O Perigo nas Sombras - Capítulo 3
Kazuo estava sentado em sua cama com seu computador. Ele colocou uma reportagem da cidade, gravada pouco antes de se iniciarem as férias de verão — ou seja, há duas semanas atrás.
“Vigésima quarta vítima de Stabo confirmada.
A morte foi causada por um perfuramento profundo na região da traquéia, logo abaixo do queixo. A vítima frequentava uma escola de ensino médio da região. De acordo com os analistas, ela teria sido perseguida quando saiu da escola mais tarde do que o comum.
Foi estabelecido um toque de recolher na cidade, sendo assim, todos devem estar em suas casas com as portas e janelas trancadas, antes das dez horas da noite…”
Ele era um calouro, era até um pouco popular… Depois que a polícia achou seu corpo e a escola foi notificada, as orientações pros alunos ficaram mais presentes e restringentes. Tudo em cima da hora…
A notícia boa foi que as férias de verão começaram logo em seguida, então a gente pôde parar de se arriscar tanto.
Mas… ainda com tudo isso, eu sinto que vai piorar.
Kazuo abaixou a tela do computador, fechando-o.
Faz um tempo que eu não entro naquele quarto, talvez seja melhor praticar algumas coisas de novo, em casa mesmo… Afinal, finalmente estou de férias depois que as aulas começaram na primavera. Espero que eu não esteja muito enferrujado…
Kazuo deixou o computador de lado e se levantou, parando no meio do quarto. Ele levantou os braços, assumindo uma guarda fechada, e afastou as pernas. O rapaz estava com olhos afiados, ele respirou e…
O ar tremeu, seus cabelos agitaram com velocidade. Kazuo desferiu uma série de rápidos socos ao vento, e finalizou a sequência com um impetuoso chute circular, foi nesse exato momento que…
— Maninho! — Sachie abriu a porta.
No breve instante em que Kazuo olhava a garota entrando no quarto, ele conseguiu pensar em apenas uma coisa para que ela não presenciasse aquela cena.
— Hm? Você já levantou… mas o que está fazendo aí no chão?
Aaaah! Minha bunda! Kazuo havia caído sentado.
Ele respirou.
— Estou meditando, veja… — Kazuo entrou em posição de lótus, pairando as mãos sobre os joelhos.
— Ah! eu posso me…
— Foi mal, eu já acabei. — Ele interrompeu Sachie e imediatamente se levantou. — Fica na sala jogando alguma coisa. Eu vou no quarto onde eu guardo minhas coisas e já saio pra fazer nosso café da manhã.
— Ah… Tá bom… — Ela o seguiu até a sala.
Adentrando mais o apartamento em que Kazuo morava, depois da sala havia um corredor, e no final dele uma porta que levava a outro cômodo.
Ele entrou no terceiro quarto, fechando a porta.
Não havia mobília, somente algumas caixas empoeiradas e uma janela ao fundo, por onde entrava a luz matinal. Kazuo se aproximou e abriu uma das caixas, então começou a vasculhar suas coisas. Ele achou algumas bússolas, pederneiras, lanternas, além de alguns canivetes e isqueiros.
Não está aqui…
Olhando para o canto do quarto, ao lado de outras caixas, ele viu uma grande bolsa de couro, com um formato comprido. Kazuo se levantou e caminhou até ali. Ele abriu a bolsa e retirou seu conteúdo.
Em sua mão havia um belo arco recurvo, de linha profissional e bem trabalhado. Kazuo retirou ainda uma aljava e uma faca de caça requintada, com sua bainha.
Achei…
…
Lençóis amarelos, da mesma cor da parede, uma mobília com várias pelúcias em cima. Sobre a escrivaninha, uma câmera fotográfica profissional, com alguns laços de cabelo próximos. Em uma das estantes, uma foto emoldurada era iluminada pela luz que atravessava a janela, havia nela um rapaz. Seus cabelos eram vermelhos, e ele pousava a mão sobre a cabeça de uma garota. Os cabelos rosados da jovem tocavam os ombros. Era Yui, com uma aparência mais tenra, porém, o rapaz era um pouco mais velho, além de bem mais alto. Ambos sorriam, felizes.
