O Perigo nas Sombras - Capítulo 2
Kazuo caminhava até o portão de saída da escola com sua bicicleta, Yui e Asuka estavam ao lado. Eles andavam sobre o chão cinzento, com vários outros alunos em volta, que conversavam, todos deixando o prédio principal da escola.
— É mesmo! Eu troquei de celular, Kazuo-kun, então perdi o seu número. — Yui retirou seu celular de sua mochila rosa claro, mostrando a Kazuo. — Você ainda tem o meu, né?
— Não, eu apaguei.
— O quê? Por que?
Ele ficou em silêncio, ainda caminhando.
— Esquece, mas dessa vez não apaga. — Yui trocou o olhar para Asuka. — Asuka-san, posso saber o seu número?
— Ah, só um minuto. — Ela retirou seu celular de sua mochila marrom claro.
Eles trocaram seus números de telefone.
Entre a multidão, Asuka viu um carro preto estacionando na frente do portão da escola, com os vidros levantados. Seus olhos entristeceram-se ao ver o veículo. Ela correu para a frente de Kazuo e Yui, se virando para eles. A garota passou a mão no cabelo.
— Kazuo-san, Yui-san, meu motorista chegou, então eu vou indo. Foi muito legal conhecer vocês, até amanhã! — Asuka se curvou com um sorriso, e então começou a correr até o carro, passando pelos alunos.
— Até amanhã, Asuka-san! — Yui acenava de um lado para o outro vigorosamente.
— Até. — Kazuo levantou a mão.
Asuka passou pelo portão, então um senhor de paletó abriu a porta do carro para ela, assim, a garota entrou. Após o homem entrar no outro lado do veículo, ele saiu.
— Sua vez. — Kazuo voltou a caminhar.
— Sim! Até a estação. — Yui se juntou a ele.
Será que a Sachie está bem? A escola dela fica no centro, e as aulas dela acabam um pouco mais tarde que as minhas. Espero que ela encontre alguém pra voltar com ela.
As paredes dos prédios eram iluminadas por uma luz alaranjada quando Kazuo e Yui chegaram aos primeiros degraus da escada do metrô, após caminharem por cerca de quinze minutos. Havia uma árvore próxima à eles, cobrindo seus rostos da luz do sol.
— Com essa bicicleta, eu não vou mais do que isso.
Nesse momento, Kazuo ouviu as vozes de várias pessoas vindo de dentro da estação e do que se seguia após o término da escada. Parece que tem bastante gente lá embaixo.
— E não precisa, já agradeço muito por ter vindo até aqui. — Yui sorriu, porém, de uma maneira incomum em relação às outras vezes. Era um sorriso leve, cansado.
Kazuo percebeu algo diferente na garota, uma coisa que acontecera poucas vezes no ano passado.
— Sabe, eu estou até que um pouco assustada com tudo que vem acontecendo. — Yui observou o céu. — Quando eu vim aqui visitar uma amiga que mora perto da escola, no metrô, teve um cara que ficou me encarando estranho.
Os olhos de Kazuo se estreitaram enquanto ouvia Yui atentamente.
— Eu achei que ele ia fazer alguma coisa comigo quando eu descesse, então esperei o próximo ponto onde ia descer mais pessoas. Depois eu voltei andando na rua principal.
Sério, não consigo imaginar como isso deve ser um saco. E assustador.
— O mundo é mais perigoso pras garotas, não é?
— Acho que sim, muitas de nós vivem com medo de algum pervertido chegar e…
— É… A única coisa que vocês podem fazer é procurar alguém pra protegê-las, ou então se tornarem mais fortes, eu acho.
— É isso mesmo, acho que eu estou escolhendo a primeira opção… — Yui abaixou o olhar, forçando uma risada sem graça.
— B-Bem, eu quero chegar em casa logo pra fazer o jantar, então eu vou indo. — Kazuo, em reflexão, virou a bicicleta para a direção onde ele iria seguir, com sua bolsa no guidão.
— Espera… — Yui segurou sua jaqueta.
— O-O que foi? — Ele se virou para a garota, e após ver ela abaixar a cabeça, o rapaz soltou a bicicleta, deixando-a apoiada no pé de descanso.
Yui começou a procurar palavras para dizer, apertando as alças da mochila.
— É…
Ela parou, fechando os olhos, então caminhou até Kazuo e encostou um lado do rosto em seu peito. O topo da cabeça da garota pressionou levemente o queixo do rapaz. Ela estendeu um pouco os braços e o abraçou.
Y-Yui? O-O que é isso?
