O Monarca do Céu - Capítulo 305
Boas notícias.
A pequena vila improvisada construída às pressas estava bem movimentada. Homens desembarcavam caixotes das carruagens, alinhando-os junto às soleiras das antigas casas. Em seguida, eles abriam os caixotes e distribuíam generosamente provisões para as famílias que se aproximavam famintas.
Era a primeira vez em muito tempo que todas aquelas pessoas, salvas pela benevolência da Santa, podiam desfrutar de refeições fartas e um abrigo quente desde que haviam sido libertas.
Os homens leais a Isabela continuavam a auxiliar o pequeno vilarejo da melhor maneira possível, entregando cobertores, suprimentos e até mesmo ajudando a reparar as casas que haviam sido deterioradas pelo clima implacável.
Próximo aos estábulos, Brighid se preparava para partir.
Chegara a hora de encerrar sua missão contra o culto a Drez’gan e retornar ao seu objetivo principal: encontrar Colin e embarcar na busca por seus filhos.
Ela concluiu o armazenamento dos alimentos em seu alforje e subiu em seu cavalo, lançando um olhar significativo na direção de Elga, uma das subordinadas diretas de Isabela.
— Volto em quinze dias — Brighid anunciou, puxando as rédeas. — Cuidem bem do vilarejo enquanto eu estiver fora.
— Pode deixar, Santa.
— Já disse para não me chamar assim.
— Mas é assim que o povo te vê. — Elga acenou com as mãos. — Até mais, Brighid, e boa sorte.
Brighid assentiu e saiu dos estábulos.
Kurth e Sylvana montavam um cavalo, envoltos em capas escuras como a dela, e Eden estava no outro. Eles se juntaram a Brighid e partiram do vilarejo.
— Uma mulher e três crianças — murmurou um colega de Elga. — Será que eles têm alguma chance? Os cultistas não são moleza nem para nós.
Elga deu de ombros. — Quem sabe? Mas ela chegou longe. — Ela se afastou dos estábulos. — Ela merece o respeito que tem. Pode estar fraca agora, mas é a única Monarca de tríade que conheço, talvez a única de toda a história desse plano.
Seu colega a seguiu. — E a senhorita Isabella? Por que ela está apoiando esse grupo tão instável? Primeiro ela se alia àquela rainha louca, e agora aposta numa mulher e num bando de crianças…
— Isabella sabe o que faz, não se preocupe. Apenas faça o seu trabalho.
— Está bem.
Elga parou, enquanto seu companheiro se afastou, indo para perto de seus outros companheiros. Suspirando, Elga coçou a nuca.
“Mestra Isabela nunca teria ficado ao lado da rainha Ayla se fosse há alguns anos, isso significa que ela acredita mesmo que Runyra pode vencer essa guerra contra o centro-leste… bem, de qualquer modo, se essa mulher retornar viva, então as chances daquela rainha maluca aumentam… não nos decepcione, Santa de Valéria.”
[…]
Ayla desfrutava de um estado de tranquilidade que abraçava cada canto de sua existência. Suas dedicadas servas haviam assegurado amas de leite de confiança para nutrir as crianças que Coen havia trazido algumas noites atrás.
Sentada em sua cadeira de balanço, Ayla segurava Cayuin com um dos braços, alimentando-o com uma mamadeira.
Os outros dois berços estavam posicionados ao seu lado, permitindo que ela mantivesse um olhar vigilante sobre as crianças.
Ela os cuidava com todo o carinho, como se fossem seus próprios filhos.
Ayla mal havia deixado o quarto, aproveitando a calmaria tanto da cidade quanto de seu reino.
Com a maioria dos nobres partindo para empreender na campanha de conquista dos oito países bárbaros, uma parcela significativa de seus problemas havia ido com eles.
Enquanto as crianças se alimentavam tranquilamente, Ayla aguardava com ansiedade notícias de Jane, desejando saber o desempenho dos nobres em sua campanha de guerra.
A porta se abriu um pouco, mostrando três rostinhos curiosos. Ayla sorriu carinhosamente.
— Entrem!
Brey, Melyssa e Nailah entraram devagar, todas agasalhadas. Foram ver o bebê que Ayla tinha no colo.
— É o irmãozinho de vocês.
As três olharam o pequeno com admiração. — Ele já nasceu? — perguntou Brey. — E por que sua barriga continua grande?
Ayla riu baixo, olhando para a menina.
— Esse não é o meu, é da mamãe Brighid.
Brey e Melyssa trocaram olhares animados. — Ela está aqui? — perguntaram juntas.
— Ainda não, mas logo chega. Ela só deixou os irmãozinhos de vocês comigo, não se preocupem.
Elas sorriram e foram ver as outras duas crianças nos berços.
