O Monarca do Céu - Capítulo 319
2006.
Colin havia roubado roupas de varais, assim como roubou uma mochila e guardou sua roupa antiga. Ele vestiu uma camisa colada que desenhava o seu corpo e um moletom largo que coubesse nele e calças largas.
Para Scasya ele deu roupas semelhantes. Usava moletom escuro, tênis all-star vermelho, uma saia rodada e meia calça.
Eles andavam na beirada da estrada, e Scasya sentia-se estranha de usar poucas camadas de roupas, sentia-se quase nua, tapando as partes íntimas com a mão com frequência, mesmo que estivesse com meia calça e saia.
E para esconder suas espadas, as amarraram em ataduras, fazendo parecer simples bastões.
— Não sei como as fêmeas do seu mundo conseguem vestir algo assim.
— Tenho uma moeda de ouro que peguei daqueles cadáveres antes de adentrarmos os planos simulados. Vamos até uma casa de câmbio trocar por dinheiro.
Foi então que eles avançaram pela cidade.
A rua estava molhada, havia acabado de chover. Transeuntes iam e vinham usando casacos, mexendo em seus celulares dobráveis, e alguns grupos riam sem parar.
Scasya estava admirada com os prédios enormes, tão resplandecentes em magnitude que ela ficava zonza encarando o topo. Os outdoors brilhantes e a quantidade de propaganda a deixava desorientada, quase perdendo Colin de vista naquele mar de gente.
Foi então que eles avistaram uma casa de câmbio.
Chegaram até a porta, e Colin retirou a mochila, entregando nas mãos de Scasya, assim como as espadas escondidas por faixas.
— Fica com isso, já volto.
— Tá.
Colin adentrou, e Scasya ficou ali, parada com um capuz sobre a cabeça observando o movimento. Era um lugar populoso, com pessoas de estilos diferentes fazendo coisas diferentes.
Era fácil se perder em tantos detalhes.
— E aí! — disse um garoto se aproximando. — Tá sozinha?
Ela olhou o rapaz de cima a baixo e franziu o cenho. Ele era magro demais, barba por fazer e parecia um garoto.
— O que você quer?
— Ah… bem… é que eu estava te olhando e pensei que-
Colin retornou, contando notas em mãos.
— Consegui um bom dinheiro, vamos comer alguma coisa, conheço uma lanchonete ótima. Em 2006 ela era a melhor. — Colin encarou o garoto. — Algum problema?
— Na-Não, senhor, e-eu já vou indo.
O garoto saiu andando e aqueles dois seguiram pela rua, dobrando a esquina e indo para uma lanchonete. Sentaram-se em uma das mesas e a garçonete trouxe o menu, apoiando-o na mesa.
— E como está Claymore? — indagou a Alada. — Ainda quieta?
— Por enquanto. — Ele ergueu a mão e a garçonete veio até ele. Colin sequer havia lido o menu. — Vou querer dois X-Tudo e duas latas de refrigerante de laranja.
— É para já, senhor!
Scasya percebeu algo estranho em Colin desde que chegaram. Ele estava feliz, sua carranca sisuda havia desaparecido e ele parecia nervoso, balançando incessantemente um dos pés.
— É difícil acreditar que nada disso é real, me lembro exatamente de tudo, até da garçonete que veio nos atender. Eu costumava vir muito aqui com a minha mãe. A gente sempre dividia um x-tudo, mas quando o meu pai vinha, ele conseguia comer sozinho, hehe!
Colin estava tão eufórico que nem percebeu que havia mencionado Coen com certo carinho nas palavras.
— Você vai ver, o gosto é sublime, você nunca viu nada igual! — Ele parecia uma criança no parque de diversão.
— Esse deve ser o último fragmento — disse ela. — Claymore é poderosa o suficiente para criar um plano simulado desse nível, acha que vamos conseguir vencê-la?
— Não quero pensar nisso agora. — Os olhos dele brilharam. — Daqui a duas quadras tem uma loja de quadrinhos, a gente vai passar lá! Minha mãe sempre me levava quando saíamos da lanchonete.
Scasya ficou curiosa com o aquele lado novo do companheiro de Antares.
— Essa é a melhor época dos desenhos animados! — Colin olhou para o relógio na parede. — Com certeza deve estar passando algo interessante, sempre passava, o dia todo nos canais fechados.
— O seu mundo é… estranho…
— Estranho como?
Ela deu de ombros.
— Não sei… parece pacífico demais para mim. Não sinto mana no ar, só o cheiro de fumaça, fornicação e… um monte de outras coisas estranhas.
Colin assentiu. — É pacífico somente na aparência. Esse lugar é tão caótico quanto o plano da raiz ou o plano astral, mas em vez de mana, resolvemos nossos problemas com armas de fogo, bombas, guerras, algumas leis sem sentido e qualquer coisa que criamos para destruir.
