O Perigo nas Sombras - Capítulo 8
Uau… Então essa é a casa dela… Kazuo saiu do carro olhando o extenso muro que seguia pela calçada. Subindo o olhar, ele conseguiu ver um pouco da casa e o telhado característico, além das copas de algumas árvores.
Em torno do local, haviam outras casas de mesmo porte, além de alguns hotéis, e uma loja de conveniências na direção da avenida, esta que ficava a cerca de cem metros dali.
Kazuo olhou para trás, vendo Sachie saindo do carro, sonolenta. Ela fechou a porta, e então esfregou os olhos.
O rapaz colocou a alça da bolsa no ombro, cruzando-a no peito.
Yoshiaki se aproximou de Asuka, que havia acabado de sair do carro. Ele fechou a porta para a garota.
— Ah. — Asuka olhou para o homem. — Obrigada, Yoshiaki-san.
— A senhorita vai para mais algum lugar esta noite?
— Não vou, muito obrigada por trazer a gente.
— Não, eu que agradeço a sua delicadeza. — Yoshiaki se curvou, então se levantou. — Este é apenas o meu trabalho.
O senhor retornou para o carro, então foi embora, dirigindo em direção a avenida.
Após passar pelo grande portão eletrônico, Kazuo entrou na área de fora da casa, que revelou ser um belo jardim de lírios, este que circundava o caminho na qual o jovem andava, acompanhado de Sachie.
A claridade esbranquiçada da lua iluminava levemente as pétalas ao redor deles, como um véu fino e transparente disposto sobre suas flores brancas.
Uau… Kazuo vislumbrou o jardim, então olhou para frente, assim pôde ver a casa de dois andares, que aparentava ser enorme. Tudo aqui é bem bonito…
Asuka se aproximou do jovem, vindo de trás, então passou por ele e Sachie, caminhando ligeiramente. A garota de cabelos prateados andava mais naturalmente, aparentando estar confortável. Ela subiu alguns degraus de madeira, parando de frente à uma porta, no corredor que seguia para os lados.
Assim que Kazuo e Sachie se aproximaram, a garota se virou para eles.
— A Kobayashi-san e a Tsukamoto-san devem estar no quarto delas. Eu não quero que elas me vejam assim, então… vocês podem me ajudar?
— Qual é o plano? — O rapaz respondeu.
— A gente só precisa entrar em silêncio e chegar até o quarto para visitas.
— É como uma missão secreta. — Sachie riu.
— O objetivo dessa missão fica muito longe?
— Não muito. Eu vou deixar vocês no quarto de visitas, depois vou ir para o meu.
Asuka lentamente abriu a porta de entrada, olhando o recinto pouco iluminado, que aparentava ser uma espécie de sala de estar.
Kazuo e Sachie entraram, então a garota fechou a porta, assim, eles caminharam rapidamente, mas em silêncio, pela sala, até chegar em um corredor que dava acesso a uma escada.
Apenas alguns cômodos da casa estavam com a luz acesa, como a cozinha e alguns corredores.
Eles foram para o segundo andar, encontrando mais um corredor, com várias portas, assim, Asuka entrou em uma delas, acompanhada de Kazuo e Sachie.
— Foi mais fácil do que eu pensei. — A garota de cabelos prateados fechou a porta, rindo.
— Não sei pra vocês, mas pra mim pareceu que a gente ia dar de cara com alguém na escada. — O rapaz também estava rindo.
— Imagina como seria… A pessoa ia falar “Socorro! São três intrusos! Corre!” — Sachie começou a correr em círculos, com feição assustada.
Kazuo e Asuka riram mais ainda, vendo a garota, então foi nesse momento que…
— Senhorita? — Uma voz feminina soou no corredor, do outro lado da porta.
Eles pararam instantaneamente, se entreolhando, imóveis.
— A senhorita chegou? — Novamente a voz soou no corredor.
Eles permaneceram em silêncio, até que escutaram passos no piso; o som estava ficando menos audível.
— Essa foi por pouco. — Kazuo soltou o ar, aliviado.
— Íamos falhar depois de praticamente já termos conseguido, mas enfim, eu vou para o meu quarto para poder me trocar e me limpar. Vocês podem usar qualquer coisa desse guarda-roupa, e o banheiro está ali. — Asuka apontou para uma outra porta no cômodo.
— Entendido. Valeu por convidar a gente. — O rapaz disse.
— Não… Eu que agradeço por aceitarem vir. — A garota de cabelos prateados sorriu genuinamente, então se virou, abriu a porta e saiu.
Então… o que temos aqui? Kazuo analisou o quarto.
O cômodo possuía um grande e extenso guarda-roupa, uma mesa baixa, algumas decorações, e nada mais.
Sachie se aproximou do rapaz, olhando-o com um sorriso desajeitado.
— Bom… e agora? — Ela disse.
Ele retirou a bolsa do ombro, colocando-a no chão, ao lado da mesa.
— Hm… A gente precisa ver o que tem nesse guarda-roupa. — Kazuo caminhou até a mobília.
Ele abriu as portas, então viu uma grande quantidade de roupas, além de alguns futons, na qual iriam utilizar para dormir.
Sachie se aproximou, e então eles começaram a procurar algumas peças.
Após um tempo, o rapaz percebeu que só haviam ali roupas genéricas — e para homens.
— Sachie, você encontrou algo aí que sirva em você?
— Não… O que mais tem aqui são moletons.
— Eu também não achei nada pra garotas… Bom, acho que faz sentido…
— Eu posso usar alguns desses moletons mesmo. — Sachie pegou uma calça cinza e a levantou na frente do rosto, virada para Kazuo.
— Não vai ser estranho pra você, afinal, às vezes você pega roupas minhas.
— É-É… — A garota abaixou a peça, mostrando seu rosto sorridente. — Elas são bem confortáveis.
— Não são? Enfim, você pode ir tomar seu banho primeiro.
