O Monarca do Céu - Capítulo 349
Máscara.
Após bater duas vezes na porta, Colin entrou, vendo Ayla diante de um espelho. Ela estava observando seu corpo, sua barriga, notando o quanto estava crescida.
— Colin… — ela sorriu docemente. — Achei que você não viria hoje.
Ele a beijou na testa.
— Claro que eu viria. — Ele a levou pela mão até uma poltrona, sentou-se e Ayla se acomodou em seu colo, de lado. — E como você está se sentindo?
— Cansada… e bem… acho que ganhei uns quilinhos, minhas bochechas estão inchadas.
— Que nada. Você continua linda como sempre.
Ela passou a mão em seu rosto e o beijou.
— Você está mais forte, virou Monarca?
— É… foi um pouco difícil, mas consegui. E como estão as coisas por aqui?
— Agora está tudo sob controle. Montei um novo conselho que está dando conta do recado. Brighid também tem sido uma ótima amiga, ela me trata como uma irmãzinha. Quer escutá-los?
Ele arqueou uma sobrancelha.
— Os bebês, quer escutá-los?
— “Os bebês?”
— São gêmeos! Um casal!
Colin ficou sem fôlego. Seriam cinco filhos biológicos em menos de dois anos. Ainda bem que ele tinha recursos de sobra.
Encostou a cabeça na barriga de Ayla, ouvindo os corações batendo. Era uma sensação estranha, mas agradável.
— Fala com eles… As parteiras dizem que é bom eles ouvirem a voz do pai ainda na barriga.
— Falar o quê?
— Qualquer coisa…
Ele respirou fundo. — Bem… oi, aqui é o papai, como vocês estão? Espero que bem… logo vocês vão nascer, e que sorte, vocês serão príncipes e princesas de um império. Nossa família também é bem grande, vocês terão muitos irmãos e irmãs para se divertir. Amor não faltará, nem diversão, todo mundo está ansioso esperando vocês…
— Viu, não foi tão difícil.
— É… não foi.
— A situação com os nortenhos que invadiram Ultan está quase resolvida. Dasken, Fallone e Lettini estão cuidando disso para mim. Eu me livrei dos nobres traidores, enviando-os para lá, e eles foram eliminados. Por fim, eu fiz um acordo com a coalizão do norte. Todo o norte agora é nosso.
— Nossa…
— Pois é… só precisamos acabar com os gigantes a noroeste e Yenerack a nordeste, e então tudo será nosso de vez. Lina tomará conta de Lumur no sul, e eu revivi os caçadores de espectros, os transformei em uma ordem que caça as corrupções do abismo.
— Você resolveu tudo mesmo…
— Eu tinha que resolver, você não estava aqui…
Um silêncio se instalou entre eles.
— Fiz o que tinha que fazer, Ayla, e você sabe.
— Não estou criticando, foi só uma observação.
Eles se encararam.
— O que você quer, Ayla?
O olhar firme dela o encarou, o olhar de uma rainha orgulhosa.
— Espero que você reconheça o que fiz aqui por essas pessoas, o que fiz por você. Se você soubesse o quanto é difícil carregar os seus filhos e ainda administrar um império, duvido que você teria saído na sua jornada e me deixado aqui para me virar.
Ele revirou os olhos e suspirou.
— Você quer que eu peça desculpas por isso?
— Desculpas? Eu não me casei com um homem que se desculpa por tudo. Que isso não se repita. Agora que você está aqui, passará mais tempo com as crianças e, quando o conselho precisar, eles irão até você, porque Brighid e eu estaremos ocupadas cuidando dos filhos que você faz, mas não se importa em criar.
Colin franziu o cenho. Era raro vê-la tão agressiva, hostil.
— O que aconteceu com você?
— O que sou para você, hein!? Porque a impressão que tenho é que fui apenas um degrau para você subir.
