O Perigo nas Sombras - Capítulo 7
Em meio a escuridão que residia entre os postes da calçada, uma luz cônica se fez presente, iluminando a entrada do beco.
O policial mirou a lanterna para dentro da viela, porém, não conseguiu enxergar mais que poucos metros.
Ao lado da calçada, duas viaturas estavam estacionadas, sob a luz de um poste.
— Certo, vamos pegar ele dessa vez. — O policial à frente começou a caminhar para entrar no beco, falando com os dois parceiros atrás.
— Vou contornar pra cercar ele na outra saída. — Um dos homens disse, começando a correr e seguir a calçada, para dar a volta na esquina.
Assim, os dois policiais adentraram a escuridão da viela, pegando as pistolas nos coldres.
Caminhando sobre o chão de concreto, os homens enxergavam apenas aquilo que aparecia no raio de luz da lanterna.
As paredes cinzentas pareciam não ter fim, até que o policial da frente avistou um contorno no chão, pela luz embaçada.
— Atenção! Consigo ver algo à frente! — Ele mirou a arma, parando de se mover imediatamente.
— Também tenho contato visual. — Seu colega assumiu a mesma posição.
Eles caminharam lentamente, se aproximando.
— Se levante devagar! Com as mãos onde eu possa ver! — O policial da frente gritou, impondo autoridade.
Aquilo que estava no chão permaneceu imóvel.
O homem se aproximou mais, mirando a lanterna.
— Droga!
A luz circular iluminava o corpo de um homem jovem, caído sobre sua própria poça de sangue. Seu rosto estava pálido, mórbido, enquanto seus olhos miravam o céu noturno.
O policial vagou com a luz da lanterna em volta, olhando ao redor. Enquanto ele movia o feixe luminoso, rapidamente algo vermelho apareceu na parede. Nesse mesmo instante o homem voltou com a luz até o local.
— Merda… — Seu parceiro disse, olhando a parede.
Grandes traços vermelhos, emanando um cheiro de ferrugem, estavam sob a superfície cinza. Em letras grandes, os rabiscos retorcidos formavam apenas uma palavra:
— Stabo… — O policial leu a inscrição vermelha na parede.
Nesse momento, os dois homens foram surpreendidos por passos vindos da escuridão. Eles olharam rapidamente para o caminho que continuava a seguir.
— Sou eu. — O policial que havia contornado o local apontou sua lanterna para o rosto.
— Ele escapou de novo… Merda!
Ao verem o colega, os homens souberam na hora que o assassino havia fugido.
Nora Três, o primeiro policial que entrou no beco, analisou a escritura vermelha, notando algo estranho.
— Ei. Venham aqui perto. — Ele se aproximou da parede, observando as curvas das letras. — Tem alguma coisa diferente nisso.
O terceiro policial também analisou, se aproximando de Nora Três.
— É verdade. Não bate com as outras marcações.
— Você tá com sua câmera aí? Me empresta.
— Estou, toma. — O homem pegou uma câmera de bolso da farda, entregando à Nora Três.
Ele vasculhou as fotos, então encontrou aquelas que foram tiradas para registrar essas inscrições de assassinatos passados.
O homem se afastou da parede, levantando a câmera. Ele comparou algumas fotos entre si, olhando a escrita em sua frente e elas.
— Realmente… essas marcações tem letras diferentes. Tem umas que se repetem em algumas fotos, mas é certeza, boa parte tem grafias diferentes.
— Isso só pode significar que…
— Sim… Parece que o meu palpite estava certo. Sobre o porquê parece que ele está em dois lugares ao mesmo tempo.
— Temos que relatar logo ao Chefe Hiro, mas antes temos que buscar um suspeito que eu achei no caminho. Ele estava desacordado, eu o algemei no poste por precaução e vim pra cá.
— Entendido, vamos lá.
Nora Três tirou uma foto da marcação na parede, então os três policiais começaram a correr, seguindo para a outra saída do beco.
