Shihais: Remanescentes da Aura - Capítulo 24
Quando Akemi abre a porta, uma figura familiar no interior da sala é revelada a ele.
Fala sério, é mesmo o pai da Miya?
De costas para um extenso quadro negro e absorto na leitura de um livro vermelho em um púlpito à sua frente, Masaru usa roupas notavelmente diferentes da farda camuflada antes usada; agora, ele veste um sobretudo branco com sutaches e duas medalhas à direita do peito.
Ele mais parece um professor com essas roupas, mas tinha que ser logo o dessa sala?! Enfim, essa visão ampla me ajuda a observar o interior daqui.
A única porta de acesso está em uma área elevada; logo à frente, uma breve e larga escada leva à área inferior, onde está Masaru.
Esse lugar é bem esquisito, onde será que eu me sento?
A sala, de paredes vermelhas decoradas por pinturas e relógios acima da lousa negra, chão marmorizado e teto branco, possui cinco bancadas de madeira com longos assentos atrás. Três dessas bancadas estão horizontalmente dispostas na parte frontal, enquanto a elevada área traseira, acessível pelas escadas ao centro, abriga as duas bancadas restantes e a porta.
Inundado pela luz dourada de lustres redondos no teto, o recinto está quase repleto de alunos sentados, totalizando onze; todos vestem o uniforme preto padrão da ASA e se mantêm neutros.
Lembro que são quinze alunos, então cabem três em cada bancada. Onde será que estão os faltantes? Contando comigo, tem só doze aqui.
Nenhum aluno é identificável, exceto dois.
Um deles é Sho, localizado à direita de Akemi na bancada superior.
Quando o amigo do jovem Aburaya o vê, sua expressão de extrema incredulidade é perfeitamente compreensível.
Hahaa! Com certeza ele não esperava me ver aqui… e realmente estamos na mesma sala?! Que bom! Pelo menos há mais alguém pra conversar. Mas quem é essa garota ao lado? Não consigo ficar perto dele se ela continuar no meio… De qualquer forma, vou me sentar na mesa deles, tem espaço pra um à esquerda.
Entretanto, o suposto professor sente a nova presença, e sem tirar os olhos do livro, ordena: — Ei, você de pé. Sente-se ali — ele aponta para um espaço na bancada frontal do canto inferior direito dele, onde um garoto e uma garota estão sentados. — Lembre-se de manter a porta fechada.
O pedido chateia Akemi, mas Sho continua como se não acreditasse na presença de quem está diante de seus olhos.
Fala sério! Vou mesmo ficar no extremo lado contrário de um dos meus únicos amigos? Bem, será que tem mais algum rosto conhecido?
Enquanto desce a escadaria, um garoto toma os olhos do jovem Aburaya.
Esse cabelo amarrado… Não é possível! Ele também tá aqui?!
Na bancada inferior central e de costas para Akemi, Hikaru Sasaki, o espadachim luminoso e vencedor do primeiro embate pela vaga na ASA, permanece sentado com seu olhar inabalável aguardando o início das atividades.
Ele nem sabe quem sou eu, devo ignorar. Meu lugar está logo à minha esquerda.
Seguindo as instruções, Akemi anda até o local recomendado, observando em volta.
Mas… onde está Miya? Ela me disse que estaria na mesma sala, porém não a vejo em lugar algum…
Ao se sentar, nota-se um amplo espaço no interior da bancada.
Entendi, isso provavelmente é destinado às maletas… tem duas ali, devem ser dos alunos ao meu lado.
Após ajustar seus pertences no espaço, sorrateiramente, um aroma exala.
Eh… Nossa, que cheiro é esse? É… doce? Caramba! É muito doce! Mas é bom!
Embora deva-se evitar espiar desconhecidos, a vontade é irresistível.
Os olhares disfarçados de Akemi alcançam a garota sentada à sua direita.
Eita! Sei que não sou alto, mas é a primeira vez que vejo uma garota da minha idade mais alta do que eu, por mais que seja só um pouco. Aliás, será que temos mesmo uma idade igual? Ela é… meio avantajada em certas partes…
De íris esmeralda, a garota usa longas maria-chiquinhas em seus cabelos pretos com toques brancos nas pontas. Sua maquiagem, três traços em cada bochecha, lembra bigodes de gato.
Ela é diferente, porém tem uma postura elegante, e esse olhar confiante é de alguém bastante feliz por estar onde está.
Repentinamente, o professor se levanta para assumir a palavra, sua voz calma contrasta com a seriedade.
— Bom, não podemos mais enrolar. Meu nome é Masaru Miyazaki, Subtenente de Investigações do Quinto Regimento Áurico, mas para vocês, é Mestre Masaru.
Neste momento, Akemi lembra do que estava informado na carta de boas vindas que recebeu.
Mestre? Será que ele é realmente o meu conselheiro? Ainda não sei o que isso quer dizer direito, mas espero que seja para me ajudar.