Uma das portas do quarto se abriram, e surgiu Yui. Ela saiu do banheiro, vestindo um casaco branco e verde, listrado, e um short ciano.
Yui foi até a janela, e antes de abri-la, já conseguia ver o céu azul, ainda pela manhã.
O forte vento entrou, mexendo seus cabelos, e assim ela pôs sua cabeça para fora. O sopro costeiro jogou suas mechas rosas para cima, passando em seus ouvidos como um ruído.
— A-Ah!
Ela tirou o cabelo do rosto. Os olhos esverdeados admiravam a vista da cidade. Yui estava no alto, nos últimos andares do prédio. De lá ela conseguia ver todo o seu bairro, além do mar à esquerda, e de fundo, os prédios do centro. O sol da manhã brilhava em seus olhos, e seus cabelos dançavam ao vento.
Hoje é sábado… e o tempo está bom. Acho que vou chamar o Kazuo-kun e a Asuka-chan pra sair.
Yui se afastou da janela e pegou o celular, então ligou para Asuka, colocando o aparelho no ouvido. Após alguns instantes, ela atendeu.
— Yui-chan? Bom dia, que surpresa você ligar agora de manhã.
— Oi! D-Desculpa qualquer coisa, tá? É que eu pensei se a gente poderia aproveitar o dia juntas.
— Você está pensando em fazer algo?
— Sim! Mas eu não decidi nada ainda. Eu queria fazer algo hoje, já que você só pode sair no fim de semana, porque seus pais estão fora no resto da semana, né…?
— É sim… Bom, nós temos que aproveitar essas férias de verão. A gente pode começar nos encontrando no centro comercial, e depois tomamos um sorvete, que tal?
— Sim! Leva um biquíni, quem sabe a gente não vai na praia também!
— Tudo bem, eu vou me preparar aqui e vou sair.
— Tá bom! Eu vou chamar o Kazuo-kun também, e vou pedir pra ele levar a irmã dele pra gente conhecer.
— O Kazuo-kun?! E-E o biquíni?
— O que tem? Ele vai usar bermuda, e não biquíni, bobinha.
— Eu sei… Não é isso. B-Bom, nesse caso eu vou comprar um novo…
— Ah! Então eu também vou! A gente pode comprar lá mesmo.
— Tá bom, eu vou me preparar, então, até mais.
— Até! Asuka-chan.
…
Sachie estava sentada no piso, jogando no console, até que escutou um barulho vindo do quarto de Kazuo. Era o celular dele tocando.
Ela se levantou e correu para pegá-lo.
— Maninho! Maninho…? — Sachie entrou no quarto usado para depósito.
Kazuo fazia flexões vigorosamente. Ele descia e subia empurrando-se do chão, concentrado.
— É… Tem alguém te ligando… — Sachie aparentava estar surpresa, mas ao mesmo tempo, confusa.
— Sachie! — Kazuo olhou rapidamente para ela, ofegante.
É a Yui…
— Oi.
— Oi! Tudo bem?
— Sim… Tudo bem…
— Por que você está ofegante?
— Ah… nada. Eu só… estava treinando um pouco. Mas por que você ligou? Aconteceu algo?
— Não! É… Eu estava pensando se você não quer sair comigo e com a Asuka-chan…
— Ah… Quero não.
— O que?! Por que?
— Tenho umas coisas pra fazer aqui em casa, e… eu não posso deixar a Sachie aqui sozinha.
Sachie inclinou a cabeça um pouco para o lado, como se estivesse com um ponto de interrogação em cima da mesma.
— Ah… Por favor. A Asuka-chan só pode sair no fim de semana, e em relação à sua irmã, eu gostaria que você levasse ela também. Vamos lá, a gente vai se divertir bastante juntos…
Hm…
Kazuo afastou o telefone de si.
