O Monarca do Céu - Capítulo 311
Situação no fronte de batalha.
Faziam meses desde que Dasken, Lettini e Falone estiveram na grande capital. Ela estava mais cheia, mais viva, com construções e comércios por todo lugar.
Passaram em frente a grande catedral gótica de St. Cuthberta, e diversas outras que haviam sido erguidas, lotadas de fiéis. Além dos doze Deuses das árvores, duas religiões começaram a se destacar naquela cidade.
Por influência da rainha, muitos Elfos focaram sua devoção na Deusa da neve, enquanto humanos, por influência de Valéria, criaram catedrais de adoração a Brighid, a Santa.
Não havia limites para a criação de símbolos religiosos em Runyra. Se os sacerdotes ou fiéis tivessem a terra, poderiam construir o que quisessem nela.
Descendo da grande carruagem que os trouxeram, aqueles três foram cumprimentados pelos guardas, que os disseram para os acompanharem.
Por onde passavam os soldados e guardas faziam reverência, deixando Lettini desconfiada.
Ela chegou ao ouvido de Dasken.
— Ei! A-Acho que isso é uma armadilha, eles vão nos matar!
Acostumado com a paranoia da parceira, Dasken deu um longo suspiro.
— Não precisa se preocupar, a rainha não nos chamaria aqui só para nos matar. Somos os líderes dos carniceiros, esqueceu?
Abrindo um sorriso nervoso, Lettini apoiou a mão no cabo da sua adaga na cintura.
— Va-Vai funcionar assim — cochichou. — Consigo degolar todos eles bem rápido, então você e Falone me dão cobertura, daí a gente alcança os cavalos e foge!
— Do que estão falando? — indagou Falone baixinho.
— Nada — respondeu Dasken. — Lettini está com as paranoias dela de sempre.
— Na-Não é paranoia! E-E se senhor Colin se cansou da gente e está nos arrastando para uma armadilha?
Falone cruzou os braços e também deu um longo suspiro.
— Senhor Colin não vai nos matar, ele nos adora, esqueceu? E se ele quisesse nos matar, não tem muito o que a gente poderia fazer…
Lettini começou a roer as unhas enquanto suava frio.
— Me-Merda! Eu sabia que não devia ter vindo!
— Senhores, chegamos! — Um dos soldados que os acompanhavam empurrou a porta para o grande salão.
O salão de nomeação da Rainha era um local majestoso, grandioso e imponente, digno da corte real.
As paredes estavam adornadas com tapeçarias requintadas que retratavam vívidas cenas da história do reino. Enormes lustres de cristal pendiam do teto alto, lançando uma luz dourada e suave que banhava o salão em uma atmosfera de esplendor.
As altas janelas permitiam a entrada de uma suave luminosidade solar, revelando com clareza os intrincados detalhes da decoração.
A nova nobreza, escolhida a dedo por Ayla, estava disposta nos lados do salão, ostentando roupas luxuosas e exibindo em seus trajes as insígnias de poder e posição.
O semicírculo que eles formavam ao redor do centro do salão denotava a importância solene do evento que estava prestes a ocorrer.
No epicentro do salão, o trono da Rainha Ayla brilhava com a riqueza da sua confecção em madeira nobre, detalhes de ouro reluzindo, e ornamentos de joias que o decoravam.
A própria rainha estava sentada ali, trajando vestes reais que misturavam o puro branco da realeza com o vermelho intenso da sua autoridade.
A coroa que adornava sua cabeça era símbolo incontestável do seu reinado. Seus cabelos, alvos como a neve, fluíam com elegância até os ombros, emoldurando seu rosto sereno.
Os olhos da Rainha estavam tão amarelos como o sol da tarde de verão, um contraste marcante com sua pele pálida.
A nomeação da rainha não era motivo de alegria para todos na corte. Alguns nobres mantinham expressões de descontentamento, olhares afiados e postura inabalável.
Ficava evidente que o ambiente estava impregnado de intrigas e rivalidades, e a nomeação da rainha não era do agrado de todos. Isso criava uma tensão palpável, que pairava no ar como uma tempestade iminente.
Esses nobres, mesmo que não expressassem abertamente sua insatisfação, se comunicavam por meio de olhares e gestos sutis, constituindo um grupo discreto de oposição nas sombras do salão.
A Rainha então se ergueu no centro do salão, diante da alta nobreza, dos membros da corte e daqueles que haviam se reunido para testemunhar a nomeação.
A seu lado direito, estava Josan, um homem desconhecido para muitos naquele recinto, mas sua presença ao lado da rainha era o bastante. Ao seu lado esquerdo estava Lina, a filha do grande imperador Ultan que todos conheciam muito bem.
Vestido com o distintivo traje da Ordem dos Caçadores de Espectros, Josan irradiava uma imagem imponente.
A indumentária da Ordem dos Caçadores de Espectros unia elementos que refletiam a seriedade de seu propósito e a natureza hostil de suas futuras missões.
As vestes evocavam de maneira sutil a estética do sacerdócio, mas seu design era sobretudo funcional e prático, ideal para as batalhas e jornadas perigosas que a Ordem encararia.
