O Monarca do Céu - Capítulo 295
Encouraçado.
Sua visão escura clareou, e Kurth viu um teto acima de sua cabeça. Levantou no susto sentindo seus ferimentos. Olhou para seu tórax e viu as faixas que o cobriam. Os primeiros socorros haviam sido feitos.
Seu braço destruído estava inteiro, mas estava magricelo, como se começasse a ser reconstituído aos poucos.
O quarto emanava uma atmosfera de tranquilidade e serenidade, uma espécie de oásis de esperança em meio ao caos do mundo exterior.
As paredes de pedra, robustas e sólidas, eram decoradas com tapeçarias coloridas que retratavam cenas de cura e alívio. A luz suave e difusa das velas espalhava uma aura de conforto e acolhimento por todo o recinto.
No centro do quarto, uma maca de madeira entalhada onde Kurth repousava. Os lençóis, de linho branco impecáveis, transmitiam uma sensação de pureza e cuidado.
Ao redor, mesas de carvalho abrigavam instrumentos médicos meticulosamente organizados, brilhando à luz das chamas dançantes.
As prateleiras adornadas com frascos e jarros de vidro exibiam uma miríade de ervas e poções, cada uma com seu propósito específico.
Os aromas sutis de ervas medicinais preenchiam o ar, trazendo consigo uma sensação de alívio e renovação. Plantas secas pendiam do teto, proporcionando um toque natural e terapêutico ao ambiente.
Um pequeno altar dedicado à Brighid ocupava um canto do quarto, com velas acesas e flores frescas como oferendas.
Era um local de devoção e agradecimento montado por aquelas pessoas que ela salvou, um lembrete constante da força da esperança e da crença na recuperação.
Ao lado da maca, um lavatório de cerâmica branca repousava sobre uma pia de pedra. Toalhas limpas e água fresca estavam prontas para a higienização dos pacientes.
Kurth ajeitou-se na maca e jogou os lençóis de lado, tocando os pés no soalho de madeira enquanto ainda estava sentado.
Tlack!
A porta de madeira nos fundos abriu-se, e a luz do sol entrou, iluminando a pessoa que acabara de adentrar. Os olhos de Kurth arregalaram-se quando ele viu senhorita Brighid com uma bandeja nas mãos.
Ele não se sentiu com medo ou assustado, o que sentiu foi o mais absoluto alívio de vê-la viva e bem. Brighid fechou a porta atrás dela e colocou em cima da mesa próxima à maca alguns pães fresquinhos.
Colocou uma mecha de cabelo para atrás da orelha e sentou-se ao lado do garoto, mantendo um sorriso naquele rosto sereno.
— Que susto você me deu… — disse ela. — Pensei que tivesse matado um amigo… acho que eu nunca me perdoaria se-
— Tô bem, senhorita Brighid… não precisa se preocupar… — ele fez uma pausa. — É bom ver que a senhorita está viva… — Ele deu mais uma olhada no quarto. — Senhor Colin está aqui?
Ela fez que não com a cabeça.
— Nós nos separamos quando Ultan caiu há um ano. — Ela fez uma pausa. — Eu soube sobre os gêmeos, Wiben… soube que você havia falecido naquele dia também…
Kurth abriu um sorriso sem graça e coçou a nuca.
— Quase, hehe, algumas mulheres viram que eu estava vivo e cuidaram de mim… elas me treinaram, me ajudaram com o meu braço e até que aprendi um pouco com elas. — Kurth abriu um sorriso genuíno. — Consegui até mesmo uma pandoriana, acredita? E ela é da tríade da primavera como a gente, mas pertence à tríade do inverno, acredita nisso?
Brighid assentiu e Kurth continuou.
— Bom, estava na hora de ir, então deixei o pântano e vim para o sul. Fiquei sabendo dos cultistas e desaparecimentos, então resolvi ajudar, eu precisava pôr em prática tudo que aprendi. — O sorriso de Kurth preencheu seu corpo, e suas bochechas enrubesceram enquanto encarava sua companheira. — Bem, estava tudo dando certo, até que encontrei a senhorita, hehe, pensei que fosse morrer, hehe!