— Degrau? Quem sugeriu esse casamento foi você, e não seja ingrata. Eu me sacrifiquei tanto quanto você para construir esse império.
Ayla ergueu as sobrancelhas.
— O quê? Você se escutou? — A voz dela aumentou. — Sou eu quem engravida, sou eu que sempre acabo cedendo aqui, tudo porque você está sempre com raiva, com essa sede de sangue que transparece. Me tratou como uma qualquer, me usou, falou coisas que me assustaram e no dia seguinte isso se repetia. — Ela suspirou. — Comecei a ter medo de você, Colin, mesmo te amando… medo do que você estava se tornando… então aceitei tudo em silêncio, mas percebi que isso não é justo.
Ela apoiou a mão no queixo dele.
— Não me venha com essa de que a Brighid é a sua “primeira” esposa e que eu tenho que me contentar com as sobras. Você topou esse casamento tanto quanto eu, então se vire para dar carinho a todas as suas esposas, seus filhos e seu reino.
Ela o beijou com ardor e se soltou de seu colo, mas ele agarrou sua mão e a puxou de volta, cravando seus olhos nos dela.
— Isso é ciúme?
— … Eu não estou com ciúmes da Brighid.
— Então, modere a língua, eu não sou seu capacho.
Eles se olharam com intensidade, até que ela baixou o olhar.
— Me perdoe… ouvi os gemidos que vinham do quarto dela, vocês pareciam estar no paraíso… você não me ama como ama ela, ama?
— Você está delirando, e não pode se esquecer de que foi você quem quis trazer a Brighid para cá, até a coroou rainha. Não jogue esse ciúme em cima de mim.
Os olhos dela começaram a lacrimejar.
— Eu sei… não estou bem ultimamente, choro por qualquer bobagem… Nailah, Melyssa e Brey me chamaram de mãe outro dia, e eu me desabei em lágrimas…
Colin afastou o cabelo dela da testa e a beijou com ternura.
— Hoje vou dormir aqui com você, podemos conversar o quanto quiser, contar o que aconteceu no plano astral e escolher os nomes desses dois que você está gerando.
— E a Brighid? — Olhou para o lado, com medo. — Ela não vai ficar magoada?
— Por que ficaria? Estou em casa para botar ordem nas coisas, e vocês duas têm que se acertar. Fiquei sabendo por alto dos problemas com os nobres e os religiosos, enquanto resolvo isso, é bom que você e Brighid sejam uma família. Tenho muita coisa para me preocupar, não quero que minhas esposas se odeiem.
— Eu não a odeio, eu só… senti sua falta, só isso…
Ele acariciou o rosto dela e a beijou, um beijo cheio de paixão. Fazia meses que ela não sentia esse calor.
Ayla olhou para ele com os olhos brilhando e as bochechas coradas.
— Isso é tudo que você vai ter por enquanto — disse ele —, agora fique calma.
— Não posso, eu tenho que me arrumar, tomar banho, me vestir. Almoçarei com a mulher do Marcellus, lembra dele? Ele continua vivo e virou um servo fiel. Me conta tudo que os novos nobres estão aprontando.
Colin se levantou, pegou-a no colo e a colocou na cama com cuidado, beijando-a mais uma vez.
— Não se apresse, você é a rainha de um império, as pessoas têm que te obedecer, mesmo que você se atrase, agora preciso ir.
Ela ficou corada, vendo-o se afastar e sair do quarto. Para alguém que sempre agiu de maneira lógica, ela ainda não conseguia decifrar aquele turbilhão de sentimentos, agindo como uma adolescente apaixonada.
Logo após sair do quarto, o rei encontrou Jane apoiada na parede, com um sorriso malicioso nos lábios.
— E aí, amansando a nossa fera indomável?
— O que você quer, Jane?
— Ah, eu só vim te dar os parabéns pela missão. A princesinha de gelo me nomeou a mestra das finanças. É um trabalho simples, só preciso cobrar os impostos a tempo. Mas eu tenho uma surpresa para você. Venha, me siga.
