Sangue do Dragão Ancestral - Capítulo 65
Era um dia calmo e cinco pessoas caminhavam tranquilas pelas estradas do Oeste.
Um deles tinha um perfil nórdico. Era alto, forte e nutria uma grande barba escura. A seu lado um loiro esguio, com arco e flechas nas costas.
Eles eram seguidos por um encapuzado e uma garota de rosto apático, que andavam lado a lado, enquanto um terceiro ia sozinho pela retaguarda.
Este último tinha cabelos longos, amarrados em um coque samurai, e portava uma espada larga. Um fato curioso é que ele mantinha uma das mãos presa ao quadril, onde repousavam mais duas outras espadas.
De perto era possível escutar a conversa do grupo.
— Isso vai depender de o quão forte ele é — disse o espadachim.
O encapuzado lançou um olhar afiado, mas não disse nada, como fez na maioria das vezes durante a viagem.
— E como é que estás pretendendo provar isso, Lerr? — perguntou o loiro de franja, tentando salvá-lo da aura fria do encapuzado.
— Hump! Não é obvio? Com o fio da minha navalha — explicou, sacando rapidamente a espada da cintura e avançando com toda a velocidade rumo ao Leste.
Diante daquilo, tanto o encapuzado quanto o arqueiro encararam a figura ao longe, como se não acreditassem no que ele fez. O barbudo ao lado disse:
— Quer que o pare, mestre?
— Não — respondeu friamente. — Se ele quer se matar, então deixe-o. Não precisamos de membros sem visão em nossa organização.
O barbudo assentiu. A menina apática também fitou o horizonte distante com ar de desaprovação, enquanto lufava o ar puro da primavera.
O grupo estava se dirigindo a uma pequena vila ao Leste, que só encontraram depois de sair da parte densa da floresta. Ainda era manhã, mas um brilho incomum emanava daquele lugar. E não só isso, como muito barulho e risadas alegres.
Podemos dizer que ela lhes chamou a atenção, sobretudo do loiro esguio.
— Parece que vamos nos divertir muito hoje, Harald! — disse ao homem de fisionomia nórdica.
Ele entrou na onda e os dois caíram na gargalhada.
— Vamos! — apressou o capuz, se atirando na estrada.
Minutos se passaram até que eles pudessem adentrar a vila. O local tinha muros, portanto circularam até a entrada sul. Dois guardas de armaduras estranhas estavam lá, desmaiados no chão.
— Lerr deve ter feito isso — comentou o loiro.
O restante assentiu, passando pelos homens desmaiados e adentrando de vez o lugar. Eles foram recebidos por olhares de desconfiança de alguns dos foliões que encontravam. Aliás, pelas roupas, bebidas e rizadas de antes, este devia ser uma espécie de festival local.
Mas o grupo logo percebeu que a atenção dos aldeões não estava focada neles, e sim no final da rua. Lá tinha uma praça, toda enfeitada e repleta de pessoas. Tinha até um palco.
Todavia, nem mesmo isso era o foco de suas atenções. Seguindo o olhar da multidão, eles viraram suas cabeças para o lado. Havia um conjunto de barris lá, dispostos em um pátio amplo e aberto adjacente à praça. Duas figuras estavam lá, em pé e de lados opostos uma à outra.
— Quem foi? — perguntou um deles.
O outro permaneceu em silêncio, fazendo outro movimento de punho.
Shiiiiiin! O rapaz de mantos festivos desviou e o golpe atingiu um barril. Bebida jorrou para todo o lado.
— Ei! Essa aí é minha melhor cachaça! — reclamou.
O oponente contudo não deu ouvidos e cortou de novo.
Shiiiiiiin! Pah! Outro barril foi desperdiçado.
— Tá bom, bastardo! Cê já tá gastando demais agora. Mais um desses e acabou sua chance de uma conversa civilizada — avisou, puto.
Mas o espadachim não demonstrou medo, nem hesitou, antes de tocar novamente a bainha lateral.
Shiiiiiiiin!
