O Monarca do Céu - Capítulo 302
Fragmentado.
A Alada despertou, erguendo seus olhos cansados para encontrar Colin, que estava agachado e vasculhando alguns dos corpos próximos.
Seus dedos ágeis encontraram uma adaga peculiar, e ele a examinou minuciosamente antes de jogá-la displicentemente em um monte de tesouros.
— Não tem nada de útil aqui. — Ele enfiou a mão no bolso e fitou seu relógio. — Ficou em coma por dois dias inteiros. Cauterizei a ferida em suas asas e aproveitei para vasculhar esse lugar. — Colin apontou com o queixo para os fundos. — Tem uma passagem por ali, minha análise não funciona daquela passagem em diante.
Com dificuldade ela ergueu-se, escorando na parede.
Seu semblante sisudo ainda o encarava com certa fúria.
— Não pedi para fazer nada disso por mim, e não fale comigo dessa maneira, não sou sua companheira. — Ela se esforçou para erguer-se, seu corpo mostrando os sinais da recuperação.
Colin coçou a nuca e suspirou.
— Ainda continua fiel a Vallukna, né? Eu sabia que quebrar isso seria difícil. Consegue caminhar sem ajuda?
A Alada assentiu, estalando o pescoço e arrancando sua espada, que estava fincada no solo diante dela.
— E se eu quiser acabar com você aqui e agora? — ela provocou com um sorriso enigmático. — Aposto que se arrependeria de ter me curado, não é?
Os olhos de Colin encontraram os dela, inabaláveis.
— Você estaria cometendo suicídio — declarou com firmeza. — Nesse seu estado deplorável, seria morta sem dificuldade por mim.
A Alada apontou a espada em sua direção, mantendo o sorriso desafiador.
— Você que pens-
[Passos fantasma].
Clag!
Sua espada escapou de suas mãos, indo parar ao lado dos pés de Colin, que a segurava pelo pescoço enquanto a elevava no ar.
— Só estou te mantendo viva porque você pode ser útil pra mim, se não fosse por isso, eu já teria arrancado sua cabeça. — Ele apertou seu pescoço com intensidade. — Mas se você insistir com essa palhaçada, te matar não vai ser problema nenhum. — Comprimiu ainda mais, enquanto os pés dela se debatiam no ar e sua visão começava a escurecer. — Não te curei para você ser um fardo, então não seja.
Ele a soltou, e a Alada caiu de bunda, tossindo sem parar e massageando o pescoço dolorido. Colin permaneceu agachado e a encarou com seus olhos amarelos assustadores. Lentamente, estendeu a mão em sua direção.
Ela encarou aquela mão áspera, cautelosa. Colin, por sua vez, apoiou a mão em sua cabeça. Ela cerrou os olhos instintivamente, mas logo os abriu ao perceber que Colin não a atacaria.
Seus olhares se cruzaram.
— Você vai ser útil? — Colin inquiriu.
Ela engoliu em seco, sua expressão carregada de incerteza.
— … vou tentar…
Colin se ergueu, estendendo a mão para ajudá-la.
O silêncio pairou por um momento antes que Colin o rompesse.
— Já é um começo. — Ela estendeu a mão a Colin sem encará-lo, permitindo que ele a ajudasse a se erguer. — Melhor procurar algo para vestir. Esses trapos não devem durar muito.
Ela continuou em silêncio, deixando Colin suspirar enquanto estendia a mão para um cumprimento.
— A gente não começou bem, então eu gostaria de me apresentar. Sou Colin, e não, não sou o Devorador de Deuses. Estou nesse plano faz apenas alguns meses.
Ela, desconfiada, ergueu uma das sobrancelhas e estendeu a mão para cumprimentá-lo. A tensão ainda pairava no ar.
— Sou Scasya, braço direito de Vallukna e sua executora. — Soltaram as mãos, e ela desviou o olhar. — Se não é o Devorador… como você é tão forte?
— É como eu disse, sou de outro plano. — Colin apontou para o chão. — Esse lugar é onde eu queria estar. Vim para o plano astral somente para isso.