— Obrigada, maninho, você sempre pensa em mim.
— É claro, boba.
Sachie fechou os olhos, sorrindo, então pegou uma calça e um casaco de moletom cinza, um pouco azulado, e foi para o banheiro.
Legal… vou usar esses daqui. Kazuo pegou uma calça preta, e um casaco vermelho, então caminhou até a mesa e deixou ambos em cima dela, depois retornou até o guarda-roupa, onde retirou dois futons. Ele começou a arrumá-los no chão, até que pensamentos vieram à mente.
Nós viemos pra essa cidade tentando superar o que aconteceu… mas agora começa isso? Por que ainda não conseguiram pegar esse assassino? Que saco… por que esse psicopata maluco fica tentando estragar a vida de todo mundo? Kazuo terminou de arrumar os cobertores em cima dos futons, que estavam lado a lado perto da mesa, e foi nesse instante que ele percebeu algo. Espera… Calma aí… psicopata maluco?
O rapaz se sentou no chão, apoiando os cotovelos na mesa. Se ele é um psicopata, então deve pensar muito bem nas coisas… tanto que ainda não conseguiram pegar ele. Então eu tenho que pensar de maneira mais racional.
De olhos fechados, Kazuo respirou profundamente algumas vezes, se acalmando.
Certo… Como um animal, como um lobo, ele tem instinto de matar, ou talvez… vontade. Bom, lobos caçam em grupo… Não… não faz sentido, porque ele vai sozinho atrás das pessoas…
Os olhos escuros do rapaz se arregalaram lentamente.
Só se… o grupo está invisível, camuflado, então não vemos ele.
Nesse momento, ele se lembrou da pessoa misteriosa que havia visto no centro comercial. Mas é claro… aquela pessoa poderia ser uma distração para os policiais. Isso faria sentido, mas significaria que existe mais de um assassino, o que é péssimo… Acho que estou pensando demais.
Após um tempo, Sachie saiu do banheiro vestida com o casaco e a calça cinza. O cabelo preto da garota estava preso em um longo rabo de cavalo, enquanto duas mechas da franja balançavam com seu caminhar. Ela se aproximou da mesa onde Kazuo estava, olhando-o e sorrindo, então se sentou de frente para ele, com as mãos juntas sobre as pernas.
— Oi…
Kazuo sorriu, olhando a jovem.
— Há quanto tempo.
— Hi hi… — Sachie fechou os olhos, esfregando uma mão atrás da cabeça.
— Bom, é a minha vez. — O rapaz se levantou, caminhando até o banheiro.
— Você já arrumou os futons…
— Sim, espero que você não esteja dormindo depois que eu sair.
Sachie se virou para trás, olhando Kazuo parado na frente da porta.
— Tá bom! Não vou te deixar sozinho.
Ele riu, então entrou no banheiro.
…
Após passarem pela entrada da delegacia, os dois policiais que outrora estavam com Nora Três pararam na frente do escritório de Hiroshi, onde, pela janela na porta, era possível vê-lo em sua mesa olhando alguns documentos.
Um dos homens bateu na porta, então o delegado fez um sinal para que entrassem.
— Desculpe interrompê-lo, chefe Hiro, mas nós precisamos adiantar algumas coisas do relatório do ocorrido de hoje.
Hiroshi tirou os óculos, colocando os documentos na mesa, então olhou para os homens, que já estavam dentro da sala.
— Muito bem, me conte o que é.
— Nós achamos que é importante… Certo… hoje, no incidente com os jovens, o Stabo fez uma vítima, e como sempre, ele pichou no muro seu nome. Agora… veja isso aqui. — O policial pegou sua câmera de bolso, caminhando até o delegado. Ele começou a passar pelas fotos das inscrições nas paredes, mostrando ao homem.
— Essas são as fotos das pichações de assassinatos passados, feitas pelo Stabo. Elas estão com grafias diferentes, não estão, senhor?
Hiroshi estreitou um pouco os olhos, enquanto olhava as imagens passarem lentamente.
— Hm… Você tem razão, eu consigo perceber que realmente tem uma diferença. — Ele disse.
— Noragami falou que isso pode acontecer porque existe mais de uma pessoa cometendo esses crimes, então na hora da marcação, as letras saem diferentes, pois são pessoas diferentes.
As palavras do policial se encaixaram no grande quebra-cabeça que estava na mente do delegado, assim avançando um pouco com sua resolução.
Hiroshi apoiou os cotovelos na mesa, juntando as mãos; sua expressão estava séria.
— Então aquela pessoa que apareceu no centro comercial se tratava de uma distração… Pensando bem, não é a primeira vez que acontece isso.
— Sim, senhor… então deve ser por isso que ele consegue nos confundir, deixando sua captura muito difícil.
— Certo, muito bom, vocês fizeram bem em adiantar isso pra mim.
— Obrigado, senhor.
— Onde está o Noragami?
— Ele ficou no local para falar com a imprensa.
— Entendo. Vão lavar o rosto e tomar um pouco de café.
— Está bem, chefe Hiro!
Os dois policiais sorriram ansiosos, empolgados apenas por ouvirem a palavra “café”, então saíram da sala.
Hiroshi passou os dedos pelo cabelo castanho, arrumando-o para trás, então apoiou novamente os cotovelos na mesa, olhando suas mãos.
Não seria nada estranho se existisse mais de uma pessoa nisso, na verdade, faz sentido ter… Acho que vou ligar pro Sato e ver como estão as coisas em Tokyo, faz tempo que eu não ligo pra perguntar sobre o trabalho.
…
Após limpar e relaxar o corpo na água quente da banheira, na qual ficou por um tempo, Kazuo saiu do banheiro, vestido com o casaco vermelho e a calça preta, ambos muito confortáveis.
Ele fechou a porta, então passou a mão no cabelo, deixando-o um pouco bagunçado para trás, assim se virou para Sachie.