…
Yui observava tristemente os carros que passavam lentamente ao lado, pela janela do banco de trás. Seu pai estava no banco à sua frente, dirigindo o veículo. Ao lado dele, uma mulher com cerca de quarenta anos. Era a mãe de Yui, seus cabelos rosados estavam presos em um rabo de cavalo.
Eles estavam em uma avenida iluminada, com prédios altos por perto, à caminho de casa.
— Yui. — O pai da garota olhou pelo retrovisor. — Não fizeram nada com você, né?
— Eu estou bem… Não me bateram nem nada.
— Que bom… Yui, eu não disse pra você tomar cuidado? Algo muito ruim poderia ter acontecido.
— Desculpa, pai, mas isso aconteceu do nada. Eu e a Asuka-chan estávamos andando, até que aqueles dois homens apareceram.
— E onde estava aquele seu amigo? Aquele tal do Kazuo.
— Ele tinha ido comprar água com a Sachie-chan…
— Como homem, era dever dele ficar perto de vocês pra nada assim acontecer, ou pra pelo menos ele defender vocês.
— Não coloca a culpa no Kazuo-kun! Se qualquer um de nós soubesse que isso aconteceria, teríamos evitado! — Yui aumentou a voz.
— Por que você defende tanto ele?! — Seu pai também falou mais alto. — E não, a culpa não é só dele. Todos vocês poderiam ter evitado isso mesmo sem saber do que aconteceria. Era só ter notado que estava deserto e ir para alguma avenida, ou até mesmo você me ligava que eu ia buscar vocês.
— Vocês poderiam conversar sem gritar? — A mãe de Yui se virou, olhando os dois. — Isso que aconteceu foi horrível, então Yui, você tem que entender nossa frustração e preocupação, mas nós também temos que te entender. — Ela olhou para Tatsuo, o homem ao volante.
Um silêncio perdurou por alguns segundos.
— Pai… Sendo homem ou não, você acha que uma pessoa consegue vencer duas?
— O que…? — Tatsuo olhou pelo retrovisor. — Não.
— Então não culpe o Kazuo-kun por “não estar lá para nos defender”. Na verdade, eu que deveria ser capaz de me defender um pouco.
Isso mesmo… Não posso mais ficar dependendo dos outros.
O homem ficou em silêncio.
— E ele estava lá sim, O Kazuo-kun ficou com o rosto todo machucado depois de brigar com um daqueles homens, e ainda assim veio atrás de mim.
— O que? Eu achei que o assassino tinha aparecido.
— E apareceu, mas o Kazuo-kun bateu em um dos homens, o outro… o assassino…
O pai de Yui estava surpreso, alternando os olhos da avenida para a garota, pelo retrovisor.
— E como ele está? Não aconteceu nada muito grave, né?
— Acho que não… Depois que eu saí da sala, eu não vi mais o Kazuo-kun, ele devia ter ido fazer outra coisa. Vocês chegaram e eu nem consegui falar com ele direito depois disso tudo.
— Eu achei que ele já tinha ido embora quando nós chegamos. Na verdade, ele ainda estava lá? — Emi, a mulher com os cabelos da cor dos de Yui, se virou para ela.
— Sim, o delegado Hiroshi ainda não tinha chamado ele.
Tatsuo pensava em algo, ouvindo a conversa, até que chegou em uma conclusão.
— Yui, você quer falar com ele, né?
— Quero. Eu preciso conversar direito com o Kazuo-kun.
— Então convida ele pra passar uma tarde lá em casa.
— Sério? — Yui, sem perceber, se inclinou um pouco para frente, surpresa.
— Claro, eu sempre disse que você pode levar seus amigos lá.
— Pode ser amanhã…?
— Hm… Tudo bem. Se ele quiser vir, eu mesmo vou buscá-lo.
— Agora você gosta do Kazuo-san? — Emi olhou para Tatsuo, rindo.
— O que eu posso fazer? Ele não foi covarde e se arriscou pela minha filha. — Ele olhou para Yui pelo retrovisor, com um sorriso.
Ela, por sua vez, começou a rir.
— Obrigada…
O Kazuo-kun se machucou porque ele precisou proteger a gente… É como ele disse uma vez, ou eu procuro alguém pra me proteger, ou eu me torno mais forte. Dessa vez eu escolho a segunda opção, assim ninguém vai se ferir tentando me defender.
