Shihais: Remanescentes da Aura - Capítulo 36
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- Capítulo 36 - Os dois extremos da considerabilidade
Diante de dois alunos lado a lado, o instrutor os analisa: — Hmmm… Um garoto de olhos azuis, ameaçadores como um mar de tubarões-polvo à luz do dia, e uma garota de presilhas de chamas no cabelo bicolor e olhos verdes límpidos como uma jóia rara… QUE DESCRIÇÃO RIDÍCULA QUE ME DERAM…! EENFIIIM!!! VOCÊS DOIS AÍ SÃO MIYAZAKI?!
— Afirmativo, senhor! — respondem os integrantes da família de fogo, sem precisar olhar nos olhos de quem pergunta, a perfeição na postura exala disciplina por si só.
— Correto… Qualquer um Miyazaki dispensa apresentações. Tenho certeza de que todos aqui conhecem suas capacidades. Vocês dois não necessitam trocar o uniforme, entendido?
— Sim, senhor!
Yura avança para os próximos alunos, porém, há um destaque na reação dos Miyazaki.
Nihara, claramente estressado, lamenta a oportunidade perdida de mostrar suas habilidades, ou talvez, possa ser uma sensação negativa gerada por eventos passados que assombram sua mente.
Já Miya, tenta esconder o desprezo contido que sente ao ver o instrutor passar. Seu desdém pelos militares da ASA pulsa em seu semblante, uma imperceptível chama silenciosa…
Olhando aos céus, o major caminha lentamente, suspirando. — Haaa. Pelo menos tenho a certeza de alunos altamente qualificados na minha tropa. Nada mais pode me abalar… — Mas quando bate o olho nos próximos… — Ah, é sério isso?
Parado, Yura franze o rosto ao sentir-se diante de uma piada mal contada, enquanto observa Aruni e Sho Yamamoto, que suam frio e tremulam levemente com a presença do superior.
— São gêmeos?
— … S-sim, senhooor — Aruni responde baixinho, com o olhar retraído buscando maneiras de desaparecer no chão, enquanto Sho, não sabe como reagir ao próprio medo.
Yura suspira, levando a mão à testa. — Haaa… É CLARO QUE SÃO! ME PERGUNTO COMO OS DEUSES TIVERAM CORAGEM DE ME TRAZER FARDOS MAIORES! E EM DOSE DUPLA…! Não perderei tempo com vocês. Só de olhar, já imagino o trabalho que me darão. Fiquem com esses uniformes. Vocês e os Miyazaki estão dispensados!
Aruni aperta as mãos contra o centro do peito, desconfortável. Ela claramente odeia ser o centro das atenções, ainda mais sob circunstâncias como essas.
E assim, Nihara, Miya, Aruni e Sho, se retiram do campo de batalha…
Com as mãos recuadas, o major anda à frente da turma restante. O foco vai para o seu rosto concentrado.
— É O SEGUIIINTE!!! NÃO ME IMPORTA COMO VOCÊS SE INGRESSARAM NESTA ACADEMIA, SEJA POR PROVA OU QUALQUER TIPO DE INDICAÇÃO! MAS SAIBAM DE UMA COISA! É DE SUMA IMPORTÂNCIA QUE VOCÊS OBTENHAM UMA FORMA FÍSICA E MENTAL DECENTE INDEPENDENTEMENTE DO NICHO MILITAR QUE QUEIRAM SEGUIR! DIGO ISTO PARA A SAÚDE DE VOCÊS! E LEEEMBREM-SE!!! MEU DEVER AQUI É MANTER O CORPO DE VOCÊS EM DIA ATÉ O FINAL DESTE ANO! ESTAMOS ENTENDIIIDOS???!!!
— SIM, SENHOR!!!
Um silêncio toma conta após o uníssono brado dos jovens, e com isso, o major leva a mão ao queixo enquanto anda e sussurra consigo mesmo: — Apenas sete alunos de quinze me chamaram a atenção. E agora só me sobraram onze para trabalhar. Vamos ver como eles se sairão em testes mais apropria-
— Viinte… e dooois… Uuf!
Um baixo gemido de esforço vindo de baixo toma a atenção, e quando o major pausa para olhar ao chão… — Eu não acredito…
Bem… digamos que não era uma coisa que ele esperava ver.
— AINDA ESTÁ NAS MINHAS FLEXÕES, ZERO UUUM???!!!
Pingando suor e tremendo o corpo magro rente ao chão, Akemi informa: — Eh… Uff… Só faltam oito… senhor! Uff!