Aquelas palavras a deixaram ainda mais desconfiada.
— Por que alguém em sã consciência iria querer adentrar uma Antares? — Ela fez uma pausa. — A menos que… você tem a chave?
Foi a vez de Colin erguer a sobrancelha.
— Chave?
— Sim! Existem somente dois tipos de pessoas que adentram as Antares, pessoas com um mapa e pessoas com a chave. — Scasya apoiou a mão no queixo. — Tem algum anel ou alguma arma que você chama pelo nome e ela se transforma? Ou algum objeto super poderoso que carrega uma quantidade abundante de mana?
Colin mostrou o anel em seu dedo.
— Sim, Claymore.
Ela assentiu enquanto alisava o queixo, considerando suas palavras.
— Entendi, existem algumas dessas por aí… contém uma parte fragmentada do núcleo das Antares.
— Algumas? Pelo que aprendi, existem apenas sete.
— Sete desses artefatos que tem no dedo? — Ela abanou as mãos. — Não, talvez existam sete Antares que realmente sejam invioláveis, mas artefatos como esse existem aos montes, em vários lugares, espalhados por todos os planos. — Scasya o encarou no fundo dos olhos. — Entendi, esse é um dos Antares invioláveis… agora as coisas ficaram mais claras…
— Mais claras como?
— Esses corpos… esse tesouro ao nosso redor… não há como sair daqui sem chegarmos ao núcleo. E não há como fazer mapas de lugares assim, já que a chamam de invioláveis por um motivo… — Após um suspiro, ela coçou a nuca. — Resumindo, estamos presos aqui até chegarmos ao núcleo. — Ela começou a caminhar entre os corpos, fuçando em suas roupas. — Temos que nos mover, ou nunca chegaremos até o núcleo.
Scasya despiu um dos corpos mumificados e apenas limpou a poeira com pequenos bofetes. Virou-se de costas para Colin e começou a trocar de roupa. Ele não desviou o olhar, e ela sentiu aqueles olhos fixados nela, mas não sentiu nenhuma intenção vindo deles.
Ela trajou uma roupa escura, leve e flexível, composta por calças justas e uma blusa de mangas compridas, que permitiam movimentos ágeis e silenciosos.
Pegou também um cinturão com várias bolsas, pochetes e compartimentos estratégicos, permitia que Scasya carregasse algumas adagas. Suas botas eram especialmente projetadas para minimizar qualquer ruído enquanto se movia, permitindo que ela passasse despercebida até mesmo em terrenos difíceis.
— Vamos! — Abriu a palma da mão e sua espada foi até ela, a devolvendo a bainha. — Seu anel funciona como uma bússola, certo? — Ela apontou com o queixo. — Você vai na frente.
Colin assentiu e começou a caminhar em direção à passagem que havia comentado.
— Colin! — Ele virou-se de costas. — Quando tudo isso estiver resolvido, continuaremos a nossa luta.
Ele deu de ombros.
— Você quem sabe.
Colin caminhou em direção à passagem e Scasya o seguiu em silêncio.
[…]
Eles avançaram pelo corredor sombrio da masmorra, o eco de suas passadas ressoando nas paredes ásperas e irregulares. A única fonte de luz era a luminosidade fraca e azulada emitida pelos cristais incrustados nas paredes, criando sombras dançantes ao redor dos dois.
As paredes daquele corredor eram uma tapeçaria de pedra áspera e misteriosa, cobertas de marcas, runas e desenhos intrincados.
As runas pareciam guardar segredos mágicos esquecidos há eras, emitindo um brilho fraco, como guardiãs silenciosas de um passado remoto.
Os desenhos, complexos e enigmáticos, pareciam narrar antigas histórias e lendas perdidas no tempo.
— Então é assim que as Antares foram forjadas… — murmurou Scasya, sua voz uma reverberação suave no corredor escuro. — Olha! — Apontou para os desenhos na parede. — Parece que os primeiros Deuses esquecidos construíram as Antares para se protegerem, mas não sei de quê… talvez quisessem preservar sua força nesses lugares, mas acho que não funcionou…
Enquanto prosseguiam, o ar ao redor deles parecia ficar mais denso.
