Pacto com a Súcubo - Capítulo 123
Kath estava no último andar do prédio.
Por toda propriedade havia inúmeras micro câmeras de segurança escondidas que transmitiam as imagens por uma conexão protegida de internet via satélite. A garota acompanhava os acontecimentos, assistindo tudo pelo celular.
Ela acreditara que o mago, junto dos seguranças, dariam conta, mas se enganou. Começou a ter dúvidas se o vampiro venceria.
Mas uma boa notícia: o garoto foi o único que conseguiu entrar. As paredes e portas são seladas com magia, então ele não receberá ajuda. E ela sabia exatamente como derrotá-lo. Sempre se orgulhou de ser a mais esperta. De estar sempre preparada.
E, do lado de fora, aquelas garotas seriam derrotadas pelo gato-monstro, sem sombra de dúvidas. Afinal, bakenekos são criaturas extremamente poderosas, embora estejam quase extintas.
Ela estalou a língua, irritada com a petulância daqueles invasores. Já imaginava que tipo de torturas faria com Renato.
“Talvez eu ordene que o bakeneko deixe, pelo menos, uma das garotas vivas, para eu matar na frente dele” pensou, com um sorriso.
Mas algo a incomodou. De novo aquela sensação estranha de estar sendo observada. Era como se uma presença sinistra estivesse no quarto junto com ela. Dava frio na espinha. Era a primeira vez que a garota sentia esse tipo de coisa, e ela não gostava nem um pouco!
“Morte.” Um sussurro soprou em seu ouvido. Suave como a brisa. E o frio fez sua respiração sair branca como névoa.
Instintivamente, olhou na direção do sussurro, e viu o reflexo distorcido de um vulto negro.
Tomou um susto quando o espelho na parede explodiu e os vários pedaços caíram sobre sua cama e o chão.
Viu seu reflexo nos cacos, como se ela mesma estivesse em pedaços, separada como peças de um quebra cabeça.
Não reconheceu a expressão que tinha. Aquilo não podia ser medo. Ela não sentia essas coisas. Não como as outras pessoas sentiam. Sorriu, daquele jeito de sempre, como ensaiou a vida inteira. A primeira vez que pôs um sorriso falso na boca ainda era criança, treinando na frente do espelho. Percebera desde muito cedo que as pessoas confiavam mais nela quando sorria. Então, ela tinha muita prática nisso.
Pegou um dos cacos, para olhar seu sorriso mais de perto, porém, ao segurar o pequeno pedaço de vidro, furou a ponta do dedo, e uma gotinha de sangue escorreu.
Sua respiração ficou mais pesada. Uma pontada de raiva tinha atravessado seu coração.
“Tem alguma coisa aqui.”
— Essa coisa tá brincando comigo há dias…
Precisava de um oráculo, mas nunca foi boa com essas coisas. Mesmo assim, ela tinha que tentar.
Se lembrou de uma antiga feiticeira que se comunicava com espíritos dessa forma.
Deu mais uma olhada na tela do celular, para se certificar que Renato ainda estava longe, e, dando de ombros, foi tentar se comunicar com o espírito que a estava assombrando. A distração de uma assombração era a última coisa que ela precisava no momento, então tinha que resolver isso logo.
Pegou um caquinho e aumentou o ferimento no dedo. O suficiente para derramar um pouco mais do que uma gota de sangue, mas pequeno o bastante para ela conseguir fechar aquilo com um curativo simples.
Sentou no chão e riscou seu sangue num dos azulejos do piso.
Espalhou bem o sangue. Fechou os olhos. E então:
— Quais são mesmo as palavras…? Droga de latim! Nuntius sanguinis… Loquere… spiritus!
Conforme dizia as palavras, a temperatura no quarto diminuía. O frio ficou mais intenso; e a garota chegou a tremer.
Abriu os olhos e olhou para o sangue no chão. E tinha mesmo uma palavra escrita, como se alguém tivesse passado um graveto naquele líquido viscoso, para formar a palavra “obrigado”.
Engoliu em seco.
“Obrigado pelo quê, merda?!” pensou.
Fechou os olhos novamente e mentalizou a pergunta. Quando os abriu, viu escrito: “por destruir a esperança que o Renato ainda tinha.”
Fechou os olhos e mentalizou: “Quem é você?”