O traje central da ordem consistia em uma túnica longa, de linhas elegantes e predominantemente branca, simbolizando a pureza de sua missão.
Contudo, detalhes em preto enfeitavam a vestimenta, representando as sombras do abismo que enfrentariam.
A túnica era confeccionada com um tecido resistente e durável, projetada para proporcionar liberdade de movimento e proteção contra magias elementais de nível três e inferior.
Josan usava cintos e bolsos estrategicamente posicionados, ideais para transportar poções. Suas botas eram robustas, reforçadas com discretas placas de metal.
No traje da Ordem, um dos elementos mais marcantes era a capa longa e encapuzada.
A capa, negra como a noite, com um capuz que podia ser erguido, sombreando o rosto do caçador.
Além disso, o Caçador de Espectros usava amuletos com o brasão da Ordem, uma figura estilizada que lembrava uma lança atravessando um véu de sombras.
— Este ao meu lado é Josan, não faz muito tempo que ele combatia as forças do abismo com seu grupo que acabou sendo dizimado, restando apenas ele. Hoje, Josan se tornará o primeiro membro e líder da Ordem conhecida como Ordem dos Caçadores de Espectros. O mal do abismo cresce cada vez mais nessas terras, e a Ordem ficará encarregada de combatê-lo.
Ayla pegou uma espada de prata e Josan ajoelhou-se perante a Rainha, com olhos sérios e um coração repleto de propósito.
— Josan, hoje filho de Runyra, vos nomeio líder dos Caçadores de Espectros — proclamou a rainha, erguendo a espada que simbolizava o poder real. — Aceite essa espada, símbolo da nossa confiança e da missão nobre que agora vos é incumbida. Jure perante os Deuses, perante esta corte e perante o reino, que combaterá a corrupção do abismo, que defenderá os inocentes e que honrará este título com fidelidade.
— Juro perante os Deuses honrar o título que a mim foi dado.
A espada foi colocada sobre seu ombro, selando o compromisso que ele estava prestes a assumir.
— Pelo poder a mim concedido, declaro você, Josan, a sentinela, líder e o primeiro membro da Ordem dos Caçadores de Espectros. O povo de Runyra confiará a você a segurança do reino contra a corrupção do abismo, contamos com os seus serviços.
Foi a vez de Lina.
Cada peça da armadura dela era habilmente trabalhada em metal negro polido. Seu elmo, segurado debaixo do braço, era adornado com detalhes em ébano, enquanto a viseira, se usada, revelava apenas uma parte dos seus olhos intensamente escuros.
Lina ajoelhou-se diante da rainha com uma graça controlada, o som suave do metal de sua armadura ecoando no salão.
O joelho da cavaleira tocou o chão com firmeza, enquanto sua cabeça se inclinava em sinal de respeito diante da monarca.
O cabelo negro de Lina, tão escuro quanto à meia-noite, caía em cascata sobre seus ombros em fios longos e lisos.
— Lina Ultan I, a primeira de seu nome, herdeira do sangue de Ultan, espadachim espiritual, e agora filha de Runyra — proclamou erguendo a espada. — Aceite essa espada, símbolo da missão que agora vos é incumbida. Jure perante os Deuses, perante esta corte e perante o reino, que combaterá as ameaças externas de Runyra, e que dará a vida para proteger os inocentes, os justos e os íntegros.
— Juro perante os Deuses honrar o título que a mim foi dado.
A espada foi colocada em seu ombro.
— Pelo poder a mim concebido, declaro você, Lina, a primeira grão-mestre de Runyra, senhora da casa renascida de Ultan e protetora das terras de Runyra. Honre o seu título.
Enquanto alguns nobres aplaudiam com entusiasmo, satisfeitos com as nomeações e confiantes nas habilidades daqueles dois, outros observavam com desdém, claramente insatisfeitos com as escolhas da rainha.
O murmúrio que se espalhava entre os membros da corte era evidente, e não era difícil perceber a divisão entre aqueles que reconheciam Josan e Lina e aqueles que viam ameaças naquelas nomeações.
A cerimônia prosseguiu, desta vez com alguns sacerdotes da deusa da neve fazendo orações. Alguns outros nobres foram promovidos a cargos de maior destaque, mas aquilo também significava que, quanto mais alto o cargo, mais os olhos sentinelas da rainha pairariam sob seus ombros.
Não era segredo para eles o que aconteceu com os antigos nobres, e mesmo discordando da rainha em alguns pontos, ficou claro que não era sábio contrariá-la se quisessem manter suas cabeças onde estavam.
[…]
Após quase duas horas, a rainha se retirou e acenou com a cabeça para Tuly.
O soldado foi até os Carniceiros, pedindo para que eles o seguissem, e assim o fizeram, mesmo com as desconfianças de Lettini.
Foram encaminhados até a sala de reuniões de Ayla, e lá estava ela sentada na cadeira com a mão delicadamente apoiada na barriga de grávida.
Aqueles três adentraram, e Tuly deixou a sala fechando a porta. Ela afastou uma mecha de cabelo para trás da orelha e os encarou com um sorriso gentil.
