Shihais: Remanescentes da Aura - Capítulo 33
Um oceano em uma manhã de nevoeiro — aparentemente pacífico, mas com uma profundidade desconhecida e cheia de perigos… Essa é uma das formas de definir pessoas calmas, porém… letais.
À primeira vista, elas são serenas, a personificação da confiança aplicada na tranquilidade. Seus movimentos são suaves, seus olhos são observadores… e suas palavras? Às vezes nem sempre precisam ser utilizadas.
Entretanto, assim como a das plantas carnívoras, essa calmaria é enganosa. Não é a ausência de emoção, mas o controle absoluto sobre ela. Essas pessoas conhecem a fúria, porém, a dominam com a silenciosa maestria de um mestre espadachim.
À medida que o mundo ao redor delas se agita e apresenta riscos, elas permanecem intocáveis, uma rocha firme em meio ao tumulto das ondas. É aí que reside sua letalidade: na capacidade de manter a precisão quando tudo está governado pelo caos.
A letalidade não vem apenas do ódio ou do desejo de destruição, mas de uma compreensão profunda do momento. Agimos de maneira brutal porque precisamos, porque decidimos, porque o momento exigiu… e quando iniciado o serviço, não deve haver arrependimentos.
Definitivamente é isso que torna essa gente tão formidável: a certeza de que, no fim, o poder real é aquele que se manifesta apenas quando é necessário, de forma calma, mas absolutamente efetiva.
E, claramente, um exemplo com essas características posiciona-se no centro do tablado de terra diante da Turma 1F.
Com seus longos cabelos pretos presos em um rabo de cavalo, Hikaru — aluno 06 — mantém sua franja caída nas laterais de seus olhos, remetendo uma cascata de ébano. Vestindo o uniforme branco e preto, o garoto segura uma katana de madeira na mão direita; e apesar da altura baixa, não há tensão em seu semblante, apenas um olhar dourado que enxerga através dos céus.
Entre a turma ao longe, o Major Yura dá um passo à diante. Seu rosto está contorcido em desprezo e curiosidade mal disfarçada. — Uma espada? EU ODEIO ESPADAS!!! — anuncia ele, a própria menção da arma lhe causa repulsa. — SÃO MEROS OBJETOS ESPECÍFICOS DESTINADOS AOS SERES FRÁGEIS E LIMITADOS! MAS AQUI ESTÁ VOCÊ, ZERO SEIS! O PRIMEIRO A SE APRESENTAR COM UMA ESPADA… E DE MADEIRA…!!! QUEM PEGA UMA ESPADA DE MADEIRA QUANDO HÁ OUTRAS ARMAS AFIADAS PRONTAS PARA O COMBATE NA MESA DE ARMAMENTOS?!
Mantendo a postura, Hikaru nem cogita responder.
Entretanto, a quietude parece atingir alguém.
— FICARÁ CALADO AÍ MESMO, ZERO SEIS?! APRESENTE-SE!!!
Hikaru inclina a cabeça de leve, um gesto de cortesia quase irônico. — Hikaru Sasaki, filho de espadachins, áurico de luz — sua voz é profunda e calma, um tanto quanto fria.
Por um momento, o Major Yura parece confuso. Talvez não esperasse uma resposta tão direta. Mas o que mais o desconcerta é a tranquilidade de Hikaru, um garoto que parece não se abalar pela presença de um superior, e muito menos de qualquer outra pessoa.
— Hmmmm… Embora não seja bom com nomes, reconheço sua linhagem, Zero Seis… ENTÃO MOSTRE-NOS SUAS HABILIDADES COM ESTE PEDAÇO DE ÁRVORE! SEM MUITA CERIMÔNIA!!!
Respondendo mais uma ordem, Hikaru respira fundo, ainda segurando a empunhadura de madeira.
O silêncio no tablado de terra se torna tão presente quanto o calor do sol iluminando o céu azul.
O garoto fecha os olhos por um instante, respira fundo, e, sem dizer uma palavra, assume uma postura curvada. As pernas se afastam ligeiramente, uma estendida para trás, a outra flexionada à frente. Seu corpo inteiro se inclina, é a tradicional pose de um espadachim pronto para se lançar como uma flecha, já que a espada de madeira, segurada pelas duas mãos, descansa tranquilamente na altura da cintura.