Ela estava deitada no futon próximo ao guarda-roupa, com os braços estendidos para os lados e as pernas encolhidas, olhando o teto, então o rapaz começou a caminhar até a garota.
— Ficou entediada?
— Sim… estou pensando nas coisas que aconteceram.
Kazuo se sentou no outro futon, virado para Sachie, assim ela olhou para o rapaz; sua expressão estava séria, e o cabelo solto.
— Entendo… Eu também não consigo pensar em outra coisa… — Ele disse.
Nesse momento, algumas batidas soaram baixo na porta, imediatamente chamando a atenção dos dois.
— Kazuo-kun? Sachie-chan? Eu posso entrar? — A voz de Asuka pôde ser ouvida do outro lado.
— A-Ah… Claro. — Kazuo respondeu.
A porta do quarto se abriu, e lá estava a garota, segurando a maçaneta. Ela vestia um casaco preto, e um short azul.
Após entrar, Asuka caminhou até eles, se sentando ao lado de Kazuo, que a olhava.
Com a garota perto de si, ele notou um colar no pescoço dela, com um pingente pequeno, então olhou um pouco para cima, vendo seu rosto. Asuka estava com um pequeno sorriso, enquanto olhava para Sachie, que havia se sentado e se aproximado deles.
A Asuka não está com vergonha de ficar assim tão perto…? Acho que ela está mudando… ou talvez… seja sobre isso que ela estava falando naquele dia, sobre as pessoas acharem que ela é de um jeito, e quando vêem que ela não é nada daquilo que pensaram, se afastam, mas qual era o tipo de pessoa que ela conhecia? Deviam ser uns riquinhos egocêntricos.
— Está pensando em quê, Kazuo-kun?
Kazuo se deu conta de que estava olhando um pouco distraído para Asuka, que o olhava de volta.
— E-Em nada. Acabei ficando meio desatento.
— Eu estava falando que já conversei com a Kobayashi-san sobre vocês estarem aqui, então se vocês quiserem ir lá fora depois…
— Ah, isso seria legal. — O rapaz disse. — Seu jardim é muito agradável.
— Você vai gostar dos fundos da casa, é uma área bem maior.
Sachie se aproximou um pouco mais dos dois.
— Asuka-chan, o que você faz no seu tempo livre quando está aqui?
Asuka fechou os olhos, com um sorriso desajeitado.
— B-Bem… Eu costumo estudar e ver filmes, às vezes eu vou lá nos fundos tentar plantar alguma coisa, ou ajudar a Tsukamoto-san. Eu também gosto de tocar alguma música quando estou entediada.
— Você sabe tocar um instrumento? — Kazuo perguntou, levemente surpreso.
— Sei… mas é só um passatempo, não quero nada sério com isso.
— Qual é o instrumento que você sabe tocar? — Sachie perguntou.
— Tentem adivinhar. — A garota de cabelos prateados riu baixo, sorrindo.
Hm… Eu já entendi que às vezes nada é o que parece quando se trata da Asuka, então provavelmente isso é uma pegadinha. Eu diria piano, mas não deve ser isso… Não sei… bateria? Ela tem muito espaço aqui pra ter uma bateria…
— É piano? — Sachie estava com uma sobrancelha levantada.
— Eu acho que é bateria. — Kazuo olhou as duas.
Asuka riu mais uma vez, arrumando o cabelo atrás da orelha.
— Não… nenhum dos dois. Eu toco guitarra.
Os olhos da garota de cabelos negros brilharam. Ela juntou as mãos em cima das pernas, se inclinando um pouco para Asuka.
— Isso é demais! Acho que eu nunca ia pensar nisso.
— Uau, que legal, Asuka. — Kazuo estava intrigado.
— É sério? — A garota de cabelos prateados abaixou um pouco o olhar, levemente constrangida.
— Claro.
— Que bom… normalmente as pessoas não gostavam…
Ela deve estar falando das pessoas que ela conhecia antes de se mudar. Nunca conversamos sobre isso… Se eu perguntar sobre o passado dela, tenho que estar disposto a falar sobre o meu.
— As pessoas que você diz são da sua antiga escola?
— Não eram só elas… Meus pais queriam que eu aprendesse a tocar piano, como a Sachie-chan disse, mas eu insisti tanto que eles me deram uma guitarra. Eu acho muito mais legal, e acredito que os filmes que eu assisto e as músicas que ouço me influenciaram também.
— Quero te ouvir tocar um dia. — Kazuo esboçou um sorriso gentil.
— Tá bom… — Asuka olhou para baixo, feliz.
— Certo… — O rapaz se levantou, colocando as mãos na cintura. — Querem ir lá pra fora agora?
— Vamos! — A garota de cabelos prateados também se levantou.
Sachie se pôs de pé, porém, estava sem entusiasmo.
— Eu vou dormir um pouco, vão vocês dois.
— Você está se sentindo mal, Sachie-chan?
— Não, não. Só estou um pouco cansada.
— Tudo bem, Sachie, depois eu volto.
A garota de cabelos negros se aproximou de Kazuo, abraçando-o por alguns segundos, então se sentou no futon perto do guarda-roupa, olhando-o.
— B-Bem… estou indo.
O rapaz caminhou até a porta, e após Sachie se deitar, ele apagou a luz pelo interruptor, assim, Kazuo e Asuka saíram do quarto.
Eles começaram a caminhar pelo corredor, para chegar até a escada.
— A Sachie-chan está bem mesmo?
— Ela está meio quieta desde aquilo que aconteceu… Vamos deixar ela descansar um pouco.
Após retornar ao piso de baixo, Kazuo seguiu o corredor que levava até uma área iluminada por uma luz esbranquiçada. Assim que ele passou pelo último segmento da parede, sua visão foi preenchida pela claridade de um refletor, que vinha de algum ponto à frente. Instintivamente, o rapaz levantou a mão, cobrindo um pouco os olhos, e assim que eles se acostumaram com a luz repentina, Kazuo contemplou um grande jardim, com várias árvores e flores que enfeitavam a grama, além de pequenas trilhas em torno de uma espécie de lago.