— Sachie, tem duas pessoas me convidando pra sair. Você pode ir junto se quiser. — Ele falou sussurrando.
— Eu quero! — Sachie respondeu no mesmo volume, levantando um dos braços.
— Ok, Yui, eu vou levar ela. Onde a gente vai se encontrar?
— Eu marquei com a Asuka-chan no centro comercial, tudo bem?
— Sim, pode ser lá.
— É… E tenta levar roupa de praia, a gente poderia ir em uma.
— Sabe que se a gente for na praia, vamos perder uma parte do dia só pra chegar lá, não é?
— Sei… Mas de qualquer forma, leva, a gente não sabe o que pode acontecer.
— Entendido… Vocês vão agora?
— Sim, a Asuka-chan nesse momento já deve estar se arrumando.
— Então eu vou chegar um pouco atrasado. Ainda nem fiz o café da manhã.
— Ah! Sério…? Mas não tem problema, não. A gente pode esperar.
— Então está tudo certo.
— Até mais, Kazuo-kun.
— Até, Yui.
Kazuo desligou.
— Maninho… Quem era essa pessoa com quem você estava falando? — Sachie estava timidamente curiosa.
— Ah, era a Yui. Uma garota lá da escola.
— Eu e a Yuri-chan somos as únicas pessoas que você chama só pelo primeiro nome. Por acaso vocês… — Sachie falava com um tom ligeiramente desconfiado, mas foi interrompida por Kazuo.
— Não. Eu apenas a conheço há um tempo.
— Desde quando?
— Desde o ano passado.
— Ah…
— Tá, vamos parar de perder tempo. Eu vou tomar banho e depois vou fazer o café da manhã, enquanto isso, se prepara. Leva roupa de praia também.
— Eba! Faz tempo que a gente não vai à praia!
…
Yui deixou seu quarto, indo até a porta de saída do apartamento.
— Vou sair com meus amigos, devo voltar no final do dia, tá?
— Com o Kazuo-san, né? — Sua mãe perguntou da sala.
— É-É. Mas com a Asuka-chan também.
— Você sempre fala dele, mas nunca o trouxe aqui. Quero ver se esse rapaz é tão bom quanto você fala. — Seu pai estava no sofá com seus óculos e seu computador.
— Acho que ele não iria querer… Além disso, ele tem que cuidar da irmã, quase que eu não consigo convencer ele a ir hoje.
— Ela não pode ficar sozinha com os pais?
— O Kazuo-kun não fala muito sobre ele… mas parece que algo horrível aconteceu. Pelo que eu consigo entender, ele mora sozinho com a irmã em um bairro lá perto da escola.
— Entendo… Talvez você deva perguntar pra ele o que aconteceu. Bom, eu não sei, mas se ele não quiser falar, não insista.
— Tá, pai. Eu vou indo agora. — Yui se virou para sair.
— Yui, tome cuidado. — Seu pai olhou por cima dos óculos, havia uma austeridade em seus olhos verdes.
— Eu vou prestar atenção. — Ela entendeu o que ele quis dizer.
Yui saiu do elevador, chegando ao térreo do prédio. No grande hall, haviam pessoas que passavam de um lado para o outro com carrinhos, carregando caixas.
Ela empurrou a grande porta de vidro, saindo do prédio. O sol iluminou seus cabelos rosados, enfeitados com dois laços cianos. Ela vestia uma camisa com decote que deixava os ombros à mostra, com tom pastel, e um short branco. Yui ainda carregava consigo uma bolsa pequena, de couro amarronzado. As rendas amarelas do biquíni eram visíveis perto de seu pescoço.
— Ah… — Ela esticou os braços para o céu, olhando a imensidão azul, e o flutuar sublime das nuvens.