…
Os olhos de Kazuo se arregalaram um pouco com a surpresa. Asuka estava virada para ele, sentada com as mãos juntas, uma por cima da outra sobre as pernas. A garota estava com um sorriso inocente, enquanto seus olhos azuis o encaravam.
— Q-Que? — Kazuo gaguejou um pouco.
A garota manteve o sorriso, porém, seu rosto ficou vermelho demais para esconder a vergonha. Ela olhou para o lado, desviando o olhar de Kazuo.
— O que eu disse foi tão estranho assim?
O rapaz coçou a cabeça, vendo o constrangimento de Asuka.
— Não, é que você me pegou de surpresa. — Kazuo riu, sem graça.
A garota passou a mão no cabelo, colocando-o atrás da orelha, assim olhou para o rapaz de soslaio.
Kazuo sentiu o coração acelerar e repentinamente uma inquietação. Ele olhou para o lado, coçando o rosto.
— Eu sei que é meio estranho eu falar disso agora, logo depois do que aconteceu. — Asuka olhou para baixo. — Mas meus pais viajaram de novo.
— Que? — Kazuo rapidamente voltou o olhar para a garota. — Tipo agora?
— Na verdade, sim. Eles devem estar no avião indo para Tokyo agora.
— Que loucura… Algo aconteceu?
— Parece que sim. Minha mãe disse que é urgente.
Kazuo analisou Asuka, tentando notar se ela havia ficado triste com essa notícia, mas a garota estava com uma feição séria, deixando difícil transparecer algo.
— E… ela também disse… — Asuka ficou levemente envergonhada. — Que eu posso levar alguém para dormir lá em casa.
Kazuo pensou um pouco antes de falar.
— Tudo bem que seja eu? Não era melhor ter chamado a Yui?
— Eu consigo marcar depois com a Yui-chan. Mas você… parece que está sempre ocupado. Então eu pensei que por nós dois já estarmos juntos aqui… Você toparia…
O rapaz ficou com o rosto levemente corado. Ela sabe que isso significa ficar sozinha comigo, né?
Ele respirou, dispersando os pensamentos.
— Não tem como eu ir com você. Eu não trouxe nada, só minha escova de dente.
— A-Ah! Sobre isso, está tudo bem. Temos roupas para visitas lá. Às vezes alguns sócios do meu pai passam alguns dias lá.
— Ah, nossa. Bom, mas tem a Sachie, eu teria que levar ela também.
— Eu sei. A Sachie-chan não é um problema, Kazuo-kun, é para ela vir também. — A testa de Asuka franziu em uma expressão meio zangada. — Não precisa dar desculpa, tá? Se você não quiser ir, eu entendo.
Kazuo riu.
— Não é isso. Eu não estou dando desculpa, só quero ter certeza de que está tudo bem de eu ir.
— Ah… Entendi. — A garota aparentou não estar mais brava, ao invés disso, parecia um pouco envergonhada. — E-Então, você vai vir comigo…?
— A-Ah.
Kazuo ficou um tempo em silêncio.
— Eu vou.
— Sério?! — Asuka colocou as mãos sobre as dele, se inclinando para frente empolgada.
Seus rostos se aproximaram.
Kazuo estava surpreso, observando as mechas prateadas que tocavam a testa da garota, os brilhantes olhos azuis que piscavam lentamente, e os lábios rosados, que formavam um sorriso desajeitado.
Mesmo sem ter entendido a razão, o rapaz ficou confortável ao sentir o calor das mãos de Asuka, porém, subitamente esse calor desapareceu.
A garota se afastou, virando-se para frente.
— D-Desculpa… — Asuka passou a mão no cabelo, olhando para qualquer coisa.
Kazuo pensava no que havia sentido, observando a garota, até que voltou à realidade.
— Ah… Tudo bem…
Parece que a Asuka está se soltando…
— B-Bem, eu falo com a Sachie quando ela voltar.
— Tá…
Kazuo subiu um pouco o olhar, para o topo da cabeça de Asuka. Faltava algo em cima de seus cabelos prateados.