Os olhos do rapaz se arregalaram, enquanto ele ficava um pouco boquiaberto, ainda no corredor de piso de madeira, que ficava em um nível mais alto que o da grama.
— Isso… é incrível.
Asuka riu, parada ao lado dele, com as mãos juntas atrás do corpo.
— Não é? Também fiquei surpresa quando vi pela primeira vez.
Kazuo olhava com um pequeno sorriso toda a decoração natural do jardim, de canto a canto, até que Asuka segurou sua mão.
— Vem.
A garota se sentou na beira do corredor, puxando Kazuo para baixo, este que após um instante de surpresa, se sentou ao lado dela, pisando na grama com as sandálias para visitas.
O rapaz olhou para Asuka de soslaio, coçando o rosto, assim viu seu pequeno sorriso, que revelava uma certa satisfação, junto com o brilho dos olhos azuis, que miravam o céu noturno.
Ela… parece até outra pessoa…
Uma brisa que dançava pelo jardim carregando o aroma das flores, passou pela garota, movimentando seus cabelos suavemente. Ela virou a cabeça para Kazuo, encarando-o, então fechou os olhos, ainda sorrindo.
Não…
O rapaz riu, porém, de uma maneira satisfeita.
Essa é a Asuka, e não aquela garota tímida e envergonhada. Essa é ela sem rótulos e preocupações, sem pressões sociais e sem uma imagem para manter.
— Então essa é você de verdade, né? — Ele olhou para frente, falando em tom baixo.
— O que? — Asuka abriu os olhos novamente.
— Eu só estava pensando que… você não é assim em público. Você está um pouco diferente.
A garota arrumou o cabelo atrás da orelha, olhando para baixo, e após alguns instantes fitando a grama, ela começou a falar.
— Sabe de uma coisa, Kazuo-kun? — Sua voz estava gentil. — Eu estive prestando atenção em você durante esse tempo que estudamos juntos, e eu vi em você aquilo que eu queria ser.
Kazuo juntou as mãos, um pouco confuso.
— O que você quer dizer?
Asuka olhou para ele novamente, sorrindo.
— Kazuo-kun, você é tão irreverente, mas de um jeito bom. Você diz o que pensa, e faz o que quer. Ver isso todo dia me motivou a mudar meu jeito de agir, eu quero me expressar da maneira que eu quiser. — A garota se levantou, falando com confiança. — E eu nem quero saber o que os outros vão pensar de mim.
O rapaz estava com os olhos arregalados, inclinado um pouco para trás, surpreso.
— E onde foi que você aprendeu a falar dessa forma?
— Com quem mais poderia ser? — Asuka riu, se sentando novamente ao lado de Kazuo. — Bom, eu não consigo fazer isso do dia para a noite, mas digamos que o incidente de hoje me fez refletir, e agora eu me sinto mais motivada do que nunca. Eu não quero perder mais tempo vivendo com minhas vontades sendo reprimidas.
Isso tudo é incrível, mas a pergunta que fica é: Por que ela tem essa dificuldade? Por que ela não consegue ser ela mesma em público? Em partes, eu já sei a resposta.
— Asuka… você esconde quem você é de verdade por causa dos seus pais?
— Bom… é mais complexo que isso. — A garota olhou para a grama, brincando com a ponta do cabelo. — Eu sempre fui ensinada a ser muito educada e requintada, mas na verdade, eu achava aquilo meio chato. Eu precisava passar essa imagem para os sócios e outras pessoas influentes que estavam em volta dos meus pais, então eu fiquei acostumada a agir assim, mas não era só isso, eu fiquei com medo de brigarem comigo por não ser assim.
O rapaz olhava para Asuka, ouvindo-a com atenção.
— Eu acho que eu comecei a reprimir minhas vontades e a filtrar o que eu falo quando eu entrei na minha antiga escola.
— Eu acho que nunca perguntei isso… de qual cidade você veio?
— Eu vim de Tokyo. Eu estudava em uma escola onde praticamente só tinha alunos que eram filhos de pais ricos. E eu era um desses alunos, mas eu não me encaixei. No começo estava tudo bem, mas quando eu resolvi mostrar os meus gostos e agir como eu queria, as coisas mudaram. Eles começaram a me olhar como se eu fosse totalmente esquisita, e conforme as semanas passavam, isso ia aumentando, até que chegou o dia em que umas garotas me humilharam na frente da escola. Depois desse dia, eu voltei a agir como antes, até o final do meu primeiro ano no ensino médio, totalmente frustrada e decepcionada. Então, faltando algumas semanas para acabarem as férias de primavera, eu vim para cá. — A garota olhou para Kazuo com um sorriso sem graça. — Desculpa, eu falei demais, você deve ter ficado cansado de ouvir.
O rapaz apertou o punho, segurando a energia que queria explodir.
— Eu não fiquei cansado… fiquei com um pouco de raiva. Eu não consigo entender o motivo pra terem feito isso com você, pra mim, você é totalmente normal.
A garota passou a mão no cabelo, olhando para baixo com um sorriso. Seu rosto havia ficado um pouco corado.
Kazuo respirou, se acalmando, então começou a falar com um tom bem humorado em sua voz.
— Bom, algo que não mudou é você se envergonhando por qualquer coisa.
Asuka levantou a cabeça, olhando para ele com o rosto mais vermelho que antes.
— É-É que esse tipo de coisa é novo para mim!
O rapaz riu, então olhou para o pequeno lago, com uma expressão um pouco mais séria.
— Seus pais sabem disso que aconteceu com você?
— Não… — A voz da garota soou um pouco entristecida.
— E a Yui?
— Também não, mas eu vou contar para ela…
Os olhos de Kazuo se estreitaram, e ainda olhando para frente, ele estendeu uma mão na direção de Asuka, então começou a afagar sua cabeça.
