O Monarca do Céu - Capítulo 299
Traçando rota.
[Dois dias atrás.]
O homem permaneceu imóvel, amarrado e com o pano sobre sua cabeça, mergulhado na escuridão claustrofóbica. Seus batimentos cardíacos aceleraram, ecoando em seus ouvidos como tambores de guerra. A sensação de sufocamento aumentava a cada segundo, seu corpo tenso como uma corda prestes a arrebentar.
De repente, o pano foi arrancado de sua cabeça, revelando uma luz intensa que feriu seus olhos desacostumados. Ele piscou freneticamente, tentando ajustar-se à mudança abrupta de escuridão para a luz deslumbrante.
Conforme seus olhos se adaptavam, ele começou a perceber figuras sinistras ao seu redor. Eles estavam envoltos em roupas escuras, suas feições ocultas pela sombra. Apenas seus olhos eram visíveis, penetrantes e inescrutáveis, transmitindo uma aura de mistério e perigo.
Um calafrio percorreu a espinha do homem, fazendo sua pele se arrepiar. Seu corpo trêmulo denunciava o medo intenso que o consumia. Ele se sentia como uma presa encurralada, à mercê dessas figuras sombrias e desconhecidas.
Seu olhar oscilou entre cada par de olhos, cada par de janelas para a alma oculta. Era impossível decifrar suas intenções, o que tornava o temor ainda mais opressivo.
— Me-Merda! — disse apavorado, seus olhos transmitindo um intenso pavor. — O que vão fazer comigo? E-Eu tenho mulher, filhos, por favor!
Uma das sombras deixou a penumbra, e pela silhueta, ele percebeu ser uma mulher. Ela abaixou ficando em cócoras, encarando-o no fundo dos olhos.
Os olhos verdes dela eram tão vivos que o deixaram hipnotizado.
Aquela mulher mexeu nos bolsos e tirou uma carta prateada, mostrando para aquele homem.
— Anoitecer Florido, sabe onde fica?
Ele olhou para carta, depois para a mulher e engoliu em seco.
— E-Eu não quero problemas, sou um pai de família, s-se me matar, meus filhos passarão fome!
— Vou te dar mais uma chance — disse Brighid em um tom assustador. — Se eu não ouvir o que quero, então seus filhos terão que aprender a se virar sem o pai.
Engolindo em seco, ele assentiu com a cabeça diversas vezes.
— Ce-Certo!
Brighid tocou com a carta na testa daquele homem.
— Onde encontro o Anoitecer Florido?
Ele hesitou antes de responder.
— No centro do Império do Sul… é uma construção grande, parece histórica… fica bem no meio da capital…
Brighid assentiu, mas ficou se perguntando como um grupo tão importante ficaria bem no meio da capital do provavelmente, império mais forte do continente atualmente. Poderiam funcional com o aval de Lumur, ou quem sabe seu funcionamento seria devido a fornecerem informações privilegiadas ao imperador.
Conjurando uma adaga, Brighid foi para trás dele, arrebentando suas cordas.
— Sei onde trabalha, onde mora. Sei que sua mulher está grávida e que tem um filho de oito anos. Se estiver mentindo para mim, eu te mato na frente deles.
Ele suou frio e assentiu. — Na-Não estou mentindo, senhora.
— Pro seu bem, é melhor que não esteja.
Após um apagão naquele quarto, aqueles dois desapareceram. Apavorado, aquele homem se apressou e saiu correndo. Eles estavam dentro de uma pequena cabana no meio do nada.
No meio das árvores, Brighid e Kurth estavam escondidos.
— Certo, vamos para a capital — disse ela abaixando o pano que tapava sua boca. — Fica há alguns dias daqui, mas é nossa melhor opção. Você volta para o acampamento e ajuda Eden e Sylvana a manterem as pessoas seguras.
— Você vai sozinha? — indagou Kurth. — A senhorita nem ao menos está no seu auge, pode ser perigoso, e se Lumur e seus homens aparecerem?
Ela abriu um sorriso gentil enquanto apoiava a mão no cabo da espada.
— Agradeço por se preocupar comigo, mas sei me cuidar. Não é como se eu fosse estúpida a ponto de ser pega ou irritar alguém como Lumur. Até onde sei, ele deve achar que estou morta.