Masaru continua: — Sou formado em todas as áreas da ciência, com destaque à física. Então, ministrarei instruções teóricas nesta mesma sala durante algumas manhãs desse primeiro ano. Assim, vocês terão a oportunidade de aprender com diversos instrutores ao longo dos seis anos de formação, a depender de suas notas, sejam nos exames escritos ou nas nossas ACFs. Algum de vocês tem alguma dúvida?
Akemi levanta a mão direita espalmada.
— Francamente — reclama o instrutor — levante o punho cerrado esquerdo quando quiser falar, recruta!
— O-opa! Perdão! — O rapaz recua o braço.
— Desembucha.
— O que é ACF?
— Hm, era de se imaginar que você nunca tenha feito uma.
Quê?!
— É… E-eu… — hesita Akemi, notando o nervosismo crescer ao sentir que fez uma pergunta terrível.
Por que fui perguntar?! Ele até sabe que jamais fiz isso! E agora?!
Suspirando, Masaru releva: — Haaa. De qualquer forma, irei refrescar a memória de vocês, relembrar é viver.
Ufa! Achei que ele iria me esculachar de novo…
— A Avaliação de Capacidade Física é crucial para determinar se você possui a condição mínima para prosseguir na carreira militar, independentemente de ser áurico ou não. Mas não se acomodem, aqui não terá a mesma complacência vista em seus institutos áuricos.
Akemi fica apreensivo, temendo enfrentar dificuldades.
Nem tenho um certificado de formação áurica básica… o que será que eu faço em uma ACF?
— Além disso, na ASA, zelamos pela excelência suprema em todos os nossos exames. Se alguém reprovar em qualquer disciplina, será automaticamente expulso. Isso ficou claro para todos?
Fora Akemi, alunos presentes respondem em um forte uníssono: — SIM, SENHOR!
A altura do brado retumbante deixa o jovem Aburaya desnorteado e inseguro.
Essa gente é normal? Parecem robôs pré-programados, que medo!
— Muito bem, farei a chamada agora. Ao que eu disser o número e nome, levante o punho esquerdo cerrado e brade como de costume.
Masaru pega uma prancheta em cima do púlpito, ajusta seus óculos, e com firmeza, inicia a chamada: — Zero Um, Akemi Aburaya!
Porém, o rapaz permanece imóvel, perdido em seus próprios pensamentos.
— Akemi Aburaya! — O instrutor grita mais uma vez, levantando o rosto para olhar o rapaz distraído.
Com um susto, Akemi responde: — AH! Presente! — No entanto, comete erros graves ao novamente levantar o braço direito com a mão aberta, um gesto típico das chamadas escolares…
Mesmo que seus óculos reluzentes e esbranquiçados ocultem seus olhos, é possível flagrar a mistura exagerada de confusão e nojo no rosto de Masaru.
— Quê?! Presente…? Você não está em uma escola, recruta! É preparado! — Ao abaixar a cabeça, o instrutor leva a mão ao rosto, impaciente e sussurrando. — O bisonho ainda me levanta o braço direito de novo… Eu vou ter muito trabalho… — Tentando segurar uma ira incontível, ele encara a turma. — Que seja! O básico o resto já sabe! Espero não ver mais bizarrices… Próximo! Zero Dois, Nikko Ichikawa!
Chamando a atenção de todos, a garota ao lado de Akemi se levanta rapidamente; uma corrente de vento sobe junto do movimento de seu punho esquerdo fechado, surpreendendo e descabelando o jovem Aburaya.
— PREPARADA! — brada ela, com tremenda animação.
Em olhares admirados, Akemi a elogia mentalmente.
Ela é da família Ichikawa! Que demais! Provavelmente entrou por indicação assim como eu, mas com certeza deve ser muito forte!
Ainda de olho na prancheta, o instrutor comenta: — Ótimo! Mais uma regra anti-bizarrice! Não usem suas auras dentro das salas de instrução, apenas nos campos de treinamento. Aliás, não precisam se levantar para bradar.
Envergonhada, a garota diz: — Ai, foi sem querer! Desculpe, Mestre Masaru — após se curvar, ela se senta, mantendo a postura.
— Zero Três, Kentaro Ozaki!
— Preparado — o garoto na mesma cadeira de Nikko e Akemi responde. Apesar de usar um corte reco, uma cicatriz no meio de sua sobrancelha esquerda lhe dá uma aparência levemente selvagem.
Pelo visto a ordem de chamada segue os alunos sentados da direita para a esquerda do professor. Tenho que arrumar um jeito de prestar atenção no rosto de cada um…
— Zero Quatro, Rin Kurosawa!
A chamada vai para os alunos da bancada central.
— … Preparada — responde uma garota de cabelo chanel lilás e uma franja à esquerda tapando um de seus olhos que lembram as cores escuras de uma ametista. Uma grande má vontade domina sua energia ao levantar o punho cerrado.
Kurosawa…? Esse não é o sobrenome da recepcionista? Bom, pela fisionomia e jeito meio cínico, certeza que são parentes bem próximos.
— Zero Cinco, Teruo Kenzo!