Espera…
Kazuo sentiu que essa vez realmente era diferente das outras, Yui parecia estar buscando algum tipo de consolo. Ele sentiu os braços e os seios da garota apertando-o um pouco, além do rosto dela em seu peito.
O rapaz olhou em volta, então com um braço, lentamente envolveu Yui, abraçando ela e sua mochila. O nariz dele estava perto do cabelo rosa, que cheirava a algo doce e floral.
O que será que aconteceu com ela?
Kazuo suspeitava que algo ruim tivesse acontecido com Yui durante a infância. Apesar de quase sempre ela expressar alegria e contagiar a todos com seu jeito espontâneo, o rapaz observou através de alguns momentos, que a garota era mais do que pura alegria.
— Até mais, Kazuo-kun… — Yui se afastou, e começou a descer as escadas.
— Até…
A garota sumiu da visão de Kazuo.
Ele ficou parado ali por um tempo, olhando o começo dos degraus da escadaria, que desciam para dentro da estação.
Será que eu vou atrás dela…?
Kazuo deu um passo para frente, hesitando um pouco em continuar.
Ela pode estar de joguinho comigo. Será que ela não está fingindo que está triste só pra me manipular?
Ele balançou a cabeça de um lado para o outro, eliminando pensamentos ruins. Olha eu de paranóia de novo… Ela não faria isso… eu acho.
O rapaz se aproximou da bicicleta novamente, segurando seu guidão, então olhou para a entrada da estação. Eu já trouxe a Yui até aqui… não posso ficar andando por aí até tarde. Eu ainda preciso ir no açougue pra poder fazer o Tonkatsu pra Sachie. Ele começou a andar, se afastando da estação.
Kazuo pegou a chave e destrancou a porta do apartamento, a bicicleta já havia sido guardada. Ele entrou com as sacolas e a bolsa, deixando seus sapatos na entrada.
— Cheguei! — Kazuo falou alto olhando para a sala, vendo apenas a escuridão do recinto.
Ela ainda não chegou… Já está de noite.
Ele acendeu a luz pelo interruptor na parede de cor bege, então pôs as sacolas na cozinha, assim, foi até a porta de seu quarto e a abriu, também acendendo a luz.
No canto direito, mais no fundo, estava sua cama, e mais próximo da porta, sua escrivaninha e sua cadeira, com uma toalha branca em cima. No canto esquerdo, mais no fundo e ao lado das cortinas cinzas, estava um guarda-roupa por onde Kazuo conseguia ver seus casacos de inverno e suas jaquetas. Ainda no lado esquerdo, porém, mais perto da porta, estava um armário com várias gavetas, e na parede acima dele, estava pendurado um colete que possuía uma cor igual à de um galho seco, um pouco esverdeado. O tamanho do colete não servia para Kazuo, era um pouco pequeno.
O rapaz caminhou pelo piso de madeira até o guarda-roupa, então pegou uma camisa que tinha um tom forte de vermelho e uma calça de moletom preta. Kazuo jogou as duas peças por cima do ombro, então foi até a cadeira e pegou a toalha branca.
Ele saiu do quarto, fechando a porta, então foi até o banheiro, passando pelo quarto de Sachie.
Será que a Yui chegou bem em cas…
— Ai! — Kazuo chocou o dedinho no batente da porta, ele fez um curto sapateio e depois apertou o pé tentando aliviar a dor. Aaaah!
Após relaxar na água quente da banheira, Kazuo terminou o banho e se sentou na sala, de costas para a mesa baixa, secando o cabelo preto com a toalha. Ele estava com a camisa vermelha e a calça preta.
Com o controle remoto, o rapaz ligou a televisão na parede.
“A polícia local encontrou o corpo de uma jovem dentro de uma caçamba de depósito de lixo, neste final de tarde. De acordo com a perícia, ela foi esfaqueada diversas vezes na região do abdômen, acarretando em uma dilaceração severa dos seus órgãos.”
Kazuo fechou os olhos depois de ouvir a repórter descrever o assassinato. Sua testa franziu, enquanto ele apertava a toalha com força.
Coitadinha…
“A equipe de análise concluiu que a garota foi perseguida até o local da morte. Um profissional da perícia vai responder algumas de nossas perguntas.
É verdade que o assassino da garota é o serial killer Stabo?
No local da morte, ao lado da caçamba, havia pichado no muro o nome “Stabo”, sendo essa assinatura algo sempre utilizado por esse serial killer, então há uma chance de que a afirmação seja verdadeira.
Entendo, a garota era estudante, certo?