— CANAAALHA!!! VOCÊ ESTÁ AÍ JÁ FAZEM MAIS DE DEZ MINUTOS! FRANCAMENTE! ERA MELHOR QUANDO NÃO SABIA DE SUA EXISTÊNCIA! E QUER SABER DE UMA COISA???!!! VOCÊ NÃO PAGARÁ POR ISSO SOZINHO! — Yura se vira para toda a turma. — É O SEGUINTE!!! POR CONTA DA INCOMPETÊNCIA DO MONSTRUOSO ZERO UM! FICAREMOS AQUI ATÉ ELE ACABAR AS FLEXÕES! OU SEEEEJA!!! ATÉ – O FIM – DOS TEEEMPOS!!!
Ai, caramba! Eu não consigo me mexer mais! Nunca imaginei que trinta flexões seriam tão complicadas! Eu não quero nem olhar pra cara do instrutor… deve estar querendo a minha cabeça!
Akemi sente um calor corporal se aproximando. — Olha rapaz… — um tom quase demoníaco alcança seus ouvidos. É o Major Yura quem se agacha com olhar de mil jardas colado no rosto do garoto — eu não costumo deixar alunos incapacitados fora de tutorias, eu já vetei dois por hoje, e isso não me agrada nem um pouco. Até onde eu sei de mim, não é preconceito, mas reconheço a capacidade física de alguém só de olhar… e você…? Eu não preciso nem comentar. Entretanto, para sua sorte, Zero Um, não pretendo te excluir das atividades de hoje. Até pensei em perguntar se você quer, mas assim eu seria bondoso demais, e isso não funciona na hora de treinar soldados que querem se tornar alguém na vida. Por isso farei outra pergunta para você, Zero Um… Qual o seu objetivo aqui?
— … E-eu… uff… quero… ser forte… a ponto de conseguir proteger alguém… senhor…
A resposta faz Yura ter seu olhar intimidador substituído por um breve lampejo de compreensão.
— … Excelente.
“Ele realmente passou todo esse tempo focado nas flexões…” Reflete o major, analisando com seriedade. “E afinal, era claro que um corpo medíocre desse não aguentaria trinta, escolhi justamente essa quantidade para ver se ele tentaria me enganar. Mas… por mais que esteja sofrendo, tremendo no chão como um cachorro abandonado, é perceptível que este garoto em nenhum momento pensou em desistir do exercício… Louvável.”((pensamentos entre aspas em itálico são referentes aos personagens que não são o protagonista. Um teste que provavelmente pode ser mais usado posteriormente.))
— Major…
— Oh, diga, Zero Um.
— Eu… não sei se aguento mais! Meu peito dói e meus braços estão cedendo!
— … RÁ! — O instrutor volta com seu sorriso maléfico — ISSO NÃO É PROBLEMA MEU! SE CAIR! COMEÇARÁ DO ZERO!
— COMO???!!!
— MUAHAHAHAHAHA!!! VAAAMOS, ZERO UM!!! SEUS COMPANHEIROS ESTÃO TE ESPERANDO! VOCÊ NÃO TERIA CORAGEM DE DEIXÁ-LOS IRRITADOS, TERIA?!
— NÃO, SENHOOOR!
— ENTÃO FORÇA NESSES BRAAAÇOS!!!
O grito de incentivo impulsiona.
— AAAARGH! Vinte e trêêêês… Uff!
— ESSE É O ESPÍRITO, ZERO UM! TIRE-NOS DAQUI COM O SEU ESFORÇO!
Akemi continua forçando cada flexão, seus braços tremem, suor escorre pelo rosto, seu corpo está no limite. Mas desistir? Isso não passa pela sua cabeça. O chão suga sua força, mas o garoto se recusa a ceder.
Já na fileira de alunos perfilados, alguns observam à distância. Há os que disfarçam um riso de canto, achando graça. Outros permanecem indiferentes, nem mesmo viram a cabeça. Mas, é distante deles que se encontra quem carrega o peso das emoções negativas.
[ Pátio da Academia Shihai de Asahi, às 13h23. ]
Caminhando pelos caminhos de brita, Nihara sente o sangue ferver. Sua cabeça baixa, dentes rangendo e passos raivosos denunciam a ira interior.
A frustração o consome, destruindo qualquer fachada de serenidade, como se a existência de algo fosse uma afronta pessoal.
Cada segundo parece uma eternidade, e o prodígio de fogo mal consegue conter o ódio que queima por dentro.
— O que foi? Há algo te incomodando?
— Hãn? — reage Nihara, parando e levantando a cabeça ao ouvir uma séria voz feminina à sua direita.
— Você parece irritado.
Sem mover o pescoço, Nihara logo percebe que é Miya quem fala contigo. — Estou bem… esqueça de mim… — Sua voz não oculta sua raiva.
— Ainda está sentido por causa dessa cicatriz? Fique tranquilo, seu pai tem piores no corpo.
O comentário o irrita mais. — Já falei para não me comparar ao meu pai.
— Perdão. Achei que você se espelhava nele.
— Nessa época tínhamos sete anos. Muitas coisas mudaram dali pra cá.