— Olhem! — disse Brey, apontando para Cohen. — Esse é a cara do papai, é tão pequenininho… — Ela olhou para Ayla na cadeira. — Será que ele vai ser forte igual ao papai?
Ayla deu de ombros. — Se ele se esforçar muito, pode ser.
Elas correram para o outro berço. — Essa é igualzinha à mamãe Brighid! — disse Brey. — Até o cabelo é verde. — Ela voltou a olhar para Ayla. — Mamãe, o seu vai parecer com quem? Com você ou com o papai?
— Não sei — respondeu Ayla, sorrindo. Ela mesma já tinha pensado nisso várias vezes. — Talvez com os dois, talvez com nenhum, quem sabe.
— Mamãe! — chamou Nailah. — Vai ser menino ou menina?
Ayla deu de ombros de novo.
— Também não sei.
— Tomara que seja menina — disse Brey, sorrindo inocentemente. — Assim teria mais uma para brincar com as nossas bonecas, né?
Tuly apareceu na porta com uma expressão séria.
— Querem segurar ele um pouco?
Os olhos delas brilharam.
— Queremos! — disseram em coro.
Ayla passou o garoto com cuidado para Melyssa, que era a mais velha e a mais cuidadosa das meninas. — Cuidado, hein! Ficarei aqui na porta, se precisarem de mim é só chamar, tá bom?
Ayla se afastou e elas ficaram olhando para o bebê, que as observava com os olhos amarelos bem abertos.
— Que fofinho! — exclamou Brey. — Será que demora muito para ele brincar com a gente?
— Acho que sim… — disse Nailah sem muita certeza. — Ele é muito pequenininho, nem deve saber engatinhar…
Brey estendeu o dedo para o garotinho, que o segurou. — Oi! Eu sou a Brey, sua irmã mais velha. Essas são Nailah e Melyssa, suas outras irmãs mais velhas. Você tem que fazer o que a gente mandar, tá?
O bebê continuava olhando para cada uma delas. — Acho que ele não entendeu nada — falou Nailah.
— Entendeu sim! — Brey sorriu confiante. — Eu sei falar a língua dos bebês.
Nailah levantou uma sobrancelha. — Mentira!
— Verdade! Tem um cachorrinho no jardim, eu falo com ele e ele me obedece. Mando ele sentar e ele senta.
Melyssa suspirou. — Crianças e filhotes não são a mesma coisa, Brey.
— São, sim, os dois são pequenininhos, fazem xixi e cocô em qualquer lugar, são iguais pra mim.
Ayla estava do lado de fora do quarto, de frente para Tuly, que lhe entregou uma carta. Ayla a abriu com cuidado.
[…]
[Vinte dias atrás].
Assim que partiram de Runyra, os nobres se dividiram, cada um seguindo com seu contingente de homens. O plano traçado era simples: concentrar seus esforços na eliminação dos inúmeros acampamentos dos Nortenhos inimigos espalhados pela região, com o objetivo de reduzir suas forças.
Com cautela para evitar a exposição, Gustav e seu conselheiro organizaram suas tropas para um ataque surpresa a uma torre de vigia dos Nortenhos, localizada próxima à fronteira.
O ataque foi executado com êxito, resultando na captura de um ponto estratégico vital. No entanto, não houve prisioneiros, pois os Nortenhos foram aniquilados sem misericórdia, transformando a torre em um ponto de abastecimento para outras guarnições aliadas.
No entanto, a liderança traz não apenas glória, mas também desafios.
Dieter e seus homens foram surpreendidos não apenas pelos Nortenhos, mas também por trolls e ogros, resultando em um massacre.
Nem mesmo as catapultas, canhões, magos e mercenários contratados puderam salvar a situação. Dieter se viu obrigado a bater em retirada, abandonando para trás um cenário desolador.
O campo de batalha se tornou uma cena sombria, repleta de destroços de armas e armaduras espalhados por toda parte. Os corpos dos mercenários e soldados mortos formavam uma trilha sangrenta que percorria o terreno.
Os rugidos triunfantes dos trolls ecoavam, lançando o terror entre os poucos sobreviventes que tentavam escapar.
As poderosas catapultas de Dieter, que antes retumbavam com o poder de seus disparos, jaziam agora quebradas e inúteis, enquanto os canhões estavam parcialmente enterrados sob as cinzas das explosões.
Os mercenários, outrora formidáveis, foram reduzidos a sombras de si mesmos, sua bravura substituída pelo desespero e medo.
A retirada de Dieter foi caótica, com homens feridos e exaustos se arrastando na neve, tentando escapar do implacável ataque dos Nortenhos, trolls e ogros.
Derrotado e humilhado, Dieter reconheceu a necessidade de recuar, reagrupar suas forças e conceber uma nova estratégia capaz de conter o avanço inimigo.
Quando suas tropas finalmente conseguiram recuar e estabelecer um acampamento, uma tragédia ocorreu.