Vamos lá…
…
Asuka saiu da estação, e não precisou andar muito para chegar na entrada do centro comercial. A quantidade e variedade de lojas, lugares e até estilos eram impressionantes. O local estava movimentado e as pessoas andavam por todos os cantos, visitando as lojas.
Ela foi até um banco perto de uma árvore e se sentou.
O vento passava por suas pernas, pouco cobertas pela saia rodada azul. Asuka vestia uma camisa branca, e em cima de sua cabeça, havia uma boina da mesma cor da saia, conferindo-lhe um visual mais gracioso e meigo.
Tem tantas pessoas aqui… Por tudo que tem acontecido, eu não sei mais se é certo estarmos aqui. Com esses assassinatos ocorrendo, deveríamos mesmo ter marcado de sair?
Não importa onde você esteja na cidade, se você ficar sozinho, você ficará com medo e realmente poderá estar em perigo. Entendemos melhor isso depois do que aconteceu com aquele garoto da escola. Todo mundo ficou assustado quando soube do que havia acontecido.
Asuka brincava com a ponta do cabelo prateado, olhando para baixo. Só assim percebemos que não estamos seguros…
Ela percebeu alguém se aproximando.
— Oi! Está esperando faz muito tempo? — Yui sorriu.
— Ah! Yui-chan! Não, eu cheguei quase agora também. Poxa, você está tão bonitinha…
— Você achou? Eu só tentei ficar confortável ha ha… Mas você está muito linda! — Yui apertou os olhos, empolgada.
— Ah, obrigada! — Asuka riu.
— Bom, o Kazuo-kun vai chegar um pouco mais tarde, ele ainda não tinha feito o café da manhã… — Yui se sentou ao seu lado.
— Então é ele quem faz o café da manhã também?
— Sim… Você ainda não sabe, né Asuka-chan?
— O que?
— O Kazuo-kun mora sozinho com a irmã dele. Ele nunca foi de falar sobre si mesmo, mas eu nunca na vida vi ele falando sobre a família.
— Nossa… Será que ele cuida de tudo da casa e ainda estuda?
— Não sei… — Yui levou o olhar até o céu.
— Eu me lembro que no dia em que nós nos conhecemos, ele falou algo sobre ter acontecido uma coisa ruim e… e então ele não confia mais nas pessoas… Eu não me lembro o que ele disse exatamente… Bom, mas depois desse dia, durante esses três meses que estudamos juntos, eu não consegui descobrir mais nada.
— Sério…? Você… quer perguntar pra ele o que aconteceu?
— Eu quero… — Asuka olhou para baixo. — Mas ele pode não querer falar ou ficar triste.
— Você acha que ele também pode ficar bravo com a gente por perguntar essas coisas?
— Acho que é possível também. Mas para falar a verdade, eu nunca vi ele bravo.
— Nem eu. Na época que a gente se conheceu, ele dizia umas coisas bem cruéis pra mim, mas ele nunca falava bravo. Era sempre frio e sério, dava até vontade de chorar.
— Você era da turma dele no ano passado, né?
— Sim.
— Será que… você mudou ele?
— Hã? Por que?
— É que ele não agiu assim comigo.
Yui ficou um pouco corada, assim olhou para baixo.
— Será que… eu mudei ele?
— Bem, já que ele vai chegar mais tarde, por que não vamos tomar um sorvete? Igual como nós combinamos.
— Vamos… — Yui se levantou, pensativa.
As duas garotas começaram a andar pelo grande centro comercial.
…
— Nossa… Tem tanta coisa diferente pra comprar… — Sachie vislumbrou as lojas ao passar pela grande porta de vidro.
— Verdade. Não chegamos a vir muito aqui depois que nos mudamos. — Kazuo olhava ao redor, procurando por Asuka e Yui.
Não estão aqui.
Ele pegou o celular e ligou para Asuka.
— Kazuo-kun? Você já chegou?
— Sim, estou na entrada.
— Ah, então espera, eu e a Yui-chan estamos na sorveteria, vamos para aí ago…
— Não. Podem ficar aí, eu já estou indo. — Kazuo começou a andar.