— Tem razão. Então o que te abala?
Nihara vira o rosto para a esquerda, escondendo seu estresse de Miya.
— Por que não quer responder?
— Para com isso! Eu não respondo porque você sabe a resposta!
— É algo relacionado ao seu teste de admissão?
— … Grrr… — Dentes rangem ainda mais.
— Você venceu a sua luta, não tem porque ficar assim.
— Não me importa se venci! Me importa como um fracassado daqueles está no mesmo lugar que eu.
— … Oh! Então esse é o problema.
— Passei a vida inteira treinando com os melhores áuricos de fogo do mundo, derramei meu sangue inúmeras vezes pra conseguir honrar o nome da família… Mas daí vem um cara que nem sabe levantar os punhos e… me humilha… na frente de uma plateia inteira… — A feição brava de Nihara se agrava, o calor de sua aura sobe. — E como se não bastasse, mesmo depois de derrotado, ele aparece aqui, na minha frente, na mesma academia onde só os áuricos mais fortes e inteligentes pisam, e ainda por cima sentou numa mesa cheia de garotas! COMO PODE ISSO…?! Ele só pode ter sido indicado por alguém… mas quem? Quem o trouxe até aqui…?! Se eu soubesse… eu…
— Nihara… — A voz de Miya se torna mais profunda. — Às vezes, a vida não se resume ao quanto você treina o corpo ou o quanto quer impressionar os outros. O verdadeiro poder está no coração. O mais esperto pode superar o mais forte. O mais forte pode esmagar o mais esperto. Mas o puro sempre prevalece sobre os dois. Não importa como tudo se desenrole, o resultado é sempre o mesmo… porque no final, ele merece estar onde está.
— Mais de uma década se passou e você ainda fala como ela. Realmente você quer ser uma matriarca. Mas ainda assim, não vejo pureza alguma naquele verme. Ele é fraco, ridículo, covarde… e o pior de tudo, sortudo… — Repentinamente, o lateralizado rosto raivoso encontra uma ponta solta, e se transforma em uma expressão confusa. — E… você estava naquela mesa do refeitório, e ao lado dele… O que você tem com aquele cara, Hiromi?
— Amizade.
— Amizade?!
— Trocamos palavras após o combate de vocês, é um garoto legal, puro.
— … Você… foi você…
Enquanto Nihara liga os pontos, Miya permanece quieta, esperando, sem nem ser espiada pelo primo.
Passam-se muitas coisas na cabeça do garoto ígneo.
— Por que você faria algo assim? Quer manchar a reputação dos Miyazaki e da ASA ao mesmo tempo?!
— Essas reputações serão manchadas de qualquer forma ao descobrirem a verdade, Akemi está aqui para me ajudar nisso.
Nihara sente a tensão subir. A cada segundo, o ambiente parece apertar ao redor. — Então, realmente foi você…
— Pretende alguma contradição?
De repente, o controle de Nihara se rompe. A ira explode em seu rosto, distorcendo suas feições, e ele finalmente lança seu olhar em Miya.
— VOCÊ NÃO PODE AGIR DESTA FO-
Wooffff…!
Antes que a sentença se complete, uma chama alaranjada irrompe do peito de Miya, subindo de seu torso até alcançar a ponta de seus cabelos. O calor é sufocante, e o brilho das labaredas ilumina seus olhos de forma jamais antes vista. Seus olhos ardentes e brilhantes se destacam ferozmente por entre o fogo, tornando sua presença quase demoníaca.
A chama passa pelo rosto de Miya rapidamente, acentuando suas feições irritadas ao encarar o parente com uma frieza avassaladora.
Nihara sente o chão desmoronar sob seus pés. Sua postura antes confiante se dissolve. Ele tenta sustentar o olhar, mas ele vacila. A superioridade de Miya é clara, esmagadora. Ele não esperava isso.
— … Tsc — o garoto desvia o olhar, sua mão treme de fúria.
E mesmo após demonstrar imponência, Miya mostra seu lado meigo. — Bom! — Sorrindo de olhos fechados, ela junta as mãos delicadamente — espero que você e Akemi possam se dar muito bem, hihihi! Acho que agora você precisa de um tempo pra si, então correrei atrás de alguns afazeres pra lá. Até mais, priminho!
Com um aceno, ela acelera o passo, deixando Nihara como se a tensão entre os dois nunca tivesse existido.
A chama, a pressão, tudo desaparece tão rápido quanto surgiu. Mas para Nihara, o episódio ainda o impacta.
Ele continua parado e de olhos fixos no chão, seus punhos estão cerrados com tanta força que as unhas cravam nas palmas. Ele treme, mas não de medo. De ódio.
— Essa garota… — murmura entre os dentes. — Sorte a dela que não posso fazer nada… Maldito seja aquele anel…