O Monarca do Céu - Capítulo 324
Avanço final.
O campo de batalha se estendia diante deles como uma pintura grotesca, uma paisagem de pesadelo tingida de carmesim pelo sangue dos caídos.
As bandeiras escuras dos carniceiros ondulavam sinistramente, enquanto o lobo uivando para a lua carmesim parecia prever a carnificina que ainda estava por vir.
Montado em seu cavalo negro como a própria noite, Dasken emergiu das sombras com sua armadura obscura e capuz que ocultava sua face.
A cada passo, os cascos de seu cavalo esmagavam os corpos retorcidos e putrefatos que jaziam no solo, criando uma trilha sinistra em meio ao caos.
O ar estava impregnado com o cheiro de sangue, um gosto metálico pairando na boca de todos os presentes. Cadáveres se amontoavam como um mar de desespero, testemunhas silenciosas da carnificina que havia ocorrido.
À frente, uma árvore retorcida servia como um macabro altar de sacrifício. Homens de Runyra subiam nortenhos ainda vivos nas cordas da forca, enquanto os condenados se debatiam em agonia desesperada.
Era uma visão aterradora, um lembrete cruel da brutalidade dos carniceiros do centro-leste, que não conheciam limites em sua busca insaciável por poder e terror.
Dasken desceu do cavalo e caminhou até Lettini, que também estava coberta por uma capa escura próxima a uma fogueira. Os olhos dela brilhavam enquanto ela via a árvore de enforcados ficando cada vez mais cheia.
— Isso é mesmo necessário? — indagou Dasken acompanhando o olhar da companheira. — Eles já estão rendidos.
— Cla-Claro que é necessário! Fo-Foram ordens da rainha!
Dasken segurou o cigarro entre os dedos e assentiu, soltando fumaça para o alto.
— Conseguiu alguma informação relevante?
Empolgada, Lettini assentiu, apontando para um Nortenho enforcado. Ele estava sem calças e com um galho enfiado em seu ânus. Sangue escorria pelas pernas e pelo galho, respingando na grama.
— E-Ele me disse onde eles estão construindo os fortes! Há muitos deles no caminho até a capital dessa nova cidadela que construíram nesse território de Ultan!
Dasken encarou a companheira corada e com os olhos brilhando. A ignorou por um momento, levando o cigarro a boca novamente, soltando a fumaça.
— E os civis? Encontrou algum?
— Na-Não há civis por aqui, só nos vilarejos, e a gente não precisa pegar leve quando derrubarmos os fortes. — Ainda empolgada, ela deu pulinhos se afastando da árvore. — Avançarei com meu pessoal, você e Falone podem deixar tudo comigo, até mais!
Com a armadura negra sem nenhum arranhão, Falone aproximou-se de Dasken mantendo os olhos nas costas da companheira.
— Essa maluca está empolgada, né? — comentou Falone cruzando os braços. — Fazia tempo que eu não a via assim, e então, qual o plano? Lettini será a infantaria, e a gente, o que faremos?
— Brag, o amputador, será obrigado a agir. Ele é o único nome relevante do exército dos Nortenhos que ocuparam Ultan. Se continuarmos pressionando, pode ser que acabemos o enfrentando em campo aberto.
Falone olhou para a grama coberta de sangue e chutou uma pedra.
— O homem por trás disso, o tal Leif, a fera de gelo, queria enfrentá-lo. — Ele olhou Dasken nos olhos. — Lettini sem dúvidas chama atenção com toda carnificina que ela traz, os Nortenhos ficarão assustados com ela e provavelmente muitos irão se retirar do campo de batalha.
Dasken soltou fumaça para o alto. — No que está pensando?
— A gente devia se dividir. Somos fortes, mesmo se nossos homens se dividirem, ainda conseguiremos dar conta, mesmo que um de nós acabe enfrentando Brag.
Em silêncio, Dasken ponderou as palavras do amigo.
Ele assentiu, atirando a butuca de cigarro na grama. — Deixe Lettini seguir, mas você irá com ela. Deixar aquela maluca sozinha pode ser problemático.
Suspirando, Falone coçou a nuca.
— Vigiar Lettini é como ficar de olho em uma criança hiperativa, ainda mais depois que toda essa carnificina começou… vai ser problemático, mas eu faço. E você, irá para onde?
Dasken alisou o cabelo para trás. — Vou com calma pelo sul, não sou tão empolgado como vocês para me envolver em uma luta sanguinária. Se cuidem.
Sem mais nada a dizer, Dasken montou em cima de seu cavalo e sacudiu as rédeas, desaparecendo na escuridão. Falone voltou seus olhos para a árvore, e mais um Nortenho era suspenso enquanto ainda estava vivo.
[…]
No coração do extinto império de Ultan, situado em um castelo que não alardeava grandiosidade, encontrava-se Leif, conhecido como a “fera de gelo”.
Ele estava na sua sala do trono, onde a atmosfera era densa e carregada de tensão. Leif era um homem alto, de porte imponente, com longos cabelos e uma espessa barba ruiva que lhe conferiam um ar selvagem.
Vestindo roupas típicas dos nortenhos, suas vestimentas eram volumosas e vibrantes em cores, destacando-se na penumbra do ambiente.
