O Retorno de Grob - Conto
Já era dezembro e, mesmo que nenhuma nevasca tenha caído, o frio do início do inverno já bastava para espantar qualquer um de Sutton Alpine para dentro de sua aquecida e aconchegante casa.
Bom, na verdade tinha uma exceção, a fazenda Elvas. E havia três pequenos motivos, que se chamavam Denis, Lisa e Fábio.
— Não se sujem muito! — disse em vão Lúcio quando os liberou para brincar do lado de fora, mas sempre valia a tentativa.
— Tá! — responderam alegremente os três ao saírem correndo pela porta de casa.
Lúcio cuidava da fazenda de Elvas que ficava vazia nessa época do ano. Sua companhia acabava sendo estes três irmãos, que vinham para passar as férias de inverno com seu tio.
Fazê-los gastarem energia os deixando livres para brincar durante o dia, era a principal tática de Lúcio. Afinal, a forma mais fácil de lidar com crianças na hora de descansar, é com elas descarregadas.
— Quem chegar por último é a mulher do padreeeee! — desafiou Lisa enquanto corria até o cercado.
Com tal desafio lançado contra a honra dos outros dois, Denis e Fábio se entreolharam e correram como dois gatos, ultrapassando Lisa no último segundo.
— A-há, você que é a mulher do padre! — falaram os dois irmãos enquanto ofegavam.
— Kakaká, vocês estão todos vermelhos! — riu Lisa.
Enquanto os dois se recuperavam, Fábio observou tio Lúcio dando a volta na casa e entrando no porão.
— Ei… Lisinha. Você sabe por que o tio Lúcio sempre vai praquele porão quando saímos pra brincar?
Denis levantou os olhos e viu de relance a porta do porão se fechar.
— Sei lá, ele é todo esquisitão, deve ir lá fazer bizarrices — Lisa respondeu enquanto pensava no tio Lúcio.
— Hey, não fala assim do tio Lúcio, ele é muito legal! — contradisse Denis — é errado falar algo pelas costas de alguém.
— Ué, mas eu tô falando sério, Dedé! — defendeu-se Lisa. — Tu viu a cara de espanto que ele fez quando a gente perguntou o que tem lá? Ficou dizendo, “Não entrem lá, bibibi bóbóbó”
— Hmm… eu acho que ele está escondendo alguma coisa mesmo… — comentou Fábio.
Uma dúvida cruel demais para crianças pequenas demais.
As três crianças se encararam.
Lisa sorriu e sussurrou: — E se a gente for lá escondido e der uma espiada?
— Ele brigaria com a gente! — protestou Denis.
Enquanto a discussão acontecia, a porta do porão se abriu, Lúcio saiu de lá, acenou para as crianças e entrou para dentro de casa.
Vendo a oportunidade que surgiu, Lisa se virou para Fábio e desafiou: — Se você for homem mesm…
Antes que o desafio terminasse, Fábio estufou o peito e declarou: — Eu vou lá!
Lisa riu da marcha desengonçada de Fábio e seguiu logo atrás.
— Esperem, e se o tio Lúcio voltar? Ah… tanto faz… — suspirou Denis, desistindo de argumentar.
No fim, acabou indo logo atrás dos dois.
Fábio tentou puxar a porta apenas para fracassar, pois era consideravelmente pesada.
— Hey, preciso de ajuda aqui! Venham logo!
Denis atendeu ao chamado e foi ao lado de seu irmão, enquanto Lisa ficou observando ao lado apenas dando palpites inúteis na forma que os dois puxavam.
Com a porta aberta, os três entraram sorrateiramente para o porão, descendo as escadas congeladas enquanto a emoção do desconhecido aumentava.
Lá embaixo abriram uma outra porta, dessa vez mais leve, e se depararam com um cômodo aquecido e escuro.
— Que escuro… — comentou Denis.
— Dãã! — zombou Lisa.
— Acende aí! Cadê a lâmpada? — indagou Fábio.
Denis tateou a parede e encontrou um interruptor duro. Depois de pressioná-lo, uma luz alaranjada revelou o cômodo.
Empoeirado. Talvez essa seja a palavra que melhor descrevesse o estado do porão.
Bagunçado também cairia bem, já que havia vários caixotes por todo o lado, estantes e mesas estavam lotadas com bugigangas empoeiradas.