— Você aguentou bem… Você precisou ser muito forte pra passar por isso sozinha.
A garota permaneceu encarando o rapaz, um pouco impressionada com o que ele havia dito, então seus olhos se encheram de lágrimas. As palavras dele trouxeram de volta sentimentos que apenas o tempo havia conseguido afundar em seu peito. Era como se alguém finalmente reconhecesse e entendesse o sofrimento que ela havia passado, e quão difícil foi essa situação.
As lágrimas começaram a cair, então Asuka olhou para baixo, virada para Kazuo, enquanto ele acariciava sua cabeça.
— Não… E-Eu tentei ser forte, mas eu acabei escondendo novamente quem eu era.
— Asuka, você foi forte porque você teve que aguentar sozinha ser alguém que não era você, e isso não foi sua culpa.
A cada palavra que o rapaz dizia, a garota ficava mais emocionada, chorando com mais intensidade.
— É-É… eu aguentei… eu precisei aguentar todos aqueles olhares, e tudo que fizeram comigo… — Asuka levantou a cabeça, olhando para Kazuo com as lágrimas escorrendo pelas bochechas. — O-Onde foi que eu errei, Kazuo-kun?
Após sentir os olhos começarem a lacrimejar, ele puxou a garota para mais perto de si, abraçando-a.
— Sua boba… Eu já te disse, a culpa não foi sua. Ouviu? Você não fez nada de errado.
Asuka estava com o rosto próximo ao do rapaz, tendo visão do que havia atrás dele. Ela ignorou o coração que havia começado a bater rapidamente, então envolveu o pescoço de Kazuo com os braços, abraçando-o também.
— Ainda bem… Eu achei que o problema era comigo…
— Não, não era… então, a partir de hoje, seja você mesma. Na escola também.
— Tá… Pode demorar um pouco, mas você vai ver, eu vou conseguir.
— Eu mal posso esperar.
Asuka sorriu, sentindo que aquele sentimento finalmente estava se tornando algo bom, como se ela estivesse superando tudo que acontecera consigo. A garota encostou mais em Kazuo, fechando os olhos.
— Obrigada, eu estou me sentindo muito satisfeita. Foi um alívio contar isso para alguém, e você ainda me apoiou, então… eu não me sinto mais sozinha.
O rapaz estava um pouco nervoso, sentindo o corpo de Asuka, mas tentou esconder isso na voz.
— Isso é ótimo… eu fico realmente feliz.
Ela se afastou de Kazuo, esfregando os olhos, então ele olhou para frente, com o rosto um pouco vermelho.
Se acalma… Certo, acho que a Asuka finalmente entendeu. Parece que as coisas vão ser diferentes daqui pra frente.
De soslaio, o rapaz olhou para Asuka, que estava virada para frente, mexendo no colar em volta do pescoço. Ele mostrou um pequeno sorriso.
Tão bonita… Espera… o quê? Kazuo balançou a cabeça, dispersando os pensamentos.
Será que eu estou gostando dela…? Eu não devia estar pensando nessas coisas agora, tivemos uma conversa séria e aconteceu aquilo mais cedo. Mesmo assim…
— Kazuo-kun.
— O-O que?
— Você confia em mim? — A garota olhou para o céu.
O rapaz abaixou a cabeça, com a testa franzida, pensando no que falar. Droga…
— Tudo bem se você não confia em mim…
— Não, eu…
— Mas sabe? Eu confio em você, e depois de hoje, eu confio mais ainda.
— Asuka, eu…
— Você acha que depois do que tentaram fazer comigo, eu iria assim, logo em seguida, trazer um homem para a minha casa?
Kazuo virou rapidamente a cabeça na direção de Asuka, com os olhos levemente arregalados, e ela estava olhando-o também, com um sorriso.
— Você nem percebeu isso, né? — A garota fechou os olhos, rindo.
— N-Não… nem passou pela minha cabeça…
— Eu confio em você a ponto de te contar isso, então, agora você sabe que se me pedir algo, eu vou fazer. Eu não tenho medo disso.
— Mas, por que…?
— Eu não queria ter que explicar, porque isso é algo meio abstrato… — Asuka estava com um sorriso um pouco sem graça no rosto. — Mas é porque naquele dia, você veio falar comigo sem nenhuma intenção. Você foi para lá apenas para almoçar. Quando uma pessoa faz algo intencionalmente, sabemos que ela tem um motivo, e logo tentamos descobrir qual é, mas e quando algo ocorre totalmente pelo acaso?
— Quando algo assim ocorre… nenhum dos lados tem intenção de nada…
— E foi assim que, dia após dia, eu ia ficando mais confortável com você. Porque eu sabia que você não estava procurando nada ao falar comigo.
— Isso faz muito sentido… mas, e quando uma pessoa começa a falar com você do nada, todos os dias?
— Nesse caso, você só precisa descobrir a motivação dessa pessoa, então você vai saber se ela está com boas intenções, ou não.
— Certo…
Então essa é mesmo a resposta certa.
— Bom… — A garota passou a mão no cabelo. — Eu falei isso tudo apenas para dizer no fim, que eu quero que você confie em mim também. Eu sei que algo aconteceu com você, e eu queria que você me contasse, assim eu poderia te entender melhor e te ajudar, como você fez comigo agora a pouco.
Eu sei, eu sei… eu sei disso tudo. Eu não posso mais ficar escondendo…
— Asuka, depois de tanto tempo, vocês duas foram as primeiras pessoas que eu comecei a me soltar. No fundo, eu me sinto culpado quando a Yui sorri pra mim. No nosso primeiro ano na escola, eu agia como se desprezasse ela, quando na verdade, eu só estava com medo. Ela ficou o ano inteiro tentando se aproximar de mim, e me incluir na turma, mas eu não queria isso, então tentava fazer ela desistir, mas ela era muito teimosa. No final do ano, eu acabei rindo de uma piada dela, você tinha que ter visto a cara de felicidade que ela fez… Depois daí, eu comecei a mudar a forma que eu a tratava, e também comecei a me arrepender de ter sido tão cruel com ela. Fazia pouco mais de um ano que havia acontecido algo muito ruim comigo, então eu estava… não sei descrever… O fato é que eu confio em vocês.
