O Monarca do Céu - Capítulo 344
Objeto.
No sombrio recinto da cripta, as sombras dançavam como espectros enquanto a luz tímida das velas lançava um brilho fraco e dourado sobre as paredes de pedra desgastada.
A atmosfera, densa como o silêncio entre as orações, era quebrada apenas pelo eco suave dos passos das freiras que percorriam os corredores.
Os altares de mármore ostentavam estátuas silenciosas, cada uma contendo a essência do sagrado, esculpida em detalhes meticulosos por mãos devotas.
As freiras, envoltas em vestidos longos que arrastavam pelo chão de pedra fria, pareciam fantasmas de um passado esquecido. Seus rostos eram sombras escondidas sob véus que caíam em cascata, deixando-as ainda mais enigmáticas.
No centro da cripta estava uma mulher ajoelhada em prece.
Seus dedos entrelaçados em prece e sua silhueta curvada em humildade diante do altar enquanto seus lábios murmuravam palavras sagradas, perdendo-se no lamento suave das velas queimando.
Os contornos de suas feições eram iluminados por uma luz tênue, destacando a entrega de sua alma à divindade que habitava aquele recinto sagrado.
Outra figura se aproximou, sua silhueta feminina movendo-se graciosamente entre as sombras. Vestida de maneira semelhante, mas com um ar de autoridade sutil, ela se inclinou para sussurrar algo no ouvido da mulher ajoelhada.
A mulher que rezava ergueu-se, seus olhos fixados em algo além das esculturas veneráveis. Um entendimento silencioso transpareceu em seu olhar, como se o segredo compartilhado pelas freiras tivesse acendido uma chama interior.
Sem trocar palavras, ela seguiu a freira que sussurrara, atravessando os corredores silenciosos da cripta.
À medida que avançavam para os confins sombrios, o murmúrio distante das preces desvanecia-se, substituído pelo eco solene de seus passos.
Ela adentrou uma sala iluminada apenas pelas chamas trêmulas das velas, parecia suspensa no limiar entre o mundo dos vivos e o reino dos mortos.
Luz de vela criava sombras que dançavam nas paredes. No centro, um Elfo imponente, vestido em uma armadura que resplandecia à luz das velas, aguardava com uma paciência serena.
Seu elmo repousava ao lado, revelando um rosto marcado por batalhas.
— Princesa Morwyna… — Ele fez uma reverência. — Perdoe-me por interromper suas orações, mas o senhor Milveg deseja falar com você.
— Comigo? — disse ela em um tom de voz baixo e delicado. — Fiz algo de errado…?
— Não, não, claro que não. É só que seu pai tem uma missão para você e seu irmão.
— Missão? Que missão?
— Tem a ver com Runyra. Não sei muito bem, mas parece que você e seu irmão terão que lutar contra eles.
— Lutar? Mas somos pacíficos… o vovô concorda com isso?
— Acho que não… — Ele suspirou profundamente. — Vá logo se trocar.
[…]
Ela retornou dos fundos.
Morwyna, uma Elfa Negra de impressionantes 180 centímetros de altura que exibia uma presença imponente que inspirava respeito sem a necessidade de palavras.
Sua beleza única, combinada com traços finos e um corpo esbelto envolto por um vestido escuro, ressaltava sua elegância. Sob as camadas escuras do vestido, revelavam-se curvas graciosas, com seios fartos, quadril largo e cintura finamente esculpida.
Vestia uma calça escura, e usava sandálias de palha.
Seus longos fios negros se desdobravam como cascata por seus ombros, revelando as orelhas pontiagudas características dos Elfos, enquanto o cabelo, dividido com delicadas marias chiquinhas, acrescentava um toque ainda mais inocente à sua aparência.
A filha de Milveg destacava-se como uma das mais belas do reino.
— A senhorita continua linda… — Ele a encarou de cima a baixo, terminando naqueles lábios carnudos.
Ela desviou seus olhos vermelho sangue.
— … obrigada Nunveth…
— Certo, vamos.
— Posso falar com o meu avô antes…? — ela perguntou com uma voz doce e suplicante, olhando-o com seus olhos vermelhos que brilhavam como rubis.
— … como eu poderia negar um pedido seu? — ele disse, rendendo-se ao encanto dela. — Mas seja rápida, por favor. Não quero que seu pai fique bravo comigo.
[…]
Morwyna adentrou o quarto opulento com uma graça silenciosa, seus passos firmes e leves. As cortinas pesadas, enfeitadas com bordados ricos, afastavam-se para revelar o interior banhado por uma luz suave.
O brilho das velas, dispostas em candelabros dourados, dançava sobre as paredes adornadas, destacando a riqueza que cercava aquele espaço.
No centro do quarto, um leito majestoso sustentava o corpo de um Elfo enfermo. Ela dirigiu-se a ele, seus olhos vermelhos encontrando os do senhor.
— Vovô, o senhor está acordado?
