Perseguidos Pelo Tempo - Capítulo 39
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— Mais que porra! — esmurrando uma parede, Kitsu gritava em raiva. — Já estou ficando de saco cheio desse cara! Não importa pra onde vamos ele sempre está um passo à frente!
Encostado em uma parede, olhava ao redor do beco em que nos encontrávamos. Kitsu já estava em seu limite com tudo o que estava acontecendo e não o culpava, se estivesse em seu lugar estaria queimando em raiva também. Mas ao contrário do homem raposa, estava guardando tudo para o dia em que eu mesmo cortaria a cabeça do deus do tempo.
— Guarde um pouco dessa raiva pras tropas do lorde, não queremos facilitar a vida daquele desgraçado. — Consigo ouvir seu suspiro e continuo a olhar para fora do beco.
— Devemos continuar com o mesmo plano? Quando um deus está na jogada não deveríamos recuar? — Escutando aquilo, por puro reflexo dou um tapa forte na nuca de Kitsu.
— O que raios você tá falando? Nem parece o Kitsu que conheço, vamos resolver esse problema do lorde primeiro, em seguida vamos para capital. O plano vai continuar o mesmo. — A raposa esfrega a parte de trás do pescoço e parece ter voltado a si.
— Ah, que merda. Ficar parado no mesmo lugar por tanto tempo me deixou meio mole, né? Hahaha! — Esticando os braços para cima e voltando a sua pose relaxada, falou: — Vamos começar logo, acho que esmagar a cabeça de alguns fantoches de Mists vai me acalmar.
— É assim que se fala, hahaha!
Mesmo que nós dois estivéssemos preocupados, não deixariamos isso mudar o fato de que lutaremos com tudo. Então para que tudo desse certo, deveríamos realizar todas as etapas do plano com perfeição. E agora, era o meu dever emprestar a minha força a todos.
Já que não queríamos desperdiçar nem um segundo sequer do tempo de feitiço, fomos todos dormir. Executar esse plano tarde da noite não era apropriado, além de que nossos soldados estariam bem mais dispostos de manhã do que nesse horário.
A adrenalina e a raiva que sentia não me deixava dormir tranquilamente, a cena do espelho continuava se repetindo em minha cabeça me deixando pensativo.
“Nada, não havia nada…”
Ron Ronc!
De repente, interrompendo qualquer linha de raciocínio minha, escuto o ronco de Appu e Daisuke que dormiam um do lado do outro. — Pare de pensar em besteiras, é por eles que você está lutando.
Escutando passos calmos, vejo Emi se aproximando. — Falando sozinho de novo?
— É… sabe, ando meio preocupado com Appu. Essa vida, nossa vida, uma criança não deveria viver como um fugitiva, ela deveria crescer, aprender a ler e até brincar com outras crianças!
— Appu não é igual as outras crianças, ela é mais forte e esperta. Só que já sofreu muito mais que vários adultos. — A elfa se senta ao meu lado, próxima ao ponto de sentir o teu calor. — Me parte o coração ter que acalmá-la quando acorda tendo um pesadelo…
— Ela te vê como uma mãe e confia em você mais do que qualquer um nesse mundo. — Sem perceber, comecei a admirar os cabelos brancos de Emi, sua pele e seus olhos que refletiam o fogo intenso da fogueira.
— Ela também te vê como um… pai, você protege ela mais do que ninguém, você protege a todos nós…
Uma estranha euforia tomou meu corpo, enquanto admirava Emi, como se todos ao meu redor estivessem sumindo. Um desejo forte de me aproximar dela ficava cada vez mais intenso e chegou no ponto em que conseguia sentir o calor de seus lábios. Eram doces, macios e frágeis. Naquele segundo eu tinha me esquecido de tudo e todos.
A segurei pela cintura, forte, continuando a beijá-la e antes que as coisas saíssem do controle, nós dois escutamos o estalar de um galho. Um tanto assustados, olhamos em direção ao barulho e vemos Nozomi, carregando lenha até a próxima fogueira. A semi-humana saiu rapidamente e o rosto de Emi ficou vermelho como um pimentão.
A soltei quando percebi o que tinha feito, meu rosto ficou vermelho igual ao dela e não sabia exatamente o que falar. — Acho que…
— Devemos dormir, amanhã teremos um longo dia…
— Sim, exatamente…
Ninguém conseguiu dormir naquela noite, além de Daisuke e Appu. Kitsu permaneceu na fronteira, observando detalhadamente qualquer movimento que o lorde pudesse fazer. Nozomi permaneceu deitada e pensativa, como Emi deitada ao lado de Appu.
E o único portador do acampamento, eu, não conseguia parar de observar as estrelas, pensando o que deveria fazer de agora em diante.
O dia chegou mais rápido do que o esperado e sem demora, os murmúrios do povo acordando ficou cada vez mais alto. Todos do grupo começaram os preparativos novamente para o grande feitiço e sem demora, estava tudo pronto. Reunimos todos os nossos soldados na praça central e todo grupo, incluindo os anciões novamente, estavam ao lado do grande sino.
— Como no dia anterior, vamos continuar com o ritual, espero a colaboração de todos. — Nozomi, com sua lança, deu o sinal para Kitsu que, novamente, empunhava o seu cajado. Quando ele direcionou o seu olhar para mim, confirmei com a cabeça e me aproximei.
— Kazuhiro, use sua arma para cortar os pulsos e derrame o seu sangue no meu cajado.
Kitsu esticou seu cajado em meu peito e como ordenado, usei Mjonir para cortar um dos meus pulsos e sem dificuldade, o sangue começa a jorrar em cima do cajado. Então o mago raposa olha para o seu livro de feitiços e grita inúmeras palavras em uma língua diferente.