De fato. Ela estava vestida com o uniforme de uma escola de ensino fundamental secundário aqui do centro da cidade…”
Essas ruas, esse lugar fica perto de onde a Sachie estuda. Kazuo analisava o cenário noturno atrás da repórter e do homem com quem ela falava.
“Quantos assassinatos do serial killer auto-denominado Stabo foram confirmados?
Se as investigações afirmarem, podemos confirmar a morte de hoje como a décima sexta vítima de Stabo.
E o que as autoridades estão planejando para encerrar com essa onda de assassin…”
Kazuo escutou o som da porta destrancando. Ele rapidamente desligou a televisão.
— Cheguei em casa! — Sachie passou pela porta, aparentemente cansada, mas estava feliz em ver Kazuo.
— Bem-vinda. Já deixei seu banho pronto, vou fazer o jantar agora. — Ele se levantou, indo para a cozinha.
— Obrigada, maninho!
Sachie trancou a porta, com sua mochila cinza nos ombros, que tinha detalhes marrons.
— Aconteceu uma coisa hoje na escola, espera um pouco que eu vou te contar. — Ela tirou os sapatos, então começou a andar pelo piso de madeira depois de colocar suas pantufas roxas.
Será que ela soube do que aconteceu…? Mas ela está falando alegre demais pra ser sobre isso… Kazuo amarrou o avental branco na cintura.
— Ah, sério…? E é sobre o quê? — Ele retirou a carne de porco da sacola, colocando no balcão.
— Espera um pouquinho. Só vou tomar um banho primeiro. — Sachie entrou em seu quarto.
Quando ela saiu, correu para o banheiro com uma toalha branca e um casaco de moletom cinza nos braços.
Kazuo deixou tudo pronto para o empanado, e foi fazer o arroz. Ótimo, tem repolho.
Ele pegou uma tábua e começou a cortar o repolho em faixas finas.
Sachie abriu a porta e deixou o banheiro. Ela estava vestida somente com o moletom cinza, sendo notável que estava usando uma peça maior do que deveria. Suas pernas apareciam, revelando suas curvas — talvez mais que o necessário.
A garota aparentava não sentir vergonha em andar apenas de moletom e calcinha na frente de seu irmão, que a olhava da cozinha. Kazuo sabia que o moletom era dele, mas ignorou.
— Então, como eu disse, aconteceu uma coisa na escola. — Sachie se sentou ao lado da mesa, com as mãos descansando sobre as pernas, olhando Kazuo preparando o jantar.
— Estou ouvindo.
— Foi de tarde. Primeiro os professores começaram a agir estranho, então não tivemos a quinta aula, mas não fomos liberados. Ficamos um tempo sem fazer nada… até que eu vi o tio Kimura!
O tio Kimura…? Ele é policial, então deve ter ido até essa escola porque a vítima estudava lá.
— Ele veio falar comigo, eu fiquei feliz porque faz um tempo que a gente não consegue falar com ele, né?
— Pois é, ele tem trabalhado bastante.
— Eu perguntei o que ele estava fazendo na escola. Ele disse que eram coisas do trabalho, que ele tinha que visitar minha escola e ficar um pouquinho ali. Bom, na verdade eu achei aquilo um pouco estranho…
Essa situação está ficando cada vez mais feia. Ele não contou pra Sachie o que aconteceu, será que eu escondo isso dela?
Ah… vamos lá, ela não é mais uma criancinha, eu não posso mais tentar proteger ela de tudo.
— Maninho, tem alguma coisa errada? — Sachie inclinou a cabeça um pouco para o lado, percebendo a tensão de Kazuo.
Ele se virou para sua irmã.
— Você sabe que tem um assassino matando as pessoas aqui da cidade, não é?
— Uhum… — Ela assentiu com a cabeça.
— Ele já fez muitas vítimas no centro da cidade, e você estuda lá, então vem direto pra casa quando você sair da escola. Não fique andando por lá nem que seja acompanhada.
— Tá bom, maninho. Eu não vou… — Sachie respondia em voz baixa, quase como se estivesse entristecida.
— Pode deixar que eu compro as coisas que estiverem faltando. E tenta voltar sempre com alguém.
— Eu voltei hoje com duas amigas, elas moram aqui perto…
— Fico aliviado…
— Maninho… — Sachie olhou para baixo, mexendo nos dedos. Seu cabelo preto caiu na frente do corpo, sobre os ombros, escondendo as laterais de seu rosto. — Eu fiz algo de errado…?
— O que? — Kazuo olhou para trás, para ela. — Não, você não fez nada. O que acontece é que… esse assassino matou outra pessoa hoje.
— O que? De novo?! — A garota olhou novamente para o rapaz, espantada.
