O Monarca do Céu - Capítulo 306
A Ordem.
A porta abriu-se lentamente, e como foi solicitado, Josan adentrou usando roupas casuais, já que não estava em atividade. Era a primeira vez que ele avistava a rainha. Outros homens abaixariam a guarda por sua beleza, mas Josan manteve-se cauteloso.
Ele ouvira os feitos dela pelo corredor, e sabia que ela não era intimidadora ou violenta como Colin, mas ela era ardilosa, já que para comprar briga com metade do continente e mesmo assim continuar viva não era uma tarefa que alguém normalmente faria.
Aqueles olhos amarelos dela o julgavam em silêncio, e como um caçador experiente, Josan sentiu que ela não estava sozinha, havia outra coisa com ela, algo escondido naquele quarto, ou quem sabe, em sua sombra.
Era difícil lidar com toda aquela aura opressora que vinha de todos os cantos. Ele sentiu que um único deslize poderia custar sua vida, já que Ayla não lidava com grupos de bandidos ou arruaceiros, seus inimigos eram Reis, Rainhas, magos poderosos, a elite do leste.
Josan também soube que todo esquema que envolvia Franz e sua rede de tráfico infantil foi desfeita, e as cabeças foram enviadas aos países de origem. O nome de Ayla não estava ligado somente a benevolência e seus trabalhos de caridade com a igreja, mas também a crueldade e astúcia.
Os agoureiros, um grupo de mercenários controlado por Alexander, havia sido completamente trucidado meses atrás, e agora ela estava se livrando dos nobres de dentro para fora. Ele não podia afirmar que as mortes de Dieter e Grunzor foi obra sua, mas as circunstâncias se encaixavam perfeitamente em assassinato.
— Você está bem? — Ayla perguntou com um tom de desdém, fitando Josan com um olhar de desprezo.
Ele estava paralisado diante dela, sem coragem de falar, enquanto ela o examinava com arrogância.
— S-sim, estou… — ele gaguejou.
Ela fez um gesto para a cadeira à sua frente e ele se sentou, tremendo a cada passo. Josan suava frio, sentindo a pressão da presença dela.
A rainha estava grávida, mas não parecia vulnerável, pelo contrário, parecia tão poderosa quanto perigosa.
— Meu marido me contou que você veio para nos ajudar. Ele também me falou do seu passado com ele, mas não se preocupe, não vou te machucar, pelo menos não agora. Tenho uma missão para você — ela disse com uma voz fria.
Josan engoliu em seco e arregalou os olhos.
— Missão?
— Isso mesmo. — Ayla se levantou um pouco, abriu sua gaveta e tirou um pergaminho que entregou a Josan.
Ele o abriu com cuidado, lendo cada linha com atenção. Quando terminou, olhou para Ayla com mais confusão do que antes.
— Uma Ordem? Você quer criar uma Ordem?
Ela confirmou com a cabeça. — Você e seus amigos caçavam as corrupções do abismo, não é? E meu marido matou todos eles por tentarem atacar Brighid. Apesar dessa tragédia, caçar as corrupções do abismo não é uma má ideia.
Josan ainda não entendia. — E você quer que eu lidere essa ordem?
— Exatamente. — Ayla se recostou na cadeira, jogando o cabelo para trás e acariciando a barriga.
— Vocês estavam certos, a corrupção do abismo é real, e está crescendo a cada dia. Você sabe quem é o Deus Morto, Josan?
Ele sentiu um calafrio. — É o Deus que os cultistas do Norte e do Sul adoram — ele respondeu. — Enfrentamos alguns deles nas nossas jornadas…
Ayla assentiu novamente. — Alexander é um dos apóstolos do Deus Morto, seu nome verdadeiro é Braz’gallan. Ele tomou o corpo de Alexander como hospedeiro, mas ainda não recuperou todo o seu poder.
Josan sentiu um calafrio na espinha. Ele olhou para a rainha com incredulidade, tentando assimilar a gravidade da situação.
