempre. Ultan acabou da noite para o dia, e do jeito que você arruma inimigos, seu destino será o mesmo.
Ayla também se levantou com uma das mãos apoiada debaixo da barriga.
— Ultan cometeu um erro que não cometerei. Ele mantinha a lealdade de seus apoiadores com ouro, mas medo sempre é o melhor instrumento para manter a lealdade de um homem. Porém, há homens que só o medo não é o suficiente para mantê-los na coleira.
Sigurd sentiu um arrepio na espinha e virou-se rapidamente para trás, vendo a forma assustadora do demônio onírico.
— Merda! — Ele ergueu a mão na frente do demônio e começou a concentrar sua mana avassaladora em uma pequena fração de segundos.
Uma ventania começou naquele cômodo e antes de seu poder se chocar contra o demônio e contra o que estivesse atrás dele, o braço do Barão foi decepado.
Swin!
Ele arregalou os olhos ao notar que um Elfo de olhos puxados e cabelo escuro, vestindo roupas escuras, predominante da cultura dos Janesi.
“Um usuário do silêncio?! Merda!”
Os olhos enfurecidos do Barão focaram na Rainha. Aquela foi sua última visão antes de ser decapitado.
Swin!
A cabeça dele rolou pela mesa até ir parar de frente para Ayla. Seus olhos frios encararam os olhos furiosos e sem vida do Barão Sigurd.
Yuki guardou sua katana na bainha e o corpo do Barão caiu, emporcalhando o chão simetricamente ladrilhado de sangue.
— Assassinato de um membro do alto escalão da coligação do Norte… — comentou Yuki. — Você fica cada dia mais ousada, majestade…
Ela olhou para o canto da sala, e lá estava Jane com as mãos para trás e um sorriso sedutor.
— Minha nossa, que selvagem, hihi! — Jane caminhou até Ayla e levantou pelos cabelos a cabeça gotejando sangue do Barão. — Então é aqui que meu trabalho começa, né?
— Sim. Retorne ao Norte assumindo a forma do Barão e convença a coligação a aceitar meu acordo. Se for preciso, acabe com os opositores, isso não pode falhar.
Jane fez uma posição de sentido.
— Pode deixar, majestade.
— Yuki, reúna-se com aqueles dois, você partirá para o Oeste. Não se esqueça que o assassinato dos nobres não deve levantar suspeita alguma, entendido?
Ele assentiu.
— Claro, se me der licença… — Yuki ficara invisível.
Uma transformação assombrosa ocorreu diante dos olhos de Ayla. Jane, mulher de beleza cativante, com longos cabelos negros e sedosos, exalando um ar de sensualidade, começou a assumir sua verdadeira forma.
Da cintura para baixo, uma metamorfose se desdobrava em uma visão aterrorizante.
O corpo humano dava lugar a uma estrutura aracnídea macabra e imponente. A partir da cintura, múltiplos pares de pernas finas e peludas se estendiam, como as de uma aranha gigantesca.
Cada perna era dotada de garras afiadas e articulações sinuosas, prontas para capturar e subjugar qualquer presa em seu caminho.
A fusão de beleza e horror era acentuada pelas características de uma viúva negra. O corpo da mulher-aranha exibia uma coloração predominantemente negra, intercalada com padrões vermelhos em forma de ampulheta em seu abdômen, reminiscentes da mortal aranha venenosa.
Os seus membros inferiores, peludos e articulados, lembravam as pernas alongadas e letais da aracnídea.
A boca dela abriu-se, com seu maxilar indo até o umbigo. Ela engoliu o crânio do barão, assim como todo seu corpo.
— Fazia tempo que eu não me alimentava de outro homem! — exclamou lambendo os beiços emporcalhados de sangue.
Jane, em um movimento surpreendente, abandonou sua forma aracnídea e se transformou em um majestoso Elfo da Neve. Ela estava usando até mesmo as roupas do Barão.
— Ahem! — pigarreou. — Bem, levarei suas exigências aos Nortistas. Considere feito, rainha. — Jane, transformada no Barão, pegou os documentos em cima da mesa e retirou-se do recinto elegantemente.
Ayla havia dado um passo ousado, e ela sabia dos riscos se tudo aquilo falhasse. Embora a resolução de todo conflito estivesse longe de acontecer, ela estava focada em apunhalar mortalmente todos os seus inimigos.