Ponto de Encontro: Poeira de Outros Mundos - Capítulo Único
Ponto de Encontro: Poeira de Outros Mundos.
A escuridão cobria tudo à minha volta, meus pés afundavam na areia negra fazendo meus passos serem lentos e pesados.
Nós caminhávamos por aquele deserto seco, desviando das plantas venenosas e das pedras pontudas. Enquanto mais nos aproximávamos do nosso destino, mais o cheiro de cadáver aumentava.
E por falar no cheiro, o ar rarefeito dificultava minha respiração e me fazia sentir cansado e sem forças. O odor horrível dos mortos que foram incinerados pairava no ar.
— Fronti, falta muito pro Ponto de Encontro? — perguntou meu irmão caçula.
O garoto era pequeno, antes tinha bastante energia, mas agora, depois de duas semanas nesse inferno, ele parecia sempre cansado e sonolento.
— Lin, já falamos sobre isso, perdemos o nosso mapa naquela maldita chuva de energia. Até onde sabemos, já era para termos chegado em nosso destino.
Meu pai é um homem de pouca paciência, ainda mais quando fica 100% do tempo com alguém que faz as mesmas perguntas toda hora.
Desanimado, o caçula começou a andar mais devagar. Nesse momento estava minha mãe na frente, eu e papai no meio e Lin no final da fila. Cada um seguia seu ritmo, mas sempre a mais ou menos a mesma distância.
Escutei um murmúrio vindo de trás, olhei para o meu pai e ele fez uma expressão de que havia ouvido também.
— Oi? Lin, o que tu disse? Não deu pra escutar. — Nossas máscaras que nos protegem da poeira sempre dificultam a comunicação.
— Eu acho que… Pés… Afundando… — Foi o que deu para escutar, meu pai corre em sua direção, provavelmente deve ter entendido mais do que eu.
Quis ficar, então me sento em uma das únicas pedras que não furaríam minha bunda. Olhei para o chão e tentei me concentrar na minha respiração. Estava exausto.
Só percebi a situação quando mamãe passou correndo por mim. Olhei para Lin, ele é sugado, seu corpo está da cintura para baixo engolido pela areia. Me levanto de um salto.
Mamãe saca seu facão enquanto papai tenta impedir Lin de ser afundado. Ela esfaqueava seja lá o que foçe que estava puxando ele — que definitivamente não era poeira movediça.
A lâmina se suja de sangue e respinga em seu rosto, pelo que deduzo que é uma criatura. Finalmente papai consegue puxar o caçula. Fiquei realmente aliviado quando me aproximei deles.
Mas o que eu vi me aterrorizou: a barriga dele tinha um furo gigante, todos os órgãos que não foram triturados ameaçavam cair. Tripas, intestino, muito, muito sangue.
Fico com vontade de vomitar, tempo minha boca e não consigo desviar o olhar, é como se ele me puxasse de volta.
Papai continua segurando ele, paralizado, sem saber o que fazer.
Em um movimento instintivo, a mamãe o empurra desviando de um dos ataques da criatura.
O monstro parecia uma minhoca peluda do tamanho de uma pessoa, com espinhos em volta de seu corpo. Sua boca tinha várias fileiras de dentes afiados.
Aquilo saía da terra com facilidade e entrava novamente, como um golfinho na água, fazendo ataques atrás de ataques. Nós três começamos a correr com tudo o que restava das nossas forças.
Mais e mais minhocas-monstros saíram da terra, dez, vinte, trinta e o número aumentava. A maioria eram ainda maiores do que eu.
Olhei para trás de relance, tinha uma delas no ombro do meu pai e outra pequena em seu tornozelo. Escutei ele gritar.
Um raio-laser roxo desceu do céu em menos de um milisegundo, causando uma explosão quando chegou a terra. Caiu perto de mim e me fez cambalear.
Sinto meu ouvido estourando, embora não tenha certeza. Eu cai pra frente, torcendo o tornozelo e me levanto rápido.
— Chuva de energia! — grito quase que por instinto, ou reflexo, já que é quase impossível alguém não ver aquela luz forte cortando o céu com dois metros de espessura.
“Merda, merda, merda, isso de novo! tinha que ser agora?”, penso. Olhei as nuvens, os relâmpagos indicam uma grande tempestade.
Dezenas desses Raios de Energia começaram a cair, quebrando pedras, matando minhocas, explodindo…
“Pai?!”
— Siga em frente filho, não olhe para trás, apenas siga em frente! — grita minha mãe, sua voz desesperada.
Eu obedeci, corri como nunca havia corrido. Tinha medo de olhar para trás, muito medo.
Quando me deparei com um precipício, então tive que parar de correr e finalmente olhei para trás.
O que eu vi foi milhares de milhares de minhocas-monstros saltando da poeira e a centímetros de distância minha mãe, que também pulou em uma investida e me empurrou do penhasco.
Tudo aconteceu em câmera lenta, em um instante eu havia parado e me virado, sentindo os braços da minha mãe me empurrabdo.
No instante seguinte, nós dois ainda no ar, saltando do precipício, um raio-laser caiu do céu desintegrando minha mãe por completo.
Caí. Desmaiei.
Quando acordo meu corpo está quase afundado na poeira negra. Se é que posso chamar isso de poeira. São cinzas das pessoas que foram desintegradas pelos raios, cinzas das criaturas, dos infelizes que tentaram cruzar o Ponto de Encontro.
Me levanto e pela primeira vez em quatro semanas sinto o vento, olho para trás, em sua direção.
O que eu vejo não pode ser comparado a nada que eu tinha visto em minha vida: Uma névoa verde saía de um portal circular, um burado de minhoca ou um buraco negro, como quiser chamar.
Era um círculo completamente negro, emando luz verde. Uma névoa da mesma cor pairava sobre o local, e em volta, haviam diversas mãos petrificadas saindo do solo.
“O ponto de encontro de todos os mundos” pensei, “É mais lindo do que eu achava”.
A beleza daquela visão quase me faz esquecer de que acabava de perder minha família.
Fico horas pensando, sentado, apenas tentando digerir tudo que aconteceu. Em um momento eu tinha todos, e no outro, todos se foram. Me concentrava na respiração, mas também na morte.
Era hora de entrar.
A passos lentos me aproximo, desviando das mãos e adentrando na névoa, no meu corpo sinto uma sensação estranha quando encosto no vazio.
Atravesso.
O ar enche meus pulmões, e eu reconheço o ar puro, pela primeira vez em muito tempo. O frio se vai e o calor começa a invadir o meu corpo.
Sinto o cheiro de floresta, e o perfume das flores.
Continuo avançando, meus pés tocam algo que não era pedra nem cinzas. Quando chego do outro lado, cercado de grandes árvores e um rio ali perto.
Quando olho para trás tenho a impressão de que o portal estava maior.
Cinzas caem do céu como sereno, olho para baixo e a grama está secando enquanto pedras tomam seu lugar. Pedras pontudas nascendo no chão. Plantas estranhas tomam o lugar das flores.
Meu coração paralisa quando vejo milhares de mini-minhocas-monstros saírem do estômago de um animal morto.
O Ponto de Encontro estava se expandindo, depois de consumir todo meu planeta. Este novo lugar que eu nem cheguei a chamar de lar logo viraria apenas poeira de outros mundos.