Seus dedos, adornados com uma coleção de anéis.
O trono de Leif era uma peça de madeira polida que brilhava com a luz dos castiçais, lançando reflexos dourados pelas paredes da sala.
Cada palavra do soldado que relatava a situação da guerra ecoava no ambiente, e as mãos de Leif, apertando os braços da cadeira.
Ele ouvia atentamente as descrições desumanas do tratamento infligido a seus soldados, ciente de que em algum momento ele próprio empregara táticas similares. No entanto, a diferença residia no fato de que seus atuais oponentes eram adversários astutos e formidáveis, com uma compreensão precisa de suas ações.
A sala estava repleta de seus homens, todos atentos ao relato feito pelo oficial designado para tal tarefa. Leif refletia sobre as decisões dos outros autoproclamados reis, que haviam direcionado a maioria de suas tropas para a guerra, resultando em perdas significativas nos campos de batalha.
Apesar de as forças estarem em pé de igualdade com as dos Runyrianos, seus oponentes mantinham uma vantagem tática, uma vez que os nortenhos, embora peritos no combate, enfrentavam agora adversários melhor preparados.
O crescente medo da população, aterrorizada pela possibilidade de se tornarem alvos, alimentava especulações sobre a possível tomada de controle do Norte por parte da rainha de Runyra.
Essa apreensão crescente estava alicerçada no temor de que a soberana pudesse desencadear um genocídio brutal em retaliação por terem a desafiado, um temor que até mesmo Leif começava a compartilhar.
— Senhor… — disse um soldado engolindo em seco. — Melhor nos rendermos…
Um silêncio tomou conta daquela sala.
— Nos render? Sabe o que passei para chegar aonde cheguei? — Leif levantou a voz. — Quer voltar para aquela terra de gelo onde nada cresce? Quer que a morte dos seus irmãos seja em vão? Sabe o que farão com os nossos filhos, irmãs e esposas quando chegarem até aqui?
O soldado desviou o olhar.
— É! Foi o que pensei! — Erguendo-se, Leif começou a caminhar de um lado para o outro enquanto alisava a barba. — Precisamos de um golpe certeiro, algo que desestabilize esses desgraçados de uma vez por todas!
— Tenho o que vocês precisam!
As cortinas esvoaçaram, e frente ao rei estava Rian, lacaio fiel a Alexander. Sua batina ainda tremulava, como se sua aparição fosse repentina.
Shing!
Os soldados desembainharam suas espadas.
— Invasor! Identifique-se!
Com as mãos para trás, Rian abriu um sorriso de canto.
— É um pouco decepcionante ver você se acovardando dessa maneira, Leif… O homem capaz de tomar o que pertenceu a Ultan e unificar todas as tribos com medo de uma mulher que mal consegue caminhar devido à gravidez… simplesmente decepcionante.
— Quem é você? — bradou Leif.
— Sou sua melhor chance de derrotar a rainha. — Rian jogou um frasco com sangue na mão do rei. — Aí dentro tem a solução de todos os seus problemas. Dê uma gota ao máximo de homens que conseguir e terá um exército mais poderoso que da rainha de Runyra.
Os soldados não entenderam nada, muito menos Leif.
— Estou aqui a pedido de senhor Alexander. Ficou claro para nós que sem nossa intervenção você sofreria uma derrota humilhante.
Leif cerrou o punho sobre o frasco. — Você acha que Alexander irá usar o meu povo?
— Isso é decisão sua. Nas suas mãos está a chance de revidar, se acha que não precisa disso, vá em frente. Dou uma quinzena para o exército de Runyra chegar aqui e destruir vocês.
Os soldados permaneciam tensos, principalmente porque o psicológico deles já estava debilitado devido ao banho de sangue que estavam sofrendo.
— Não seja um mal-agradecido e aceite o presente de meu mestre. — Ele abriu um sorriso sádico. — Uma única gota e você se sentirá o homem mais poderoso do mundo, eu prometo.
Woosh!
Rian desapareceu, tremulando as cortinas com o vento gerado, deixando todos aqueles homens em dúvida, principalmente Leif.
No céu, em cima de seu círculo mágico, Rian estava ao lado de Alexander, sendo açoitados pela brisa noturna.
— Acha que ele vai mesmo aceitar? — indagou Rian.
— Que escolha ele tem?
— Senhor… por que não avançamos contra a rainha e acabamos logo com essa guerra? Ela está grávida, não deve conseguir se defender, e Kag’thuzir ainda não terá chegado à capital.
Alexander assentiu com um sorriso sádico.
— Você tem razão, mas ainda devemos ter paciência. Deixe todas essas formigas se reunirem, e no momento certo elas serão esmagadas. — O sorriso dele ficou ainda mais largo. — Meus poderes já estarão completos até lá, assim como os de Thaz’geth. Kag’thuzir também já deve ter restaurado suas forças, então veremos de uma vez por todas quem de nós dois é o mais poderoso!
Rian notou como seu mestre demonstrava empolgação ao falar com tanta paixão, quase como se desejasse que Runyra se fortalecesse para ter uma batalha de verdade contra este país que silenciosamente tornava-se o império mais poderoso do planeta.