O Monarca do Céu - Capítulo 345
O império mais poderoso.
Em meio à opulência sombria do castelo dos Elfos Negros, uma porta se abriu, revelando um quarto que destoava dramaticamente do restante do ambiente.
Era como se uma explosão de cores tivesse tomado conta desse recanto, desafiando a atmosfera sombria que predominava no castelo.
As paredes do quarto eram pintadas em tons vibrantes, com uma mistura de azuis, verdes e amarelos que formavam padrões florais.
Cortinas leves esvoaçavam suavemente, permitindo que a luz do sol entrasse e destacasse as cores vivas. O chão era coberto por um tapete felpudo em tons de laranja e rosa, proporcionando uma sensação calorosa e acolhedora.
No centro do quarto, um Elfo Negro de pele morena e longos cabelos brancos presos em um rabo de cavalo trabalhava em um cavalete.
Sua blusa branca, suja de tinta. Manchas de várias cores adornavam suas mãos e braços.
Diante dele, um quadro em progresso capturava uma cena deslumbrante de um dia ensolarado. A paisagem representava um campo florido, onde ele, sua irmã e sua mãe estavam sentados em volta de uma mesa de piquenique.
Era uma imagem que irradiava calor e felicidade, contrastando fortemente com a escuridão que envolvia o restante do castelo.
Detalhes minuciosos revelavam o amor e a nostalgia presentes na pintura. As flores em tons vibrantes dançavam sob a luz do sol, e os sorrisos nos rostos dos personagens retratavam a alegria compartilhada em um momento simples, mas profundamente significativo.
Enquanto o Elfo Negro continuava a dar vida à cena em sua tela, sua irmã adentrou, fechando a porta atrás dela.
— Morwyna! — disse ele com um sorriso gentil. — Pensei que estivesse no templo. Se cansou de orar?
Ela se aproximou do irmão, vendo o quadro.
— Você se lembra dela tão perfeitamente assim? Isso é incrível…
— Infelizmente, eu já era um adolescente quando o pai… bem, o que veio fazer? Algo urgente? Se estiver com fome, eu tenho alguns pães na cozinha, eu os assei hoje de manhã.
Ela abanou uma das mãos.
— Não estou com fome… eu… vim trazer uma mensagem do papai, uma ordem que ele quer que você execute…
Ghindrion abaixou o pincel. — Certo… o que ele quer dessa vez? Que eu execute mais prisioneiros?
— Não… ele quer que você vá para a guerra com… aquele país, Runyra… o rei deles descende do homem que destruiu o nosso plano, e esse homem agora é um rei que está conquistando todos os reinos do leste. Papai quer medir forças com ele… você tem noventa luas para reunir os exércitos…
Ghindrion assentiu em um suspiro.
— Era o que me faltava… já ouvi sobre esse rei, coisas boas e ruins, mas pelo que ouço, é quase unânime os elogios a Runyra. É uma ordem, não há nada que possa ser feito.
— Você não precisa ir! — exclamou, seu semblante doce exalava preocupação. — Essa guerra é do papai, não nossa!
— Não posso desobedecê-lo… dá última vez, a mamãe se colocou entre nós e… você sabe o que aconteceu…
— E-eu posso tentar falar com ele e-
— Morwyna! Tá tudo bem, é sério. É melhor fazer o que ele manda, não é por mim, é por você… ele pode te matar se for contra ele, e você sabe disso…
Ghindrion ergueu-se e deu um abraço na irmã.
— Apesar de não gostar de lutar, você sabe que sou forte. Trarei a cabeça desse Colin e papai vai se acalmar. Só então as coisas voltarão a ser como antes.
— Voltaria a ser como antes se o papai morresse! — disse furiosa.
Ele se afastou da irmã. — Morwyna! Não devia dizer essas coisas dessa maneira, ele ainda é o nosso pai!
— Ele nunca foi um pai para a gente, você sabe disso. Ghindrion, ele espancou você quando se negou a bater na serva por derramar seu vinho, e as outras vezes que ficou trancado na prisão?
— Eu sei, mas-
— Ghindrion! Ele disse que me jogaria na prisão, em uma cela cheia de criminosos, se eu não tivesse feito os estudos. Você estava lá quando ele disse que deixariam me estuprar até que eu aprendesse a obedecê-lo. Isso não é coisa que um pai devia dizer para a filha, ainda mais para uma menininha… e ele acabou de me dizer que terei que parir os filhos de três de seus melhores guerreiros… — Ela desviou o olhar. — Ele nunca nos deu escolha, e nem deu ouvidos ao vovô…
Ele alisou a testa e deu um suspiro. — Mesmo assim… o papai é forte demais, não dá para contrariá-lo.