Ele abriu os olhos cansados. — Morwyna, minha querida, é você? Ghindrion também veio?
— Não, vovô, só eu… vim ver como o senhor está…
O Elfo sorriu fracamente. — Estou bem… e o Milveg, ele se acalmou um pouco?
— É sobre isso que eu queria falar com o senhor… no caminho para cá, o Nunveth me disse que uns estrangeiros conversaram com o papai, e contaram a ele que o rei de Runyra tem as mesmas marcas do homem que derrubou o véu há mais de um milênio…
— … me deixe adivinhar, o seu pai resolveu abandonar a neutralidade?
— Sim… parece que ele vai mandar o Ghindrion e a mim, mas isso não é o pior, o papai quer entrar em guerra com Runyra… não sei muito sobre eles, mas sei que são fortes.
— O que o seu pai quer? Vingança? Ele nem era nascido quando o véu caiu, assim como a maioria do nosso povo. Milveg sempre foi impulsivo, com esse desejo de se mostrar superior. Duvido que ele queira uma guerra por vingança.
Morwyna segurou as mãos do avô. — Será que se o senhor conversar com ele… bem, duvido que ele vá dar ouvidos a mim ou a Ghindrion…
— Eu posso tentar… — Ele se levantou na cama, com dificuldade. — Você era tão pequena, não era? Quando o seu tio deixou uma ferida nesse continente e no nosso povo…
Ela baixou o olhar, seu rosto triste, lembrando de momentos dolorosos.
O Elfo acariciou o rosto da neta. — Esse rei de Runyra, como ele é? Como ele governa?
Morwyna olhou para trás, chamando o Nunveth com um aceno.
— Senhor… — Nunveth fez uma reverência. — Sabemos que ele acolhe Elfos da floresta, Elfos Negros e Elfos da neve em suas terras, onde eles têm direitos e alguns são até comerciantes. Ele tem duas esposas regentes, Ayla, uma mistura de Elfo da neve e Brighid. As informações dizem que essa Brighid é uma fada venerada em Valéria como uma Santa. Ela ficou conhecida assim depois de ajudar em Ultan durante a queda.
O senhor concordou. — O rei… é um mestiço?
Nunveth assentiu. — Tudo indica que sim, senhor. Ele se parece conosco, mas dizem que os olhos dele são amarelos como ouro, mostrando sua ligação com os Altmers.
— Entendo… Milveg é um louco, ele quer começar uma guerra por ego.
— Ego?
— Ele ficou quieto todo esse tempo porque ele não precisava provar que era o mais poderoso, mas esse novo rei, esse novo país, eles conseguiram mais terras que Ultan em pouco tempo, né? Esse tolo… ele achou alguém que vale a pena matar! Me ajudem a me levantar, eu tenho que impedir ele de fazer essa besteira!
— Vovô, se acalme, por favor! — Ele se sentou na cama, ofegante. — O seu tio, ele sabia que a culpa não foi dos Elfos da floresta nem dos humanos quando Tiamat nos atacou, e mesmo assim ele descontou a raiva neles, marcando para sempre esse continente. O continente nos odeia, e com razão… me surpreende que haja Elfos negros residindo em Runyra.
— Vovô…
— O seu pai é egoísta, mesmo que Runyra seja receptiva com nosso povo, ele não vai se importar, me ajudem, preciso conversar com Milveg.
[…]
Morwyna caminhava ao lado de seu avô, a figura que mesmo em idade avançada exalava nobreza, apoiava-se levemente em uma bengala de ébano enquanto a dupla seguia pelo corredor suntuoso em direção à sala do trono.
Os soldados, posicionados ao longo do caminho, prestavam homenagem com saudações solenes e reverências respeitosas.
Ao chegarem à sala do trono, Milveg os aguardava com uma postura imponente. Morwyna, apesar da confiança que irradiava em sua jornada ao lado do avô, sentia uma tensão sutil quando se deparava com os olhos de seu pai.
Os dois se encararam, mas Morwyna desviou o olhar.
— Como solicitado — disse Nunveth —, aqui está, princesa Morwyna Ostreth, e o antigo monarca Myvraid Ostreth.
Enquanto seu avô iniciava a conversa com Milveg, Morwyna permanecia em silêncio. A tensão entre pai e filha era palpável, refletindo anos de complexidade não dita.
Mesmo com a imponência de Morwyna e a autoridade de seu avô, a sombra das relações familiares pairava sobre aquele encontro, revelando-se nas entrelinhas de gestos e olhares, onde palavras não pronunciadas ecoavam mais alto que qualquer discurso formal.
— Conseguiu sair da cama? — zombou Milveg. — Me surpreende que tenha conseguido caminhar mais de 100 metros sem desmaiar.
Myvraid deu mais alguns passos, batendo a bengala no chão.
— Uma guerra, Milveg?
— Que eu saiba, você não é mais o rei, eu sou. Fui eu quem trouxe paz a este reino, minhas decisões foram cruciais para reestabelecer a nossa dominância, portanto, não me venha dizer como governar, faço isso a séculos.