— Eu sei, mas-
— Kurth, eu ficarei bem. Cuide das pessoas até eu voltar com ajuda. Não podemos partir até onde está o líder do culto e deixar aquelas pessoas desprotegidas.
Kurth deu um longo suspiro.
— Confia tanto na informação que Elhad deu? Até onde sei, ele era um espião que vigiava a guilda, pode estar tramando algo contra a senhorita…
— Sim, pode, mas confio nele, assim como confio em você para proteger aquelas pessoas. — Ela levantou novamente o pano sobre a boca. — Agora vá, conto com você! — Seus olhos exalavam gentileza, assim como seu tom de voz que era doce e protetor, como uma mãe carinhosa.
Kurth desviou o olhar e assentiu.
— Boa sorte, senhorita Brighid.
— Volto em alguns dias, tá? Se cuida.
[Atualmente.]
De cima de um telhado escondida no meio da noite, Brighid usava a análise, observando o Anoitecer Florido de dentro. O bordel estava cheio. No andar de baixo era onde a festa acontecia, enquanto nos quartos superiores e privados os clientes se divertiam um pouco mais.
Sua atenção se concentrou em um quarto com um corredor extenso que ficava no segundo andar, ali era a sala de Isabella.
Sorrateira, Brighid foi até a beirada, mas notou que alguns olhos pairavam sobre ela, mesmo que ela tivesse escondido sua presença.
Olhou para trás e viu um homem de sobretudo e chapéu, com seus olhos escondidos pela sombra.
— Devia parar de bisbilhotar — disse o rapaz.
— Temos que admitir, ela tem coragem! — disse outro rapaz sentado na borda de uma chaminé.
Brighid engoliu em seco, ela não havia o percebido até ele se manifestar.
— Para quem trabalha? — indagou o rapaz na chaminé. — Para Lumur, né? Aquele cretino não foi alertado para ficar longe daqui? Pelo visto ele quer guerra!
— Ela não trabalha para Lumur — disse uma voz do lado de Brighid. A fada também não havia notado aquela presença.
Assim que Brighid olhou para a garota, ela desapareceu, reaparecendo ao lado do rapaz com chapéu.
— Ela tem uma carta prateada. — Ela entregou a carta para o rapaz de chapéu e Brighid se perguntou quando aquela garota havia roubado a carta de seu bolso. — Quem te entregou a carta? É melhor dizer rápido, caso contrário sofrerá as consequências por bisbilhotar onde não deve.
“São todos usuários do silêncio? Tsc!”
— Elga! — chamou o rapaz de chapéu. — É a marca de Elhad.
Abruptamente, Elga tomou a carta das mãos do companheiro.
— Porcaria… você matou Elhad? — As sombras entorno de Brighid começaram a oscilar. — Responda!
Brighid apoiou a mão no cabo da espada e começou a concentrar sua mana para um eventual combate.
— Elhad é meu companheiro de guilda! — respondeu Brighid, ainda atenta a qualquer movimento daqueles três.
Eles se entreolharam, dando a ela o benefício da dúvida.
— Companheiro de guilda? — disse o rapaz na chaminé. — Pelo que sei, todos os companheiros de guilda de Elhad estão mortos.
— Nem todos — respondeu Elga. — Você… qual o seu nome?
— Brighid! — Ela tirou o pano que tapava a boca e jogou a touca para trás.
Nenhum deles disse nada por alguns segundos, vislumbrados com a beleza dela. Os olhos inocentes e, ao mesmo tempo, assustadores, eram hipnotizantes, brilhando com uma intensidade esmeralda quase fantasmagórica.
As descrições sobre ela batiam, exceto por seu cabelo longo e escuro envolto por uma trança que balançava com o açoite do vento.
— A Santa de Valéria… — O rapaz na chaminé estava hipnotizado, seus olhos brilhando intensamente.
— Feche a boca para não babar! — zombou Elga. — Certo, se você é mesmo a Santa de Valéria, me mostre a palma de sua mão.
Os companheiros de Elga ficaram em silêncio enquanto Brighid retirava a luva, mostrando a palma de sua mão com a marca da Lua, símbolo do matrimônio com Colin.