A bola esverdeada de seu cajado, ao toque da primeira gota de sangue, se torna vermelho como a lava e todos os sinais de círculos mágicos espalhados pela cidade brilham na mesma cor internamente.
E assim, uma marca surge na testa de todos os soldados e da população da cidade. Foi tão rápido que eu mesmo achei que tinha acabado, entretanto estava apenas começando.
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Alguns minutos antes de começarmos o ritual, no acampamento do lorde. Havia um homem que tinha os passos mais pesados, sua própria presença tinha uma aura estranha. Ele usava uma armadura brilhante e magnífica, com detalhes em ouro e safira, só que nada se comparava ao tamanho do seu egoísmo.
Os cabelos longos e brancos da entidade voavam de um lado para o outro com o vento de uma possível tempestade. As próprias nuvens fizeram que adentrasse em uma das barracas, a mais gloriosa e grande de todas.
Sentou-se em sua refinada cadeira e com um tom entediado bocejou: — Uaah! Essa é a pior parte, ter que esperar aqueles desgraçados fazerem alguma coisa me deixa mais que entediado.
Tlec!
Ao estalar de seus dedos, uma jovem apareceu com uma taça de vinho em mãos. A mulher mostrou um claro incômodo em ficar perto do grande homem e das outras entidades que também estavam na tenda militar. Suas próprias roupas entregavam que era uma serva, só que seus olhos diziam que ela tinha um potencial maior.
Após terminar de servir o líquido roxo, mas com uma cor mais escura que o carvão, permaneceu em silêncio ao lado da cadeira. Uma das entidades se prostra rapidamente e se coloca aos pés do poderoso homem.
— Meu lorde, porque o senhor insiste em esperar! Deixar aqueles miseráveis respirarem por mais um dia não seria nada além de um pecado? Devemos exterminá-los por completo antes que cogitem fugir! — O rapaz parecia ansioso, não, sedento pela batalha que estava por vir.
Seus olhos vermelhos ardiam em chamas de cor sangue, seus dedos batiam na sua perna ajoelhada querendo perfurar a carne de tanta empolgação. — Você está me subestimando, garoto? Acha que sou um pecador?! Um homem ungido pelo próprio sacerdote!
A empolgação se transformou então em um medo agoniante, o grande lorde liberou um pouco do seu poder e foi o suficiente para que o chão em volta da barraca começasse a tremer e o rapaz escorresse lágrimas de agonia.
As outras duas entidades permaneceram imóveis.
— Se-senhor! Me perdoe pelo meu pecado! Deixei com que minha luxúria falasse por mim, me desculpe! — Agora com a cabeça em chão, o lorde deixou escapar um sorriso e assim, cessou seu intenso poder.
— Ah, não se preocupe meu jovem, reconheço que a juventude de hoje tende a querer as coisas rápido demais. Só que estamos caçando ratos e um deles é bem grande, então um pouco de cuidado não vai nos fazer mal.
— Então o que o senhor pretende fa-fazer? — Sua cabeça já estava erguida.
— Entenda, ratos continuam sendo ratos, grandes ou pequenos, sua natureza é apenas fugir do perigo. A chuva de flechas deve ter sido mais que o suficiente para que o desgraçado tenha se borrado de medo. Vamos apenas esperar e depois caçar um por um, aposto que vai ser divertido! HAHAHA!
O rosto da serva expressava nojo, aquela cena era ridícula, eles falavam em um genocidio em massa como se fosse uma brincadeira ou uma caça aos porcos. Só que mesmo assim, as duas outras entidades permaneciam quietas, pelo menos só até o lorde terminar de falar.
— Se é assim, permita que nós dois nos preparemos para a caça. — Andando somente pelas sombras, uma mulher, uma entidade, diz ao lorde. Sua aparência era excêntrica, suas roupas eram estranhas, havia algo diferente naquela mulher. E seu companheiro que a seguia não ficava para trás, ele era medonho.
— Você também pode se retirar garoto, vá se preparar e me deixe a sós.
— Sim, meu lorde.
O rapaz saiu rapidamente e o lorde ordenou que fechassem a entrada da tenda, deixando apenas a serva e ele sozinhos.
— Acho que ta-tabém devo me retirar, se-senhor… — A mulher tentou escapar rapidamente, entretanto o homem a segurou pelo braço.
— Ah, minha querida, por que não ficamos sozinhos juntos? — Os olhos do grande homem escondiam garras que queria ferir a pobre serva.
— Ma-mas senhor, não seria melhor chamar uma concubina? Meu corpo não é apropriado para servir o senhor! — Era uma mulher forte e bastante alta, não chegava perto do lorde, mas ainda sim era diferente, quase uma amazona.
— Não se preocupe, eu também gosto de mulheres fortes… — Ele a puxou com mais força para perto e encarou os olhos cheios de desespero. Ela não podia resistir, então tinha que aceitar aquela barbaridade.
Grrrrrr! AAAAAAAAH!
Entretanto, antes mesmo do grande e poderoso lorde encostar em seu rosto, algo o fez recuar por completo. Um som, um grito de agonia mais intenso do que qualquer um que havia escutado em toda a sua vida.
Sem repudiar, jogou a mulher sua serva no chão e foi para o lado de fora.
— Senhor! Meu lorde! — Um dos guardas do lado de fora se ajoelha na presença do homem.
— Me informe a situação, agora! — ordenou o lorde.
— É a cidade, senhor! De repente um intenso grito de dor começou a ecoar da cidade meu lorde! Dá para escutar a quilômetros de distância!