Lisa coçou o nariz.
Fábio entrou mais a fundo no cômodo, varrendo os olhos nas estantes enquanto procurava algo que suprisse sua curiosidade.
— O que será que o tio Lúcio anda fazendo aqui, ein? Será que ele tem algo escondido?
Depois que Fábio entrou, Lisa tomou a frente e começou a explorar o local. Denis decidiu ficar perto da porta, olhando de longe.
Depois de cansar de fuçar em algumas caixas, Fábio decidiu olhar melhor o porão.
As paredes e o chão eram todos feitas em pedra e fora o que já tinha visto anteriormente, não havia nada de especial nesse lugar. Voltando-se para Denis, Fábio disse:
— É… Acho que não tem nada por… — Parou de falar ao notar um objeto suspeito que estava coberto por de trás da porta. — Ei! o que é isso aí!? — exclamou enquanto apontava.
A atenção de todos os outros se voltaram para onde Fábio escandalosamente apontou.
Denis saiu de trás da porta, tirou o trapo vermelho que estava por cobrindo o objeto.
— Hmm, parece uma gaiola… mas que estranho, o tio Lúcio cuida de um passarinho? — disse Denis enquanto cuidadosamente tocava no objeto.
— Deixa de ser besta, Dedé! Desde quando se cria passarinho no porão? — criticou Lisa enquanto se aproximava — Me deixa ver isso aqui…
Lisa, saiu tateando o objeto e enfiando os dedos nas saliências, buscando por alguma tranca. Embora criticasse Denis, concordava que aquilo parecia uma gaiola. Se fosse mesmo uma gaiola, deveria ter alguma abertura.
Enquanto Fábio se aproximava dos dois coçando a cabeça, Lisa encontrou uma trava na parte de cima da gaiola.
— Achei! — apertou com toda ousadia que possuia.
Um som alto de Creck veio da gaiola. A lâmpada amarela falhou algumas vezes.
As três crianças congelaram no lugar onde estavam, pois, uma fumaça verde escura surgiu de dentro da gaiola e se comprimiu numa forma de um serzinho.
O serzinho deu um tremelique e olhou para Lisa que estava logo a sua frente.
Lisa deu um pulo para trás enquanto as três crianças arregalaram os olhos, pois o serzinho começou a se mexer.
— Hehehe… — Uma risada aguda saiu da boca do serzinho. — Tá na hora de brincar!
A gaiola começou a vibrar violentamente.
— Eita!
Foi a única coisa que deu tempo de Lisa falar antes da gaiola se desmontar por inteira.
Um calafrio subiu a espinha de todos.
— Aháá! Obrigado! Obrigado, obrigado, obrigado… — repetiu incessantemente enquanto pulava e girava.
— Quem é você? — disparou Fábio.
— Eu? Eu, eu, eu? Não importa! Não importa! Estou livre!
O serzinho começou a correr. Pulou em cima das caixas, derrubou as bugigangas que estavam nas prateleiras. O surpreendente, era que a cada vez que quebrava algo, crescia levemente em tamanho.
No meio da correria, agarrou uma vareta transparente com uma base de madeira escura.
— Ei! seu bocó! Para de bagunçar o porão do tio Lúcio! — gritou Lisa.
— Lúcio? Grrrr! Grob odeia ele! — rosnou a criaturinha — Nunca mais deixar Grob preso, nunca mais!
E então, Grob, desapareceu em uma fumaça verde, e reapareceu, com um som de flash de uma câmera antiga, no alto de uma pilha de caixas, levantou a haste transparente e a jogou violentamente no chão.
A parte transparente se esmigalhou em vários pedaços que voaram por toda parte. A base de madeira rolou para de baixo de uma mesa.
Um dos pedaços acertou o rosto de Denis.
Lisa, vendo que seu irmão parecia ter se machucado, se irritou.
— Seu desgraçado! Ninguém machuca meu irmão! — arremessou a gaiola em Grob, mas com sua força limitada, tudo que conseguiu foi levar o objeto até metade do caminho.
— Tá tudo bem, Lisinha… eu não me machuquei — disse Denis enquanto passava a mão no rosto.
— Hehehe, agora que Grob tá livre, Grob vai fazer o que quiser, hehehehe — disse antes de sumir novamente.