— E ela é da sua escola.
— Da minha escola…? Então… tudo isso que aconteceu hoje…
— Sim… foi tudo consequência desse assassinato.
— Eu não acredito… agora ir pra escola virou algo perigoso…
O jovem suspirou profundamente, olhando para Sachie.
Kazuo terminou de preparar o arroz, a carne de porco empanada estava pronta para ser servida, só faltava finalizar o repolho refogado.
— Maninho… — Sachie estava cabisbaixa.
O rapaz secou as mãos; deixou as coisas na cozinha como estavam. Ele caminhou até ela, e se abaixou na sua frente.
— O que foi? — Ele parou a mão em sua cabeça, esfregando seu cabelo.
— Eu…
— Vai, fala.
— Eu… te amo! — Sachie pulou em cima de Kazuo. Com o rosto em seu peito, ela o apertava.
Minha bunda!
Kazuo caiu sentado para trás, porém, Sachie não parava de abraçá-lo.
— Por que isso do nada? — Ele começou a afagar sua cabeça.
— Por… que… porque…
O rapaz sentiu a garota segurando sua roupa nas costas. A voz dela tremia.
— Ei, Sachie! O que foi?! — Kazuo vendo seu estado, percebeu que havia algo de errado.
— Porque a gente nunca sabe quando alguém que a gente ama vai ser tirada de nós! I-Igual… a mamãe! — A esse ponto, Sachie já estava gritando. Ela chorava sem se importar com mais nada, segurando a camisa de Kazuo com força.
Ele a envolveu com os braços, apertando-a levemente contra o peito. Kazuo olhava para frente, com uma expressão séria, porém, de seus olhos escorreram algumas lágrimas profundamente carregadas com sentimentos que um dia ele rejeitou.
Sachie chorava de se cansar, seus olhos ficavam avermelhados conforme ela despejava sua dor para fora.
Eles permaneceram assim por alguns minutos, até que Sachie pegou no sono. Kazuo olhou seu rosto um tempo após ela ter parado de chorar, assim percebeu que ela havia dormido, então tentou se levantar sem acordá-la. Ele conseguiu ficar de pé, deixando-a deitada no piso.
Sachie, como você é forte… você viu tudo acontecer, mas nunca descontou em ninguém.
O rapaz foi até seu quarto e pegou um lençol, então cobriu a garota.
Kazuo terminou de preparar o repolho e deixou tudo pronto em cima da mesa. Ele chegou perto de Sachie para acordá-la.
— Sachie… o jantar está pronto… — Kazuo passou um pouco a mão em sua cabeça, despertando-a.
Não é igual ao que a mãe fazia, mas…
Sachie se sentou, esfregando os olhos ainda sonolenta.
— Você fez… — Ela sorriu, aparentemente feliz, porém, não da mesma intensidade das outras vezes.
Após o jantar, Sachie logo foi dormir, porém, ela quis ir para o quarto de Kazuo, e depois do que havia acontecido, ele não conseguiu fazer nada além de aceitar.
Kazuo já tinha terminado de lavar a louça, e Sachie estava dormindo.
Que dia longo, aconteceu tanta coisa…
O celular de Kazuo emitiu o som de notificação.
Mensagem?
Ele pegou o aparelho e ligou a tela. Havia uma mensagem de Yui:
“Oi!
Boa noite, e me desculpe por antes…”
Ainda olhando para o celular, Kazuo apagou a luz da sala, ficando no escuro, então se encostou na porta do seu quarto. Ele começou a digitar.
“Você está bem?”
Após alguns instantes, chegou outra mensagem.
“De verdade, me desculpe por hoje, eu só estava com a cabeça cheia, não precisa se preocupar, tá?
Enfim! Bons sonhos.”
Senti que ela quis se esquivar do assunto.
“Tudo bem então, boa noite.”
Kazuo entrou no quarto, colocou o celular em cima de um móvel e deitou do lado de Sachie, que dormia serenamente. Ele ficou olhando para o teto, pronto para pegar no sono, enquanto a jovem garota encostava a testa em seu ombro. Assim, Kazuo fechou os olhos.
A máscara branca analisava a cidade do alto do prédio. A noite uivava ao passar pelos fios de eletricidade como gélidos ventos. O som urbano preenchia os ouvidos sem hesitação, e as sirenes ecoavam na avenida abaixo em um vermelho ofuscante, assim, o dono da máscara branca sorriu por trás dela.
— Stabo acha que… vai parar de caçar filhotes e mudar pra presas adultas…
Uma risada doentia se fez presente na assincronia sombria dos uivos, sob o céu noturno.