— Cadê sua boina?
A garota olhou para ele, se lembrando do chapéu azul.
— Ah… Eu deixei cair lá perto do beco.
— Você não conseguiu pegar ele de volta?
— Eu só queria sair de lá, nem me lembrei da minha boina.
— Ah… É verdade… Sair de lá era o mais importante.
— Que bom que a gente conseguiu… Kazuo-kun… você deve saber que a gente teve sorte, né?
— Sim, eu sei. Se aquele assassino não estivesse lá, eu não ia conseguir chegar a tempo pra impedir aquele cara de… de fazer aquilo com a Yui.
Asuka se aproximou novamente de Kazuo, olhando para ele.
— Eu não quero nem imaginar isso. Eu tenho medo de pensar como as coisas seriam se isso tivesse acontecido.
Nesse momento, a porta da sala onde fora feito o interrogatório de Yui se abriu. Sachie e Hiroshi saíram, caminhando até Kazuo e Asuka.
— Vamos continuar esse assunto mais tarde. — O rapaz disse, olhando Sachie se aproximando.
— Tá, vamos. — Asuka também observava a garota chegando perto de ambos.
Sachie parou na frente deles, com um sorriso desajeitado.
— Bom, finalmente acabou.
— Deu tudo certo? — Kazuo perguntou.
— Uhum… Como o tio Kimura é um dos nossos responsáveis, o delegado não precisou ligar pra ninguém.
— Ah… entendi. — O rapaz olhou para Asuka. — Você quer ser a próxima? Eu vou adiantar aquele assunto com ela.
— T-Tá. Então eu vou lá. — A garota se levantou.
Ela caminhou até Hiroshi, que esperava um pouco afastado, assim eles entraram na sala.
— Que assunto? — Sachie se sentou ao lado de Kazuo.
Ele pensou um pouco, olhando para ela.
— A Asuka convidou a gente pra passar a noite na casa dela, hoje. O que você acha disso?
— O que? Sério?
O rapaz assentiu com a cabeça.
— Bom… pra falar a verdade, eu só quero ir pra nossa casa e dormir. Eu estou cansada, e quero que você descanse também.
— Então… você não quer ir?
— Não muito… Eu só quero tomar um banho, comer um pouco da sua comida, e ir dormir.
Aos olhos de Kazuo, Sachie parecia realmente cansada. A garota falava baixo, e sua voz soava sem muita emoção.
— Você deve estar cansada mesmo. No fundo, eu também quero apenas voltar pra casa e dormir. — O rapaz olhou para a porta que Asuka entrou. — Mas os pais dela viajaram pra Tokyo, e então ela me convidou pra dormir lá.
— Tokyo? Então ela vai ficar sozinha?
— Não totalmente, porque a cozinheira e a governanta devem ficar lá. Mas mesmo assim…
— Maninho, você quer ir? — Sachie estava com uma expressão séria.
— Bom… eu quero sim.
A garota ficou um tempo calada, pensando.
— Se é assim, então vamos. — Ela deu um sorriso.
— Tem certeza? Se você quiser ir pra casa, então a gente vai.
— Tenho. Se eu não for com você, você vai recusar o convite da Asuka-san, e eu não quero isso.
Kazuo colocou a mão em cima da cabeça de Sachie, com um leve sorriso.
— Obrigado, Sachie, e me desculpe por causar esse incômodo pra você.
— Está tudo bem, é o mínimo que eu posso fazer.
Ele tirou a mão de cima da cabeça da garota, com uma expressão de dúvida.
— O que você quer dizer?
— Bom… você sempre me ajuda e cuida de mim, mas eu nunca faço nada por você… — Sachie olhou para baixo. — Eu sinto que te dou muito trabalho…
— Sachie, não se preocupe com isso. Eu sou seu irmão mais velho, não sou?
— Sim, mas…
— Se estivesse muito difícil pra mim, eu não ia conseguir me dar bem no ano passado.
— Eu sei, mas ainda assim…
Kazuo ficou um tempo em silêncio, olhando para a garota.
