Shihais: Remanescentes da Aura - Capítulo 7
Usando a chave entregue pelo avô, Akemi destranca e desliza o portão de correr para entrar.
O interior da casa é minimalista, destacando os pisos de tom claro e as paredes revestidas de madeira escura.
A sala principal possui um tokonoma — um baixo altar — decorado com objetos de valor sentimental e artístico inspirados na antiga Asahi.
A disposição do mobiliário inclui dois sofás e uma poltrona, com uma área para a cozinha logo atrás e um corredor conduzindo aos demais cômodos da casa.
Tenho que me lavar, mesmo que eu não esteja fedendo, deve fazer muito tempo desde a última vez em que tomei um banho por causa do acidente.
Sozinho, assim como é acostumado a viver, Akemi vai ao banheiro, um simples espaço revestido por painéis de madeira, com lavatório, banheira de imersão, chuveiro de mão e um vaso sanitário.
Ao tirar as roupas, o garoto analisa suas cicatrizes pelo espelho, percebendo que elas partem da sua barriga e descem para as coxas.
Hm, meu corpo mudou tanto em tão pouco tempo. Será que chamarei atenção se eu ficar sem camisa…?! Calma! Não em um mau sentido! Ah, vou logo tomar banho.
Um demorado banho de banheira é sua opção, buscando um momento relaxante, aproveitando que não terá de trabalhar hoje; nesse meio tempo, ele imagina como explicará ao avô que irá para a ASA daqui uns dias, pois tem notado que o avô vem agindo de forma suspeita ultimamente.
Após o banho, o jovem envolve uma toalha em si e dirige-se ao seu quarto, onde está o seu armário cheio de vários conjuntos de camisas brancas, calças azuis, sapatos e chinelos.
É, eu só uso as mesmas roupas de sempre. Mas está tudo bem, não sou nenhum mestre estilista.
Vestido e em busca de algo para comer, a pequena cozinha com vista para a sala principal é o seu novo paradeiro, mas sorrateiramente, um barulho da porta da casa sendo aberta surge, deixando-o em alerta.
Akemi decide investigar e para sua surpresa, é Isao quem chega.
— Vovô?
— Já recebeu alta?
— Você chegou mais cedo, o que aconteceu?
— As pessoas da usina acharam que eu não estava em condições de trabalhar, devo estar com a maior cara de cansaço. Vou ali lavar o rosto, eu volto daqui a pouco.
Com olheiras enormes, o idoso anda lentamente em direção ao banheiro, deixando o neto preocupado.
Akemi se senta no sofá da sala principal e torce para que o avô esteja com paciência para conversar ao voltar.
[ 3 minutos depois… ]
Finalmente, o avô volta para a sala e se senta ao lado do neto.
— Você estava muito incomodado no hospital, o que foi aquilo?
— Estou bem, apenas quero saber o que fizeram com você.
— Não se preocupe, não fizeram maldade alguma comigo, mas… preciso te mostrar uma coisa. Promete para mim que não irá surtar?
Isao não responde com palavras, entretanto, seu olhar dá a entender que ele espera a demonstração do neto, que ao compreender o comportamento do avô, diz: — Tudo bem… observe.
Akemi faz pequenas correntes elétricas percorrerem da ponta dos dedos de uma mão a outra, e juntamente da prática, sua aura aparece, porém está fraca e transparecida.
Isao é surpreendido pela cena e com os olhos arregalados, diz em voz baixa: — Então, é isso…
O rapaz continua emitindo seus poderes enquanto explica: — Disseram que é uma aura de eletricidade, também me ajudaram a controlá-la de algumas maneiras, demais não é?
— Escute bem, não use isto dentro de casa!
A regra chateia o garoto, que rapidamente cessa os poderes de sua aura.
— Entendo… perdão.
— O que fizeram depois?
— O militar que estava lá me convidou para fazer um teste na ASA!
— ASA? Hm, até parece que você recusaria. Como pretende ir para um lugar tão distante?
— Eles me buscarão daqui dois dias.
— Compreendo…
O garoto abre os braços e responde em tom irônico: — Agora você compreende?!
Isao foca nos olhos do neto e desabafa: — Olha, durante toda a sua vida, tentei te desviar desse caminho, mas mesmo assim, eu sempre soube que essa hora chegaria. Daqui pra frente é você quem escolhe o que vai acontecer na sua vida, já vi que não posso mais te segurar tendo quase oitenta anos, estou velho e cansado.
— Se esse dia era esperado, você não vai me explicar nada sobre esses meus poderes?
— Me refiro ao fato de você entrar na vida militar, é inevitável que eu consiga te rotular por toda a sua vida.
— Mas essa aura!? Eu a desperto com dezoito anos e você não tem nada a dizer?
— Isso… é uma surpresa descomunal para mim, não tenho o que dizer.
— Você anda tão misterioso nesses últimos anos, por que tem que ser assim?
— Meu neto, você tem um coração bom, é inteligente, e pelo visto, possui uma certa coragem, mas é desastrado e inconsequente, tem que melhorar muito para conseguir suportar aquele lugar. Existem muitas coisas que você não sabe sobre o exército asahiano… Enfim — Isao se levanta —, dormirei um pouco. Venha cá.
Após um forte abraço, ele apoia as mãos nos ombros do neto e o encara.
— Se você realmente ingressar na ASA, acredito que não o verei por um bom tempo, mas não pense muito em mim, agora que não é mais trivial, tem que aprender a controlar a sua aura, será melhor pra você.
— Fique tranquilo, vou provar a você de que sou capaz!
— Hohoho, realmente tem momentos que você é igual a sua mãe.