E a resposta no sangue: “Por causa daquilo que você fez, ele está mais perto de se tornar aquilo que eu quero que ele se torne.”
“Não foi isso que eu te perguntei! Quem é você?”
“Obrigado. Você vai morrer. Seu sacrifício foi muito apreciado”
“Quem é você?”
Porém, não houve mais respostas no sangue.
E a presença no quarto se acalmou.
Irritada, Kath se levantou. Olhou novamente o celular, e viu que o garoto estava no elevador. O vampiro tinha sido derrotado, afinal.
Se espreguiçou e passou a língua nos lábios, como um lobo faminto prestes a comer um pedaço de carne.
*
O garoto entrou no elevador. Ele tinha ferimentos e arranhões por todo o corpo, e a poeira o cobria.
Tinha abandonado os sapatos, porque um deles foi destruído na explosão, e andar com apenas um não fazia sentido.
O ferimento na barriga ainda estava doendo. Mas o sangramento parou assim que ele usou fogo, dessa vez as chamas normais, para estancar.
“Vai deixar uma cicatriz” pensou. “Mais uma pra coleção.”
Olhou para o alto e sentiu a presença de Kath. Seus sentidos estavam mais apurados do que nunca! A magia corria por ele, e ele estava conseguindo controlá-la bem. Então soube exatamente onde encontrar aquela garota.
Apertou o botão, e o elevador começou a subir, em direção ao último andar.
É bem verdade que ele preferia ir de escadas, mas não tinha nenhuma. O elevador era a única opção.
E, após subir alguns andares, notou a gravidade mudando. Sentiu-se leve. Seus pés descolaram do piso metálico, como se ele estivesse levitando.
— Queda livre! — falou e, rapidamente, chutou o chão para ganhar impulso e saltou.
As sombras negras surgiram em suas costas, dando-lhe ainda mais impulso, e ele atravessou o teto, arrebentando a lataria, e segurou-se num dos cabos de aço.
Olhou para baixo e viu a cabine do elevador descendo rapidamente, despencando. E enquanto ouvia o metal tinindo, quase como se fosse um grito de lamento.
Até que bateu no chão, provocando um estrondo ensurdecedor. O prédio tremeu. A cabine se achatou e arrebentou a estrutura da parede lateral.
Os cabos de aços tremeram e vibraram, e Renato teve que se segurar firmemente, enquanto se balançava.
Olhou para o alto, sentindo a presença de Kath.
— Tô chegando.
*
Tâmara foi atingida. O golpe, desferido com a pata do bakeneko, a pegou em cheio, e ela foi arremessada até bater contra a barreira mágica que formava uma abóbada em volta da propriedade.
Foi como bater em fios elétricos. Seu corpo tremeu em espasmos, enquanto o choque corria por ela. O som foi alto, de eletricidade, e raios se projetaram para as laterais. A garota estava fritando.
Até que finalmente descolou da barreira e caiu no chão. De seu corpo, saía uma fumaça fedida, com odor de carne queimada.
Tâmara tentou se levantar, apoiando o peso do corpo nos braços. Seus músculos tremiam.
— Grr! — rosnou, com dentes cerrados, enquanto tentava se levantar. — V-vamos! Droga!
Sem forças, ela bateu a cara no chão. Era difícil até para respirar.
Clara pulou sobre o bakeneko, com espada em mãos.
O gato-monstro rugiu e direcionou sua pata para a súcubo, tentando atingi-la.
Mas Clara se tornou névoa, e tudo o que a pata da criatura atingiu foi o ar.
E a súcubo apareceu sobre o pescoço do monstro. Com a espada numa pegada invertida. Cravaria a lâmina na nuca do bicho.
Mas os pêlos da criatura se agitaram, e o ar vibrou. E uma onda de choque atingiu Clara, atordoando-a.
E o bakeneko saltou ao ar, feito um gato doméstico que salta para agarrar um passarinho desavisado, e, girando o corpo imenso, atingiu a pata em Clara.
A súcubo bateu contra o chão, e arrebentou o cimento, criando uma pequena cratera.
Mical, que estava ferida, respirando com dificuldade enquanto apoiava as costas no muro, disse:
— Jés, como vamos derrotar essa coisa? É forte demais.
A irmã mais velha franziu o cenho. Estava com raiva e tinha o olhar de um predador. Aquela criatura machucou sua irmãzinha.
— Vou dar um jeito! Pode apostar!