— Quer dizer que… estamos prestes a enfrentar uma divindade em guerra? — Josan passou a mão na testa, suando frio. — Pelos Deuses, isso é um pesadelo! Como vamos sobreviver a isso?
Ayla manteve a calma, mas ficou surpresa com o pânico de Josan. — Acalme-se, caçador. Não é o fim do mundo. Você tem uma missão importante a cumprir, impedir os cultistas de ajudarem Alexander. Eu e meu marido cuidaremos do resto.
— A senhora vai lutar contra o apóstolo de um Deus? Isso é insano, mesmo para Colin… Ele é poderoso, mas não é invencível.
Ayla sorriu de canto. — Não se preocupe com isso, caçador. Temos um plano. Você será condecorado como cavaleiro amanhã, ao nascer do sol. Não se atrase.
— Como assim? O que isso significa?
— Significa que a Ordem dos Caçadores de Espectros será uma divisão especial de Runyra. Financiaremos a Ordem, fornecendo equipamentos, manutenção e salários. Mas a Ordem terá que seguir as leis e os valores de Runyra. Eu não quero assassinos ou sanguinários, eu quero uma Ordem honrada e justa. A imagem de Runyra está em jogo, e você será o líder da Ordem.
Uma responsabilidade enorme havia sido posta nas mãos de Josan, e ele queria recusar, mas tinha medo que a rainha pudesse fazer algo contra Cymuel ou Bertina, afinal, Colin disse que ele o pertencia, e irritar a rainha poderia irritar o rei.
— Certo… — balbuciou. — Aceito fazer parte da Ordem…
— Ótimo! Não se esqueça de comparecer à nomeação amanhã ao raiar do sol. Temos que mudar suas roupas, corte de cabelo e não fique com essa cara de assustado o tempo todo, seja mais ameaçador. Estarei aguardando.
Josan fez uma reverência e foi em direção à saída. Assim que passou pela porta, deu de cara com Lina Ultan I. Ela estava vestida casualmente, usando camisa de lã justa ao corpo, assim como calças escuras e sapatos da mesma cor.
Seu longo cabelo escuro caia em cascata por seus ombros. Lina era mais alta que Josan, e seus olhos eram ainda mais intensos que os de Ayla.
Assim que passou pela porta, Lina adentrou, fechando-a em seguida.
“Aonde fui me meter… que merda.”
Lina entrou na sala sem esperar por um convite e se acomodou na poltrona, cruzando as pernas.
— Como está se sentindo, rainha? — perguntou Lina, observando o ambiente. — Mudou a decoração? Está diferente da última vez que vim aqui.
— Estou bem, tirando os enjoos e as náuseas. Meus seios estão menos doloridos agora. E sim, eu quis dar uma renovada no lugar.
Lina assentiu e olhou para a rainha com curiosidade. — Você me chamou aqui por algum motivo especial?
Ayla confirmou com a cabeça. Levantou-se e pegou um livro, entregando-o a Lina.
A capa era de couro escuro com um tom esverdeado, suave e gasta pelo tempo. Parecia um livro comum à primeira vista, mas ao examiná-lo melhor, Lina sentiu uma aura de mistério e magia.
Ela abriu o livro e folheou as páginas grossas e amareladas, manchadas de tinta em alguns trechos. O livro estava cheio de símbolos e ilustrações que pareciam ganhar vida na página, com cores vibrantes e formas variadas.
Havia círculos mágicos detalhados, desenhos de criaturas míticas e figuras mágicas.
— O que é isso? — perguntou Lina. — Um livro de magia?
Ayla assentiu. — Foi a primeira esposa do meu marido que fez. É só o básico.
— Brighid fez isso?
— Sim. Eu já li duas vezes. Ela explica muito bem, e com esse livro dá para aprender o básico da magia por completo. Mas é melhor ter alguém experiente para ajudar.
Lina fechou o livro e o colocou na mesa.
