O Monarca do Céu - Capítulo 352
Conhecendo o rei.
A noite envolvia tudo em escuridão e frieza enquanto Colin, junto à janela, contemplava o horizonte com um olhar distante. Nos seus braços, Cohen repousava, seu sono emitindo uma calma que contrastava com o semblante preocupado do rei.
Runyra, seus filhos, suas esposas, seus amigos, ele pensava em tudo isso de uma única vez, seus pensamentos desordenados como se fossem folhas soltas em uma tempestade.
Desde que se entendia como gente, ele sempre desejou uma família numerosa, grande, e agora ele tinha tudo isso. Sempre que ficava sozinho com seus pensamentos, lembrava-se de Ultan, do que eles eram e como foram varridos para debaixo do tapete em uma única noite.
Ele sabia que era um alvo, não só dos nobres, mas de monstros bem mais brutais e cruéis. Parte dele sentia medo do que poderia acontecer com tudo isso e, agora que um dos pandorianos de Coen havia sido destruído, dificilmente alguém metódico como seu pai ficaria parado.
Suavemente, o rei acariciava as costas do garoto, numa expressão de ternura.
O ranger da porta anunciou a chegada de Brighid, que adentrou o quarto. Colin virou-se para encará-la.
— Me chamou, Colin?
— Sim — respondeu, colocando o filho no berço. — Venha comigo.
— O que houve? Está tudo bem? — Ela insistiu, seguindo-o pelo corredor.
— Você vai saber — disse sem olhar para ela.
Eles entraram em outro quarto, onde Ayla estava sentada em uma poltrona.
— Preciso conversar com vocês duas.
Brighid puxou uma cadeira, engoliu em seco e assentou-se ao lado de Ayla, enquanto Colin tinha lugar à frente das duas. A expressão dele denotava uma seriedade incomum.
— Pensei no que me disseram, e eu sei que vocês duas querem que eu seja mais presente, que eu passe mais tempo com as crianças — Colin disse, olhando para elas com um misto de culpa e raiva. — Mas vocês não entendem. Sou um rei e tenho deveres a cumprir. Pelo menos por hora, com Alexander, Coen e Drez’gan soltos por aí, eu não posso me dar ao luxo de ser um pai amoroso, um marido carinhoso, um homem comum.
Quando Colin falava daquela maneira, Ayla costumava ficar em silêncio e escutar, mas Brighid era mais compreensiva, ela gostava de ouvir, entender a situação, ajudar o marido, já que ela o conhecia muito bem.
— Mas Colin… — Brighid tentou falar, mas ele a interrompeu com um gesto.
— Vocês duas têm que aceitar que tenho esse fardo de governar. Eu protegerei vocês, protegerei os nossos filhos, o meu reino, mas do meu jeito. Eu disse, não disse? Nossa família é a minha prioridade. Farei o que for preciso, mesmo que isso signifique sacrificar a minha felicidade, a minha humanidade.
Brighid engoliu em seco.
— Ayla me disse que você estava disposto a se tornar um monstro pra combater o seu pai… mas não é assim que as coisas funcionam.
— Não? — indagou em tom sarcástico.
— Não! Nós não somos fracas, e você sabe disso. Está colocando todo esse fardo sobre você porque quer, por que não o divide comigo, com Ayla? Está sendo egoísta!
Colin assentiu com um sorriso de canto. — Por que não pode só fazer o que eu peço? Tem sempre que me interromper e vir com essas soluções que só funcionam na sua cabeça.
— Na minha cabeça? — Brighid franziu o cenho. — Me desculpe se eu não quero que o homem que eu amo morra, mas é isso que você quer, né? Não importa quantas vezes eu peça, você nunca me ouve mesmo…
Colin suspirou.
— Não é o que quero, mas é o que vai acontecer. Ayla comprou terras vastas no reino esquecido. Com o novo conselho tomando conta das coisas, vocês vão pra lá com as crianças.
— Não, a gente não vai!
Após mais um suspiro, Colin alisou a nuca.
— Brighid… por favor…
— Não! Você sempre faz isso, se coloca em situação perigosa e vê a morte como saída mais fácil!