Dieter foi encontrado morto em sua cama, com a garganta cortada, pela manhã. As circunstâncias de sua morte permanecem envoltas em mistério, com algumas suspeitas de suicídio e outras de assassinato.
[Quinze dias atrás].
Este fora o dia da grande batalha de Olaghig, onde mais uma vez o grupo de Gustav avançou contra Trolls, Ogros e Nortenhos, e mesmo assim os massacrou. Seus magos da flama incineraram o campo de batalha, reduzindo seus inimigos a cinzas enquanto deixava seus homens para fazerem o que bem entenderem com seus inimigos.
Sob o comando de Gustav estavam quase dez mil mercenários experientes, que se separaram em pequenos grupos e avançaram pelas vilas pequenas. Sua sede de sangue era insaciável, então não tiveram pena de ninguém, nem das crianças. Mulheres e meninas foram violadas, e assim que terminavam, cortavam suas gargantas, deixando seus corpos para os animais selvagens.
No mesmo dia, a batalha de Cailyassa se desenrolava. Outro nobre, conhecido como Brag, o amputador, invadiu uma grande vila nortenha, imitando o modus operandi de Gustav. Nesse terrível embate, um poderoso dragão vermelho foi abatido por habilidosos arqueiros, e, durante a noite, a vitória foi celebrada com a pilhagem de bebidas, comida e as prisioneiras.
[Doze dias atrás].
Foi o dia de outro grande nome se destacar, Grunzor, o portador da chama. Com sua grande reserva de magia ele conseguiu subjugar um exército poderoso de Nortenhos. Seu grupo cruzou com Olohand, a montanha.
Relatos diziam que aquela havia sido uma batalha brutal, mas Grunzor saiu vitorioso, decapitando Olohand e pendurando sua cabeça na entrada da cidade conquistada.
[Seis dias atrás].
O primeiro país fora dominado neste dia. Gustav e seu exército de mercenários encontrou pouca resistência, e assim que invadiram os portões da cidade não encontraram civis, todos já haviam escapado. Restaram alguns poucos soldados que ficaram para servirem de distração, mesmo sabendo que Gustav não fazia reféns.
Também não havia sobrado comida, então, apesar da vitória esmagadora, Gustav não teve com o que comemorar, e aquilo deixou seus homens furiosos, que não se contentaram e marcharam rumo ao próximo país.
[Quatro dias atrás].
Grunzor e seus homens incendiavam outro país, avançando com suas forças imparáveis, trucidando qualquer inimigo pelo caminho, mas algo aconteceu.
Assim como Dieter, Grunzor foi encontrado com a garganta cortada pela manhã. Naquela mesma manhã, seu exército sofreu um brutal contra ataque. Sem ele para organizar, os homens de Grunzor foram completamente massacrados.
Porém, foi o dia de Brag, o amputador, triunfar. Ele havia conseguido abater outro grande nome do Norte, Davben, o senhor dos vermes, conquistando mais uma capital e hasteando ali sua bandeira.
Em menos de vinte dias de conflito, dois países haviam sido conquistados e a vitória parecia certa. Mais de cem mil pessoas haviam perdido a vida desde o início do conflito, e os números tendiam a aumentar conforme o conflito escalava.
[…]
Ayla terminou de ler o pequeno relatório contido nas cartas e as queimou, deixando os papéis virarem cinzas no chão.
Ela parecia desapontada.
— Eles foram mais espertos do que eu esperava… — murmurou ela, com o queixo apoiado na mão e o olhar perdido no horizonte. — Eu os subestimei, mas não faz mal. Eu tenho um plano reserva para isso.
— Posso ajudá-la em algo mais, majestade?
— Sim, você pode. Lina Ultan I ainda está na cidade? Preciso conversar com ela o mais rápido possível. E os outros três? Quando eles chegam?
— Eles devem chegar amanhã, majestade. E eu já arranjei uma reunião com Lina Ultan I para a senhora. Ah, e tem mais uma coisa. — Ele tirou do paletó um envelope e entregou a ela.
Ayla reconheceu o selo na carta.
Era de Isabella.
Ela rasgou o envelope e leu o conteúdo em silêncio. Suas sobrancelhas se arquearam por um momento, e depois seu rosto tenso se suavizou, como se um fardo tivesse sido aliviado.
— Que bom… — disse com um suspiro. — Isabela encontrou Brighid, disse que em breve ela estará aqui. Menos uma coisa para me preocupar, assim posso concentrar meus esforços nos oito países. — Encarou Tuly. — Josan, aquele rapaz que veio com Cymuel, o responsável pelas ruínas da capital de Ultan, chame-o aqui, diga que tenho uma tarefa para ele.
— Sim, senhora.
Nota do autor:
Para os que ainda não estão no grupo do Discord, essa é Brighid, postada há algum tempo lá. Participe do grupo seu corno.