— Preparado — responde um garoto de óculos multicromáticos. Mesmo que o seu cabelo médio e cinza esteja bagunçado, ele adota uma forma culta nas ações.
— Zero Seis, Hikaru Sasaki!
— Preparado — assim como visto anteriormente, Hikaru mantém a sua seriedade nos movimentos rápidos e precisos.
Como imaginei, a voz dele é calma e até meio fria, deve ser extremamente reservado.
— Zero Sete, Mayumi Sanada!
— Preparada! — brada uma ruiva, revelando determinação na bancada mais próxima à esquerda do instrutor. Em seu cabelo longo, três presilhas marrons seguram o lado direito da franja, enquanto cílios postiços, acima de seus olhos esverdeados com pupilas pretas, evocam as magníficas asas de um dragão negro.
Sanada… Lembro desse sobrenome na enciclopédia. São samurais!
— Zero Oito, Kyoko Shimizu!
— Preparada! — exclama uma pequena garota no meio da bancada, claramente a menor da turma; porém, seu tamanho não a deixa acuar. De afiados olhos prateados e cabelos claros como a neve, ela brada de modo tão acentuado quanto Mayumi.
… Baixinha invocada… Mas pera lá, ela parece uma criança! Tá certo isso?!
— Zero Nove, Kinyoku Shinkai!
— Preparado — responde um garoto, direto e reto. Sua feição, assim como das garotas na sua bancada, também é séria, e por mais que seus lisos cabelos negros diminuídos na nuca e íris escuras não causem nenhuma estranheza, há uma peculiaridade abaixo de seu olho esquerdo: um grande ideograma preto que oscila em tons tênues de púrpura.
Engraçado, a pronúncia do primeiro nome dele é até um pouco parecida com a da baixinha invocada…
— Dez, Minoru Suzumura!
— Preparado — posicionado no canto direito da bancada na área superior atrás de Akemi, um garoto de cabelo castanho claro raspado nas laterais, possui grandes olheiras em seus olhos dourados.
— Onze, Aya Hattori!
… Este nome não tem resposta…
— Aya Hattori? Bom, deve ser a que está fo-
Bam!
O barulho da porta sendo aberta de forma brusca vem.
— Achamos ela, pai! Mil perdões pela demora!
Essa voz… É da Miya!
Masaru repreende: — Senhorita Miyazaki, já conversamos sobre como deve me chamar aqui.
Brincalhona, a garota assente: — Tá, desculpa… “Mestre Masaru” — e então, entra na sala.
Akemi tenta olhar para trás, e enfim, consegue ver Miya se sentando na bancada de Sho.
Parece entediada, mas o que será que ela estava fazendo lá fora?
O som de outras pessoas entrando na sala vem em seguida.
A mesma menina armada na sala escura aparece no centro da bancada superior atrás de Akemi. Apesar de ter só a cabeça visível, uma máscara preta oculta sua boca e nariz, revelando apenas seus olhos de cores diferentes: branco e verde claro.
Entretanto, em um momento inesperado, mais uma figura inusitada surge ao lado direito dessa garota.
N-Nihara?! Espera, que cicatriz enorme é aquela na testa dele?!
Ao cruzar os olhares com Akemi, ele rapidamente evita contato visual, denotando desagrado.
Ai, essa não! Esse cara nunca vai me deixar em paz, por que eu tenho que ser tão azarado?
— Agora sim, a sala está completa. Prestem atenção, estou no meio da chamada. Continuem respondendo com o brado padrão… Onze, Aya Hattori!
…
— Aya Hattori?!
Masaru tira os olhos da prancheta e observa a sala em busca da pessoa que não responde.
Logo, todos notam a garota mascarada de braço direito erguido; todavia, ela está silenciosa e com o olhar perdido no vazio.
— Entendi, você é aquela aluna. Prosseguindo… Doze, Nihara Miyazaki!
— Preparado — Nihara, com a boca trêmula, encara o instrutor. Seu tom de deboche permanece inalterado.
Mesmo com o gesto desrespeitoso de seu familiar, Masaru segue como se já fosse acostumado com as atitudes do rapaz.
— Treze, Hiromi Miyazaki!
Miya responde de maneira simples: — Preparada — sua energia fumegante que contagiava a qualquer um parece ter desaparecido.
— Quatorze, Aruni Yamamoto!
— Eh! Cof cof! Preparada! — responde uma jovem com cabelos castanho claro até os ombros, decorados por duas margaridas de cada lado, como se fosse a primavera em pessoa. Grandes óculos redondos fazem seus olhos ficarem gigantes, dando a entender que sua visão natural é tão boa quanto a de um morcego ao sol do meio-dia.
Entre Sho e Miya, a garota escancara um nervosismo que rivaliza com o de Akemi.
Yamamoto… esse nome me é familiar…
— Quinze, Sho Yamamoto!
— Preparado.
Aaaah… Aquela ali é a irmã do Sho, lembro dele me falar que ela também passou na prova escrita. Não há como negar que são irmãos, possuem até características semelhantes.
— Todos presentes, excelente! Com isso, podemos dar início aos nossos trabalhos…