S.U.P - Capítulo 1
Em algum lugar do globo.
A ventania do lado de fora parecia rasgar a velha chapa de ferro que cobria a fachada do antigo condomínio. Ela balançava à medida que se desprendia cada vez mais, até que se soltou sendo levada pelo vento, com o som repentino da chapa de metal batendo no telhado, nosso herói despertou.
Ele se sentou na cama à medida que colocou a mão na cabeça sentindo muita dor. Percebendo que sua cabeça estava enfaixada, até mesmo seus braços.
“O que é isso…?”
Todo seu corpo latejava, alguns gemidos de dor escaparam dele, quando foi surpreendido por uma mulher que tapou sua boca com a mão.
Ela fez sinal para ele ficar em silêncio, ele por vez, pode ver em seus olhos arregalados o mais profundo terror. Seu corpo estava trêmulo, e notou sua mão gelada a qual também tremia.
Ele não entendeu bem o que estava acontecendo, e antes que pudesse perguntar algo, seu corpo arrepiou dos pés a cabeça com a pior das sensações. Ele estremeceu à medida que escutou chiados e passos do lado de fora.
Um chiado estridente e agudo que parecia cortar o ar como uma faca arranhando a lousa. Perfurando os ouvidos e enviando arrepios pela espinha, um som que começava baixo e sibilante, mas notório, aumentando gradualmente a intensidade, até se tornar quase que um grito agonizante que parecia ecoar das entranhas do inferno.
Ela então soltou sua boca, ele olhando ao redor percebeu outras pessoas amontoadas em meio aquele quarto pequeno. Alguns deitados ao chão, outros em colchões improvisados e alguns encostados à parede. Muitos se encontravam como ele, perdidos e com ferimentos cobertos por faixas tanto mulheres, crianças, homens, que por mais diferentes em fisionomia que fossem, todos compartilhavam do mesmo olhar aterrorizado.
Ele então percebeu dois homens armados com fuzis que guardavam a porta do pequeno quarto. Ele se encostou na cama, enquanto seus olhos perdiam o brilho e mais uma vez dormiu, antes ainda avistando a silhueta estranha surgindo na janela seguida de um som desagradavel de chiado.
***
Ao abrir seus olhos novamente por um momento, escutou sons de disparo e muita correria em meio aos gritos de ajuda. A mesma moça, agora o abraçava forte o puxando para trás de uma cômoda no canto do quarto.
Ela tremia e chorava à medida que sussurrou algo para ele, mas ele não podia escutar. Por um momento ela deu um sorriso forçado ao perceber que ele acordara, porém, ele mais uma vez fechava seus olhos.
***
O som da chuva naquela tarde abafava qualquer outro som. Os pingos brandiam no telhado já velho, os pequenos buracos em meio ao telhado permitiam que a água passasse. Pequenas goteiras se formavam respingando ao chão, uma delas por vez, pingava em alguém.
Mais uma vez aqueles olhos se abrem, desta vez não encontrando luz. Ele então suspirou já acordando, saindo aos poucos debaixo do cobertor. Agora podendo ver luz, embora não houvesse mais ninguém presente ali.
Estava escondido no canto, atrás de uma cômoda pequena, parecia que alguém tentou ao máximo o esconder. Mas de quem ou o que? E por quê? E onde estaria seu salvador ou salvadora?
As perguntas inundaram sua mente, mas ele não conseguia as respostas por mais que tentasse. Nada lhe vinha à mente, suas memórias estavam confusas, e ele só podia lembrar daquela noite.
— Argh… Quanto tempo apaguei? Ah–
Mais uma vez segurou a cabeça com dor, porém conseguindo se levantar enquanto se encostava à parede. Ficou de pé com um pouco de dificuldade, suas pernas tremiam, mas algo o dizia que não poderia permanecer ali debaixo de uma goteira.
Deu seus primeiros passos se encostando na cômoda, foi quando percebeu as marcas de disparos e resquícios de sangue pelo chão e paredes.
— O que diabos aconteceu aqui?
Seu corpo não conseguiu ir muito longe, logo teve de parar se sentando novamente na cama. Estava ofegante, tentou recuperar o fôlego à medida que bisbilhotava os arredores. A janela estava aberta o que permitia a entrada de luz, ele ainda não podia ver muito do lado de fora.