Ela assentiu. — Cada espécie dá o seu jeito no fim.
— Exatamente, mas não se importe com isso. — Ele olhou para cima pensativo. — 2006… acho que meu pai estava viajando a trabalho, e minha mãe cuidava de mim sozinha. A doença ainda não havia se agravado, então a gente passou um bom tempo junto.
— O seu pai… fazia o que exatamente?
— Ele vendia antiguidades para figurões, por isso vivia viajando, apesar da gente já ter muito dinheiro. — Ele ficou em silêncio. — Bem… já que ele é um Errante, devia estar fazendo outra coisa, talvez planejando algo, destruindo algum lugar.
Scasya cruzou os braços e relaxou na cadeira, até que a garçonete trouxe uma bandeja com os pedidos.
Os olhos de Colin estavam brilhando.
— Vai, come aí, — disse ele — quero ver se vai gostar.
— Tá…
Scasya segurava o X-tudo com as duas mãos. Ela estava prestes a dar a primeira mordida em um lanche que Colin aparentemente amava.
O hambúrguer estava empilhado com camadas generosas de carne suculenta, queijo derretido, alface fresco, tomate-vermelho e cebola crocante.
Com uma respiração profunda, ela aproximou o lanche da boca.
A primeira mordida foi uma explosão de sabores.
A carne grelhada estava suculenta e temperada na medida certa, o queijo derretido acrescentava uma textura cremosa e um sabor reconfortante, enquanto os vegetais frescos proporcionavam um contraste peculiar.
— É surpreendentemente bom! — exclamou de boca cheia.
— Hehe, eu não disse? Agora aproveita.
Aqueles dois ficaram ali, aproveitando os hambúrgueres enquanto a explosão de sabores dançava em suas línguas.
Depois de saborear o lanche, Scasya pegou o copo de refrigerante de laranja. Ela pressionou o canudo contra o lábio e deu o primeiro gole.
A efervescência do refrigerante dançou em sua língua enquanto o sabor doce e cítrico da laranja a envolveu.
Foi como se um pedaço da fruta estivesse derretendo em sua boca, uma experiência que a deixou surpresa e encantada. O contraste entre o salgado do lanche e a doçura do refrigerante era perfeito.
— Ixu é perfeito! — disse ainda de boca cheia. — Eu comeria todo dia se pudexe.
— É, eu também.
Scasya continuou a comer e beber, apreciando cada sabor como se fosse a primeira vez.
Era uma experiência sensorial que ela guardaria na memória, uma aventura gastronômica que a deixou com a sensação de ter descoberto um novo mundo de prazeres culinários.
Colin pagou a refeição e foi para fora, enfiando o resto do dinheiro no bolso.
— Vem, vou te mostrar uma loja de quadrinhos agora.
— Loja de quadrinhos… o que isso significa exatamente?
— São como jornais, mas lá há vários personagens fictícios com histórias próprias, tem uma infinidade de heróis diferentes. Foi lá que minha mãe me comprou o meu primeiro mangá. Não lembro qual volume era, mas sei que era do Naruto.
Scasya não entendeu nada, mas ver Colin tão empolgado a deixou empolgada, afinal, o lanche não decepcionou.
Após duas quadras, eles adentraram uma clássica loja de quadrinhos, e os olhos de Scasya se iluminaram instantaneamente.
Era a primeira vez que ela visitava um lugar assim, e a visão que se desenrolou diante de seus olhos a deixou encantada. Ela ficou parada por um momento, absorvendo a atmosfera única da loja.
O espaço estava repleto de gamares de cores vibrantes e capas extravagantes de revistas em quadrinhos que se estendiam pelas estantes até onde a vista alcançava.
O teto estava adornado com pôsteres de heróis lendários em poses épicas.
— Eles… eles realmente não existem? Isso é tudo tão… tão grandioso…
— Isso aí, nenhum deles realmente existe, vem vamos continuar andando.
[…]
Ela não conseguia entender aquele alfabeto, então Colin leu várias sinopses para ela.
Scasya mal conseguia conter sua empolgação enquanto enchia seus ouvidos com todas aquelas sinopses épicas.
Colin observava com um sorriso enquanto Scasya vagava pelas seções de quadrinhos.
Ele viu o olhar de admiração nos olhos dela e sabia que estava testemunhando sua primeira experiência naquela loja icônica.
Foi como levar um amigo a uma loja de quadrinho pela primeira vez, e ela ficou tão curiosa quanto uma criança, pedindo para Colin ler sinopses de dezenas de quadrinhos que chamavam sua atenção.
Scasya então se aproximou de uma vitrine onde action figures de heróis e vilões estavam cuidadosamente exibidos.
— Fazem estátuas para todos esses personagens que não existem? Uau… espera, esse quadrinho aqui — Ela pegou um quadrinho do Superman. — Tem uma estátua dele?
