Purificação - Capítulo 4
Capítulo 4 – Amém:
Enquanto estacionava o carro próximo do hotel, Charlie apreciou a manhã clara e os primeiros cidadãos já se preparando para a festa do final de semana. Cumprimentando todos animadamente, Charlie saiu da caminhonete e ficou aguardando Sarah enquanto tomava um café, recostando-se no capô da lataria.
O New Old Home Hotel era simples, o prédio fora construído dois anos após a fundação da cidade, mas apesar dos tijolos meio enegrecidos da fachada, todo o resto continuava a funcionar muito bem. Passado algum tempo, Sarah veio de encontro a ele, uma moça bonita aos olhos de Charlie, usando roupas simples, uma calça jeans e jaqueta bege contrastando seu cabelo e pele clara, os olhos penetrantes e o sorriso meigo. Quem a observa mal imagina o seu passado, temos fantasmas que vão muito além do que os outros pensam de nós. Após a inevitável reflexão, ele disse:
— Bom dia, detetive Sarah!
Felizmente, ela parecia ser o tipo de pessoa que acordava de bom humor:
— Bom dia, policial Charlie! Como vai?
— Muito bem, recebi uma ligação de uma agente secreta que me disse que conseguiríamos boas informações na Saint Mary Wood, de acordo com eles, há a suspeita de rituais satânicos que ocorrem debaixo do lugar.
— Nossa, você é criativo, ha, ha.
Ambos entraram no carro. Charlie disse:
— É, eu tento de vez em quando. Podemos ir, então?
— Claro!
A primeira marcha foi engatada, e logo eles estavam a caminho dessa tal igreja, seria ao menos curioso acompanhá-la e ver o que essa Saint Mary Wood tinha de tão interessante. Ele já tinha formado planos enquanto preparava o café da manhã, vou discutir isso de uma vez por todas com a Rebecca, e logo depois comprar minha passagem de ida pro Colorado. A manhã estava perfeita, se não fosse o fato de que o unicórnio de brinquedo no retrovisor tivesse chamado a atenção dela:
— E então, você gosta de unicórnios?
— Ah, sim, eles são muito belos, nos meus tempos vagos gosto de pesquisar sobre sua penugem e seus chifres…
— Ha, ha, ha! É da sua filha, né?
Por um momento, ele hesitou, sua voz tornando-se ríspida de modo sutil:
— Não, não, eu não tenho filha.
Era estranho falar aquilo, mesmo ele tendo certeza, a frase fazia-o se sentir triste, como se lá no fundo ele quisesse estar errado sobre o seu passado, mas não podia deixar de enxergar e sentir o que sempre esteve debaixo do seu nariz. Sarah insistiu:
— Bom, se não é da sua filha, então é de quem?
— Sobrinha, na verdade, ela vem me visitar de vez em quando e jura que o unicórnio mágico me ajudará a me proteger dos bandidos.
Mais gargalhadas, as dela, animadas e contagiantes, as dele, cinzentas e amargas. No meio do caminho, o telefone tocou. Sarah atendeu por cortesia e colocou no viva-voz, Charlie disse:
— Alô?
— Alô, policial Charlie. – era o xerife. – temos um pedido de apuração no ferro-velho do Mike, parece que a velha Juliana viu uma criança correndo lá e acha que o pobre coitado tem a ver com alguma coisa. Pode dar uma conferida, por favor?
Charlie olhou desconcertado para Sarah, que aquiesceu despreocupadamente sobre aquilo.
— Bom, não tô com farda nem de viatura, mas posso dar uma olhada, xerife. Até logo! – após desligar o telefone, ele virou-se para a jornalista. – Sinto muito pelo imprevisto, Sarah, juro que não é todo dia que isso acontece.
— Relaxa, a igreja não vai sumir por causa disso, eu te acompanho.
Passado algum tempo, eles se aproximaram do grande armazém, o extenso muro de puro concreto e arame farpado, com a entrada bloqueada por um portão em grade, já enferrujado. Chegaram próximo de lá ao saírem do carro e Charlie chamou pelo dono:
— Ô de casa! Senhor Mike!
