O Monarca do Céu - Capítulo 316
Vareth.
Em meio a uma clareira na floresta, erguia-se uma modesta choupana de madeira. A madeira do exterior estava envelhecida pelo tempo, suas tábuas desgastadas e com sinais de ter enfrentado muitas estações.
Apesar do tamanho modesto da choupana, seu interior escondia um reino de maravilhas.
Ao entrar, o ar era inundado pelo aroma inebriante de ervas, poções e produtos alquímicos.
O ambiente era aconchegante, iluminado por uma única janela que permitia que a luz do sol ou da lua penetrasse, criando um jogo de sombras nas paredes.
No centro da choupana, uma mesa de madeira abrigava uma variedade de objetos antigos e misteriosos.
Frascos de vidro exibiam líquidos em cores vibrantes, indo desde tons de azul-celeste até verdes profundos e vermelhos intensos.
As etiquetas manuscritas à mão em letras elegantes revelavam os nomes de plantas, minerais e substâncias exóticas, cada uma com propriedades únicas e desconhecidas para os leigos.
Na mesa, repousavam instrumentos alquímicos antigos, incluindo alambiques de vidro, cadinhos de cerâmica e retortas de metal.
Livros de capas desgastadas e pergaminhos amarelados estavam empilhados de forma caótica, guardando conhecimentos arcanos e receitas secretas.
Em uma das extremidades da mesa, encontrava-se uma coleção de cristais, pedras preciosas e amuletos, cada um irradiando uma energia própria.
Uma lareira acesa proporcionava uma luz quente e agradável, onde um caldeirão de ferro pendurado emitia uma fumaça perfumada.
Uma prateleira acima da lareira exibia raízes secas, ervas penduradas de cabeça para baixo e pequenos buquês de flores mágicas.
O chão de madeira, desgastado pelo uso, era salpicado com velhas poltronas e almofadas convidativas. A pequena Faekira estava sentada, balançando os pés que sobravam na poltrona.
— É a primeira vez que ouço falar de um teletransporte com essa capacidade — disse o elfo jogando ervas em um cadinho. — Claro, isso deve ser comum para os Elfos Negros. — Ele os encarou. — Vocês parecem ser bem fortes, vieram da cidadela dos Elfos Negros? Ouvi dizer que aquele lugar é incrível.
Colin estava no canto de braços cruzados, encarando os objetos em cima da mesa.
— Sim, é. Me diz uma coisa… — Colin esperou, aguardando o Elfo dizer o seu nome.
— Vareth!
— Certo, Vareth, você é um alquimista ou coisa assim?
O Elfo deu de ombros. — Coisa assim. Fui um mago do palácio durante muito tempo, mas então Rontes veio, dominou esse país e fui expulso de minhas atividades. O jardim do castelo é aberto ao povo, e às vezes Faekira gosta de ir lá ver as flores.
— Não é perigoso? — indagou Sacasya agachada em cócoras perto da lareira. — Você disse que as pessoas não gostam de Elfos, mas a garota ali é mais estranha que um Elfo.
Vareth assentiu.
— Faekira costuma ir em um horário que não fica ninguém. O regente costuma reunir a família e seus homens na sala do trono, deixando o jardim livre. As pessoas costumam a seguir essa mesma rotina do rei, se abstendo de ir até o jardim, mas não dura tanto tempo.
— E o que ela é? — indagou Colin. — Pela aparência, ela não parece ser daqui.
O elfo engoliu em seco e forçou um sorriso. Foram movimentos sutis, mas aqueles dois perceberam.
— Faekira chegou aqui através de um portal, a-acho que ela deve ser de outro plano…
Colin e Scasya cruzaram olhares.
— Não acha que ela veio através de um portal de teleporte? — indagou a Alada, ainda encarando o fogo. — Ou você não considera isso um teleporte, já que você disse que nunca via visto um até nos ver no jardim.
O elfo triturou com mais força as ervas no cadinho. — Bo-Bom… o caso de Faekira são suposições, não há como provar nada, já que ela não se lembra de onde veio…
Ele despejou um líquido verde em um copo de vidro e deu para a garota.
— O que é isso? — indagou Colin.
— Be-Bem… já está quase na hora de dormir, e Faekira costuma ter pesadelos, é para ela dormir melhor… se quiserem, posso fazer para vocês também…
Colin abanou uma das mãos. — Não precisa, a gente tá bem.
— Co-Como desejar, já que não tem onde ficar, podem dormir aqui. Há um quarto no fundo, para vocês.
Ambos cruzaram olhares novamente.
[…]
Não demorou para que eles fossem se deitar. Claymore não estava respondendo, então não havia muito a ser feito. O quarto escolhido para eles era pequeno, funcionava como despensa.
Cada um se deitou em uma ponta na única cama que ficava no chão.
Scasya, sentindo a falta de espaço, revirava-se sem parar na cama improvisada.
Colin era grande demais, e os pés dele passavam da cama, quase encostando em seu rosto.