— Então… a Claymore verdadeira é um tipo de Deusa? — indagou Colin, sua voz ecoando levemente pelo corredor.
— Acho que não. Deve ter pertencido a eles em algum momento… ou pode ser parte do poder deles, isso ainda é nebuloso para mim.
— Você vive aqui e é braço direito de uma Deusa, pensei que já soubesse de tudo.
— Isso é impossível. O Plano Astral é infinito, é provável que se seguíssemos em linha reta por milhares de anos nunca encontraremos o fim.
Colin assentiu.
— Melhor a gente continuar — disse ele. — Não estou com um bom pressentimento sobre esse lugar.
— Sim, sinto que no final desse corredor deve haver algo.
Após alguns minutos de caminhada, alcançaram o fim do corredor, deparando-se com uma porta imponente e majestosa.
Ela era feita de um material desconhecido, resistindo aos séculos sem mostrar sinais de deterioração. Sua altura alcançava quase quatro metros, e sua largura era suficiente para que três pessoas passassem lado a lado.
— Está trancada — disse Scasya, passando a palma da mão sobre a superfície da porta. Estranhas runas e símbolos mágicos estavam talhados com precisão naquela barreira. — Temos que achar um jeito de atravessar. Deve haver algum mecanismo que a abra.
Colin arregaçou uma das mangas e se preparou para golpear a porta com confiança.
— Pode deixar que abro caminho.
— Isso não vai funcionar. É a porta de um Antares, se força física funcionasse, esses lugares não seriam tão difíceis de adentrar.
Determinado, Colin envolveu sua mão com mana refinada, pronta para o golpe.
Bam!
A pancada foi poderosa, levantando poeira e fazendo os cabelos de Scasya esvoaçarem. Num primeiro momento, a porta parecia resistir, mas em seguida rachou e estilhaçou como vidro, revelando um interior escuro que absorvia a luz.
Triunfante, Colin sorriu.
— Viu?! Não foi tão difícil.
Scasya, no entanto, manteve sua compostura.
— Você está portando uma das chaves, esse deve ser o motivo de a porta ter reagido ao seu golpe.
Colin riu.
— Por que não admite que estava errada?
Scasya empinou o nariz em resposta.
— Vá na frente, você tem a bússola, afinal.
Colin adentrou o espaço escuro com um sorriso convencido, e Scasya o seguiu, avançando pelo breu absoluto.
Poucos minutos depois, avistaram uma luz no final do túnel.
Uma luz intensa e brilhante os cegou momentaneamente, e quando seus olhos finalmente se ajustaram, viram-se em um cenário completamente diferente.
Eles estavam sobre uma ponte majestosa, com balaustradas de pedra cinza que se estendiam ao longo do caminho, enquanto amplas torres góticas se erguiam imponentes ao redor.
A cidade diante deles era um espetáculo de beleza sombria e imponência.
As ruas eram pavimentadas com pedras irregulares, ladeadas por construções góticas em tons de cinza e azul. A cidade se desdobrava com uma atmosfera misteriosa, banhada por uma luz azul pálida, quase etérea, que parecia emanar dos próprios edifícios.
Transeuntes trajando vestes escuras vagavam pelas ruas, alguns carregando tochas acesas, iluminando a escuridão com uma luz trêmula. Outros usavam vestimentas enigmáticas e capuzes que ocultavam seus rostos.
Os cidadãos da cidade observavam Colin e Scasya com curiosidade. Surpreendentemente, pareciam não estar surpresos com a chegada dos forasteiros, como se a aparição de estranhos vindos de outras terras fosse uma ocorrência comum naquele local enigmático.
Alguns murmuravam entre si, comentando sobre a aparência dos aventureiros e trocando olhares intrigados. Alguns deles acenavam cordialmente para Colin e Scasya, enquanto outros pareciam mais desconfiados, observando de longe.