— Qual é o seu plano, majestade?
— Você sabe que quero acabar com o seu irmão, mas tenho outra ideia que pode nos ajudar. Você viu aquele rapaz que estava aqui?
— O magricela?
— Ele vai liderar a nova Ordem dos Caçadores de Espectros. Runyra está prosperando, e temos dinheiro para investir em coisas importantes.
— Deixe-me adivinhar, você quer me dar uma missão especial, certo? Mas eu não posso deixar o meu irmão escapar.
Ayla suspirou. — Você podia me deixar falar?
Lina encolheu os ombros. — Tudo bem, mas já sabe a minha resposta.
— Os carniceiros são mais poderosos do que os guardas de Runyra. Quase todos os homens do ducado de meu marido são soldados. Às vezes lutam contra invasores do Império do Sul e Noron. Eles têm muita experiência em combate. Dito isso, quero dizer que criarei uma universidade, melhor do que a de Ultan.
Lina arqueou uma sobrancelha. — Você quer que eu ensine?
— Sim. Ultan misturava alunos de tríades diferentes, um método primitivo. Quero fazer quatro grupos, baseados nas quatro tríades, para que os alunos se concentrem no que os fortalece. — Ela apontou para o livro. — Este livro ensina o básico, e quem o estuda pode chegar ao nível cinco da sua árvore em alguns anos. Mas com a ajuda de mestres experientes, os anos viram meses.
Lina coçou o queixo, pensando na proposta.
— Você está fazendo isso para recrutar soldados?
— Runyra tem muita gente, e as crianças crescem na guerra. Não faltariam voluntários para lutar.
— Você está seguindo os passos do meu pai, e sabe como ele acabou, não sabe?
Ayla assentiu. — Seu pai não queria o fim da guerra, e pagava para mantê-la viva. Sem falar na corrupção em Ultan, que era enorme. Estou limpando Runyra e centralizando o poder na família real, como sempre deveria ter sido desde a época de meu pai.
— Por isso você mandou os seus inimigos para a guerra?
— Eles me forçaram a isso. Em breve serão substituídos. E então, você aceita ou não a minha proposta?
Lina deu de ombros. — O que eu ganho com isso?
— O que você quer?
Ela deu de ombros de novo. — Aquele rapaz que saiu daqui vai virar cavaleiro, certo? Quero ser grão-mestre de Runyra e ajudá-la na guerra.
Ayla franziu a testa.
— Quer um título em troca da sua ajuda? Você já tem muita liberdade aqui. Assim que a guerra contra os oito países terminar, Runyra será o maior império da história do continente.
— Acredito que será, mas quero um título e o comando de soldados quando precisar. — Lina sorriu de canto. — Não se preocupe, eu não vou trair você. Colin foi meu aluno, e eu amo as crianças como se fossem minhas. Só quero ter uma chance contra o meu irmão.
Ayla a encarou com frieza, mas depois concordou. — Está bem, eu vou fazer você Grão-Mestre do seu grupo. Você será responsável pelos seus homens, e só.
Lina acenou com a cabeça.
— Você não confia em mim, né? Tudo bem, temos um acordo. — Ela sorriu. — Mas quero saber o seu plano, rainha.
Ayla devolveu o sorriso. — Logo você vai saber, agora pode ir. Está dispensada.
Lina se levantou. — Grávida e ainda cuidando de tudo isso… chega a ser assustador, mas não nego que está sendo divertido sua empreitada contra todo Leste, e me impressiona que você esteja tendo resultados com isso.
— Mereço um descanso, isso, sim, mas ainda tenho muito trabalho.
— Eu sei, eu sei. Até mais.
Lina saiu da sala e Ayla suspirou, cobrindo os olhos com a mão. Ela estava com uma dor de cabeça terrível, mas não podia adiar os seus compromissos.
Nota do Autor: Ayla antes de ficar buchuda. (Todos te odeiam, mas eu te amo).