— Ah, tá bom. É… tchau.
Ele desligou.
— Quer tomar sorvete, Sachie? — Kazuo guardou o celular no bolso, olhando a garota, com um sorriso.
— Quero! — Ela sorriu de volta.
— Vamos lá então. E você vai conhecer elas duas.
Kazuo estava com uma bermuda cinza, com alguns detalhes laterais, pretos. Ele vestia uma camisa azul escuro e em seu pulso havia um relógio digital. O rapaz carregava uma bolsa de acampamento, com camuflagem urbana — ou seja, cinza. — Pela alça unilateral ela descansava, tocando suas costas enquanto ele andava.
Sachie estava ao seu lado, caminhando e olhando todas as lojas em seu casaco fino branco, com uma camisa folgada por baixo e um short jeans.
Kazuo não demorou muito para avistar a sorveteria, e logo Asuka e Yui, que estavam sentadas em uma mesa, conversando e tomando sorvete.
Ah… ali. Espera…
Ele olhou rapidamente para um ponto mais longe. Por um segundo, Kazuo viu uma pessoa parada, olhando-as também. Percebendo que ele a notou, ela simplesmente sumiu em um vulto entre as pessoas.
O que foi isso?! Tinha alguém vigiando elas?
Kazuo tentou encontrar novamente a pessoa, olhando aquela área, mas ele a perdeu de vista. Isso foi meio estranho… Será que foi alguém que achou elas bonitas? Se não for… tenho que prestar atenção.
— Vamos, são elas.
— Elas? — Sachie analisou as garotas de longe, um pouco surpresa.
Kazuo se aproximou da mesa.
— Bom dia, garotas. Foi mal o atraso.
— Kazuchi! — Yui arregalou os olhos, então virou a cabeça rapidamente.
— Bom dia, Kazuo-kun. — Asuka respondeu, sorrindo.
— Essa aqui é a Sachie. Ela é a Fujioka Yui, e aquela se chama Horie Asuka. — Kazuo apresentou as garotas.
— Prazer em conhecê-las. — Sachie se curvou.
— Muito prazer em te conhecer também, Sachie-chan. — Asuka retribuiu o gesto.
— Kazuo-kun… sua irmã é muito fofa. — Yui estava um pouco vermelha, e não olhava nos olhos de Kazuo por mais que curtos instantes.
— Você também é, Yui-san. Não é, maninho? — Sachie subiu o olhar até ele, sorrindo.
— Ah… É… Sim, Yui, você está mais… fofa do que o normal. — Kazuo coçou o rosto, olhando as lojas.
Yui olhou para o chão. Ela estava mais corada que antes, porém, sorria, tentando suprimir a euforia que subira ao peito.
— E-E eu Kazuo-kun? O que você achou de mim? — Asuka arrumou o cabelo atrás da orelha.
— B-Bem, você está realmente bonita… Combinou com você.
Ela sentiu o rosto ficando quente, o coração batendo mais rápido. Asuka tomou um pouco do sorvete de creme, olhando para o lado.
Pronto, agora todo mundo está estranho… E… Nossa…
Kazuo avistou uma loja de equipamentos de sobrevivência, acampamento, escalada, além de vestuário para os mesmos, contando ainda com mochilas militares e diversos outros acessórios.
Uau… Eu preciso ir ali depois…
Ele ficou um pouco distante, imerso em pensamentos, e foi aí que Yui notou sua bolsa chamativa.
— Kazuo-kun… Que bolsa é essa?
Ele não respondeu, estava analisando tudo que havia na vitrine da tal loja.
— Ah! É que o maninho gosta dessas coisas. Ele era escoteiro. — Sachie se sentou.
— Nossa! — Ambas as garotas se surpreenderam.
— Eu percebi que ele se veste um pouco diferente, mas não imaginei que ele já tivesse sido escoteiro. — Asuka notou nesse instante a loja para qual Kazuo estava olhando.