“Certo. Do que eu consigo me lembrar?”
“Algumas pessoas estranhas, e…”
— É mesmo, a mulher! — disse lembrando de mais coisas.
“Mas… quem era? Não consigo lembrar. Na verdade, não me lembro de mais nada antes disso.”
“Quem sou eu? Onde eu estou? O que está acontecendo?!”
“Eu não sei meu nome?! Quem sou eu?! Quem sou eu?!”
Ele perdia a cabeça, sua mente se tornava mais confusa à medida que ele se obrigava a lembrar de algo. Mas nada vinha, sua respiração ficava mais acelerada, seu coração batia mais rápido e o sangue lhe subia à cabeça, seus olhos ficavam turvos à medida que ele se sentia se distanciando da realidade.
Ele apertou sua mão contra seu peito sentindo um leve desconforto se tornando dor. Sentia como se seu coração estivesse sendo esmagado, a dor era tão insuportável que achou que iria morrer. Se sentiu sufocado enquanto se deitou na cama, lágrimas fugiram de seus olhos assustados e trêmulos.
“Eu não quero morrer… Eu não quero…”
— Morrer!!
Foi então que um trovão rasgou o céu, o som ensurdecedor o fez voltar a si. Ele começou a respirar fundo deixando seu corpo mais confortável, alguns minutos se passaram, agora tentava colocar a mente no lugar.
“Relaxa… Respira… Respira…”
“Ficar tentando lembrar agora, só vai me deixar nervoso. Pensa em coisas que ajudem… Pensa, pensa…”
“Vejamos… Do que eu sei até agora?”
“Estou com ferimentos pelo corpo… Uma mulher estranha me ajudou… Pessoas doentes e machucadas, fugiram. Dois homens armados e o som estranho que escutei…”
“Pelo que parece houve uma batalha aqui, mas com quem ou o que?”
“Já sobre mim… Não sei nem sequer meu nome. Perda de memória então?”
Passou a mão na cabeça sentindo novamente o lugar do ferimento, ainda doía mas não tanto quanto antes. A dor se tornava mais leve, porém, ainda notória o fazendo entender mais a situação em que estava.
“É normal perder a memória quando bate a cabeça. Embora eu não saiba como bati a cabeça, e se foi mesmo algo do tipo… Por hora, o melhor é tentar descobrir mais coisas.”
Se levantou novamente, já era capaz de sentir melhor suas pernas e a dor não era mais tão forte. Ele andou até a cômoda, começou a revirar as gavetas, embora todas estivessem vazias. Então andou ele até as camas improvisadas, revirou todas, mas também não encontrou nada além de cápsulas de bala e faixas ensanguentadas.
Foi quando avistou debaixo da cama uma bolsa, finalmente um sorriso tomou seu semblante. Andou até ela a retirando dali e a colocando em cima da cama. Logo abriu seus bolsos procurando algo, podia ser qualquer coisa que o ajudasse.
Dentro da bolsa estavam: duas garrafas de água, uma faca, um mapa, três pacotes de bolacha, um caderninho, um carvão pontudo, uma lanterna, algumas pilhas, um toca fitas e duas sardinhas enlatadas.
Pegou ele todas as coisas e foi colocando em cima da cama para ter uma melhor visão de tudo. Ele então pegou o caderninho, percebendo que se tratava de um diário com anotações. Passou as folhas não dando tanta importância, foi quando na última folha viu escrito: “Se achar, devolver ao Pink Foda Jones.”
“Pink… Foda Jones? Este diário deve ser de alguma criança. Ou de alguém bem estranho!”
Pensou consigo à medida que deu uma olhada nas primeiras folhas, assim começando a ler aqueles garranchos escritos com carvão.
“Dia 1: Hoje me encontrei com um “Chiador” pela primeira vez. Foi uma experiência assustadora, com certeza não vou dormir por uns dias, acho que nessas situações que precisamos de um psicólogo ou uma ex namorada.
“Eu felizmente consegui fugir, embora Pit, Bob, Cartão e Book não tiveram a mesma sorte. Os coitados tiveram suas pernas cortadas antes de sequer dar o primeiro passo para fugir. Book ainda chamou por mim, mas sei que ele entende que eu não poderia fazer nada, ninguém poderia. Espero que ambos me perdoem por ter fugido como um covarde.