Colin apontou com o indicador. — Ali!
Ela chegou bem perto. — Nossa… é igualzinho…
Ela examinou cada detalhe meticuloso das figuras de ação, desde os trajes até os acessórios, como se estivesse admirando obras de arte.
À medida que Scasya explorava o interior da loja de quadrinhos, ela sentiu-se imersa em um mundo de fantasia.
Era uma experiência que a deixou maravilhada com a riqueza desse universo e a diversidade de histórias que ele continha.
Por pedido dela, Colin comprou algumas HQs e mangás, prometendo ler para Scasya mais tarde.
A noite já havia chegado, e ela via pessoas adentrando em boates noturnas, sentia aquele cheiro de fornicação no ar, o cheiro de substâncias ilícitas, licor, álcool, ervas, tudo se misturava.
— O que é aquilo? — apontou para uma boate. — É um bordel ao algo assim?
Colin deu de ombros.
— Quase. As pessoas vão lá para se divertir. Às vezes sai uma briga, às vezes conhecem alguém e levam para casa, transam e fingem que não se conhecem no dia seguinte.
Ela assentiu.
— Você parece saber do que está falando.
— Infelizmente eu sei, vem, vamos continuar.
— E agora, para onde vamos?
— Pegar um ônibus e ir para casa. Fica em outro bairro próximo.
Então eles ficaram no ponto, e Colin pegou uma revista em quadrinho, lendo para ela enquanto sua linha não chegava, até que após quinze minutos, seu transporte chegou.
Seus olhos, normalmente cheios de confiança e curiosidade, agora mostravam uma pitada de nervosismo misturada com curiosidade.
O ônibus estava parado, com sua grande porta dianteira aberta, convidando passageiros a bordo.
Ao subir os degraus e adentrar o ônibus, Scasya ficou momentaneamente surpresa com o ambiente.
A princípio, o som do motor funcionando e a movimentação de pessoas a bordo eram um choque em comparação com a tranquilidade das carruagens e a liberdade de voar.
Ela olhou em volta, observando as fileiras de assentos e os passageiros sentados ou de pé, aguardando sua jornada.
Colin escolheu um assento vago próximo à janela e indicou que Scasya deveria sentar-se ali. Ela seguiu suas instruções e se acomodou, segurando a sacola com quadrinhos com firmeza no colo.
À medida que o ônibus começou a se mover, Scasya sentiu uma mistura de sensações. O balanço suave do veículo e a vista das ruas passando pela janela a deixaram intrigada, e ela começou a se sentir mais à vontade.
— Caramba… sua espécie é mesmo inteligente, criar algo desse tamanho que funciona dessa maneira deve ser bem complicado.
— Deve ser…
— Você costumava pegar esse… ônibus com frequência?
Ele assentiu. — Ônibus é um transporte comum para as pessoas do meu mundo. É mais rápido do que ir a pé.
Então eles ficaram em silêncio, aproveitando a paisagem.
A jornada de ônibus acabou se tornando uma aventura única para Scasya, então eles desceram na parada, caminhando pela rua mais um pouco.
Eles olharam para a casa onde Colin passou parte de sua infância.
A casa tinha uma estrutura de madeira e um revestimento de vinil que imitava tábuas corridas. A cor era um bege claro, que contrastava com as janelas brancas e a porta vermelha.
O telhado era inclinado e coberto por telhas shingle, que davam um charme ao conjunto. A casa tinha dois andares e uma varanda na frente e uma cerca branca ao redor. Colin sentiu um nó na garganta ao ver a placa de “Bem-vindo” pendurada na porta.
A vizinhança estava vazia, como se todos tivessem saído para algum lugar. Colin lembrou-se de como costumava brincar com seus amigos nas ruas, andar de bicicleta, jogar bola.
Agora, tudo parecia silencioso e solitário.
O jardim da sua mãe estava bem cuidado, como sempre.
Havia rosas-vermelhas, margaridas brancas, girassóis amarelos e outras flores que Colin não sabia o nome. Ele respirou fundo e sentiu o cheiro doce e fresco das plantas. Ele lembrou-se de como sua mãe gostava de cuidar do jardim, de como ela lhe ensinava os nomes das flores, de como ela sorria ao ver as cores e formas.
Colin sentiu uma mistura de emoções ao se aproximar da porta. Ele estava ansioso para ver sua mãe depois de tantos anos, mas também estava nervoso pelo que ela diria.
Ele se perguntou se ela o reconheceria mesmo naquele estado, se ela ainda o amaria, se ela ainda o perdoaria por não poder fazer nada na época para salvá-la.
Colin se perguntou se ela estava bem, se ela estava feliz, se ela estava sozinha.
Ele bateu na porta com a mão trêmula e esperou.
Ouviu passos do outro lado e seu coração acelerou.
Então a porta finalmente se abriu.