— Fico satisfeito só de você ter essa preocupação.
— Poxa, maninho…
Sachie estava inconformada. Ela não gostava de depender muito de Kazuo, pois pensava que isso lhe causava vários incômodos. A garota queria fazer mais. Ela queria ajudá-lo e servir de apoio quando ele precisasse.
— Bom… então vamos para a casa dela quando tudo isso acabar. — Kazuo disse como se estivesse confirmando, encostando-se no banco.
— Tá bom… Mas o que a gente vai vestir?
— Ah, isso a gente vai ter que deixar nas mãos da Asuka. Ela disse que lá tem umas roupas pra visitas.
— Sério? Então tudo bem.
Kazuo olhou para o relógio no pulso enquanto andava, seguindo Hiroshi. Marcava exatamente “07:03”.
Asuka já havia saído da sala. Ela estava sentada com Sachie no banco, guardando a bolsa de Kazuo.
O delegado abriu a porta para o rapaz, assim ele entrou.
Uma luz branca iluminava do teto a mesa retangular, no centro da sala. Duas cadeiras estavam dispostas, uma de frente para a outra, com a mesa entre elas. Em uma das paredes do espaço quadricular da sala, havia um grande vidro negro, e em um dos cantos superiores, uma câmera.
Kazuo observou tudo isso, movendo-se lentamente. Após analisar o vidro escuro, ele puxou uma cadeira e se sentou, antecipando ordens.
Hiroshi fechou a porta, assim caminhou até a outra cadeira.
— Tudo será gravado para que tenhamos registros do seu relato. — Ele se sentou, apoiando os cotovelos na mesa.
— Certo.
— Muito bem, então vamos começar.
Kazuo estava há algum tempo explicando e contando os acontecimentos para Hiroshi.
— Então, depois que ele chamou mais policiais, nós entramos na viatura e viemos pra cá.
— Certo… Então os homens já devem ter conseguido pegar aquela pessoa que você derrubou.
— Ah, tem razão.
Depois de mais perguntas, Hiroshi pareceu satisfeito e pronto para finalizar o interrogatório.
— O Takeshi é seu tio, não é?
— É, sim.
— O que ele disse pra você fazer depois que você fosse liberado?
— Ah, ele falou pra mim pegar um táxi.
— Você tem algum outro responsável na cidade?
— Minha tia, mas não precisa ligar pra ela, eu vou pegar um táxi mesmo.
— Tudo bem então. — O delegado se levantou. — Eu levo vocês até a porta.
— Ah, obrigado. — Kazuo também se pôs de pé.
Eles saíram da sala, caminhando até as garotas. Asuka e Sachie se levantaram ao verem Kazuo e o delegado se aproximando.
— Vou acompanhá-los até a saída. — Hiroshi disse olhando para as garotas, ainda caminhando para a entrada da delegacia.
Elas foram para perto de Kazuo, que andava com uma expressão neutra.
Assim que Asuka se aproximou, ele estendeu a mão, então ela entregou a bolsa camuflada. O rapaz a colocou no ombro.
Hiroshi abriu a porta dupla da delegacia, assim eles conseguiram ver o estacionamento, a rua, e um pouco mais no fundo, um lugar da cidade bem mais iluminado e com mais prédios.
— Vocês podem ir embora agora. — O delegado se virou para todos, do lado de fora. — Mas tomem muito cuidado a partir de hoje. Isso poderia ter sido bem pior, então revejam seus motivos pra saírem de casa.
Kazuo olhou para baixo. Ele apertou a alça da bolsa, frustrado.
— Eu vou voltar ao trabalho. Se cuidem. — Hiroshi começou a caminhar, voltando para o interior da delegacia.
— Muito obrigada. — Asuka se curvou, enquanto ele fechava a porta dupla.
Assim, o silêncio se fez presente, e eles ficaram sozinhos ali no topo da escadaria.
— Bom, e agora? — Sachie olhou para a lua. As nuvens ofuscavam levemente seu brilho, tampando-a e percorrendo lentamente pelo céu.
— Agora…? — Kazuo olhou para o mesmo ponto, refletindo.