— Mas o Lithium-
— Que se dane o Lithium! — Os olhos dela encheram-se d’água. — Nós temos filhos juntos, uma família grande… Quando fala dessa forma, é como se não se importasse com nada disso e só quisesse fugir, se livrar de tudo…
— … Isso não é verdade… quero que vocês fiquem seguras, só isso…
— Acha que a gente ficaria segura morando sozinhas do outro lado do continente? Nós nem conhecemos aquelas terras, não temos poder nenhum lá… entendo que você tem o seu dever, o seu jeito de resolver as coisas, mas eu não me sentiria menos segura estando longe de você…
Ela começou a limpar as lágrimas e Ayla criou coragem pra falar.
— Nós… sabemos o que fez com o sacerdote e com os nobres… você faz o necessário para manter a ordem, é o que mais te admiro como homem, mas Brighid tem razão… desde que chegou, minhas noites de sono tem sido tranquilas, me sinto mais leve, mais calma… com você se afastando da gente só iria piorar… a gente… — Ela desviou o olhar. — Se tornou um fardo pra você?
— Fardo? Não, não, nunca!
Colin olhou para as duas mulheres que dividiam o seu coração. Ele sentiu uma pontada de dor e remorso.
— Eu… bem… tudo bem… vocês têm razão. — Ele voltou para a poltrona. — Mas ainda tenho os meus afazeres. Em uma ou duas semanas, irei até Rontes do Sul. A mãe dos monstros reside lá, né? E tem a fênix de que falam. Tentarei conseguir um novo contrato e um novo pandoriano. Entendo que querem que eu fique, mas preciso ir. Irei sozinho dessa vez. Heilee e Leona vão ficar, aquelas duas ficaram poderosas, sem elas, eu jamais teria derrotado o pandoriano de Coen.
Era difícil fazê-lo mudar de ideia. Cabisbaixas, elas assentiram.
— Não pode esperar até nossos filhos nascerem? — indagou Ayla, quase sussurrando.
— Ainda falta um mês, né? Volto antes, prometo. — Ele relaxou na poltrona. — Vou contar a vocês a verdade… a verdade sobre tudo que aconteceu no plano astral, acho que merecem saber.
[…]
Colin contou sobre ter encontrado sua mãe nos planos simulados da Antares, sobre ter encontrado uma ancestral da Samantha, sobre a verdade sobre ele, seu trauma e sobre sua luta com Gorred.
Em circunstâncias comuns, ele levaria aquilo para o túmulo, mas Colin confiava naquelas duas mais do que qualquer coisa. Mesmo que fosse um assunto delicado, Colin não demonstrou emoções conflitantes enquanto contava, mas para elas, saber aquilo foi um choque.
— Colin… — murmurou Brighid. — Eu nem sei o que dizer…
— Não precisa dizer nada, só achei que deveriam saber.
Alguém bateu na porta e ela abriu-se.
— Meu rei, minhas rainhas, Dasken e os carniceiros acabaram de retornar. A missão foi um sucesso.
Ayla assentiu. — Obrigada, Tuly, já estamos descendo.
Ele assentiu e retirou-se do quarto.
— Devia ir recebê-los — sugeriu Ayla. — Eles estavam com saudades de você…
Colin esboçou um sorriso de canto.
— Certo… vou levá-los para a cozinha, conversar um pouco, querem vir? Acho que falarei com Elhad e os outros, reunir toda a turma.
— Estou um pouco cansada — disse Brighid. — Dê um abraço em todos por mim.
— Não irei descer todos aqueles lances de escada — disse Ayla. — Não insista.
Colin assentiu. — Certo, vejo vocês mais tarde. — Beijou a testa de cada uma.
[…]
Após descer um longo lance de escadas, Colin estava nos portões do palácio para recepcionar os carniceiros. As pessoas pararam para ver eles passarem em seus enormes cavalos negros e suas vestes sombrias.
Algumas crianças queriam fazer parte daquelas forças quando ficassem mais velhas, tamanho era o respeito e admiração que causavam.
Dasken estava no meio, Falone e Lettini nos flancos. Assim que colocaram os olhos no rei, os três abriram sorrisos.
— Aí está ele — Dasken desceu do cavalo com o cigarro no canto da boca e apertou as mãos de Colin. — Ainda não me acostumei com a ideia de que você é um rei.
— Se-senhor Colin!
— E aí, Lettini, Falone, como estão?
— Co-conseguimos derrotar to-todos os nortenhos no território de Ultan!
— É — Falone abriu um sorriso convencido. — Até que foi fácil. Alguns deles pareciam imortais, mas depois de um tempo acabaram mortos.
Colin passou o braço pelos ombros dos dois. — Por que a gente não entra? Tem um banquete esperando vocês lá dentro, todos vocês.