— Ele sumiu? Cadê ele? — disse Fábio.
— O que acabou de acontecer? — falou Lisa enquanto perdia as forças e caia sentada.
Enquanto Denis ajudava Lisa a se levantar, todos ouviram um barulho de porta rangendo e passos apressados vindo das escadas.
— Crianças? Crianças? — repetia uma voz conhecida.
— Tio Lúcio!
As crianças se jogaram nele quando ele apareceu na porta do porão.
— Estava preocupado por que não vi vocês lá fora… o que estão fazendo aqui, e que bagunça é essa?
Logo depois do fim da pergunta de Lúcio, as crianças o inundaram com suas próprias versões do ocorrido.
No meio das informações confusas, Lúcio mais ou menos entendeu o que tinha acontecido. As crianças notaram o rosto do tio ficando cada vez mais sério.
Em silêncio, Lúcio foi direto para a gaiola para confirmar a situação. Depois se virou e foi para uma das prateleiras e começou fuçar, procurando por algo enquanto murmurava.
— Se Grob escapou, então… aahm… cadê aquilo lá…
Interessadas na situação, as crianças não aguentaram esperar o seu tio sair do mundinho das ideias e uma atrás da outra, começaram a fazer perguntas.
— Tio Lúcio, o que era aquela coisa verde esquisita?
— Tio Lúcio, por que aquele bicho tava no seu porão?
— Tio Lúcio, eu tô com fome!
— Calma, calma — respondeu Lúcio — aquele é Grob, o voraz. Ele não parece um perigo por agora, mas quanto mais coisas ele destruir pior ele fica.
As crianças escutavam em silencio enquanto Lúcio continuava a explicar e procurar algo entre os objetos que estavam espalhados pelo chão.
— A história de como ele veio parar no porão é muito longa… o que importa agora é que não podemos deixar ele solto.
Enquanto terminava a sua fala, encontrou a base de madeira com um caco presa em uma das extremidades.
Lúcio suspirou enquanto balançava a cabeça, e colocou o objeto em cima de uma mesa.
— Infelizmente, não poderemos prender ele novamente… vou precisar da ajuda de vocês três!
As três crianças se entreolharam.
— Então a gente vai bater no gnomo esquisito? — perguntou Fábio com antecipação.
— Mais ou menos por aí, Fabinho… Grob quebrou o artefato que utilizei para o prender na Gaiola de Gebados. Então, teremos que tentar um meio mais direto.
Lúcio foi numa caixa que estava ao lado de onde as crianças encontraram a gaiola, e de lá retirou três luvas coloridas sem pares.
— Não temos tempo, coloquem essas luvas. Se vocês imaginarem algo saindo das luvas, elas vão reagir e produzir seus efeitos.
Denis coçava a cabeça enquanto Lisa agitava a mão e perguntava: — Tio Lúcio! Eu não entendi nada! É pra fazer assim?
Fábio olhou para o dedo indicador direito e pensou “imaginar os efeitos?”. Então, esticou o dedo para frente e pensou no seu jogo mobile de tiro favorito. Um feixe luminoso saiu da ponta do seu dedo.
Os olhos de Lisa e Denis brilharam com emoção.
— Ohhhh! Que legal!
— Não desperdicem as cargas! Me escutem.
Os três levantaram as orelhas.
— Vocês ficarão escondidos e, quando eu sinalizar, irão repetir o que o Fabinho fez, entenderam?
— Certo! — disseram ao mesmo tempo.
— Pode confiar na gente tio Lúcio — disse Fábio corajosamente.
— Mas é você tio, o que vai fazer? — perguntou Lisa.
— Eu irei chamar a atenção de Grob! Certamente ele vai focar em mim.
— Mas isso vai ser perigoso? — murmurou Denis.
— Vai ficar tudo bem, Dedé. Obrigado pela preocupação.
Lúcio agarrou o trapo vermelho e correu na frente. As três crianças saíram do porão logo depois.
Um rastro de destruição se seguia da fazenda até a floresta.
Conforme seguiam o rastro, iam percebendo que a destruição ficava cada vez maior.
Denis comentou enquanto observava: — Que problemão… nem parece que uma coisinha tão pequena poderia fazer tanto estrago… parece até que passou um boi desgovernado por aqui.