Tudo isso me deixou um pouco abalado… Me sinto meio que… sem chão. O que eu faço agora? Qual é o próximo passo?
Ele trocou o olhar para as garotas, que também o olharam de volta.
Acho que daqui pra frente o melhor é ficar quieto em casa, até as aulas voltarem.
Nesse momento, Kazuo se lembrou de algo. Ele olhou para Asuka.
— Asuka, pra quem que o delegado ligou? Quero dizer, seus pais não estão na cidade, então quem ele chamou?
— Ah, bom, eu não tenho nenhum outro parente aqui, então ele não ligou para ninguém.
Kazuo levantou uma sobrancelha, um pouco confuso.
— Ao invés disso… — A garota continuou falando. — Eu liguei para o meu motorista, mas ele está um pouquinho atrasado.
— Ah… Entendi. Então nós vamos com ele?
— Sim, só precisamos esperar ele chegar.
Kazuo fechou a porta do carro preto, sentado no banco de trás. Ele percebeu que esse era o mesmo carro que sempre via buscando Asuka na saída da escola.
Sachie também estava sentada no banco de trás, ao seu lado. A garota de cabelos prateados colocou o cinto, sentada no banco à frente do jovem.
— Perdoe meu atraso, senhorita. Eu precisei abastecer o carro. — Um senhor segurava o volante, olhando para a garota.
Os cabelos grisalhos estavam alisados para trás. Ele usava paletó e gravata preta.
— Tudo bem, Yoshiaki-san. — Asuka olhou para o homem com um sorriso gentil.
Yoshiaki era o motorista da jovem. Seu trabalho era levá-la para onde precisasse, todos os dias da semana. Na verdade, seu trabalho não era tão difícil, pois Asuka não saía muito de casa.
— A senhorita conseguiu falar com o senhor e a senhora?
— Na verdade, eu não liguei ainda… — A garota abaixou um pouco o olhar. — Eu estou… com medo de contar o que aconteceu.
— Eu entendo, então ficarei em silêncio, mas em algum momento a senhorita precisa avisá-los.
— Eu sei…
Yoshiaki se virou um pouco, olhando para Kazuo e Sachie.
— Vocês devem ser os amigos de quem a senhorita falou. Eu sou o Yoshiaki.
— O-Olá, meu nome é Miura Sachie. — Sachie sorriu, um pouco nervosa.
— Sou Miura Kazuo. — Kazuo disse, cumprimentando com a cabeça.
— Então vocês são irmãos… bem que eu pensei. — Yoshiaki trocou o olhar entre os dois, analisando algo. — Mas ela tem olhos roxos…
— Eu também me surpreendi com isso. — Asuka estava um pouco virada para trás, prestando atenção em tudo.
— Ah, pois é. — Kazuo olhou para Sachie, que o olhou de volta. — Ela é bem mais bonita do que eu.
— M-Maninh… — A garota ficou com o rosto vermelho, enquanto olhava o rapaz, que sorria.
Ela desviou o olhar para o lado.
— Poxa, não fala isso assim. Eu fico com vergonha… — Sachie resmungava, olhando para o canto envergonhada.
Asuka começou a rir.
— Eles se dão muito bem, né Yoshiaki-san? — Ela olhou para o senhor, sorrindo.
— Parece que eles se gostam bastante.
Sachie virou um pouco a cabeça de volta para Kazuo, olhando-o de soslaio. Ela sorria, ainda um pouco envergonhada.
Essa garota… Kazuo sorriu de volta.
Já haviam se passado alguns minutos desde que Yoshiaki começou a dirigir.
Eles estavam em silêncio, apenas escutando o ruído baixo do carro. Kazuo olhava com uma expressão neutra os altos prédios que passavam pela janela ao lado.
Eu acho que só consegui relaxar agora. Aquela conversa com o Yoshiaki-san melhorou o clima pesado que estava.
O rapaz se lembrou do abraço que havia dado em Asuka. Ele olhou para a garota.
Desculpa, Asuka. Eu não sei se aquilo foi estranho pra você… mas é que eu não aguentei te ver daquele jeito.