— Se a gente se juntar, podemos matá-lo!
— Ficou louca? Nós dois acabaríamos mortos.
— E se pedíssemos ajuda de Runyra?
— Papai mandaria os seus assassinos até lá e mataria toda a família real. Você sabe o motivo de o papai estar me mandando caçar esse Colin, ele quer me testar, e conhecendo o papai, diria que ele não se importa com os motivos para iniciar essa guerra.
Morwyna se afastou enquanto alisava o queixo, pensativa.
— Sim… faz sentido… se papai estivesse realmente interessado, ele mesmo resolveria isso, não mandaria você já que não se falam há anos… no que ele está pensando?
— Eu não sei, mas se ele deu a ordem, então tenho que me preparar. Se ele quer te fazer parir os filhos desses guerreiros, então pretende fazer isso depois da guerra.
Ela segurou as mãos do irmão. Estavam suando, trêmulas.
— Ghindrion, estou assustada… e se papai resolver que quer fazer isso hoje? E se aqueles homens invadirem o meu quarto e anunciarem que é uma ordem do papai?
— Isso não vai acontecer, confia em mim. — Ele tocou o rosto da irmã. — Não retorne ao castelo, volte para o monastério e fale com as irmãs que é um pedido meu para esconderem você. Agora tenho que começar a reunir os exércitos.
Ele beijou a testa da irmã e se afastou para os fundos, deixando-a sozinha com seus pensamentos.
[…]
Lyriel, a filha de Leif, se encontrava em um dilema. Matar o seu pai e salvar o seu povo, ou contar com o seu pai para uma investida final?
O grande rei Leif já estava na cidade, e seu humor não era dos melhores. A princesa comprou um pouco de ervas venenosas, se fosse fazer isso, seria por envenenamento.
Ela não era forte, muito menos sabia empunhar uma espada. Quando Dasken a escoltou de volta, ele havia dito que assim que Leif estivesse morto, o sino da catedral em ruínas deveria ser tocado.
Seria o sinal que ele estaria esperando.
Havia um exército a ser enfrentado, mas isso não o preocupava. Falone e Lettini haviam se juntado a ele. Junto daqueles dois, dificilmente ele perderia.
Em um quarto escuro, Lyriel preparava sua poção em um caldeirão borbulhante. Limpando o suor da testa, ela encheu um copo com uma concha e colocou próximo a um buraco onde vivia uma ninhada de rato.
Os ratos saíram, beberam o veneno e segundos depois eles estavam agonizando no chão.
A questão em sua mente era a seguinte: quanto tempo levaria para matar um homem adulto?
Pensar em fazer aquilo com o seu genitor a fazia embrulhar o estômago, mas depois da conversa com a rainha, ela começou a enxergar as coisas com clareza. Deixando as questões sentimentais de lado, seu pai em breve deixaria de ser relevante no aspecto político.
As forças de Ayla poderiam arrebentar os portões e acabar com isso, mas a rainha de Runyra queria que ela fizesse isso, não se tratava de provar sua força, se tratava de provar lealdade.
Tudo começou a ficar claro em sua mente e ela se acalmou, sabendo muito bem o que teria que ser feito. Não contou para ninguém, muito menos para sua mãe.
Esperou o anoitecer, e foi até onde seu pai começou a passar horas antes de ir para cama. Com uma bandeja em mãos, ela adentrou a sala de reuniões, vendo seu pai encarando as luzes da cidade pela sacada.
— Já comeu, pai? Preparei esse ensopado para você! — Ela o apoiou na mesa.
— Parece que vai chover… — ele olhou para a bandeja. — Não precisava, querida.
Leif sentou-se em sua cadeira, se serviu enquanto Lyriel o encarava e suspirou.
— E você querida, está bem?
— Ah, bem… acho que sim…
— Que bom. — Leif começou a comer, saborear o ensopado. — Filha… esquece…
— O que foi? Me conta…
— Acho que dei um passo maior que minha perna… achei que poderia competir com essas aberrações, aniquilá-las… Colin, Ayla, Alexander, Milveg, Lumur… não era para tudo ter terminado assim, não era para sermos colocados contra a parede dessa forma…
Ela engoliu em seco.
— Você fez tudo que podia, pai…
— Não… devia ter me rendido há meses, mas fui orgulhoso. Milhares de homens morreram por minha ambição… eu… forcei o nosso povo a isso…
Lyriel sentiu uma pontada de culpa ao ver o arrependimento nos olhos de seu pai. Ele não sabia que estava comendo a sua própria sentença de morte, que ela havia traído a sua confiança e o seu amor.