Brighid retribuiu o sorriso e afagou os cabelos do garoto.
— Você lutou bem, deu para notar que evoluiu bastante, háhá! E falando nisso, encontramos Sylvana, ela que nos fez ir atrás de você! — Bagunçou o cabelo dele novamente. — E que bom que você está bem, háhá!
Kurth coçou a bochecha envergonhado, sua cabeça estava cheia de dúvidas sobre onde ela esteve durante todo esse tempo, e pelo que ele se recordava, Brighid estava grávida. Tinha medo de fazer uma pergunta mais pertinente e entristecê-la, mas sua curiosidade era maior do que isso.
— Senhorita… você estava grávida da última vez que nos vimos, né? Os seus filhos, eles…
— Eles estão bem, não se preocupe. Bem… — Ela desviou o olhar. — Alguém os tomou de mim, mas eu já estou dando um jeito nisso.
— Sério? — Kurth franziu o cenho. — Quem fez isso, senhorita Brighid?
Ela franziu os lábios pensativa.
— O pai do Colin.
Kurth engoliu em seco.
— Sério? — Ele apoiou a mão no queixo. — Ele… se parece com o senhor Colin?
Ela assentiu.
— Bastante, só não é tão forte e nem tão alto.
Kurth coçou a nuca. — Acho que foi ele que fez Safira entrar naquele estado de frenesi… depois que ele a tocou no abdômen, Safira… bem… ela ficou fora de si e…
Brighid tocou uma das mãos no ombro dele.
— Eu sei, Kurth. — Ela forçou um sorriso. — O importante é que você está bem!
— Sim… soube do senhor Colin? Dizem por aí que ele virou Rei de um país. Tem muita gente querendo ir até lá. Ele deve ter ficado muito forte…
— Sim, eu soube, é para lá que estamos indo, mas antes precisamos resolver esse assunto com os cultistas. Depois de resolvido, marcharemos com essas pessoas até Runyra. Se Colin ainda for o homem que conheço, ele vai ajudá-las, agora me diga o que sabe sobre esses cultistas.
Kurth assentiu com determinação.
— Quando eu estava fugindo deles, alguns mais fortes vieram atrás de mim. O círculo principal do líder é formado de usuários da manipulação de sangue. Não posso confirmar isso, mas parece que um grupo conhecido como Encruzilhada está por trás disso…
“Encruzilhada…”.
— Soube de algo mais?
— Infelizmente isso é tudo que tenho.
— Entendi… bem, é uma longa história, mas o líder deles me disse onde estavam escondidos. Parece que ele quer terminar com isso de uma vez por todas, e pretendo enfrentá-lo, mas não farei isso até que se recupere.
Kurth assentiu.
— Senhorita Brighid, não precisa se preocupar, só preciso comer um pouco e logo estarei pronto!
Ela assentiu com um sorriso.
— É bom ouvir isso, mas há outro problema, essas pessoas não podem ficar sozinhas, e pelo jeito precisaremos de toda ajuda possível para combater o líder dos cultistas. Kurth — Os olhos dela estavam bem sérios. — Elhad me contou sobre a organização para qual ele trabalha, Anoitecer Florido, preciso encontrá-los e deixar essas pessoas sobre o cuidado deles, quem sabe até nos ajudem contra os cultistas.
— Elhad? Senhor Elhad está vivo?
— A gente se encontrou há algumas semanas, longa história. No momento preciso que se concentre no Anoitecer Florido, quando isso estiver resolvido, daremos um jeito nos cultistas de uma vez por todas.
Engolindo em seco, ele assentiu.
— Sim, senhora!
[…]
Deitado no barco, Colin continuava tentando dormir enquanto aquelas garotas não calaram a boca um minuto sequer. Já haviam se passado dias, talvez semanas, e nada da terra firme que Sirela havia dito.
Aquelas três pareciam ter se tornado melhores amigas, e Colin ficou surpreso em como elas conseguiam falar por tanto tempo e ainda ter assunto.