Passado algum tempo, um velho com extenso bigode e um chapéu amassado e camisa surrada se aproximou, cumprimentando-os enquanto fumava seu cigarro e abria o portão:
— Óia só quem veio, rapaz. Como cê tá, Charlie? E essa senhorita, prazer! – ele estendeu a mão suja de graxa a ela, Sarah apertou sua mão sem se importar. E ela o respondeu:
— Prazer, sou Sarah.
— Prazer, não há nada que o véio Mike não possa consertar. Mas o que traz ocês aqui tão cedo?
— Bom, senhor Mike… – Charlie começou. – recebemos uma ligação, avisaram-nos que avistaram uma criança aqui, e não sei se os ru –
— Ah, só faltava essa. Foi aquela véia Juliana né? Pode fala…
Charlie não negou. O velho prosseguiu:
— Escuta, cê me conhece, aqueles moleque bisbilhoteiro vem aqui todo santo dia, mas não vi eles essa semana, não tão aqui, podem entrar e ver por cês mesmo. Aquela véia tem problema na cabeça…
Sendo assim, ele abriu passagem como um verdadeiro anfitrião em uma mansão onde o ferro e a corrosão eram como joias. Um extenso pátio de pura terra batida estendia-se ao longo de toda a vista, com latarias de carros, eletrodomésticos e restos de máquinas usadas em agropecuária. A leste, um galpão largo encontrava-se aberto.
Enquanto andavam à procura de alguma coisa lá, remexendo latarias, o velho disse:
— Tá um calor de matar hoje, essas criança não devem tá longe.
— Quando foi a última vez que elas vieram aqui, Mike?
Após a pergunta de Charlie, o velho pensou por um momento e disse:
— Semana passada, os pirralho tão com um cachorro novo e me pediram pra fazer uma cesta pra bicicleta, assim o cachorrinho caberia lá.
— Entendo, podemos dar uma olhada no galpão?
Ele aquiesceu, e tão logo a pergunta foi feita, eles adentraram o grande galpão que, para surpresa deles, era organizado quase como um supermercado ou farmácia. Lá dentro, alguns carros em conserto, mas uma van chamou a atenção de Charlie, que disse:
— Podemos dar uma olhada na van? Somente para ter certeza…
Ele hesitou, com um resmungo inaudível, Sarah e Charlie se entreolharam. Por fim, o velho obedeceu, hesitante:
— Só não digam o que cês viram aqui…
A porta corrida estava meio emperrada, dois puxões fortes e puderam ver o que estava lá dentro. Pelo menos uma dezena de caixas com… o que era aquilo? Charlie e Sarah se aproximaram para ver melhor. Tratava-se de um lote de panfletos da New Life Church: a foto era de um pai e uma mãe, ambos com a típica aparência da classe média americana, e no meio deles, uma criança, e atrás deles a agora igreja Saint Mary Wood. Charlie deixou o panfleto desinteressadamente, mas Sarah mostrou-se estupefata, e ela mesma perguntou ao velho:
— Há quanto tempo esse panfleto tá aqui, senhor Mike?
Ele hesitou, enquanto observava o slogan: Nunca é tarde demais para mudar de vida, Charlie o pressionou:
— Mike, colabore.
Após um novo resmungo, o velho disse:
— Óia, faz uma semana, era pra ser entregue, mas uns cara passaram aqui e pediram pra deixar no galpão, oferecendo uma graninha extra pro véio aqui.
Sarah pareceu intrigada até demais.
— Você pode descrevê-los pra mim?
Charlie não entendeu:
— Espera aí, detetive, são só panfletos, o que tem de mais nisso aqui?
— Acontece que eu reconheço essa criança, ela foi uma das fontes sobre o abuso nessa cidade, mas eu não achava que a família tinha qualquer relação com essa nova igreja.
Para o espanto de Charlie, o velho parecia já saber daquilo tudo. Ele permaneceu em silêncio, aguardando Sarah fazer todas as perguntas:
— Como eles eram?
— Tavam com um pacote de caixas cada, os cara eram grande. Um deles falava meio estranho…
— Você os conhecia?
— Na verdade, não, o véio aqui conhece pouca gente, mas tenho certeza que os homem não era nem da América.
— Ele chegaram a comentar mais alguma coisa?