— Vocês perceberam ele crescendo quando tava lá embaixo, destruindo as coisas? — lembrava Lisa — o quanto será que ele pode crescer?
Essa simples pergunta fez as crianças engolirem seco.
Ao chegarem perto da floresta, ouviam barulhos altos de galhos se quebrando e árvores balançando, mas não viam nada.
— Ele tá perto… será que o tio Lúcio demora? — disse Denis.
— A gente faz o quê agora, se esconde? — sussurrou Lisa.
Um crescente tremor de terra foi sentido pelos três.
— Ele tá voltando! Se esconde ali, rápido — apressou Fábio.
Os três foram para trás de uma árvore larga, enquanto olhavam pelos lados procurando por onde viria Grob.
Não demorou até que um monstro enorme apareceu entre as árvores. O monstro era coberto por um pelo verde e tinha dois chifres curvados para trás.
— Não tem nada lá… onde Grob está?
As crianças permaneceram quietas enquanto observavam o monstro agir. Até que uma voz conhecida cortou o ar.
— Hey! Coisa feia! — gritou Lúcio que apareceu por onde as crianças vieram.
Ele estava vestido com o trapo vermelho do porão e com a base de madeira escura que o Grob havia quebrado.
— Você! — grunhiu Grob e se virou para Lúcio. — O que vai fazer com esse toco ridículo? — zombou.
— Te prender novamente! — Lúcio estendeu a base na direção de Grob.
A base de madeira nas mãos de Lúcio brilhou. Pequenos feixes saíram sem direção da ponta transparente quebrada.
— Hahaha! — riu Grob satisfeito — agora é a minha vez.
A figura de Grob ficou escura, e então um pedaço de sua sombra saiu do chão, e voou em direção ao peito de Lúcio, que não conseguiu se desviar a tempo.
Lúcio colocou a mão no peito e caiu ajoelhado no chão, largando a base de madeira.
— Tio Lúcio!!! — As três crianças saíram de trás da árvore, mas ficaram paradas sem saber o que fazer.
— Hahaha! Vejam só, os meus libertadores — Grob que estava se aproximando de Lúcio, se vira e vê as crianças — mas sem aquela chave maldita, vocês não podem fazer nada.
Grob virou de costas para as crianças e as ignorou.
— Você mudou Lúcio, antes, era um mago forte e solitário. Agora, não passa de uma babá.
— coff coff… e felizmente… você ainda é o mesmo… — Lúcio juntou o resto de ar em seus pulmões e gritou — AGORA!
Dedé, Lisinha e Fabinho estenderam as mãos, e suas luvas começaram a brilhar em várias cores. Lisa gritou.
— Isso é por você machucar o Dedé e o tio Lúcio!
Então, um feixe largo e colorido saiu das mãos das três crianças.
Para Grob, só deu tempo de se virar e olhar um enorme clarão que ocupou toda sua visão.
A luz atravessou o corpo do monstro como se não fosse nada. O corpo verde começou a se desfazer em uma neblina escura e se dispersou.
As três crianças perderam as forças e caíram sentadas no chão gelado. Enquanto isso, Lúcio se levantou e foi até as três e as parabenizou.
— Muito bem… crianças…
— Tio Lúcio… — perguntou Denis com uma voz chorosa — você está bem?
— Não se preocupem… esse robe me protegeu bem… vamos para casa por hora.
Vendo que seu tio estava aparentemente melhor do que pensavam, voltaram a inundar Lúcio com perguntas.
— Que bom, Tio Lúcio! Tio Lúcio, o que foi tudo isso? — perguntou Fábio com curiosidade.
— Tio Lúcio, você é um magro? — indagou Denis enquanto puxada o robe do tio.
— Tio Lúcio, eu tô com frio… — resmungou Lisa enquanto apontava para casa — vamos pra casa!
Lúcio sorriu em seu coração com a despreocupação das crianças, que ainda não entendiam o nível do perigo que correram. Felizmente, tudo tinha acabado bem.
— Certo, certo… vamos para casa, vou fazer um chocolate quente para vocês — falou docemente.
— Ebaa!! — comemoram as crianças.
E assim, os quatro voltaram para casa enquanto discutiam o que havia acontecido. Certamente, aquele dia ficaria gravado na memória das três crianças.