Sorrateiramente, a pele de Hikaru tem seu brilho intensificado, banhado por uma luz que reflete a do reluzente astro que desponta sobre eles.
A plateia observa, fascinada, mas com um certo desconforto; afinal, Hikaru começa a desaparecer nas vistas em meio ao brilho, tornando-se quase uma figura etérea, uma miragem.
Antes em descansar, o Major Yura cruza os braços, seus olhos apertados mostram uma expressão impaciente. — Hm, eu me lembro desse garoto…
De repente, sem aviso, Hikaru abre os olhos, sua íris amarela e intensa parece fitar algo além da realidade imediata, como se estivessem em um mundo só seu.
E então, ele explode em ação.
Fwu…!
O primeiro corte surge como um relâmpago, a espada risca o ar em uma rápida investida na diagonal à sua direita. Um som agudo corta o silêncio, e o brilho de sua lâmina improvisada traça uma linha luminosa no ar, desenhando o pedaço de uma forma no vazio.
Antes que qualquer olho possa acompanhar, o segundo golpe segue.
Fwu…!
Um corte reto ao oeste do tablado, distante e brilhoso. A espada continua a brilhar com uma intensidade clara que deixa rastros cintilantes, desta vez, percorrendo até um ponto mais longe.
Num último movimento, Hikaru gira sobre o próprio eixo, seu corpo todo se volta de maneira fluida e natural.
Fwu…!
O terceiro golpe corta diagonalmente de volta ao ponto inicial da apresentação, fechando um triângulo isósceles de luz branca no ar.
Assim, os três movimentos são realizados.
Fwu! Fwu! Fwu…!
Hikaru permanece imóvel, inclinado e de costas para a turma, porém, seus ombros se movem em um ritmo de descontrole respiratório, o garoto parece lutar contra uma forte exaustão, um detalhe perceptível por poucos.
Mas logo, o rapaz aparenta retomar sua postura.
Lentamente, Hikaru se vira à turma. Seu olhar está firme.
Com a katana de madeira sendo suportada delicadamente pelas suas mãos estendidas à frente, ele se curva levemente sem nenhuma declaração, pois o gesto por si só já diz tudo. Sua apresentação está finalizada.
A espada de madeira não aguenta o poder que pulsa através dela. Quase como se protestasse, ela começa a se rachar, da ponta até o cabo, soltando fragmentos que voam e se desfazem em faíscas e poeira. Em questão de segundos, o que restava do simulacro escorre pelos dedos de Hikaru, que olhando para o chão, acompanha cada pedaço de sua arma se transformando em nada além de um punhado de serragem fina no solo. Pela expressão séria com toques de desgosto em seu rosto, fica claro que o fim não o satisfaz.
O Major Yura ainda observa de braços cruzados. O silêncio que segue é quebrado apenas pelo som distante do vento, e claro, por reclamações. — EXCELENTE, ZERO SEIS! DESTRUINDO PATRIMÔNIO MILITAR! PASSÍVEL DE SEVERAS PUNIÇÕES! MAS COMO EU DESPREZO VEEMENTE ESTE TIPO DE SIMULACRO, VOCÊ FEZ UM CERTO FAVOR PRA MIM…! ASSIM ESTÁ BOM, VOLTE AO SEU POSTO!
Erguendo a postura, Hikaru segue de volta à formação perfilada da turma. Seu descontentamento pela destruição da katana de madeira ainda o abala sutilmente.
— PRÓÓÓXIMOOO!!!
Pelo visto, há outro “oceano em manhãs de nevoeiro” na turma, porém, ainda não conhecemos a periculosidade deste.
De frente para a mesa de armamentos, Mayumi Sanada — aluna 07 — a ruiva de olhos verdes atentos, analisa as armas disponíveis com suas mãos sobrevoando a variedade de opções letais. Suas novas vestimentas, especificamente a camiseta branca, agora expõe três grandes cicatrizes de cortes horizontais no antebraço.
A demora na escolha aumenta a ansiedade do instrutor impaciente. — Por favor não pegue espada, por favor não pegue espada, por favor não pegue espada…
Enfim, uma katana de lâmina reta e empunhadura vermelha é selecionada.
— INFEEEEERNUUUUUUUSS!!! MALDITOS SOIS VÓS, FRÁGEIS COM ESPADAS!!!
