Shihais: Remanescentes da Aura - Capítulo 40
Imagine que você está no limiar entre o sono e a vigília.
Sim, aquele momento mágico em que seu corpo parece fundido com o colchão, e o cobertor é tão confortável que sair dele parece um crime contra a humanidade. O mundo lá fora? Que se vire! Agora tudo que existe é você, a cama, o travesseiro e o cobertor.
Na escuridão tranquila que repousa atrás de suas pálpebras fechadas, seu corpo relaxa, afundando na cama.
O tempo parece suspenso, o silêncio é acolhedor, e tudo que você sente é a maciez ao redor e o calor que se espalha por sua pele.
Só que, espera aí… Algo estranho está rolando.
Aos poucos, outro calor surge; um calor que não vem de você, nem do cobertor, mas de… alguém acima de você?
Não é sufocante, mas o bastante para te fazer questionar.
Há uma estranheza no ambiente, o ar parece estar sendo compartilhado, como se uma presença estivesse ali, te observando.
Seu coração começa a acelerar, mas seus olhos ainda se recusam abrir. Porque claro, quem quer acordar quando está tão confortável?
Entretanto, o conforto do cobertor parece mudar de significado, e a linha entre o familiar e o desconhecido começa a se borrar.
Agora é certeza, algo está bastante próximo. Bem acima de você.
A escuridão atrás de seus olhos não te dá respostas, apenas faz o calor ser cada vez mais real…
Até que finalmente, uma voz familiar te chama…
— Ah-mm… M-Mi… MIYA?! — E essa é a perspectiva de Akemi, surpreendido ao ver uma garota a poucos centímetros de seu rosto, encarando por pura curiosidade ou falta de noção de espaço.
Os longos cabelos dela caem sobre o peito de Akemi, enquanto seus olhos verdes o olham, julgando-o como se fosse uma espécie rara de criatura — ou alguém que simplesmente dormiu demais.
O rapaz não consegue desviar o olhar, preso entre as mechas escarlates e o brilho curioso nos olhos de jade.
— Nossa, até que enfim! Achei que você ia virar parte da cama! — diz Miya, afastando o rosto e desbloqueando a luz amarelada acima.
— Agh! Meus olhos! — grita Akemi, protegendo-se com o braço contra a luz cruel — o-onde estamos?!
— Enfermaria — responde Miya, sentada numa cadeira de madeira e de braços cruzados.
Olhando em volta, Akemi sente que a enfermaria onde se encontra mais parece uma antiga casa nos tradicionais moldes asahianos.
As paredes feitas de madeira, mas não qualquer madeira, possuem um contraste entre as tábuas mais escuras que formam a base da estrutura, e as claras, que dão equilíbrio às cores marrons do local.
Vinda de um grande lustre no teto, a forte luz amarelada passa por pequenas frestas de fusumas((Fusuma: porta de correr montada em armações de madeira, neste caso, feita de papel translúcido.)) nas paredes à esquerda e à direita.
Em uma das paredes, há uma extensa fileira de camas simples, mas incrivelmente confortáveis. A armação de madeira escura é sólida, e os colchões são feitos sob medida.
Ao lado de cada cama, destacam-se pequenos criados-mudos de madeira, com superfícies lisas e sem adornos, exceto por uma ou outra tigela de água e caixas de lenços.
Nas paredes, pequenos armários embutidos de madeira escura provavelmente guardam suprimentos medicinais adicionais, e abaixo deles, mesas e cômodos suportam frascos vazios e equipamentos médicos.
O ambiente, apesar de utilitário, remete mais a um espaço de cura espiritual do que física, um tempo da medicina…
Akemi se remexe levemente na cama, sentindo o cobertor de lã macio e extremamente confortável. — Espera… enfermaria?
— Sim, você desmaiou, lembra? — diz Miya, balançando os cabelos para trás ao cruzar as pernas, ainda sentada na cadeira.
O garoto levanta o tronco e põe uma das mãos na testa, sua cabeça está pesada.
Caramba, que cansaço! O que aconteceu comigo?
Ele olha para Miya, que agora sorri de maneira quase maliciosa. — E da próxima vez que desmaiar, tenta não cair de cara na terra, tá bom? Hihihi — ela solta uma risada curta, claramente se divertindo às custas dele.
Akemi parece confuso, passando os dedos pelos lençóis. Pelo menos a cama é boa.
— Eu… estava… Onde eu estava…? Ah! Os exercícios! Eu estava fazendo-
— Burpees, e você desmaiou de exaustão. Bem, foi o que a médica me disse.
— M-médica? Onde ela está? Por que só tem a gente aqui?
— Ela está em outro setor. A enfermaria aqui é dividida em seis setores, um para cada andar de turmas. Cada setor é separado por essas portas de fusuma — Miya aponta para as divisórias de papel — estamos no primeiro setor, e a cada ano, passamos para o próximo. Ouvi dizer que os setores ficam melhores conforme avançamos. Vai saber por quê, né? — Ela sorri de canto e dá de ombros, meio brincalhona.