— Que surpresa?
— Se eu te contasse, não seria surpresa.
Ela o levou pelos corredores do palácio, onde havia inúmeros retratos de Colin e seus feitos heroicos. Chegaram a uma torre que Colin nunca havia visitado e desceram por uma escada sombria.
Lá embaixo, havia uma prisão cheia de horrores.
Prisioneiros pendurados pelos pulsos, gritos de dor, sangue e sujeira. Jane sorriu com satisfação.
— Conversei com o braço direito da rainha, o tal Tuly. Ele é um cara legal, mas não sabe como lidar com essa escória. É um homem muito mole. — Ela piscou para Colin. — Então reservei esse parque de diversão para você, é todo seu. Assassinos, ladrões, estupradores, todos à sua disposição!
Colin olhou em volta, perplexo. — E o que você espera que eu faça com eles?
— Ora, o que você quiser. Eles são criminosos, violaram as leis do seu reino.
— Você quer que eu os torture?
Ela sorriu de novo, com malícia. — É isso que você deseja fazer? Vamos! — Jane agarrou a mão de Colin e o arrastou para uma cela escura.
Lá dentro, havia um homem enorme e musculoso, acorrentado pelos pés e mãos. Ele era careca, mas tinha uma expressão feroz.
Era evidente que ele era perigoso.
Jane abraçou Colin por trás, cochichando em seu ouvido: — Você sabe o que ele fez? Invadiu a casa de uma família de Elfos da floresta, Elfos que vieram com a sua tia. Ele matou o pai, as três esposas, as duas filhas, mas deixou um menino de três anos vivo, sabe o que fez com o garoto?
Colin sentiu um nó na garganta. — Eu já entendi, não precisa dar mais detalhes… depois que ele… o que aconteceu com o menino?
— Foi estrangulado sem piedade. Os Elfos ficaram revoltados, os soldados o capturaram e o trouxeram para cá.
— Por que você está fazendo isso?
— Eu sei quem você é, Colin, sei o que você deseja. Eu já entrei na sua mente, lembra? Aquelas duas podem sonhar com um mundo melhor, mais alegre, mas o que você quer é sangue.
Colin a encarou por cima do ombro. — Você não sabe nada sobre mim.
— Como não? Eu sei coisas sobre você que as suas cadelinhas nem sonham. Você pode se fazer de bom moço perto delas, um pai carinhoso, um marido exemplar, mas, no fundo, você e eu conhecemos a verdade.
Num gesto brusco, ele segurou o pescoço dela, apertando-o. Jane continuou sorrindo enquanto o ar lhe faltava.
— A verdade… incomoda tanto assim? — Colin a soltou, e Jane respirou fundo. — Não há nada de errado em ser como você é… quer dar um futuro mais feliz para as suas cadelinhas? Tudo bem, mas não deixe de nutrir isso que há em você. Se você perder a sede, como vai enfrentar o seu inimigo quando Drez’gan surgir diante de você? Ou pior, o seu pai? Hein?!
Ela se aproximou, acariciando o rosto dele com as duas mãos.
— Lembra de quando fizemos o contrato? Você era apenas uma sombra do homem que é hoje, eu vi o seu potencial e acertei na mosca. O sangue dos antigos Elfos e dos Errantes flui em você… me diga, quem mais além de você poderia ter conquistado tudo o que conquistou e ainda manter o seu propósito, hein?!
Jane o envolveu em seus braços, encostando a cabeça em seu peito. — Eu sei o que você sente, garoto, o poder que corre em suas veias. Por que você iria negar os seus desejos, hein? Ter esposa, filhos, uma vida comum… isso é para gente comum, e gente comum não faz história. As suas bonequinhas não compreendem isso, eu compreendo.
Ela levantou a cabeça, seu rosto rubro, seus olhos ardendo com uma loucura assustadora.