Aquele foi o estopim.
Pah! O golpe atingiu outro barril quando, depois da esquiva, o rapaz de cabelos castanhos avançou.
“Que droga é essa?!”, Pedro pensou. Aquela era a mesma técnica do chefe gaudério.
— A tal aura de batalha que o velho falou… — deixou escapar, antes de revidar.
De supetão, sacou o metal prateado do manto e foi para cima. Velocidade impressionante. Sua figura piscou e sumiu.
Ziup! Shiiiiiiiiin! O golpe que deu foi mordiscar o pescoço do espadachim. Mas ele também agiu rápido, usando sua lâmina para bloquear a morte.
Pah! O tilintar do metal quase deixou os mais frágeis surdos.
No mesmo momento eles se afastaram, abrindo um perímetro seguro. Homens e mulheres de roupas escuras fecharam a área, impedindo a aproximação. Eles eram apoiados por guardas de roupas azuis, cotas de malha e capacete, que usavam uns bastões estranhos e se colocavam entre os transeuntes e a luta.
Uns homens com a armadura diferenciada de antes também corriam pelas ruas, proclamando umas palavras incompreensíveis e erguendo seus escudos para tapar as saídas do espadachim invasor.
— Quem é você e qual é a sua relação com Solis Solaris? — perguntou o nobre ao espadachim.
O homem esboçou um olhar de surpresa quando ouviu o último nome, mas ele rapidamente mudou para um de extremo desgosto.
Pah! Ele empurrou a lamina para frente, afastando o oponente de si.
— Não tenho nenhuma relação com os malditos solaris! — respondeu, não escondendo seu desprezo na voz.
Em seguida ele embainhou novamente a arma, antes de dizer:
— Isso deve ser o suficiente. Você é mesmo mais forte que eu, Grande-Mestre.
Em seguida, ele ficou sob um joelho diante do homem e entregou a espada ainda embainhada a ele.
— O que é isso? — o nobre perguntou.
Naquele mesmo momento, o grupo rompeu a barreira dos policiais e avançou até eles.
— Quem são vocês? — perguntou outra vez.
Foi então que a figura mais à frente parou, retirou seu capuz e disse:
— Estes são os cobaia… digo, os aspirantes que pediu, meu senhor.
Ao olhar para a figura, o rapaz entendeu tudo.
— Oh! Mais você voltou muito antes do combinado, Beto!
…
Depois daquilo, o agente de Pedro deixou os companheiros no festival e acompanhou o aliado para uma conversa em seu escritório.
— Mas eae, como completou tão rápido a missão? Não te disse que o prazo limite era o início do outono? — Pedro estava servindo uma bebida quente enquanto falava, em parte para curar sua própria embriaguez.
— Tive sorte — disse. — E também sei onde procurar.
Pedro assentiu, um tanto curioso com a última parte. Mas como Beto era membro da tal organização de inteligência do Clã, achou que aquilo era auto-explicativo.
Em seguida, ele lhe passou algumas informações sobre os novos membros que recrutou. Coisas relativas às suas habilidades, personalidades, inclinações e afetos. Foi algo rápido.
— Por que parou de enviar os relatórios? — questionou-lhe o lorde.
— Eu quis fazer uma surpresa, meu senhor — disse, forçando um sorriso.
Olhar para aquele gesto super antinatural de Beto fez Pedro gargalhar. Diferente dele mesmo, o companheiro era muito ruim expressando emoções.
— E também, — completou — quis reduzir o risco de espionagem.
— Mas você acha que nossos inimigos nos espionaram assim? Eles nem tem como saber dessa nossa iniciativa…
— Nossos inimigos não, mas aliados sim — disse.
Pedro sorriu cinicamente com aquilo, concordando.
— Mas eae, o que descobriu enquanto estava “recrutando” por aí?
O aliado o encarou com seriedade.
— Em Jamor, ouvi que Edward e Simel fizeram uma espécie de “trégua-tácita” e pararam de se atacar nas fronteiras. Imagino que seja algo relacionado ao banquete no verão — disse.