— E como eu vim parar aqui?
— Estava sentada nos bancos do pátio da academia quando vi a Nikko te carregando desacordado no colo e correndo pra dentro do prédio principal. Eu fiquei preocupada e fui atrás de vocês.
Akemi não acredita no que escuta. — A Nikko… fez isso? — A vergonha transforma suas bochechas em vermelho.
— Ela me disse que o Major Yura a encarregou de te levar até a enfermaria. Correto, ela é sua parceira mais próxima afinal.
— Entendi, mas… A quanto tempo você está aqui?
— A médica me afirmou que você acordaria às nove horas. Acho que não fazem dez minutos que estou aqui esperando. Mas cheguei a pensar que você ficaria mais tempo dormindo.
Os olhos arregalados de Akemi escancaram espanto. — … Quantas horas são?
Miya olha para um relógio na parede. — Exatas nove e quatro da noite. Puts, a médica não foi perfeita por quatro minutos.
— NOVE E QUATRO DA NOITE???!!!
— Siiim?
— E-e o resto do dia?! O que aconteceu?! O que eu perdi?!
— Ah, não esquenta com isso. Depois dos exercícios tivemos apenas algumas recapitulações de fundamentos áuricos, nada demais.
— Isso não me afeta demais, não?
— Sinceramente, eu não sei, mas você não deve se preocupar agora. Consegue se mexer?
— Acho que sim — comenta Akemi, saindo do cobertor da cama e esperando o peso da dor se arrastar pelo corpo, mas… nada.
Estranho, não sinto incômodo algum.
Nenhuma pontada, nenhum músculo doendo. Na verdade, o rapaz se sente surpreendentemente bem, como se tivesse acabado de sair de um longo banho quente e acordado de um sono perfeito.
Mas quando ele olha para baixo e se observa melhor…
— P-p-pe-PERA AÍ! QUE ROUPAS SÃO ESSAS???!!!
— É o seu gakuran, ora.
— Mas eu estava desmaiado! Quando eu vesti isso?!
— A médica te vestiu.
— A mé… — Akemi mal consegue pronunciar palavras.
— Ela te deu banho e te vestiu. Agora, como? Tenho medo de saber.
Akemi continua boquiaberto, encarando o nada, processando toda essa estranha revelação.
Miya se levanta e chega perto do jovem paralisado. — Alô Akemi, Terra chamando — ela estala os dedos perto dos olhos vazios do garoto.
— Me deram banho e… trocaram minha roupa… comigo desacordado?
— E qual o problema? Você devia estar agradecendo, isso é qualidade de serviço! Não é qualquer ambiente militar que possui tantos cuidados.
Grrrooooonnnn…
— O que foi isso?! — indaga Miya, ligeiramente assustada.
— Minha barriga…
— Ah… você quer comer?
— Sim, percebi que tô morrendo de fome — diz Akemi, curvado com as mãos na barriga — mas não deve ter ninguém no refeitório, né?
— Para o seu azar, o refeitório fecha às oito e meia da noite. Mas fique tranquilo, tem comida no nosso quarto! — informa Miya, animada.
— No nosso… quarto? — Akemi pisca, confuso.
— Vem comigo!
Miya agarra o braço do rapaz com firmeza, puxando-o sem cerimônia.
Ah, denovo isso?!
Ela o guia para o fusuma à direita, que desliza suavemente quando eles passam.
Do outro lado, os dois saem da enfermaria e dão de cara com a ampla área do primeiro andar do prédio principal.
Pelo visto, a enfermaria fica nos fundos daqui.
A atmosfera muda rapidamente — o silêncio acolhedor da enfermaria vai para a solidão e escuridão das luzes apagadas do local, onde nem a recepcionista se encontra. Quem será que está cuidando de tudo?
Sem dizer uma palavra, Miya, com passos rápidos, conduz diretamente às escadarias. Akemi tenta acompanhar o ritmo, ainda confuso com a repentina mudança de cenário.
— Miya, não é estranho não ter pessoas por perto?
— Shhhh, estão todos dormindo, então não faça muito barulho.
Dormindo? Num quartel áurico? O que esse povo tem na cabeça?!
Eles sobem as escadas, o som de seus pés ecoam levemente pelos degraus.
Caminhando com Miya pelo corredor do segundo andar, Akemi pergunta sussurrando: — Olha, lembro que seriam três alunos por dormitório, como vocês fizeram? Aliás, você me escolheu deliberadamente para dividir o quarto, mesmo?
— Temos um trato para seguir, lembra? E não se preocupe, escolhi a pessoa perfeita para acompanhar a gente.
Frente à entrada fechada do dormitório de identificação “q1-1F”, Miya abre a porta.
— Rrrrnnnn… Zzzzz… Rrrrnnnn… Zzzzz…
Ronco? Tem alguém dormindo aqui?
Miya entra primeiro, em seguida vem Akemi procurando de onde vem o barulho.
E ao encontrar…
Ah… Enfim, quem mais poderia ser?