— Não, só falaram pra eu manter o bico fechado e me deram uma graninha extra.
Quando por fim a entrevista cessou, retiraram-se do armazém, sem ter visto qualquer criança após investigar a casa do velho, porões, salas de armazém, ou qualquer coisa do tipo.
Após entrarem no carro, Charlie disse:
— É, acho que eles nos devem uma explicação.
…
O centro da cidade estava agitado, pessoas indo e vindo da rua principal, atravessando as ruas para fazer as compras típicas da manhã. Além disso, alguns carros se direcionavam até a via adjacente à avenida Luis II, onde, no final da rua, a grande construção cristã fora estabelecida.
Na lateral da igreja havia um pequeno estacionamento, já com alguns carros parados. Charlie e Sarah pararam na lateral adjacente às vidraças da instituição, os raios ofuscando a vista do interior. Ao saírem do carro, percorreram as duas trilhas ladeadas por pedra, passando pelo jardim da frente, onde flores e arbustos estavam polidamente aparados e bem cuidados.
Como a entrada da frente estava bloqueada, eles procuraram por uma passagem lateral, à oeste de onde haviam estacionado. Não demorou muito para verem uma pequena mas notória quantidade de pessoas que atravessavam uma porta para funcionários. Não havia como notar se elas haviam percebido a presença deles, mas isso tampouco os acuou, e logo adentraram no lugar.
Ao andarem um pouco pelos corredores desertos e escuros, entraram no salão principal, onde uma pequena plateia acompanhava um missionário, de pele branca como o leite e com uma feição europeia. Ele dizia aos demais com leve sotaque (o culto já parecia estar encaminhado há algum tempo):
— E vocês não sabem que os seus corpos são membros de Cristo? Tomarei eu os membros de Cristo e os unirei a uma prostituta? De maneira nenhuma! Vocês não sabem que aquele que se une a uma prostituta é um corpo com ela? Pois como está escrito: ¨Os dois serão uma só carne¨. Mas aquele que se une ao Senhor é um espírito com ele…
Algumas vozes de concordância ecoaram pelo extenso salão. Charlie e Sarah se sentaram em uma das fileiras mais distantes, quem quer que fosse aquele homem, o policial não conhecia, mas ele pareceu tê-lo percebido, apenas um rastro de observação foi o suficiente para alertá-lo. O pastor continuou:
— Irmãos, irmãs, aquilo que é para Ele, e somente para Ele, Cristo, é digno de nobreza e de honra, pois aqueles que seguem o Teu caminho terão lugar ao céu. E, àqueles que se opõem às suas diretrizes, o inferno mais profundo os aguarda, não somente o espiritual, pois não cabe a nós a julgá-los, mas o inferno psicológico, daqueles covardes que ousam machucar nossas crianças. Agora, oremos por eles…
Todos se levantaram das cadeiras, o barulho dos sapatos quase em uníssono ecoando através do salão, o pastor levantou sua mão para a visão crucificada de cristo às suas costas. Sarah não levantou.
— Pai nosso que estás no céu… – as vozes estavam bizarramente sincronizadas, enquanto elas falavam, Charlie conseguia discernir os presentes, as vozes de tristeza daqueles que eram próximos das crianças. Eles continuaram. – santificado seja vosso nome, venha a nós o vosso reino, seja feita a vossa vontade, bem na terra como no céu. – uma pausa, às vezes é tudo que alguém precisa para observar a índole de outra pessoa, os olhos profundos do pastor ao elucidar cada palavra, a sutileza com que escondia um sorriso quase diabólico. Ou será que era tudo da cabeça dele? – O pão nosso de cada dia nos dai hoje, perdoai-nos nossas ofensas assim como nós perdoamos aqueles que nos tem ofendido, e não deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do Mau. Amém.
…
Ao terminar do culto, algumas pessoas mais conservadoras da cidade já saíam da igreja. Charlie pode ver a velha Rose, mãe da Molly, do Rose`s Coffe, a família Robbinson, alguns Duncan e outras pessoas que acabaram vindo sozinhas, como Becca, a esposa do xerife, e Dacota, uma amiga de Rebeca, pelo que Charlie se lembrava. Charlie e Sarah aguardaram a saída de todos. O pastor, em seu olhar acolhedor, mas sepulcral, como se ele e a jornalista estivessem denegrindo a fé da igreja somente pelo fato de olhá-lo, aproximou-se deles, a voz tão suave como uma seda:
— Mas o que trás andarilhos à casa de Deus? É a sua primeira vez? Prazer, sou Delan.