— O destino nos uniu por uma razão, Colinzinho, para eu fazer de você o homem que você nasceu para ser. Comigo, você não precisa usar máscaras, seja quem você é, um conquistador que pega o que quer e faz o que quer sem se importar com nada! Um homem que não se dobra, mas que manda, que se mantém firme, é isso que você é!
Colin permaneceu calado, a fitando com sua expressão séria.
Jane ficou mais vermelha.
— O que foi? Está com vontade de me machucar? Pode fazer o que quiser, eu não resistirei, e quando acabar, eu voltarei rastejando para o garoto que transformei em homem, o meu conquistador!
— … você é louca…
— E você também é, e então, o que você me diz, querido?
O homem no fundo da cela o olhou com um sorriso fraco.
— Eu sei quem você é, é o rei Colin, né? — Ele passou a língua pelos lábios. — Eu ouvi falar que você tem um monte de filhos, eu queria um deles, mas tem muitos guardas, seria difícil chegar até eles.
Colin arqueou as sobrancelhas. — O que você disse?
— Eu investiguei. — Aquele homem parecia louco de pedra. — Eu a vi quando ela distribuiu os presentes e as cestas básicas na neve… disseram que o nome dela era Melyssa. — Ele lambeu os lábios, seus olhos desviando para todos os lados. — Ela estava linda naquele dia, parecia uma bonequinha…
Colin apertou os punhos.
— Alguém tem que fazer o serviço sujo, Colinzinho — murmurou Jane em seu ouvido. — Se ele fugir daqui, Melyssa vai correr perigo. Ele foi pego dessa vez, mas quantas crianças e famílias ele arruinou antes disso? Esse mundo é cruel, sem piedade, e homens como ele sabem como se aproveitar disso. É com homens como ele que você quer dividir o mundo que está construindo? O seu reino?
Jane se soltou dele.
— Seja bom com quem merece, seja justo com quem é honesto, mas com pessoas como ele você não precisa ter pena!
Os olhos de Colin se estreitaram sinistramente, e um sorriso perverso surgiu em seus lábios.
— Você é ardilosa, Jane, mas obrigado. — Ele deu dois tapinhas no rosto dela. — Vou fazer o que tenho que fazer, e você ficará aí, olhando.
Ela abriu um sorriso provocante.
— Faço o que você quiser, Colinzinho. — Jane se afastou, sentando-se em um banco.
Colin levantou as mangas ao entrar na cela, seu olhar fixo na barra de ferro no canto. Um sorriso se formou em seus lábios.
— Você gostou de fazer aquilo com o menino, né? Queria fazer o mesmo com a minha filha, né? Seu porco maldito!
[…]
Os lamentos desesperados reverberaram pelos recantos sombrios das masmorras, persistindo ao longo da manhã até, enfim, se renderem ao silêncio.
Na cela, Colin repousava em um banco, seus membros e semblante manchados de sangue. Ele respirou profundamente, acomodando-se na cadeira.
— Satisfeito, meu querido? — questionou Jane no canto.
— Estou melhor. Preciso me apressar, tomar um banho, afastar esse odor de sangue.
Ele levantou-se e deixou a cela, retirando-se com calma. Ao fundo, Jane ouviu a fechadura sendo destravada, seguida pelo ranger da porta ao se fechar.
O homem jazia no solo, prostrado de bruços em uma cena de repulsa. Seus órgãos se projetavam pelo ânus, o chão encharcado de sangue, enquanto um objeto de ferro se fincava em sua nuca.
Jane corou intensamente, passando a língua por um dos dedos.
— É como alimentar um cão faminto com carne fresca. — Agachou-se junto ao cadáver. — Prepare-se, Drez’gan, meu Colinzinho está prestes a se tornar um cão mais voraz que você.
Seu indicador tocou o sangue no chão, sendo imediatamente lambido.
— Meu garotinho ainda não está completamente formado, mas estamos apenas começando.