— A rainha Ayla não quer um relatório ou algo assim? — perguntou Dasken.
— Podem entregar depois de comerem, vamos!
— E-espera! — Lettini foi até seu cavalo.
Havia um homem ali, amarrado por correntes nos pulsos. Ele era alto, forte e careca, com diversas escoriações pelo corpo. Havia pânico em seu olhar, um medo genuíno.
— Esse é Brag, o amputador. Não é tão forte quanto diziam. — Os olhos dela brilharam de felicidade. — A ge-gente pode torturá-lo, né?
Colin deu de ombros. — Ayla deve querer falar com ele, por enquanto o deixem vivo.
— Ce-Certo!
Outros carniceiros puxaram Brag pelas correntes indo até a prisão do palácio enquanto Colin e aqueles três foram logo para o refeitório.
Mais carniceiros se juntaram a eles, enchendo o refeitório. Todos cumprimentavam Colin e ele os cumprimentava de volta em um agradável clima de camaradagem.
— Olha só quem está aqui! — Samantha veio de trás, acompanhada de Eden, Kurth e Sylvana. — Bebendo a essa hora do dia? Isso que é vida de rei. — Ela deu dois tapinhas nas costas dele, o analisando de cima a baixo. — Está mais forte, se vestindo bem… quem diria, né?
— Você também não tá nada mal, andou malhando?
Samantha forçou o bíceps. — Alguém tem que treinar nesse palácio, hehe!
Os olhos de Colin focaram no rapaz ruivo atrás de Samantha. Demorou um tempo para ele assimilar quem era.
— Kurth?! — Ele foi até o garoto, o levantando como se ele fosse uma criança. — Háhá! Você cresceu, olha só esse tamanho!
— É bom ver o senhor também, senhor Colin… — disse um pouco envergonhado.
— E quem são esses dois? — indagou mirando em Eden e Sylvana.
— E-eu sou Eden, se-senhor…
— So-sou a Sy-Sylvana…
— A turma tá quase toda reunida, por que a gente não se senta ali? É tudo na conta da Ayla mesmo, e onde estão Elhad e Sashri? Soube que eles também estão aqui.
— Aqueles dois vivem sumindo, coisa de Elfo.
Eles sentaram-se e Colin apresentou os carniceiros a seus antigos e novos companheiros, deixando um clima agradável.
Samantha não perdeu tempo e já encheu a caneca com vinho. Conversavam animadamente sobre suas aventuras, suas ambições, suas perspectivas para o futuro.
O agora rei ficou por dentro de tudo que acontecia no seu ducado. Alunys pelo visto, estava fazendo um excelente trabalho com sua gestão impecável.
Soube do que Samantha aprontou no sul, e tanto Eden quanto Sylvana acabaram ficando à vontade, compartilhando sua aventura com Brighid para desmantelar o temido grupo de cultistas do império do sul.
Para Colin, o interessante foi saber como ele se virou durante esses quase dois anos. O garoto disse que três mulheres o salvaram, lhe deram um braço novo, cuidaram dele, mas ele nunca soube muito sobre elas.
Só sabia que elas eram habilidosas na arte arcana e excelentes alquimistas.
Não tardou até que o salão lotasse, afinal, o rei estava com eles, então alguns chegaram com alaúdes e começaram a cantoria. Os copos cheios acompanhavam a música, assim como o movimento ritmado dos pés sobre o soalho.
Aquilo havia se transformado em uma grande festa.
Dasken se aproximou de Samantha e a convidou para dançar. Ela aceitou sem hesitar.
Falone ofereceu a mão para Lettini. — Uma dança, que tal?
A carniceira olhou para a mão de Falone por um instante. — E-eu não sei dançar…
— Eu te ensino, vem!
Em um movimento rápido, ele a levantou da cadeira, arrastando-a para o meio do salão.
Fazia tempo que Eden não sentia um clima tão agradável, e sua impressão sobre o rei não foi como ouvira por aí. Bastou ele aparecer para o clima mudar por completo.
“Então esse é o marido que senhorita Brighid tanto falou…”
Colin parecia ter esquecido de todos os seus problemas.
Ele cantava, bebia e brincava com os outros. O rei de Runyra parecia genuinamente feliz vendo aquele clima agradável de festa que não presenciava fazia bastante tempo.
Um dos servos de Ayla foi até Colin, falando algo em seu ouvido. Ele suspirou, coçou a nuca e ergueu-se, se retirando da festa sem dizer nada.