A atmosfera da cidade era carregada de uma aura misteriosa e enigmática, e os cidadãos refletiam isso em suas expressões e comportamentos.
— Que merda aconteceu? — disse Colin, olhando ao redor. — Fomos transportados para outro plano?
Scasya estendeu a mão tentando tocar o ponto onde a porta estava, mas encontrou uma barreira invisível impedindo seu retorno.
— Não… fomos atraídos para uma armadilha do tempo.
Colin cerrou o punho, canalizando mana em sua mão e golpeou a parede invisível. No entanto, seu golpe, apesar de poderoso, pareceu impotente contra aquela barreira.
— Não perca tempo — disse Scasya com firmeza. — Estamos em um fragmento do tempo. Para ativá-lo, é necessária muita habilidade e parte das memórias do mago conjurador. — Ela começou a caminhar pela ponte. — Não vamos progredir enquanto não encontrarmos a saída deste lugar.
— Sério?! — Colin começou a segui-la. — Sabe que plano é esse? Se parece com o plano da raiz, o plano em que eu vivo.
— É provável que seja — respondeu Scasya com cautela, mantendo-se à frente e conduzindo o caminho.
Colin atravessou por dois senhores que estavam saindo da cidade e não pôde deixar de ouvir parte de sua conversa. Eles pareciam preocupados e ressentidos.
— Não ficarei aqui para ver o que Morbash fará com esta cidade quando a tomar! — Um dos senhores disse em um tom sombrio.
— Aqueles pirralhos ainda insistem em ficar do lado dela. São crianças seduzidas pelas palavras de uma bruxa! Que os Deuses tenham misericórdia de suas almas, porque Morbash não terá nenhuma! — respondeu o outro com amargura.
O nome “Morbash” ecoou na mente de Colin, e a névoa que obscurecia suas memórias começou a se dissipar.
Ele se virou para os senhores, que já haviam ultrapassado a barreira invisível.
— Ei! — chamou Colin. — Qual é o nome da rainha? Da mulher que comanda esse lugar?
Os senhores trocaram olhares incertos, hesitando por um momento antes de responder.
— Veio lutar por ela também? Não perca seu tempo, Elfo. Estará jogando sua vida fora por nada.
— Não precisa se preocupar, apenas me digam com quem preciso falar.
Os senhores se entreolharam novamente e, finalmente, suspiraram resignados.
— Procure por um posto de controle. Aqueles garotos podem levá-lo até Kerie Leerstrom. Boa sorte, Elfo.
Colin assentiu com um sorriso amigável, despedindo-se deles.
— Tenham uma boa viagem!
Virou-se para Scasya, que o observava com curiosidade.
— Sei onde estamos agora, mas preciso ter uma coisa clara, isso é de fato um fragmento de memória, certo? E, pelo visto, precisamos encontrar algo para avançar, não é?
Scasya concordou. — Até onde sei, sim.
— Estamos no plano da raiz, e esse deve ser o começo da Era dos Heróis. Kerie Leerstrom é uma ancestral de uma companheira minha.
Scasya assentiu com a mão no queixo, assimilando as informações.
— Sim, faz sentido… acho que entendi o que está acontecendo… — Ela olhou para o anel na mão dele e supôs. — Você está portando apenas um fragmento da verdadeira Claymore, a grosso modo, diria que o que está em seu dedo é apenas uma cópia, e a original está aqui… ou parte do fragmento que compõe a original.
O sorriso no rosto de Colin se ampliou, e ele começou a caminhar pela ponte com determinação.
— Então isso significa que o portador da Claymore original está bem aqui, certo? — ele indagou animado. — Isso significa que temos que recuperar a Claymore original para avançarmos!
Scasya concordou, e os dois aumentaram o ritmo de sua caminhada.
— Talvez uma luta possa até acontecer neste lugar, uma luta contra Claymore com seu portador usando a totalidade de seu poder! — Scasya especulou.
Colin estava mais do que animado para enfrentar essa batalha.
— Então o que estamos esperando?