Veio à mente de Kazuo a cena de quando ele conseguiu sair do beco, correndo com Asuka e Yui.
Yui… Que bom que nada aconteceu com você.
O rapaz voltou o olhar para os prédios ao lado. A gente nem teve tempo de conversar… Acho que eu ia acabar te abraçando também. Os olhos de Kazuo se estreitaram. Eu sou tão fraco… só agora percebi como tenho medo de perder as coisas.
Ele ficou observando a paisagem por um tempo.
A Sachie não está falando nada, achei que ela fosse querer conversar quando desse. Kazuo olhou para o lado, para Sachie.
Ela estava com os olhos fechados, sonolenta. Sua cabeça pendia um pouco para frente, e com esse movimento, o cabelo preto lentamente caía sobre a frente do corpo, escondendo as laterais de seu rosto.
Kazuo esboçou um sorriso gentil, vendo sua irmã dormindo tranquilamente. Ele se aproximou um pouco, então segurou os ombros da garota, deitando-a no banco do carro. Kazuo apoiou a cabeça de Sachie com uma mão, então gentilmente a deixou repousando em seu colo. Ainda de olhos fechados, a garota se ajeitou um pouco para ficar confortável, então com a cabeça e uma mão sobre a perna do rapaz, Sachie continuou dormindo.
É perigoso dormir assim sem cinto…
Kazuo deixou uma mão na cintura da garota, sobre o casaco branco.
— Ela está bem cansada, né?
Kazuo olhou para a garota de cabelos prateados. Ela sorria, olhando Sachie.
— Pois é. Ela tinha me falado que estava com sono, então acabou dormindo aqui no carro.
— Eu acho que consigo durar só mais algumas horas. — Asuka riu.
O rapaz olhou para baixo, sorrindo.
— Ela se divertiu muito. A Yui também deve estar cansada.
— É verdade…
A garota ficou um tempo observando Sachie, que estava com o cabelo negro um pouco por cima do rosto.
— Eu sei que ela é um pouco mais nova que a gente, mas quantos anos ela tem?
— Ah, a Sachie vai fazer dezesseis anos.
— Dezesseis?! Ela parece ser um pouco mais nova.
— Sério? — Kazuo olhou para o rosto de Sachie. — Eu não acho isso.
Asuka estreitou um pouco os olhos, também olhando para a garota. Será que é impressão minha…? Engraçado que a gente falou aquilo para ela na praia “quando eu tinha sua idade, eu não era assim, não”, mas ela é só um ano mais nova do que a gente. Asuka riu consigo mesma, mas depois de perceber algo, fez uma expressão confusa. Espera…
— Kazuo-kun, então era para ela estar estudando na mesma escola que a gente, no primeiro ano.
— Isso mesmo… — Kazuo desviou o olhar para fora da janela.
— Ela… foi reprovada ou algo assim?
— Não.
Asuka ficou um tempo em silêncio.
— Isso tem a ver com o seu passado, né? Desculpa.
Pela visão periférica, o rapaz viu a garota se virando para frente. Ele soltou um suspiro triste, com os olhos fechados.
Yoshiaki o olhava pelo retrovisor, analisando-o.
Kazuo virou a cabeça para o lado, olhando pela janela o topo de alguns prédios. Eu abandonei meu passado… Abandonei minha antiga cidade, meus antigos amigos… abandonei até mesmo a Yurina… Ele estreitou os olhos, cerrando os punhos.
Droga… Yurina…
…
As fitas amarelas com listras pretas cercavam a entrada do beco, bloqueando a entrada para civis e outras pessoas não autorizadas.
Os faróis dos diversos veículos iluminavam o local, cercados pelo tumulto de repórteres e curiosos.
Nora Três observava os paramédicos checarem o estado do homem que encontraram, enquanto vários microfones eram apontados para ele, seguidos de perguntas sobre o assassinato.
Uma repórter estava de costas para a cena, olhando para a câmera sobre o tripé, assim a reportagem começou com a primeira frase da mulher:
— O serial killer apareceu mais uma vez, trazendo terror e fazendo sua vigésima quinta vítima.