— Por que começar uma guerra agora? Acredita mesmo no que alguns estrangeiros disseram? Você não estava lá quando o véu caiu, eu estava!
Milveg relaxou em seu trono, abrindo um sorriso convencido.
— Quer dizer a todos como é velho? Vá em frente, mas a sua era terminou, velhote. Sou eu quem toma as decisões aqui. Ainda tem sorte de eu mantê-lo vivo. Agarre-se ao resto de vida que te sobra e suma daqui.
O antigo monarca apertou o cabo de sua bengala.
— Você quer repetir o que aconteceu séculos atrás! Parte do nosso povo reside em Runyra, vai apontar espada para um dos seus?
— Eles preferiram se juntar a um mestiço do que ficar com o seu povo de sangue. Serão considerados traidores e executados quando as invasões começarem. Nunveth, ajude meu pai a se retirar.
Furioso, o velho bateu a bengala, afastando-se a passos lentos sem ajuda. Morwyna estava prestes a ajudar seu avô, quando ouviu seu pai o chamar.
— Morwyna, você fica.
Ela sentiu um nó na garganta.
O salão foi se esvaziando lentamente, deixando apenas ela e seu pai frente a frente. Pesado e cortante era o silêncio.
— Sempre que olho para você me lembro da sua mãe e isso me enche de ódio — disse o rei furioso. — Você e seu irmão tem o sangue dos primeiros Elfos Negros, o sangue dos campeões, e mesmo assim escolhem renegar sua herança, para quê? Passar o dia de joelhos? Ela sempre mimou vocês; por isso, são essa vergonha.
Ela apertou os lábios, tentando conter as lágrimas. As palavras de seu pai eram como punhais cravados em seu coração. Então baixou a cabeça, sem coragem de encará-lo.
— Desculpe… senhor…
— Claro, é isso que sabe fazer desde criança, se desculpar e chorar. Tsc… eu devia ter mandado você para aquele calabouço, você e seu irmão, talvez assim vocês aprendessem a ser fortes.
Morwyna apertou com força as bordas da sua túnica, como se buscasse um suporte tangível para conter a tempestade emocional que a assolava.
— Que seja, você vai falar com seu irmão, diga a ele que ele tem 90 luas para se preparar. Ele sabe que não tem escolha.
Morwyna fez uma reverência. — Sim, senhor…
— E quanto a você… Nunveth veio me pedir a sua mão. Eu disse a ele que você irá gerar um de seus filhos, já está na hora.
— … o senhor não podia ter me consultado antes…?
— Para quê? Você será de Nunveth por algumas noites. Ele é um bom homem, um líder respeitado e um guerreiro poderoso. Ele me dará netos dignos.
— … mas… pai… eu não quero me unir a Nunveth…
— Quem falou em união? Tenho três guerreiros de elite neste país. Pensei em oferecer você a cada um deles. Como mulher, essa é sua função. Já que não tem gosto pela batalha, sua tarefa será perpetuar a linhagem.
Morwyna ficou petrificada, sua expressão revelando uma mistura avassaladora de choque e incredulidade diante do que acabara de escutar.
Seus olhos, normalmente seguros e penetrantes, refletiam agora uma confusão profunda, como se sua mente estivesse tentando assimilar uma verdade que se revelava inesperada e perturbadora.
— O senhor… pai… quer me entregar aos seus guerreiros? Sou sua filha!
— Exatamente por isso, você tem o meu sangue, seus netos serão o que você e seu irmão nunca foram, agora saia daqui.
Com passos apressados, Morwyna atravessou a porta do salão, abandonando a atmosfera opressora que a sufocava.
Seus olhos, agora transbordando lágrimas, refletiam não apenas a dor, mas também a amargura que se enraizava em seu íntimo, como uma erva daninha que crescia sem controle.
O coração pesava, não apenas pelo peso das palavras cruéis proferidas por seu pai, mas também pela sensação de traição que a envolvia.
Cada passo parecia ecoar não apenas no corredor vazio, mas também nos recantos mais sombrios de sua alma, revelando feridas que sangravam em silêncio.
“Não sou nada para ele além de um objeto da sua vontade, ele nunca me amou de verdade…”
O som de suas solas batendo no chão ecoava como um lamento silencioso, enquanto a mágoa se acumulava em seu peito. Os passos apressados eram mais do que uma mera escapada física; uma tentativa de abandonar a sombra dolorosa que se projetava sobre ela como um fantasma.
Os ecos da conversa ainda ressoavam em sua mente, atormentando-a com a sensação de ter sido abandonada por aquele que deveria ser seu porto seguro, seu farol na escuridão.
As suas lágrimas deixavam rastros úmidos e cada movimento, cada respiração, era marcado pela dor de uma filha ferida, que agora enfrentava não apenas a rejeição, mas também a perspectiva de um destino imposto pelo seu pai, seu carrasco desde a tenra idade.