Charlie e Sarah o cumprimentaram, ainda que em uma cortesia fria. Sarah, como sempre, tomou o diálogo:
— Pastor Delan, está ciente de que cultos e qualquer tipo de oração pública não está sendo permitida nessa igreja?
A resposta veio em um silêncio, os olhos de Delan se cerraram e encararam a jornalista de tal modo que Charlie pensou: ¨se ele tivesse uma arma, certamente estaria apontada para a testa dela¨. Quando o silêncio permaneceu, Sarah começou a falar qualquer coisa, mas foi interrompida pelo pastor, que virou-se de costas para eles e observou o crucifixo:
— A casa de Deus já sofre muito hoje em dia, sim, senhora, sei que não é possível qualquer tipo de rito aqui dentro até que as investigações sejam concluídas, mas falei pessoalmente com o xerife da cidade, e segundo ele, o departamento de investigação ainda está em reforma, ou seja, as investigações ainda não foram iniciadas, tecnicamente falando.
Sarah não gostou do que ouviu, e pela sua feição amarga, olhos compenetrados e lábios estreitos, ela parecia ter percebido qualquer coisa incômoda nele:
— Pastor Delan, enquanto conversamos fará cerca de trinta horas desde o desaparecimento dessas crianças, você citou Coríntios para os presentes, acha realmente apropriado para tal situação? A propósito, não achei nenhum registro na Associação Cristã Americana sobre o título da propriedade.
Ela é rápida, Charlie pensou enquanto o pastor pegava para si um tempo de resolução, para somente depois responder:
— Mary Wood é um arquétipo local, na verdade, ele é mais que tudo uma reinterpretação de alguns costumes bíblicos, nós não subjugamos ou sobrepujamos os costumes antigos, apenas abrimos espaço para reflexões, os tempos são novos, e as igrejas estão perdendo reputação justamente pelos seus ideais encarados por muitos cidadãos progressistas como algo retrógrado e digno de repúdio, mas o que fazemos aqui é ajudar.
O discurso não pareceu convencê-los. Sarah replicou:
— Se o que querem mesmo é ajudar, ficaríamos gratos em dar qualquer assistência, já que… – ela retirou de um dos bolsos o panfleto e estendeu delicadamente na direção do pastor, que ficou com uma das feições mais enevoadas e frias que Charlie já viu, durou um segundo, mas foi possível ver os músculos do maxilar dele se contraindo, para somente então Sarah continuar. – e então, pastor? Reconhece essa criança? Sou Sarah, uma jornalista investigativa enviada pela New Express, e estou convicta a descobrir mais sobre essa evidência.
Como num susto, uma voz carrancuda e grave surgiu do corredor:
— Pastor Delan, tá com algum problema aí?
Somente Charlie se virou, enquanto pastor e jornalista fitavam um ao outro, como leões que esperam a primeira oportunidade de ataque. Era o senhor Robbinson, mas o pastor concluiu:
— Não há nenhum problema, senhor Robbinson, pode ir… e então, somente por que alguns de nossos antigos empregados cometeram erros terríveis não significa que nossa instituição responda ou compactue com tais atos, senhorita Sarah.
— Ótimo! – ela disse – Então poderíamos dar uma olhada nos estoques e áreas de gerenciamento de propaganda, certo? Não se preocupe, meu companheiro Charlie é policial e de confiança, você também poderá ficar a todo momento do nosso lado.
O pastor riu, a voz pausada e profunda, o que dava medo neles não era o gesto, mas sua natureza incógnita, era de escárnio? Medo? Deboche? Não havia como saber, mas após algum tempo, Chsrlie disse:
— Pastor, gostaríamos muito que o senhor colaborasse conosco –
— Sinto muito, policial, mas não poderei permitir qualquer tipo de averiguação sem um mandato. Posso ajudar em mais alguma coisa?