Eu só preciso perguntar aquilo à Yui, pra finalmente ter certeza.
Asuka estava com uma feição surpresa, então se inclinou rapidamente na direção de Kazuo.
— Verdade? Você confia mesmo na gente?
— Sim.
A expressão da garota se tornou um semblante tão feliz que nem ela mesma compreendeu de onde viera tanta euforia.
— Você parece que poderia gritar de tanta felicidade.
— A-Acho que eu poderia mesmo.
Ambos riram, então Asuka arrumou o cabelo atrás da orelha, se acalmando.
— Então… você vai contar?
— Eu… vou, mas não agora. Eu vou contar tudo que aconteceu comigo e com a Sachie, mas só quando você e a Yui estiverem juntas.
— Tá… Assim é melhor mesmo. — A garota se levantou, ajeitando o casaco preto para cobrir um pouco mais suas pernas. — A Tsukamoto-san já deve ter terminado de fazer o jantar.
— Então vamos. — Kazuo também se levantou, assim, eles retornaram para o interior da casa.
O rapaz olhou para Asuka, que estava ao seu lado, enquanto subiam as escadas. Pensando bem, essa é a mesma Asuka de sempre, apenas um pouco mais confortável e confiante. Ela pode ter demonstrado um lado um pouco diferente, mas sua essência é a mesma. Não importa se ela maquiar uma imagem diferente ou não, ela vai ser aquela mesma garota gentil, inteligente e envergonhada de sempre.
Então, pelo o que eu entendi, parece que a Asuka ficou um pouco traumatizada com a rejeição que recebeu dos alunos da sua antiga escola. Achando que o problema estava nela, ela começou a se comportar da maneira que se encaixava no padrão, e talvez, como já estava acostumada a agir igual uma princesa pros sócios dos pais dela, ela pode ter pensado que isso era o mais inteligente a se fazer. Pode ser difícil levando em conta tudo isso que ela passou, mas agora eu entendo que ela só quer falar da maneira que ela dizer, só quer se sentar na sala de aula da maneira que ela quiser, só quer agir da maneira que ela quiser.
Após Kazuo e Asuka entrarem no quarto para visitas, o rapaz se abaixou perto de Sachie, esta que dormia tranquilamente, deitada de lado; sua respiração estava lenta.
— Sachie… — Ele pôs uma mão em seu ombro, chamando-a.
Após algumas leves balançadas, a jovem levou as mãos até os olhos, esfregando-os, assim, desceu os braços, olhando Kazuo.
— Bom dia… — Ela esboçou um sorriso fraco, ainda sonolenta. — Que sono… sinto que eu nem descansei…
— É porque você não descansou. Ainda é ontem.
— Ainda é ontem…? — Sachie fez uma expressão confusa. — Já não é de manhã, não?
— Não, boba. — Kazuo riu um pouco. — Você deve ter dormido só por uns vinte minutos.
— O que? Só isso? — As sobrancelhas da garota se ergueram um pouco. — Nossa… então ainda é ontem…
O rapaz se pôs em pé, estendendo a mão para Sachie.
— Vem, vamos comer alguma coisa.
— Tá bom… — A garota se sentou, então segurou a mão de Kazuo, se levantando.
Sachie olhou para a porta, finalmente notando a presença de Asuka, esta que apenas mostrou um sorriso simpático. A garota de cabelos negros riu, um pouco sem graça, esfregando a mão atrás da cabeça.
Após terminarem a refeição, os jovens retornaram ao piso superior, assim, Asuka seguiu para o seu quarto, que ficava do lado esquerdo da escada. Kazuo e Sachie, seguindo para a direção oposta, entraram no quarto para visitas.
— Vou escovar os dentes. — O rapaz abriu a porta do banheiro, adentrando o recinto esbranquiçado.
Enquanto ele entrava, Sachie observava do centro do quarto, com uma expressão séria. Ela pegou o celular, olhando o horário; marcava “09:22”.
Porque esse tipo de coisa acontece…? A garota se sentou ao lado da mesa, mirando o vazio. Será que a gente vai ter que se mudar mais uma vez? Eu não quero… Finalmente eu estou me encontrando, e por isso, não quero ter que recomeçar de novo.
Kazuo saiu do banheiro, fechando a porta, assim olhou para Sachie. A garota estava com as mãos atrás do corpo, inclinada na direção de um grande vaso dourado em um dos cantos do quarto, analisando-o.
O rapaz andou até o futon ao lado da mesa, sentando-se nele.
— Você parece mesmo entediada.
— Ah! — Ela olhou para trás, vendo Kazuo. — Na verdade, eu acabei me distraindo um pouco. Achei esse vaso meio engraçado. — Sachie deu uma leve risada, então começou a caminhar até o banheiro. — Eu estava te esperando sair.
Após um tempo dentro do cômodo, a garota retornou, caminhando até o outro futon e se sentando, olhando para Kazuo. Ele estava deitado com as mãos atrás da cabeça, observando o teto.
— Como foi lá fora? Com a Asuka-san.
— A gente conversou por um tempo no jardim dos fundos, o lugar é bem legal.
— Entendi… deve ser mesmo.
— Amanhã a gente pergunta se você pode ir lá.
— Tá bom…
Sachie ficou um tempo em silêncio, olhando para baixo.
— Ei, maninho…
— Sim?
— Porque ele fez aquilo…? — A voz da garota soou deprimida, com seu cabelo negro caindo um pouco na frente do corpo.
— Quem? O assassino?