“Mas pude notar algo quando vi o “Chiador” de perto. Eles são mais rápidos do que me disseram, ainda mais quando expõe suas asas. Mas o pior é o fato de poderem se esconder no ambiente, quando viemos perceber ele, Bob já estava sem as pernas.
“Parece que eles ficam imóveis até sua presa passar em sua frente. Quando você perceber o maldito chiado, já sera tarde demais.
“Sem contar o fato bizarro de que comem suas vítimas começando pelos olhos, a parte mais frágil antes de chegar ao cérebro. A imagem de Cartão tento seu cérebro arrancado pelo olho vai me perseguir até minha morte.”
— Mas que porra foi essa que eu acabei de ler?! Tá zuando, né? Deve ser uma brincadeira… Chiador? Hahaha, que piada, né? Porra… Que merda está acontecendo aqui?
Falou ele ainda não dando muita bola pro que acabara de ler. Continuou a ler as páginas seguintes, foi quando notou uma página que possuía duas listas:
“Coisas para me ajudar a melhorar: 1- Correr todos os dias pela manhã, 2- Fazer exercícios regularmente, 3- Comer bem, evitar muita besteira, 4- Beber bastante água, 5- Ajudar os outros, 6- Ler mais, 7- Aprender a falar corretamente, 8- Aprender novos idiomas, 9- Treinar boxe, 10- E nunca, jamais desistir de dançar.”
— Esse cara parece até que alguém decente agora! Mas que papo é esse de dançar?
Disse ele enquanto continuou lendo, logo abaixo avistou mais uma lista:
“Lista de desejos para antes de morrer: 1- Tocar em uns peitinhos, 2- Tocar mais uma vez, 3- Beijar uma mulher bonita, 4- Matar um chiador, 5- Tranzar em uma piscina publica, 6- Tranzar em cima da mesa de uma cozinha em um restaurante famoso, 7- Ter uma casa própria com vista para a praia, 8- Limpar a merda com papel higiênico, 9- Conhecer o amor da minha vida, 10- Comer 6 tipos diferentes de comidas chiques, 11- Nadar em uma piscina de dinheiro, 12- Deixar um psicólogo louco, 13- Meter uma bala na cabeça antes de morrer.
Ao ler todas essas besteiras, ele não conseguia conter sua indignação. Por um momento amassou o caderninho irritado:
— Mas que merda toda é essa?! Vai me dizer que você tem quinze anos porra?! Retiro o que disse: Você com toda certeza não é decente, mas sim um merdinha!
Suspirou ainda irritado. Embora tenha voltado a folhear o caderno, até que encontrou um desenho: Era o rosto borrado de alguém, um homem que aparentava ter seus 21 anos, o qual fumava um cigarro.
Ele tinha uma expressão mórbida e séria, olheiras bem expressivas, cabelo curto mas bagunçado, porém o assustador era sua cicatriz em sua boca do lado direito.
O desenho também não ajudava muito, parecia ter sido feito às pressas, pois não tinha tanto detalhe e estava borrado. Mesmo assim era um bom desenho, tinha vida e simplicidade nele.
“Pink… se esse for você, queira me desculpar. Mas não vai beijar ninguém com um rosto assim. Quem dira tranzar… Porra, cara. Você é assustador!”
— Lamento por você, Pink. Desculpe pensar nessas coisas… Nem consigo imaginar o que deve ter acontecido com você, mas… Argh, que medo. — disse ele sentindo calafrios.
Foi então que um pensamento repentino pairou por sua cabeça, seus olhos arregalaram à medida que ele respirou fundo.
Esticando sua mão direita a qual começava a tremer, aproximou ela de seu rosto, mas ainda exitante. Ele esperava que estivesse errado, ele queria estar errado, foi quando começou a sentir seu próprio rosto.
Lágrimas saíram de seus olhos à medida que entendeu. Sentia a cicatriz aberta, entendia que o pobre Pink, era na verdade ele.
Se deitou na cama, enquanto mais lágrimas lhe traziam dor e tristeza, lá ficou por um tempo. Uma parte dele ainda não queria acreditar e outra queria apenas parar, ficar ali para sempre. Foi quando escutou passos ligeiros do lado de fora, em seguida cochichos quase como sussurros.
“Quem… Quem é?”