— Não. – Charlie disse. – Ainda não…
Eles deveriam conseguir outra forma de entrar, Charlie levou a jornalista de volta para o hotel, prometendo buscá-la depois do almoço, e foi de encontro a casa de Rebecca de novo. Se ela queria ou não recebê-lo, não importava a ele, não mais.
Quando estacionou o carro na frente da residência, teve a impressão de que alguém (não saberia dizer se era um desconhecido ou a própria Rebecca) o observava escondido. Atravessou o quintal e bateu na porta, toc, toc, toc.
Após algum tempo, ela abriu, surpresa:
— Você de novo? O que quer dessa vez?
— Conversar, sobre algo que a gente deveria ter conversado há tempos.
— Ah, pelo amor de deus, Charlie, não começa de novo. Tchau…
Ela ameaçava fechar a porta de novo, Charlie não tentou impedir, em vez disso, disse:
— Essa vai ser a última vez que teremos essa oportunidade de conversar, não quero sair igual um Brandon da vida, então vim aqui por isso.
Ela fechou a porta. Se Rebecca queria que fosse desse jeito, então seria desse jeito. Pelo menos não podia dizer que não havia tentado, antes de chegar ao carro, porém, ouviu ela atrás de si:
— Espera.
…
Estava sentado na cadeira da cozinha, ela preparava o almoço e Sophia parecia ainda estar dormindo. Charlie não estava com receio:
— Estou vindo aqui avisar que vou sair da cidade, se é temporário ou permanente, ainda não sei, mas gostaria de dizer que minhas próximas duas pensões serão as últimas…
Ela parou de ajeitar o molho na panela, já com raiva:
— Charlie, não a –
Ele a interrompeu de novo:
— Escuta, antes que diga, o problema não é o dinheiro, não significa que deixarei de ajudar com as coisas por causa disso, o dinheiro das aulas de beisebol vai continuar vindo pra cá. Mas não posso mais continuar com isso, Rebecca, entende?
— Foi você quem começou isso tudo Charlie.
— Nós dois sabemos que isso não é verdade.
Ela voltou a cozinhar, ainda brava:
— Escuta, não vou falar que não rolou nada entre eu e o Brandon naquela época, eu errei, e assumo isso, agora, desconfiar da nossa própria filha, ela tão sua quanto minha.
— Eu consigo ver no rosto dela, Rebecca, os olhos azuis, por isso que acabou, o problema nunca foi a traição, foi a mentira.
— E você tem a cara de pau de chagar aqui e falar que tudo isso que A GENTE passou junto foi uma mentira? Seis anos, Charlie, SEIS anos… se desconfia tanto, por que não fez a porra do teste de DNA?
A resposta veio seca:
— Por que eu não queria acreditar, Rebecca, é isso, o divórcio não resolveu as coisas entre a gente por causa disso, no fundo eu ainda queria que ela fosse a minha filha, que a gente ainda tivesse uma chance.
Ela abandonou as coisas que fazia e foi de encontro a ele, Charlie sentiu os braços dela nos seus, os olhos castanhos marejados, o perfume que ela sempre usava:
— Charlie, a gente ainda pode.
Ele a afastou:
— Eu pensei nisso, Rebecca – doía falar aquilo, mas era preciso – mas aí eu cheguei a conclusão de que mesmo se eu soubesse a resposta, seria melhor pra mim e pra você, cada um com a sua vida. Já levei meu sangue no laboratório e já fiz o pedido pra verificação de compatibilidade, se você ainda quiser, pode levar a Sophia lá, mas não sei se mesmo assim eu continuaria com isso, essa chama já se apagou, Rebecca.
Ela parecia incrédula:
— Então vai ser assim mesmo, por causa de uma traição, a vida da nossa filha e a nossa relação foi afetada, agora é tudo justificado por que você é um egoísta de merda que não sabe se decidir?
— Sim, talvez seja verdade, e tá na hora de encarar esse verdadeiro eu, por isso vou sair da cidade, pra pensar. Até mais, Rebecca…
Só conseguiu sentir o cheiro de arroz queimado enquanto saía pela porta da frente e a via observando-o, sem acreditar no que acabara de ouvir.