— Não… — Hesitante, Sachie gaguejou um pouco, mexendo nos dedos. — O-O nosso pai…
Automaticamente, os olhos de Kazuo desceram do teto até Sachie, que estava ao seu lado. Alguns longos segundos passaram-se em um silêncio inquietante, enquanto o rapaz estava com uma expressão séria. Ele soltou um longo suspiro, se sentando.
— Eu também não sei, Sachie… — Kazuo olhava para baixo, falando sem emoção. — Às vezes, ele desaparecia por uns dias, dizendo que era por causa do trabalho, mas eu nunca poderia imaginar que ele voltaria pra casa um dia, e faria aquilo.
— Eu queria entender, maninho… E-Eu sei que fui eu que vi tudo acontecendo, mas… eu não consigo saber porque ele fez aquilo.
O rapaz virou a cabeça, olhando para Sachie.
— Não fique pensando nisso, o fato é que ele foi preso, depois de tudo que aconteceu.
— Você nunca foi visitar ele, né…?
— É… Eu nunca fui. A hora que eu saí de casa, correndo com você até a delegacia, foi a última vez que eu vi ele.
— Você já pensou em ir até onde ele está, e… perguntar porque ele fez aquilo?
Kazuo parou por um momento, pensando.
— Já… mas eu não quero vê-lo, mesmo agora, depois de três anos. Eu sei que não dá pra compreender, mas você conseguiria encará-lo pra perguntar isso?
— Eu… acho que não…
O rapaz olhou para cima, e depois de um tempo em silêncio, ele abriu a boca:
— Talvez um dia eu vá vê-lo, pra gente poder… — Um som interrompeu Kazuo, fazendo-o parar de falar.
Era seu telefone tocando no bolso da calça, também chamando a atenção de Sachie. Ele pegou o aparelho, e o nome de Yui estava na tela.
— Desculpe, Sachie, vou atender a Yui.
— Tudo bem, não precisa se preocupar. — A garota passou a mão no cabelo, arrumando-o.
O rapaz atendeu, levando o aparelho até o ouvido.
— Oi, Yui.
— Kazuo-kun, você está bem? Como está o seu rosto?
— Eu estou muito mal. O médico disse que eu só tenho um mês de vida.
— Ah, Kazuo-kun… eu estou falando sério. Eu fui embora da delegacia sem falar com você, então fiquei sem saber como você está.
— Eu estou bem, Yui. Foram só uns socos.
— Você parece achar isso pouco.
— Esquece isso. Mais importante, eu perguntei antes, mas não tocaram em você, não é?
— Não…
— Certo.
— Mas… — A voz de Yui soou um pouco triste. — Eu acabei ficando com muito medo… Eu não imaginava que em uma situação como aquela, eu ficaria sem reação. Tudo aconteceu tão rápido que, em um momento, estava apenas eu e a Asuka-chan conversando, e em outro, eu estava…
As sobrancelhas de Kazuo desceram um pouco, e com olhos tristes, ele olhou para baixo.
— A gente não sabe como vai se comportar, até acontecer… Não fique se culpando por ter ficado assustada.
— Eu não consigo… a Asuka-chan foi tão corajosa. Ela enfrentou eles, e se pôs na frente pra me proteger.
— A princípio… isso nem era pra ter acontecido com vocês.
— Mas poderia acontecer, estando com você ou não, hoje ou qualquer outro dia.
O rapaz ouvia atentamente a voz de Yui, vinda do aparelho perto de seu ouvido.
— Só agora percebi como sou boba.
Não sei o que dizer pra ela… Ela está se cobrando demais, mas eu não posso dizer que ela está errada, porque ela entendeu uma coisa importante.
— Yui, você devia descansar. Ficar conversando sobre esse assunto só vai te deixar mais triste.
— Mas eu queria falar sobre isso com você…
— Você tem que se focar em descansar agora.
— Tá bom… Mas tem mais uma coisa que eu queria falar.
— O que?
— B-Bem… Eu sei que aconteceu tudo isso hoje, mas, você quer vir…
Por trás da ligação, Yui subitamente parou de falar. Ela estava na janela de seu quarto, olhando a vista noturna da cidade, com o corpo tenso.
— Você quer vir, o que? — Kazuo perguntou, esperando uma continuação.
— Nada, deixa pra lá.
— O que você ia falar, Yui?
— Ah, não é nada, sério. Eu estava com a cabeça em outra coisa, aí falei isso sem querer.
— Foi isso mesmo?
— F-Foi.
— Certo… Mudando de assunto, deu tudo certo com seus pais?
— Sim, na verdade, meu pai quer te conhecer.
— Pra poder me matar, claro.
— Claro que não, Kazuo-kun. — Yui riu pelo celular, sentindo-se com melhor humor.
— Certo… então eu vou desligar, tudo bem, Yui?
— Tá… Eu vou dormir, como você disse. Boa noite, Kazuo-kun.
— Boa noite.
Kazuo desligou, colocando o celular em cima da mesa, porém, no mesmo momento em que ele soltou o aparelho, uma notificação soou.
O rapaz pegou o telefone novamente, ligando a tela. Havia uma mensagem de Asuka:
“Você vai dormir agora?”
Ele começou a digitar.
“Eu acho que sim.”
Outra mensagem da garota apareceu.
“Ah… Então eu vou ir também, esse foi dia foi muito longo.”
“Você tem razão, aconteceu muita coisa hoje.”
Déjà-vu?
“Boa noite.”
Logo abaixo da mensagem de Asuka, surgiu uma imagem caricata de um gato, com um pequeno coração ao lado dele.
Kazuo riu, sem nem imaginar que do outro lado da tela, a garota havia ficado envergonhada e com o rosto vermelho apenas por mandar aquilo.
“Boa noite, a gente se vê amanhã.”
Ele pôs o telefone em cima da mesa, então olhou em volta.
Quando virou a cabeça na direção de Sachie, finalmente percebeu que a garota havia cedido ao sono. Ela dormia sentada, com as costas apoiadas no guarda-roupa e a cabeça abaixada, fazendo o cabelo cair sobre o rosto.