— Devia parar de se mexer — disse Colin deitado com os dedos entrelaçados atrás da cabeça. — Essa choupana é velha e esse piso range a cada movimento seu.
— Tsc! É melhor eu ir dormir lá fora.
— Deixa de frescura, a gente tem muito a discutir. Sabe alguma magia de restrição de som para colocar nesse cômodo?
— Sei… essa conversa vai terminar e eu irei pra fora. O telhado deve ser mais confortável. — Ela concentrou mana em seu indicador e desenhou na parede por alguns minutos, marcando o lugar com sua mana. As letras começaram a correr pela parede, até marcá-la por inteiro. — Pronto, do que quer falar?
Colin deu um suspiro enquanto encarava o teto. — Esse país que estamos, Rontes do Sul, ele não existe no meu plano. Minha esposa, Brighid, me disse uma vez que um cataclisma engoliu essa cidade. Isso fez o país ser infestado por monstros, mas não sei exatamente em que época isso aconteceu.
— Sabe o que aconteceu… exatamente?
Colin deu de ombros. — Da última vez ouvi que algum mago tentou trazer uma criatura do abismo, o que resultou em todo tipo de aberração vagando por aí.
— Acha que Claymore tem relação com isso? Se Morbash conseguia poder com um único fragmento, acho que é possível tentarem isso com o poder desse artefato, só temos que encontrá-lo.
— O problema é que Claymore não dá sinal algum agora.
Scasya assentiu com um suspiro. — Então temos que esperar. Amanhã a gente pensa nisso.
O silêncio invadiu aquele quarto.
— Não vai dormir lá fora? — indagou Colin.
— Cala a boca e durma!
Vareth estava sentado no sofá, seus olhos fixos na porta onde os dois dormiam. Seu rosto, anteriormente calmo e passivo, agora estava contorcido em uma expressão de raiva afiada.
Com um movimento decidido, ele se levantou do sofá e se dirigiu ao quarto onde Faekira dormia. Observou-a por alguns momentos, contemplando seu sono tranquilo.
Depois, virou-se e se dirigiu à porta, pegando uma capa e a jogando sobre seus ombros antes de sair silenciosamente pela porta da frente, adentrando a escuridão da floresta noturna.
Ele vagou naquela escuridão por quase meia hora, perdido em seus pensamentos, até chegar a uma choupana solitária que se erguia na densa floresta.
Ao abrir a porta, esta rangeu alto, como se protestasse contra a intrusão. Vareth adentrou o local, encontrando um cenário de abandono.
Os móveis estavam empoeirados, devorados por cupins, e as paredes estavam cobertas de mofo.
Sem perder tempo, Vareth moveu um pequeno armário e revelou uma porta de calabouço oculta no chão. Ele a abriu e desceu as escadas em direção à escuridão, até finalmente alcançar o nível inferior, onde a luz fraca revelou um cenário horripilante.
O ambiente estava repleto de jaulas, cada uma delas habitada por crianças vestidas em trapos. Elas eram pálidas como leite, seus olhos brilhavam em vermelho e pequenos chifres adornavam suas testas.
Os semblantes dessas crianças eram gelados, como se a vida tivesse sido drenada delas, mas algumas reagiram com medo ao avistarem Vareth, encolhendo-se no fundo de suas jaulas enquanto ele as observava, perdido em pensamentos sombrios.
— Ei, ei, não precisam ficar com medo, não farei nada com vocês hoje.
Vareth foi para sua mesa repleta de instrumentos de tortura e pegou um espelho sujo de poeira. O limpou rapidamente e passou o indicador sobre a superfície, como se quisesse escrever algo.
Uma chama incinerou a superfície do espelho, e ele pôde ver quem estava do outro lado.
— Senhora Sor’uth, está quase tudo pronto. Segui as suas instruções e me alimentei do sangue de um caótico por dias.
— Ótimo. E já escolheu o seu receptáculo? — Sim, senhora… é a caótica mais poderosa que encontrei.
— O ritual acontecerá daqui a dois dias, esteja preparado. A lua estará cheia, o cosmo alinhado, então não despedisse essa chance, entendeu?
Vareth assentiu. — Sim, senhora… tenho mais uma coisa a dizer, encontrei dois Elfos Negros. O sangue deles pode nos ajudar no ritual.
— Faça como quiser, contanto que não falhe.
O espelho se apagou de repente, e Vareth o colocou no balcão com cuidado, sorrindo maliciosamente.
Na choupana do outro lado, Colin acordou sobressaltado.
— O que foi agora? — perguntou Scasya.
— Claymore deu sinais.
— Sério? Agora?
Colin olhou em volta da choupana com a análise. — Vareth não está aqui, vamos, antes que o sinal desapareça!
Eles saíram da choupana e correram para a floresta.
WHOOSH!
Correram o mais rápido que puderam, até que Colin parou, derrapando por alguns metros.
— O sinal desapareceu — ele disse. — Qualquer pista que tínhamos, se foi.