— Hehe, seja bem-vinda ao Anoitecer Florido, Santa de Valéria, ou devo te chamar de Deusa? — Ela apoiou o indicador na bochecha. — É um pouco estranho ver uma Deusa em carne e osso, que seja, vamos entrar, senhorita Isabella está esperando por você.
[…]
Eles adentraram na sala de Isabella, um espaço tranquilamente decorado que irradiava uma aura acolhedora. Brighid encontrou um breve refúgio junto a uma xícara de chá, aproveitando os minutos que se seguiram.
Logo, o ambiente foi preenchido com a presença esperada de Isabella, que cruzou a soleira da porta, trazendo consigo uma essência doce e, ao mesmo tempo, enigmática.
A Elfa de pele morena era majestosa e elegante, com cabelos louros cacheados que caiam em cascata sobre seus ombros. Seu corpo esguio e gracioso era adornado com um vestido de seda que realçava suas curvas perfeitamente desenhadas. Seus olhos castanhos eram hipnotizantes e brilhavam com uma mistura de mistério e desejo, enquanto seus lábios rosados eram sedutores e convidativos.
Passou por Brighid e sentou-se no sofá atrás da mesa lotada de papéis.
— Nunca pensei que veria uma Santa frequentando um lugar como esse — disse Isabella com um sorriso sedutor. — Os meus garotos te trataram bem?
— Sim…
— Que bom, seu bem-estar é importante para mim, sua amiga vai adorar receber a notícia.
Brighid ergueu uma das sobrancelhas.
— Amiga?
— Claro, a outra esposa do seu marido, Rainha Ayla. Uma das exigências dela foi a de te encontrar e te levar para casa, sabia?
Brighid franziu os lábios e desviou o olhar. Ainda era difícil digerir aquela notícia, de que seu marido havia se casado com outra mulher, mas não era hora para isso.
— Não posso voltar ainda, tenho que resolver uma coisa. Cultistas estão raptando pessoas para rituais macabros. Consegui salvar algumas dessas pessoas e sei onde o líder deles se esconde. Por isso vim até aqui, preciso que você cuide das pessoas que ajudei enquanto dou um fim nos cultistas.
Isabella apoiou os cotovelos na mesa e o queixo sobre seus dedos entrelaçados, abrindo um sorriso sedutor.
— Isso não está incluso no meu acordo com a sua amiga, mas tudo bem, cobrarei ela por isso. Mais algum pedido, senhorita?
Brighid assentiu.
— Sabem o caminho daqui até Runyra, certo? Preciso que me levem até lá por alguma rota segura sem muito contratempo.
Isabella assentiu.
— Seu pedido é uma ordem. Bom, meu pessoal cuidará disso, agora me diz, por onde você andou? Tem muita gente atrás de você, sabia?
— Senhorita Isabella, adoraria ficar aqui e jogar conversa fora, mas estou sem tempo.
— Claro, claro. A gente ainda terá muito tempo para conversar. Também quero saber tudo sobre o meu garoto Elhad. Qualquer amiga do meu filho é minha amiga também.
Brighid demorou a digerir aquela notícia.
— Espera… Elhad é o seu filho?
— Ele e mais alguns, enfim, vamos continuar essa conversa depois. Elga! — A garota de antes saiu da sombra de Isabella. — Escolte senhorita Brighid de volta e leve aqueles dois preguiçosos com você.
Elga assentiu e Isabella afastou uma mecha de cabelo para trás da orelha com um sorriso de canto.
— Espero que volte do seu confronto, Santa de Valéria, ou isso será péssimo para os negócios.
— Vou ficar bem, não se preocupe.
— Espero que fique.
[…]
Na sala mergulhada em sombras, um suave movimento veio dos recantos mais distantes, e Safira materializou-se.
Sua pequena companheira pixie pousava com elegância em seu ombro, emanando um brilho sutil que iluminava a penumbra ao redor.
Sentado na penumbra dos cantos mais recônditos da sala, destacava-se a figura de seu mestre, Coen. Envolto em um roupão de tons escuros, um manto sombrio que se sobrepunha às ataduras que envolviam seu corpo, criando uma imagem imponente que dominava aquele cenário oculto.
— Aí está você! — exclamou a Pixie. — O que aconteceu com o esconderijo? Aquele vale se transformou em um campo de magma, e pelos deuses, o que houve com você?