Tudo estava indo bem, até que Colin sentiu uma vibração percorrer seu corpo. Suas companheiras pareciam não ter sentido o mesmo.
Agora sentado, ele olhou ao redor, não vendo nada além do habitual. A água continuava tranquila, o céu parecia um braço próximo da Via-Láctea, e a brisa continuava suave.
Pegou a lâmina Gram e se ergueu, despertando a curiosidade daquelas três.
— Mestre! — disse Leona. — Algo errado?
— Não estão sentindo isso?
Elas cruzaram olhares.
— Isso o quê?
Sirela sentiu um arrepio na espinha.
— Dro-Droga!
— O que foi?
Sirela olhou para os dois lados, como quem procura um jeito de fugir.
— O astral encouraçado está aqui!
Ambos cruzaram olhares.
— O que diabos é um “Astral Encouraçado”?
— E-Ele caça seres como vocês, seres que vagam pelo plano astral e não pertencem a ele! Mi-Minha nossa, eu devia ter previsto isso! — dizia apavorada.
Aquela criatura era grande demais para que eles a vissem, mas se pudessem, veriam uma sombra do tamanho de uma montanha passando bem embaixo do barco minúsculo.
Desesperada, Sirela pulou no barco, balançando aquela cauda avermelhada de sereia. Foi a primeira vez que puderam dar uma olhada nela.
Sua cauda de peixe, longa e esbelta, começava na região inferior das costas e se estendia até as pontas, onde se abria em uma forma graciosa e avermelhada, semelhante às cores do pôr do sol. Cada escama parecia brilhar com um brilho iridescente, mudando de tonalidade à medida que a luz dançava sobre ela.
A sereia possuía um corpo escultural e atraente, com curvas suaves e femininas que se harmonizavam perfeitamente com sua natureza aquática.
Todo pânico dela só serviu para deixar aqueles três em alerta absoluto.
— Mestre, o que a gente faz?
— Se prepare, ele já está aqui!
O pequeno barco se agitava violentamente nas águas revoltas do mar astral. Ondas gigantescas batiam com força, ameaçando virar a embarcação a qualquer momento.
O rugido ensurdecedor do oceano ecoava em seus ouvidos, acompanhado pelo som perturbador de madeira se contorcendo sob a pressão.
Apesar da água agitada e do balançar do barco, Colin, Leona e Heilee mantinham-se equilibrados com maestria, como se estivessem ignorando o mar agitado.
Porém, nada poderia prepará-los para o horror que surgia diante de seus olhos.
Das profundezas abissais do mar astral, emergia o dreadnought, uma criatura colossal que desafiava todas as leis da natureza. Seu corpo horrendo se estendia até as alturas, rivalizando com as maiores montanhas do outro plano.
As mandíbulas escancaradas do leviatã ameaçavam devorar tudo em seu caminho, enquanto garras imensas e pinçadas se projetavam ameaçadoramente. Sua carapaça avermelhada e blindada reluzia sob a pálida luz astral, mas era o único olho preto e malévolo que inspirava um temor profundo, parecendo penetrar a alma daqueles que se atreviam a encará-lo.
Era impossível escapar da visão sinistra das partes inferiores do corpo do dreadnought, que se transformavam em serpentes serpentinas ou verminóides.
Alguns afirmavam que sua cauda não tinha fim, estendendo-se como um fio de prata infinitamente longo, com a grossura de uma generosa tora de madeira.
— Uau… — Colin deixou escapar por seus lábios. — Que criatura assustadora.
Apesar de dizer aquilo, não havia temor em sua voz, e Sirela havia percebido.
— Mestre! Mestre! — A empolgação de Leona estava fora do normal. — A gente vai lutar contra aquela coisa? Diz que sim, por favor!
Colin apoiou a lâmina Gram no ombro e a outra mão no queixo.
— Não sei… esse não parece um inimigo fácil de matar…
— Tá! Então deixa que vou primeiro, tá?!