— Entendi… Vareth está envolvido nisso com certeza. Você parece ser mais normal que ele, e isso é um grande sinal de alerta. Vamos voltar, ao amanhecer o interrogamos.
— Ei, o que você quis dizer com “você parece ser mais normal que ele”, hein?
— Você sabe o que eu quis dizer, agora vamos voltar.
[…]
Colin e Scasya deixaram o quarto e encontraram Vareth ocupado, inclinado sobre um caldeirão que borbulhava, mexendo-o com uma longa colher de madeira.
A cada movimento da colher, o conteúdo do caldeirão dançava e se revolvia, criando uma mistura hipnotizante de ingredientes e aromas.
Ao lado de Vareth, Faekira estava de pé, observando com um brilho nos olhos. Ela estava totalmente envolvida no processo, encantada com a dança dos ingredientes no caldeirão.
Para Faekira, a arte da alquimia era uma fonte interminável de fascínio e maravilha. Ela poderia ficar ali por horas, simplesmente assistindo ao caldeirão e perdendo-se nas complexidades e possibilidades das poções e misturas de Vareth.
Era como se o mundo exterior desaparecesse enquanto ela estava imersa na magia que acontecia ali.
— Levantaram cedo! — disse Vareth, fingindo surpresa, enquanto mexia a panela. — Eu já estava esperando vocês acordarem para ir caçar uns coelhos para o nosso café da manhã.
— Não precisa se incomodar — disse Colin, acenando com a mão. — Nós já vamos embora, mas antes eu queria te fazer uma pergunta… onde você foi no meio da madrugada?
Vareth tentou disfarçar o nervosismo, mexendo o caldeirão mais rápido. — Todo mundo tem necessidades, senhor Colin… imagino que até você e sua parceira tenham… ouvi os rangidos ontem à noite…
Colin arqueou uma sobrancelha, mas quem respondeu foi Scasya.
— Ei, ei, calma aí, o seu quarto era apertado demais, e nós não fizemos nada, tá? E não mude de assunto, onde você foi durante a madrugada?
— Eu já disse…
Scasya cruzou olhar com Colin.
— Faekira, vem cá, eu vi um lobo lá fora — chamou Scasya — Não quer ver?
Faekira pareceu acordar de um transe e correu até a Alada.
— Um lobo? Que tamanho ele tinha?
— Vamos lá ver, mas acho que ele era maior que você.
— Sério?
Elas saíram da choupana enquanto Vareth as observava pelo canto do olho. Colin suspirou e cruzou os braços.
— Pode falar a verdade, o que você está escondendo?
— Senhor Colin… não entendo o motivo desse interrogatório… quer que eu descreva como fiz as minhas necessidades?
Colin abriu um sorriso irônico. — Sei que você está mentindo. — Ele mostrou o anel no seu dedo. — Essa é a Claymore, e eu estou procurando os fragmentos dela. Ela me indica onde eles estão, mas desde que cheguei aqui ela ficou muda, só deu sinal minutos depois que você sumiu naquela floresta… o que você fez lá, alguma magia ilusória para se esconder?
Vareth parou de mexer o caldeirão. — Vocês me seguiram?
— Sim, então pare de enrolar, a minha paciência está no limite.
O olhar inocente de Vareth se transformou em um olhar frio. — Quem é você?
— Você tem que responder primeiro, hehe!
Vareth fixou os olhos na porta e, em seguida, em Colin.
“Droga… por que sinto que se eu me mexer, eu morro? Esse cara… ele é perigoso!”
— Bem, é durante a madrugada que eu me dedico aos meus estudos… você sabe… é mais tranquilo fazer isso longe dos guardas. Sou um Elfo, se eles me pegarem mexendo com alquimia, eu serei torturado, entende?
— Que tipo de estudos você faz exatamente?
Vareth engoliu em seco.
“Merda! Tenho que pegar a Faekira e fugir até a noite de lua cheia!”
— Desculpe, é um assunto pessoal…
Colin assentiu com um sorriso e um trovão ribombou.
CABRUM!
A choupana explodiu em pedaços e se espalhou pelo ar. Por sorte, Scasya e a pequena Faekira estavam longe, perto da mata.
WOOSH!
Vareth flutuava no ar, sobre o seu círculo mágico. O seu nariz sangrava sem parar, e parte de seu rosto estava chamuscado.
“Que velocidade foi essa? Quase não deu tempo de ativar a minha magia!”
Colin estava embaixo, ao lado de Scasya.
— Fique de olho na garota — disse ele. — O verme é ágil.
— Senhor Vareth! — gritou a pequena com os olhos cheios d’água. — Se-Senhor Colin, por que vocês estão brigando? Por favor, não faça mal ao senhor Vareth!
BAM!
Scasya a golpeou na nuca, fazendo-a desmaiar e a colocando em seus ombros. — Seja rápido, quero sair logo desse lugar.
Colin abriu um sorriso de orelha a orelha enquanto raios amarelos circundavam seu corpo.
— Isso não vai demorar.