— Queria ter a conhecido para saber o quão ela é parecida comigo…
Akemi nunca viu nem uma foto de seus pais, seu avô já tentou desenhá-los, mas por não ser um bom artista, a tentativa não ajudou a criar uma imagem clara.
Isao havia dito que perdeu o álbum da família em uma viagem, então, as únicas evidências em foto de sua filha única com o cônjuge estão perdidas pelo mundo.
— Saiba que sua mãe tem um orgulho genuíno de você. Vou ao meu quarto descansar, tente não me acordar, ainda tenho que voltar ao trabalho amanhã.
Agora que está praticamente sozinho, Akemi vai nos fundos da casa, onde há um quintal consideravelmente espaçoso.
O sol das dez horas da manhã bate em seu rosto e o céu está limpo.
O quintal dos fundos é sereno, tendo um gramado baixo e vários elementos se destacando, como lanternas, cascalho, decorações espirituais, bonsais e arbustos bem cuidados. Uma cerca alta faz a casa ser separada das residências vizinhas.
Posicionado no centro do quintal, o jovem respira fundo, fecha os olhos, e novamente sente a eletricidade fluindo.
Imediatamente, a manifestação visual de sua aura surge envolta, preenchendo vibrantemente seu corpo.
Ele não consegue se segurar, por mais que saiba das ordens recentes do avô, uma empolgação fervilhante toma conta.
Isso brilha tanto, é até estranho de enxergar, tudo fica meio amarelado… Mas, de fato é uma visão encantadora!
A felicidade transborda em seu sorriso incessante.
Essa sensação… é tudo o que eu queria! Não tem jeito, é o melhor dia da minha vida!
Apesar de toda a animação, nenhum barulho pode ser feito por conta do sono de Isao; no entanto, Akemi luta para conter sua energia, que aumenta constantemente quanto mais ele a contempla entusiasmadamente.
Espera, isso está ficando esquisito… Ai, caramba! Ela nunca ficou desse tamanho!
Drasticamente, a aura aumenta com intensidade, lançando feixes elétricos que se movem no ar como serpentes de fogo.
O rapaz entra em pânico ao sentir o calor corporal voltar.
Ah não! O que eu faço?! Não era para ser assim! Sai! Sai! Sai!
Uma frenética batalha contra algo praticamente intocável se inicia.
Mantendo-se de pé, ele desesperadamente tenta dissipar a energia deslizando as mãos pelos braços e pernas, como se estivesse tirando poeira do corpo.
Logicamente, isso não dá certo.
Com as tentativas falhas, sua respiração acelera e seu coração bate como um trovão.
A intensidade da energia é avassaladora, tudo envolta brilha e as faíscas voam por todos os lados.
O poder parece resistir às tentativas de controle, o som do crepitar elétrico se torna mais alto, amplificando a apreensão do pobre garoto diante da ameaça de acordar o avô, ou até mesmo destruir algo.
Caramba! Eu tenho que pensar em algo! Pensa! Pensa! Pensa! Pensa! Argh… Ah! O major!
Entre o desespero, ele se lembra das instruções que recebeu.
Tenho que pensar em algo calmo…
Uma floresta agitada por uma tempestade se forma em sua mente; então, seu objetivo é acalmar esse ambiente caótico imaginário.
O rapaz enche seus pulmões de ar e expira lentamente, alinhando sua respiração com a tentativa de acalmar o vento dessa floresta.
Sentindo-se mais calmo, ele abre os olhos e vê sua aura se esvaindo.
Ufa! Achei que fosse ser engolido pelo meu próprio poder… Queria usar a minha aura até o vovô acordar, mas acho melhor parar por hoje antes que eu cause um estrago.
Voltando à sala, o jovem decide passar o dia estudando, visando a prova que está por vir.
Quem dera se biologia fosse fácil como exatas. Os seres que vivem nessas florestas de Asahi são inexplicáveis, ainda bem que nunca me deparei com um bicho selvagem.
[ 24 de abril de 1922, Toryu, Asahi. ]
Aproveitando a sua folga e a ausência do avô em casa, Akemi novamente está no quintal, onde o silêncio é interrompido apenas pelos pássaros cantando pela manhã ensolarada.
Após um suspiro profundo, o rapaz espera sentir a conhecida corrente elétrica.
Entretanto, nada acontece.
Aumentando o foco, ele tenta novamente, mas a sensação de uma energia pulsando através de suas veias simplesmente não vem.
Ué? Não está… funcionando?!
Seu coração acelera e o nervosismo inunda os seus pensamentos. Desesperado, o garoto tenta mais uma vez, porém… o resultado é o mesmo.
Nem as faíscas que costumavam partir de seus dedos surgem, sobrando apenas a sensação de vazio. O que antes era sua fonte de poder e confiança, agora parece se transformar em nada.
Perplexo, Akemi encara suas mãos como se esperasse encontrar a resposta escrita nelas.
— E-eu não acredito! Por que eu não sinto nada?! O que está acontecendo?!
Enquanto tenta compreender o caso, sua cabeça se enche de perguntas. O medo de que sua ligação com a eletricidade tenha sido permanentemente interrompida se instala.
— Por que eu estou passando por isso?! Não me falaram que ela poderia sumir assim! Ai ai ai… Bom, tenho que distrair a mente. Vou voltar a estudar, é o mais importante agora.
Akemi permanece imerso nos livros até o sol dar lugar à lua no céu.
Eu nem sei se conseguirei dormir hoje, também, não adianta ficar pensando nisso, só o tempo dirá se os meus poderes retornarão. Que inferno!