O grito não abala Mayumi, com suas novas vestes e arma em mãos, ela segue ao centro do tablado.
Enquanto isso, o major segue indignado. — Quantos daqui usam katanas? Antes um ancinho do que isto! Não há algo que mais me enoje…
Claramente, o equipamento de um só gume o estressa por algum motivo pessoal, a única explicação.
No ponto de exibição, Mayumi segura a katana com a mão esquerda, mas desta vez, é uma lâmina de aço sem curvas que amplia sua letalidade.
O major continua incrédulo com o que vê. — Pelo menos você escolheu algo que possa ferir, não é, Zero Sete?
Passando o dedo indicador pelo fio de corte da katana na vertical, Mayumi comenta: — Para aqueles que veem além da lâmina, nada se resume somente ao material — sua voz segue calma e clara; é o tom de alguém contador de verdades que poucos seriam capazes de entender.
— Você é uma sábia ou algo assim, Zero Sete?
Mayumi continua contemplando sua arma. — Negativo, sou apenas uma garota de dezenove anos com uma katana.
— Você sabe que a resposta não deve ser assim.
— Certo — a garota abaixa a lâmina da espada. — Meu nome é Mayumi, Mayumi Sanada. Uma espadachim formada no Instituto Hoshizora, com os ideais do Demônio Vermelho. Indo direto ao ponto, embora minha família seja composta por samurais especializados em auras derivadas do fogo, minha situação foi diferente. Sou dobradora do sangue.
— Sangue…? RÁ! NÃO VÁ ACHANDO QUE É ÚNICA ENTRE NÓS, ZERO SEIS! POR MAIS QUE ESTEJAM EM NÚMERO ESCASSO, EXISTEM PESSOAS QUE FICARAM MILIONÁRIAS COM ESTA AURA SANGUÍNEA! AFINAL! O QUE VOCÊ FAZ AQUI COM UMA AURA DESSAS?
— Sei que áuricos sanguíneos normalmente conseguem somente controlar fluxos sanguíneos e quantidade de sangue, mas no meu caso, meu sangue não é doável. Não controlo o meu sangue interno da forma correta, é por isso que estou aqui. Reconheço que não consigo evoluir minhas habilidades áuricas sozinha.
— E O QUE VOCÊ CONSEGUE FAZER?!
— Na verdade, tenho controle absoluto do meu sangue, mas ele deve estar exposto.
— … Exposto?
— Exatamente, entretanto, usei minha aura poucas vezes, e em algumas situações, evitei usar. Conclusão: meus limites são desconhecidos.
— COMO CHEGOU NA ASA SEM SABER USAR A SUA AURA?!
— Compenso em outras habilidades, a lâmina é minha guia, ela me mostra o caminho da verdadeira força. Para falar a verdade, ser áurica apenas me deu passes privilegiados na vida.
— Ugh, que papo mais deplorável, definitivamente vindo de frágeis… CONSEGUE DEMONSTRAR SUA AURA?
— Teria que sacrificar boa parte da minha carne para uma apresentação decente, e infelizmente, a dor é lancinante e a cicatrização é vagarosa. Não vale a pena passar por isso de novo… — Com ambas as mãos, Mayumi segura sua katana verticalmente à esquerda do corpo, na altura do ombro. — Assim, demonstrarei as minhas habilidades com a espa-
— BAASTAAA…!!! DECEPCIONANTE, ZERO SETE!!! DECEPCIONANTE!!! É POR ESSAS E OUTRAS QUE ME FAZEM NUNCA MAIS COLOCAR AS MÃOS EM UMA ESPADA! E EU ME RECUSO A TE VER USANDO ISSO SEM O ACOMPANHAMENTO DE UMA AURA…! AAGOOORA!!! DEVOLVA ESTE OBJETO FAJUTO PARA A MESA E SUMA DA MINHA FRENTE!
Ainda em sua posição com a katana, Mayumi segue com seu olhar sereno, processando as palavras árduas do instrutor. Após breves segundos parada, ela volta a katana para a mão esquerda, abaixando-a. Em silêncio, a garota caminha calmamente até a mesa para guardar a arma, seguidamente voltando para a turma.
— Argh! Já estou de saco cheio dessa tropa, e com certeza tem como ficar pior… PRÓÓÓXIMOOO!!!