Ela tentou disfarçar a sua emoção, mas uma lágrima escorreu pelo seu rosto. — Pai… eu te amo… — ela disse, se aproximando dele e abraçando-o.
— Eu também te amo, minha filha… você e seu irmão, que os deuses o tenham, foram as únicas coisas que fiz de que tenho orgulho… — ele disse, retribuindo o abraço.
Eles se afastaram e se olharam. Lyriel viu que o rosto de seu pai estava pálido, e que ele começava a suar frio.
O veneno estava fazendo efeito.
— Pai… você está bem? — perguntou, fingindo preocupação.
— Eu… eu não sei… estou me sentindo estranho… — Leif levou a mão ao peito. — Acho que… acho que comi demais…
Ele tentou se levantar, mas caiu de volta na cadeira. Começou a tossir, e um fio de sangue escorreu pelo canto de sua boca.
Então olhou para Lyriel, com uma expressão de dor e confusão.
— Filha… o que… o que você fez? — ele perguntou, com a voz fraca.
— Pai… me perdoe… eu não tive escolha… — disse chorando. — Fiz isso pelo nosso povo… pelo nosso reino… pela nossa paz…
— Você… você me envenenou? — perguntou, incrédulo. — Como… como você pôde? Sua vadiazinha!
— Pai… por favor… entenda… eu te amo… mas eu não podia deixar que você continuasse essa guerra… que você morresse em uma batalha sem sentido… que você fosse lembrado como um tirano… — ela disse, soluçando.
— Você… você me traiu! — disse, com raiva e mágoa. — Você não é minha filha… é uma assassina… uma traidora…
Leif tentou alcançar a espada que estava ao seu lado, mas não tinha forças. Ele caiu no chão, se contorcendo, e Lyriel correu até ele, e o abraçou.
Ela sentiu o seu corpo ficar frio e rígido, e o seu coração parar de bater. A princesa beijou a testa do pai e sussurrou em seu ouvido. — Adeus, pai… sinto muito… espero que você me perdoe…
Ela se levantou, e limpou as lágrimas. Pegou a bandeja, e saiu do quarto passando pelos guardas que não perceberam nada de errado.
Apressada, subiu até a torre, onde estava o sino da catedral e olhou para a cidade, que estava iluminada pelas estrelas.
Respirou fundo, e puxou a corda.
Blém! Blém! Blém!
O sino começou a tocar, alto e claro. Era o sinal que Dasken estava esperando. As forças de Leif do lado de fora foram despertadas, mas os carniceiros aproveitaram a escuridão, avançando sorrateiramente pelas sombras.
Vestidos em trajes negros que se camuflavam com a noite, eles se moviam como sombras vivas.
Os portões da cidade se tornaram um campo de batalha. O sino ainda ressoava, seu som penetrante guiando os cidadãos para os refúgios.
A chuva começou a cair, deixando tudo mais caótico. As luzes das tochas tremeluziam nas ruas molhadas, criando reflexos dançantes que contrastavam com a escuridão.
Enquanto parte dos carniceiros comandados por Dasken e Falone avançavam pelos portões, o grupo de Lettini avançava furtivamente, aproximando-se dos postos de guarda desapercebidos.
Com movimentos coordenados, começaram a executar os guardas e neutralizar qualquer resistência. As adagas dos carniceiros brilhavam na escuridão, cortando silenciosamente o ar.
Nortenhos tentavam gritar ordens para suas tropas em meio ao caos. As luzes das tochas se multiplicaram à medida que os soldados se moviam para interceptar os carniceiros, e logo o confronto se estendeu por ruas estreitas, com o som de metal contra metal misturado ao tilintar da chuva.
Lyriel olhava aquilo de cima da torre com espanto.
— O que eu fiz…?
— O ne-necessário… — Lettini apareceu ao seu lado, coberta por sua capa escura e molhada, sombreando seu rosto. — Ly-Lyriel, né?
A garota engoliu em seco e deu alguns passos para trás, sentindo a chuva e o vento.
— E-eu fiz o que rainha Ayla pediu… eu… matei o meu pai…
— U-uma boa decisão… mas se você condenou o seu próprio pai à morte, a chance de tentar fazer isso com a rainha são maiores…
Lyriel engoliu em seco. — E-eu… não estou entendendo…
— O-obrigada pelos seus serviços…
Lettini tirou uma adaga da capa e avançou, apunhalando o abdômen da princesa. Ela golfou sangue, e Lettini se afastou.
Incrédula e com a mão apoiada no abdômen, ela deu alguns passos para trás, até que pisou em falso. Seu corpo despencou do alto da torre, até se estatelar no chão lá embaixo.
Mais uma vez Runyra havia triunfado, consagrando-se como o império mais poderoso e o maior em extensão territorial de toda a história.