Colin deu de ombros. — Fica à vontade, mas leva isso. — Ele jogou a lâmina Gram em suas mãos. — Seja rápida.
— Tá!
Uma descarga elétrica cobriu o corpo de Leona, faíscas poderosas eram espalhadas por todo lado enquanto ela dobrava os joelhos, preparando o impulso.
Splash!
Leona avançou, agitando ainda mais o barco.
Ela parecia um ponto de luz minúsculo se aproximando daquele titã.
— Vo-Você ficou louco? — exclamou Sirela. — Ela vai morrer! — Ficou apavorada quando notou que Heilee e Colin estampavam semblantes tranquilos.
“Eles… eles são loucos!”
Leona estava ensandecida enquanto zigue-zagava no ar pisando em círculos mágicos que formavam abaixo de seus pés.
— O problema de criaturas grandes, é que elas são lentas!
A criatura ergueu as enormes pinças na direção de Leona, mas os círculos mágicos que fazia a cada salto a deixavam extremamente rápida, ela já havia conseguido romper a barreira do som, indo para trás da criatura.
— Atrás de você, coisinha!
Segurou a espada na forma de saque e, em uma curta fração de segundos, refinou sua mana ao ponto mais extremo, algo que aprendeu com Ayla.
Woosh!
Lançou um corte de mana arqueado nas costas da criatura, deixando uma ferida profunda que a fez berrar, um berro que agitou o mar astral.
— Háhá! Eu ainda não terminei!
Crash! Crash! Crash!
Em um piscar de olhos, a criatura havia recebido múltiplos cortes, quase como se fossem dados instantaneamente.
Splash!
O barco agitou novamente, Leona havia voltado para ele, jogando a espada de volta para Colin.
— Isso foi fácil, hihi! Agora que a gente tem bastante mana, usar os Passos Fantasma é bem fácil!
Aos poucos, o leviatã, outrora aterrorizante, começava jorrar sangue por todas as feridas. Suas feridas se abriram por completo, e seu corpo foi completamente despedaçado enquanto afundava lentamente no oceano astral sem fim.
Sirela não estava acreditando no que acabara de presenciar. Aquela era uma das criaturas mais poderosas do plano astral, talvez perdendo somente para os Deuses esquecidos.
— Você foi bem, dá próxima vez quem vai lutar sou eu — disse Colin.
— Ficou com inveja do meu poder, né, mestre! Hihi!
— Inveja? Consigo fazer melhor que isso, agora fiquem aí! — Colin flexionou os joelhos e saltou na direção do enorme corpo do leviatã que afundava no oceano astral.
— O-O que vai fazer? — indagou Sirela com a voz trêmula.
— Pegar o encouraçado para ele — disse Heilee.
Os olhos de Sirela arregalaram-se ainda mais.
— Pe-Pegar o encouraçado?! I-Isso é possível?
Leona assentiu com as mãos na anca.
— Mestre Colin sabe usar Prana, para ele isso é fácil.
Em cima da criatura, Colin agachou-se e a tocou, entrando em um estado de meditação. Assim que tirou a mão, o corpo da criatura começou a se desfazer em cinzas.
[Nova conjuração adquirida: Astral Encouraçado].
Com outro salto, Colin retornou para o barco que se agitou mais uma vez.
Splash!
— Então o senhor conseguiu, né? Se bem que achei esse meio fraco — desdenhou Leona fazendo beicinho.
Colin assentiu.
— É, você tem razão, e talvez eu jamais consiga conjurá-lo, já que preciso de 1 milhão de mana para fazer isso.
Heilee e Leona ficaram espantadas.
— Sério?! — indagou Heilee com os olhos arregalados. — Não achei que ele valesse tanto.
— Bem, faz parte, pode voltar para a água, sereia, se outro desse aparecer a gente dá um jeito.
Engolindo em seco, Sirela voltou para a água, deixando somente os olhos de fora.
“O que eles são? Será que… são eles que estão devorando os Deuses? Não… eles acabaram de chegar, então deve ser outra criatura…”