— Isso não é nada, vocês têm que ver no inverno. Ele coloca cada casaco enorme e pesado.
— Uau… que diferente. — Asuka olhava o rapaz.
— Eu acho que fica bem nele. — Yui estava com o cotovelo em cima da mesa, segurando o queixo, olhando-o também.
— Garotas, eu vou numa loja ali bem rápido. Vocês ficam bem sozinhas? — Kazuo já estava se distanciando.
— Sim! Pode ir. — Elas responderam.
Após alguns instantes, todas as três riram juntas.
— É legal falar do Kazuo-kun. Vamos continuar! — Yui riu, totalmente empolgada e excitada.
— Hm… Ah… Ah! — Sachie levantou o dedo. — Vocês sabiam que o maninho era muito bom nas artes marciais?
— Ele lutava?
— Sim, e era ótimo. Uma vez eu fui assistir uma luta dele quando eu era criança. Tinha começado a luta e o oponente veio pra cima tentando acertar o maninho. Ele só esquivou e pow, deu só um chute e o coitado desmaiou. Mas ele foi desqualificado porque não podia acertar na cabeça, acho que foi o reflexo. — Sachie contava empolgada, rindo e fazendo gestos.
— Nossa… O Kazuo-kun é bem legal. — Asuka se virou para a loja que Kazuo havia entrado.
— Meu maninho é demais! Ele sabe fazer um monte de coisas, ele ia em trilhas, acampava, lutava muito bem, e ainda tirava boas notas. Ele tinha vários amigos, estava sempre sorrindo… e sendo feliz… — Sachie foi preenchida por uma tristeza.
— Ele não é mais tudo isso…?
— Não…
— Por que?
— É… Aconteceu uma coisa.
Asuka e Yui se entreolharam.
— O que aconteceu, Sachie-chan?
— Ah… Eu não sei se o maninho ficaria bravo se soubesse que eu contei. Mas parece que ele gosta de vocês… Bem, eu não me lembro de todos os detalhes porque eu era criança, mas do medo que eu senti… disso eu consigo me lembrar muito bem. Nosso pai sempre foi gentil e bom com minha mãe e com a gente. Ele ajudava ela na cozinha, ensinava pra gente quando tínhamos dificuldade na escola, mas, eu ainda não entendo o porquê, que um dia meu pai começou…
— Sachie-chan, o Kazuo-kun já está voltando… — Asuka a interrompeu, colocando a mão sobre a sua.
— Já comprei o que eu queria. — Kazuo se aproximou, sem nada nas mãos. — Sachie, quer escolher um sorvete?
— Quero. — Sachie estava cabisbaixa.
— Aconteceu alguma coisa? — Ele parou.
— Não! Vamos lá! — Ela esboçou um grande sorriso e foi na frente, assim, Kazuo a acompanhou.
Asuka e Yui se olharam, um pouco abatidas.
— Bem, a gente não pode deixar isso estragar o dia… — Yui disse, porém, não fez um mínimo esforço para deixar a voz mais animada.
Asuka ficou um tempo em silêncio antes de falar algo.
— Não sei se ouvirmos essa história de outra pessoa vai ser bom pra ele.
— Já sei. Vamos deixar ele sabendo que pode contar com a gente, no final do dia.
— Mas como?
— Não sei… Só vamos ser sinceras.
— É… tudo bem, vamos então. — Asuka pegou outra colher de sorvete.
Após Kazuo e Sachie voltarem, todos os quatro começaram a visitar as lojas e a comprar algumas lembrancinhas. Eles foram em alguns brinquedos, estavam se divertindo e criando memórias. Eles passaram o tempo conhecendo algumas lojas que ofereciam coisas inusitadas e interessantes, provando roupas, e descobrindo mais um sobre os outros, seus gostos, paixões, opiniões e peculiaridades, porém, estavam se esquecendo da sombra que crescia lentamente sobre a cidade, dia após dia.