Um sorriso sutil desenhou-se nos lábios de Coen, revelando uma expressão que misturava mistério e confiança. Ele delicadamente deslocou uma mecha de seu cabelo negro, deixando-a repousar atrás de uma das orelhas, enquanto seus olhos escuros mantinham um brilho penetrante.
Com uma elegância controlada, ele abaixou os cotovelos até tocarem as coxas, inclinando-se ligeiramente para frente, uma postura que transmitia uma aura de autocontrole e domínio do ambiente ao seu redor.
— Graff veio atrás de mim, nós lutamos e eu tive que passar um pouco do meu limite. Ainda estou me recuperando.
— E por que nos convocou aqui? — indagou a Pixie. — Vai contar toda verdade dessa vez?
Coen continuou sorrindo e fez que não com a cabeça.
— Ainda não estou em plena condição… posso deixar faltar alguns… detalhes.
A Pixie franziu o cenho. Já fazia algum tempo que ela havia deixado de confiar no mestre de sua mestra, mas ela ainda precisava de provas sobre quem Coen realmente era, respostas que ninguém além dele poderia fornecer.
— O motivo pelo qual chamei vocês aqui foi outro. — Os olhos dele focaram-se em Safira. — Está na hora de conseguir usar todo poder da foice que possui, não concorda?
— Todo poder? — murmurou Safira e Coen assentiu.
— O que você usa é uma parte pequena. Sei que você é poderosa, mas continua atrás dos outros Caídos. Conseguir todo poder da foice será bom para você treinar também, já que será uma tarefa trabalhosa.
— … Como eu… consigo isso?
Coen ergueu-se, apontando o braço enfaixado para ela. Um portal abriu-se a sua frente.
— Meu pandoriano vai ajudá-la.
Safira engoliu em seco.
Olhou para o portal e depois para seu mestre.
— Aonde isso… vai me levar?
— Ao plano astral. É lá que conseguirá usar todo poder da foice, e quando retornar você será tão poderosa quanto seus companheiros de equipe… talvez mais.
Novamente engolindo em seco, ela assentiu.
— Tá!
— Espera! — disse a Pixie. — Quando voltarmos, não quero desculpas! Você vai nos falar o que significa “Um mundo abençoado pela magia”, entendeu?
Coen continuou sorrindo e deu de ombros.
— Como queira, Deusa da lua.
Woosh!
Elas entraram no portal, fazendo desaparecer.
Coen sentou-se suando frio enquanto fazia uma careta de dor apoiando a mão esquerda em seu ombro direito.
— Devia continuar repousando, esqueceu? Sem usar habilidades… — disse a voz de Bledha dos fundos.
Coen cerrou os dentes devido à dor, e gotas de suor escorreram por seu rosto abatido.
— Não posso perder tempo me preocupando com isso… Graff continua por aí e os Errantes estão se reunindo. Preciso que a garota se fortaleça ainda mais antes do grande cataclismo.
Bledha cruzou os braços e apoiou o ombro na parede, encarando o seu mestre com um olhar sério.
— Sabe que ele está lá, não sabe? Você quer fazê-los se enfrentarem?
Coen ergueu-se, seus cabelos escuros caíam em cascata, obscurecendo momentaneamente seus olhos antes de serem afastados por um movimento sutil de sua mão. Ele deslizou a palma contra a parede, usando-a como apoio enquanto se dirigia com passos lentos em direção à parte posterior do recinto.
— Será bom para ambos, e eu quero ver que tipo de trabalho a antiga rainha do abismo e o último Elfo do Mar fizeram com o meu garoto.
Bledha manteve seus olhos fixos nas costas de seu mestre, sua expressão revelando uma combinação de respeito e atenção concentrada. Seus olhos não se desviaram um momento sequer enquanto ele observava Coen afastar-se com passos lentos, cada movimento quase pausado.
— O seu pandoriano estará com Safira, e se ela conseguir realmente dominar a foice, então ela será uma força incontrolável… seu filho pode acabar morto…
Coen parou no corredor e encarou Bledha por cima dos ombros com um largo sorriso.
— É do meu filho que estamos falando. — Coen virou-se para frente, continuando sua caminhada. — Ele é teimoso como a mãe, não vai morrer tão fácil.