— Que bom que vieram — ela disse, com um sorriso. — Parece que foi em outra vida que voltamos daquela missão arriscada no território hostil, e agora estou prestes a ser mãe!
Dasken e Falone se curvaram, e Lettini os acompanhou, tremendo.
— Estamos à sua disposição, alteza — disse Dasken.
Ayla acenou com a mão. — Dispensem as formalidades, por favor. Somos companheiros, não é verdade? Podem me chamar pelo nome.
Eles se entreolharam e assentiram. — Tudo bem…
— E como vai o ducado? — ela quis saber. — Me contaram que Alunys está mandando muito bem na administração.
Dasken concordou. — Ela está mesmo. As fronteiras estão mais fortes do que nunca, e os demônios que surgem de vez em quando são rapidamente abatidos pelos Carniceiros.
— Que ótimo ouvir isso. — Ela olhou para sua coroa de ouro na mesa e depois encarou os três com seriedade. — Vocês já devem saber o motivo de estarem aqui, não é? Não é só Alexander que nos ameaça, mas todos os Nortenhos e suas tribos bárbaras que tomaram o velho reino de Ultan.
Ayla abriu a gaveta e pegou um caderno de anotações, lançando-o nas mãos de Dasken.
Ele deslizou os olhos pelas páginas com rapidez, absorvendo o conteúdo que revelava um sombrio capítulo nos anais do reino.
As palavras ali escritas contavam uma história sangrenta e impiedosa, onde a força esmagadora dos Nortenhos tinha se reorganizado após a completa destruição das forças de Gustav.
Brag, conhecido como o Amputador, emergiu como o líder dessa brutal ofensiva. Com sede de vingança, ele liderou os Nortenhos em uma campanha de reconquista que viu terras usurpadas sendo devolvidas e punições cruéis infligidas aos inimigos.
Tortura, desmembramentos, e até estupros coletivos eram métodos empregados para impor ele e seus homens.
No entanto, estranhamente, a notícia da investida de Brag em direção a Runyra não era recebida com temor por Ayla. Ao contrário, uma sensação de alívio permeava a rainha.
Nobres insatisfeitos, mesmo aqueles nomeados por ela, continuavam a ser uma sombra persistente. No entanto, as ameaças mais perigosas haviam sido eliminadas, deixando-a com uma crescente sensação de controle e, sutilmente, estabelecendo as bases de sua monarquia absolutista.
Após terminar de ler as partes mais cruciais do relato, Dasken apoiou gentilmente o caderno na mesa.
— A senhora quer que matemos Brag, o amputador?
Ayla confirmou. — Ele e todos os inimigos de Runyra. Os nobres foram só um aperitivo, e mesmo sem experiência em guerra, derrotaram boa parte dos Nortenhos. Vocês serão o prato principal, vão conquistar os oito países, quero a rendição total deles e a cabeça do tal Grande Rei Leif. Sei que estão habituados aos Carniceiros e suas loucuras, mas vocês comandarão soldados de Runyra, soldados com um treinamento menos… brutal, estão prontos para isso?
Com o punho sobre o peito, Dasken afirmou. — Sim, senhora Ayla!
— Muito bem! Descansem e comam hoje. Amanhã ao amanhecer, seus cavalos, mantimentos e tropas estarão à espera, podem se retirar.
Eles se curvaram novamente e se dirigiram à saída, mas Dasken parou e olhou para a rainha.
— Majestade, onde está o senhor Colin? Faz tempo que não o vejo…
Ayla sorriu com doçura.
— Ele está em uma missão especial, mas quando voltarem, ele já estará aqui. Ele vai adorar revê-los, tenho certeza!
Dasken partiu com um sorriso cordial, deixando a rainha sozinha no quarto. Ayla deu um suspiro prolongado e se aproximou da janela, contemplando a maravilhosa transição que marcava o fim do inverno e o advento da primavera.
A cena do lado de fora, vista através do vitral, assemelhava-se a uma obra de arte em constante movimento, uma transformação gradual do frio branco do inverno para a vibrante paleta de cores da primavera.
Os rios, outrora congelados e silenciosos sob uma camada espessa de gelo, começavam a retomar sua fluidez natural. O som da água corrente ecoava, uma sinfonia líquida que anunciava o retorno da vida à terra.
Os raios de sol beijavam as águas, criando reflexos dourados, como pequenos tesouros flutuando na corrente.
As estradas, antes escondidas sob mantos de neve, agora emergiam desimpedidas, prontas para abrigar viajantes novamente. Poças d’água se formavam à medida que a neve derretida revelava o solo, refletindo o céu azul que ganhava cada vez mais intensidade.
O ar, outrora cortante e glacial, tornava-se gradualmente mais ameno, anunciando tempos mais agradáveis.
As árvores, que haviam permanecido nuas e inertes durante o inverno, começavam a se revestir com os primeiros brotos verdes da primavera.
Suas copas ganhavam vida, movimentando-se com a brisa suave que fazia as folhas recém-nascidas parecerem dançar em celebração ao retorno do calor.
A temperatura, que outrora fora severa e implacável, começava a subir, envolvendo o ambiente em uma sensação de renovação.