Pedro concordou. Ultimamente ele recebeu algumas notícias de Ed, informando isso.
— No Norte foi o mesmo entre Ruffos e Simel. Mas o verdadeiro problema se encontra nos outros países da Península.
— Como assim? — Pedro não entendeu.
— O último lugar por que passei foi a República, meu senhor. Quando estava em Solarwest, escutei que…
Beto então deu início a uma longa explicação geopolítica. Em resumo, ele escutou uns boatos sobre movimentação de tropas com a fronteira de Eburove. Os republicanos possivelmente estavam se preparando para um conflito com o reino vizinho.
— Isso é muito suspeito — deixou escapar quando o aliado terminou a explicação.
E Pedro tinha suas razões para pensar assim. Mea estava caótica. Mais do que um pedaço de terra pequeno e medieval como aquele devia ser, pelo menos.
— Por que acha isso, meu senhor? — Beto perguntou.
O rapaz abriu a boca e em seguida o atualizou sobre os últimos eventos. Contou sobre os gaudérios, o contrabandista, o surto de gripe, sobre a encosta de mina e as coisas suspeitas que lá encontraram. Por fim, também falou sobre a luta contra o líder gaudério e sobre a vampira louca em Oss.
Mesmo o frio Alberto não pode deixar de soltar uma lufada rusga de ar, principalmente ao ouvir sobre os vampiros.
— Entendo — disse, sem nada mais falar em resposta.
Eles então discutiram sobre outros assuntos breves e voltaram para a festa. Pedro decidiu que deixaria os próximos passos de seu plano para depois, mas pediu que Beto o apresentasse aos novos membros.
…
[Cena de Pedro, Lerr, Quebraescudos e o arqueiro tomando uma cachaça e falando sobre seus tipos de bebida favoritos – fazer piadinha relacionando bebidas a mulheres]
— Eu prefiro as cheiinhas — disse um homem alto e parrudo de barba negra.
— Hum… acho que gosto mais de equilíbrio. Contanto que todas as partes sejam simétricas, por mim tudo bem.
Pah! Um batido forte veio da mesa.
— Blasfêmia, todos sabem que o conteúdo é o que há de mais importante! — respondeu o loiro de franja, responsável pelo golpe.
Alberto o fitou quase que instantaneamente, forçando-o a se sentar novamente em silêncio.
— E você, Lerr? De quais gosta? — perguntaram ao espadachim no canto.
— Eu não bebo — disse.
Os cinco cavalheiros estavam em um espaço aberto próximo às barraquinhas e à adega improvisada. Haviam muitas mesas do tipo, com
— Simetria e doçura rapazes. Eis o que há de mais belo no mundo — Pedro comentou. — Enfim, mudando um pouco de assunto, o que foi aquele negócio de cortar o ar? Como cê fez aquilo, Lerr?
O espadachim encarou sua arma com ternura. Ia responder, mas foi atropelado pelo companheiro de barba escura.
— Aquilo…? Ah, falas da aura de batalha? — disse.
— Você também pode fazer isso, Harold?
O homem concordou, mas de modo hesitante.
— Não consigo projetá-la como Lerr, mas consigo fortalecer minhas armas com ela.
“Ah, então essa parada tem vários usos, então? Entendi…”, raciocinou.
Pelas conclusões a que chegou, essa tal aura de batalha era simples manipulação de mana. Só que, ao contrário de seu uso em feitiços, os guerreiros fazem de modo mais instintivo, apenas movendo as partículas mais próximas para endurecer o corpo ou aumentar sua velocidade.
— Curioso… Depois quero ter outra luta com vocês. Quem sabe até não consiga aprender essa parada. Hahaha! — disse Pedro alegremente.
Eles concordaram, hesitantes. E a confraternização então continuou.
O festival durou por mais um dia, totalizando três ao todo. Com certeza algo que marcaria o ideário de Vilazinha por bastante tempo. Este foi o primeiro passo do que Pedro chamou de verdadeira cultura local.