Você ficou me esperando terminar…
O rapaz se levantou e deu poucos passos até Sachie, então segurou seus ombros, deitando-a no travesseiro.
— Eu… dormi… né…? — Ela se mexeu um pouco, mas continuou dormindo.
Após apagar a luz, Kazuo caminhou e se deitou no futon, então olhou para Sachie. Ela estava de costas para ele, com o rosto virado para o outro lado, assim, o rapaz também se virou, olhando a mesa.
Finalmente… eu só estava querendo dormir… Amanhã eu vou voltar pra casa, e tentar seguir as férias sem me meter em outro problema. Mas ainda tenho algumas coisas pra pensar, como aquilo que a Sachie disse sobre ir ver ele na prisão.
Eu não sei o que vai acontecer daqui pra frente, gostaria que capturassem esse assassino logo. Eu tenho que parar de ficar pensando, desse jeito não vou conseguir dormir.
Kazuo fechou os olhos, respirando fundo para dispersar os pensamentos. Após alguns segundos, o rapaz conseguiu relaxar um pouco, porém, algo desconcentrou sua mente.
Ele sentiu algo quente e macio passando por suas costelas, e então envolvendo sua barriga suavemente.
Olhando para baixo, Kazuo viu que era o braço de Sachie, abraçando-o, e nesse mesmo momento, ele sentiu a presença da jovem nas suas costas.
Essa garota…
Ele deu um sorriso, satisfeito com algo, então fechou os olhos novamente, pronto para dormir.
…
Hiroshi abriu a porta, entrando em seu escritório com um grande copo bege em mãos. Ele bebeu um pouco do café preto, sentindo seu amargor na boca e o calor descendo a garganta, assim, caminhou até sua mesa.
O delegado olhou para a folha em cima do móvel, clareada pela luz amarela da pequena luminária.
Eu não estou entendendo esse caso… Os homens encontraram um líquido roxo em um frasco há alguns dias, em uma estrutura quase fora da cidade. Isso seria uma nova substância ilícita?
Bom, esse líquido foi mandado pro laboratório de análise, mas os pesquisadores já me adiantaram que isso não é nada já registrado antes. O que poderia ser isso…?
Hiroshi bebeu mais um pouco do café, sentindo a cabeça voltar a doer.
Vou dar um tempo e ligar pro Sato.
Ele pôs o copo em cima da mesa, então pegou o telefone no bolso da calça. Após apertar em “Sato”, ele levou o aparelho até o ouvido.
Se passaram alguns segundos, e ninguém respondeu. Pensando que o outro delegado não atenderia, Hiroshi desceu o celular, porém…
— O que…? Hiroshi? — A voz sonora e viril de Sato soou confusa na linha.
O delegado levou o telefone até seu ouvido novamente, se sentando na poltrona.
— Como vai, Sato? Tem andado muito ocupado?
— Hiroshi, você não faz ideia. Aqui está uma bagunça. — O homem por trás da ligação falava com uma voz apressada.
Hiroshi ouviu vários ruídos de fundo, além do som do caminhar de alguém.
— Parece que eu liguei em uma hora ruim. O que aconteceu?
— Você não vai acreditar… Eu estou desde cedo resolvendo um incidente que aconteceu umas duas horas da tarde. Alguns dos meus homens estão se preparando pra sair de novo.
— Mas que incidente foi esse?
— Espera.
Sato parou de falar, e durante alguns segundos, só pôde ser ouvida uma conversa de fundo.
— Voltei. Bem, tem uma empresa muito conhecida a vários quarteirões daqui da delegacia, e parece que aconteceu um atentado lá.
— Como é?!
Tokyo está tão ruim assim?
— Houveram algumas vítimas, e outros saíram feridos. Os criminosos estavam com armas e explosivos, mas eles não mexeram no cofre da empresa. Nós fomos pra lá o mais rápido possível, mas eles já haviam conseguido fugir.
— Que droga… então eles mataram e só fugiram?
— Sim, eles fugiram, mas isso não vai ficar assim. Nós rastreamos a direção em que eles foram. A equipe que está sendo mandada agora será pra trocar o turno de rastreamento. Se conseguirmos encontrar eles, amanhã será enviado um esquadrão pra capturá-los.
— Esse não é um trabalho fácil, não é, Sato?
— Nem me fale. E qual é o caso que está dando problema aí?
— É sobre um serial killer chamado Stabo. Ele já matou muitas pessoas, mas está sendo muito difícil pegá-lo. Ele fica assinando esse nome sempre que faz uma vítima, e no momento em que mais tivemos chance de capturá-lo, os homens disseram que ele estava usando uma máscara branca.
— Uma máscara branca…?
— Sim, estranho, não é?
— As testemunhas de hoje falaram que os criminosos estavam usando máscaras brancas, com feições distorcidas.
— O que…? — Hiroshi se inclinou para frente, arqueando as sobrancelhas. — C-Como… isso pode…? — Ele estava incrédulo, tentando assimilar as informações.
— Será que… são…? — Desconfiado, Sato também perguntou. — Droga… eu preciso ir agora. Amanhã eu vou conversar com o dono da empresa, então vou ficar ocupado por um tempo.
— Tudo bem… Quando der, nós conversamos sobre isso.
— Ok, até mais, Hiroshi.
— Até, Sato.
O delegado desligou, colocando o celular em cima da mesa. Sua expressão estava perplexa.
Que droga é essa?! Existem mais desses mascarados, e em Tokyo?!
O que é esse Stabo…? Eu achei que estava apenas lidando com um serial killer difícil de se achar… mas, isso está tomando proporções maiores, revelando afetar outra cidade.
Então… parece haver assassinos mascarados em Tokyo, e não apenas o Stabo aqui.
Hiroshi olhou para o seu quadro de pistas na parede à esquerda. Ele observou com desilusão as informações contidas ali.
Que droga… está acontecendo?