Sangue do Dragão Ancestral - Capítulo 106
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- Capítulo 106 - Marechal é Marechal; Coronel é Coronel!
Enquanto o treinamento ocorria, tropas ordinárias foram mobilizadas e todos os cavaleiros e nobres com homens aptos a lutar, convocados para as trincheiras.
Por força do destino, Beto eliminou por inteiro o batalhão de assalto de Eburove, que iria invadir a capital pelo norte. E Pedro matou a força de contenção, pelo sudoeste, enquanto vinha para a capital. Essa força inimiga atacaria logo após o assalto, em um ataque surpresa que destruiria o coração do Principado.
Na prática, baronetes apenas são considerados “meio-nobres”. Assim, apenas barões e nobres maiores podiam ter exércitos particulares — com limitações de número, claro. Mas baronetes poderiam manter pequenas guardas, para proteção da vila ou cidade. E esses homens aliás estavam às disposições dos respectivos barões ou nobres maiores que fossem senhores daquelas terras.
Quando houvesse uma guerra, todos seriam convocados e colocados às ordens do Príncipe e dos Grão-Duques, que dividiriam os postos militares levando em consideração, também, a nobiliarquia.
Por essa lógica, Pedro deveria estar subordinado ao barão de Oss. Ocorre que, por conta de seu relacionamento com o grão-duque, ficou determinado que ele deveria responder diretamente a Edward.
Resumindo, enquanto treinava a tropa de elite e sem saber de nada, Pedro foi promovido de sargento-mor à coronel de campo. Fato este que trouxe muita revolta aos nobres menores do Leste e do Sul e do Norte, que nunca ouviram falar deste baronete estrangeiro antes.
Ao fazer isto, Edward quis que o amigo tivesse a autoridade para não ser contestado por ninguém abaixo dele mesmo, que, como grão-duque, ocupava o posto de Marechal-General.
Isso era relevante porque, naquele exato momento, um grupo de oficiais nobres de média e alta hierarquia estava na porta do gabinete real, na capital WilBlood, liderados pelo que parecia ser o filho mais velho do príncipe.
— Vossa Alteza, com licença. O guarda nos autorizou a entrar. Podemos falar com o senhor?
O príncipe estava sentado em uma poltrona grande, analisando o que parecia ser um mapa da Península. Ele acenou, gesticulando que sim.
— Eae, pai. Gostou do tatu-nortenho? — berrou Rufos logo em seguida, deixando que a porta batesse atrás de si.
Desta vez vestia trajes mais adequados, mas o cabelo despenteado e a barba por fazer entregavam sua falta de compromisso com a etiqueta real.
— Rufos, esse tatu estava uma verdadeira porcaria. Como é que tens a pachorra de me trazer algo tão horrível?!
Ouvindo o parecer do soberano, os nobres ficaram um pouco tensos. Talvez o príncipe Charles estivesse furioso com a situação e especialmente estressado hoje. Talvez fosse uma ideia ruim ir atazanar-lo naquele dia.
Nunca era boa ideia irritar o chefe quando ele estava irritado, mesmo que você fosse um dos gerentes da loja.
Rufos riu. Riu muito e muito alto.
Para a surpresa geral, o que se seguiu foi uma risada leve e prolongada do soberano Charles. Após alguns longos segundos, ele virou-se para os nobres e perguntou:
— E então, por que trouxe esses nobres senhores pra cá, filho?
— Pai, a verdade é que eu nem tô sabendo direito. Haha! Eles só vieram reclamar pra mim do assistente do Edward. Parece que não gostam dele…
— Com licença, lorde Rufos. Se eu puder continuar — disse um deles, praticamente empurrando o grão-duque para a mesa lateral, longe da vista do príncipe.
— Veja bem, Alteza. Todos nós somos de boa linhagem, de famílias que contribuíram para o crescimento do Principado. Eu mesmo lutei contra os republicanos, quando mais novo. Estudamos na Academia Real, Alteza.
— Mas esse baronetezinho — interveio outro nobre, cortando o amigo com uma raiva contida no olhar. — nem de Mea ele é! Como pode ocupar um cargo tão importante, se nem nobre de verdade ele é?
O príncipe olhou-os com calma, limitando-se a ficar em silêncio enquanto expressavam sua indignação.
— Entendo, caros senhores. Acontece que o Grão-Duque do Oeste foi quem deu a graduação ao baronete de quem vocês estão reclamando tanto. Ele é Marechal. Os senhores, dois Coronéis de Campo, um Coronel de Brigada e um Tenente-General, estão questionando a decisão de um Marechal?
Ao ver o questionamento do suserano, os nobres entenderam o quão grande era a insignificância de suas linhagens perante o título de grão-duque de Edward. Como um grão-duque, Edward era o líder máximo de um terço do exército. E como o príncipe não se envolvia diretamente nas guerras, por tradição, eram os grão-duques os comandantes máximos dos respectivos exércitos, normalmente ocupando a posição de Marechal, ou Marechal-General.
Percebendo que não ganhariam a discussão, os nobres decidiram apelar para Rufos, na esperança que ele, que também era um Marechal, interviesse por eles.
— Deixa o menino jogar, pô! — exclamou, mostrando os dentes. — Deixa ele jogar. Haha!
Com os pregos no caixão, os nobres abatidos saíram tristonhos do gabinete de Charles. Rufos os seguiu, com uma certa curiosidade tomando-lhe o olhar.
“Que cara interessante. Meu pai parece ter gostado mesmo dele”, pensou. “Bom, só espero que não atrapalhe meus planos”.
Sorriu maquiavelicamente, virando os corredores.
“Será que devo eliminá-lo, só por precaução?”, pensou. Logo após fechou a porta, acompanhando os compadres e deixando o pai só em sua solidão.
…
Enquanto isso, em um lugar muito distante, no extremo leste do continente…
— Lady Rebecca, em breve chegaremos. Trous ficava só há três horas daqui.
O mordomo cavalgava à frente, levando consigo a maioria das bagagens. Ele também guiava uma mula de apoio, velha e fedida. Pobre mulinha…
— Você vai precisar banhar essa mula, Alfred. Ela tem o mesmo cheiro dos moribundos que matamos.
Ele acenou que sim.
A vegetação era parca e ventava muito naquelas planícies que se seguiam após as enormes montanhas. Trous ficava ao sul da grande cordilheira central, que separava o Continente em dois.
O ducado fazia parte de Lunaris, que controlava o centro-leste do continente. O avô de Rebecca mandava das encostas rochosas ao rio a vazante que cortava Grandfleur e Nouvellune. A atmosfera era um tanto sombria por aquelas bandas. Talvez pelo tempo, sempre nublado e um tanto chuvoso.
— Espero que não chova muito.
— Vai.
Os diálogos ocasionais que tiveram ao longo daquela viagem normalmente não passavam de duas frases ou gestos ocasionais. O esperado para uma família de assassinos profissionais.
— Chegamos — disse o mordomo, cerca de uma hora depois.
— Finalmente.