Sirius - Capítulo 10
Capítulo 10: Realidade
Um som molhado e grave ecoou pela caverna. O porrete manchado de vermelho só não estava mais ensanguentado que o elfo.
AAAAAAAAHHH
Olhando o corpo de seu pai quase sem vida, escutou um grito agudo que cortou a atmosfera do lugar.
Li encarava o monstro, alternando a direção da sua visão entre o velho semiacordado e o Troll. Seus olhos e corpo tremiam. A besta tinha se escondido próximo à entrada do teto. Parecia tão obvio que chegava a ser estúpido. Uma voz sussurrava em seus ouvidos, chamando o garoto.
— Li… Li… LIII! — O corpo quase sem vida gritou. — SE RECOMPONHA, MOLEQUE!
Lutando para ficar de pé, o elfo levantou-se. Ele era forte. Definitivamente era forte. Mas o golpe o pegou desprevenido e, no desespero de salvar a própria filha, inutilizou o seu corpo.
— Se-Senhor vo-
— ME ESQUEÇA! — O velho gritou. — Por favor, Jihan! POR FAVOR! TIRE ELA DAQUI! Eu vou tentar ganhar algum tempo!
— Mas…
— Você me prometeu! — Se engasgando com seu próprio sangue, Itzal mal conseguia falar.
Hihihihi. O Troll riu. Começou a se mover na direção do moribundo. A mente de Jihan estabilizou-se e, como se seu desespero fosse contido pelo seu cérebro, seu corpo começou a obedecer. Ele olhou para o lado, Akemi ainda estava paralisada. Ele a agarrou, colocou nos ombros e começou a correr.
“Obrigado, garoto.”
Percebendo estar se afastando de seu pai, a Meia-Elfa começou a se debater.
— ME SOLTA! Seu desgraçado! Por que você o abandonou?! Por que não ajuda?
— Nós… nós prometemos que se desse errado, fugiríamos! — A voz de Jihan tremia. Ele estava com medo. Porém, aliviado. Aliviado por ter um motivo para correr e poder fugir do perigo.
— COVARDE! Me coloca no chão. Eu vou voltar sozinha!
Li se recusou. Se a deixasse ir, perderia a única desculpa que acalmava a consciência dele. Após alguns minutos, finalmente viu a entrada da caverna.
— Conseguimos! Estamos próximos da saída! — O garoto comemorou.
Quando Jihan deu o primeiro passo para fora, uma sombra cobriu o céu, esmagando o chão à sua frente. Com um rápido reflexo, por pouco ele conseguiu desviar, sendo atirado para longe pela onda de choque.
— O que foi is… — Desnorteada por ter sido jogada para longe, Akemi questionou; mas antes que pudesse completar sua frase, virou-se para cima. O porrete de pedra a alguns metros dela.
Li encarou o monstro em sua frente. “Se ele está aqui, quer dizer que o senhor…”
— SEU DESGRAÇADO! Eu vou acabar com você!
A Meia-Elfa sacou um bastão de sua cintura. O objeto preto rapidamente se estendeu e curvou, formando um arco em suas mãos. Li estranhou, já que nunca havia visto a moça carregar flechas, mas assim que ela puxou a corda, uma flecha de luz se formou.
“O que é esse arco?” Ainda que incrédulo, um flash de confiança passou na cabeça de Jihan. “Talvez possamos ganhar!”.
Akemi soltou a corda e a flecha voou instantaneamente na cabeça da besta. Um pequeno ferimento apareceu em seu rosto. Hihihihi. A criatura debochou, e a ferida logo se fechou.
— Então, que tal isso? — A arqueira carregou outra flecha, dessa vez ainda maior e mais forte, e disparou.
Um estouro soou pela floresta. O monstro deu dois passos para trás e ajoelhou-se.
“Deu certo? Não… se fosse fácil assim, Itzal não teria nos feito correr!”
— Se afaste! É uma armadilha!
Depois de vários anos sendo desafiado, o Troll desenvolveu uma capacidade mental um pouco maior que a normal. Ele aprendeu as táticas básicas de quem vinha para roubar o seu tesouro e a forma de pensar desses seres vivos. O monstro riu de dentro da fumaça e, ignorando tudo, saltou em direção à mulher. Seu braço estendeu-se, varrendo o chão, a acertando.
— AKEMI! — Li berrou, vendo-a ser arremessada no ar.
Embora bem menos danoso que o golpe que acertou Itzal, a mulher foi tirada, acertando a parede, caindo semiconsciente. A besta então se virou na direção do garoto. Seus olhos amarelos faziam tudo ao redor ser ofuscado, a pele enrugada e pútrida tornava o cheiro do lugar quase insuportável. A respiração de Jihan começou a ficar ofegante. Ele não perderia tão fácil. Não deixaria tudo acabar, logo ali. Sentindo um choque em seu bolso, sua mente começou a trabalhar.
“Eu posso usar isso, mas precisa ser no tempo certo.” Li calculou desde a última vez que aconteceu até aquele momento. Ele precisaria utilizar do chifre para atrair o trovão. Um erro de cálculo facilmente custaria a sua vida, o que era um risco. Felizmente, ele gostava de arriscar.
“Esse choque de agora há pouco… é bem capaz de que esteja próximo…” A besta começou a andar na direção de Jihan. “Ainda não…” No momento em que ele sentiu o próximo choque, atirou o chifre por cima do Troll e começou a correr em direção à Akemi. Quando o objeto atingiu a cabeça do monstro, um raio acertou em cheio, estourando parte dela. O monstro berrou de dor.
Chegando à mulher no chão, Li não pensou muito e a colocou em seus ombros. Antes que pudesse levantar, um objeto veio voando em sua direção, fincando no chão próximo a ele. “Parece que a sorte está do meu lado”. Pegando o item e novamente o guardando na barra da calça, ele correu para a floresta.
Percebendo que sua presa estava escapando com seu tesouro, a monstruosidade se enfureceu e desapareceu na escuridão das árvores.
“Ele desistiu?” Jihan questionou-se, mas rapidamente mudou de ideia. “Esse desgraçado não vai parar tão fácil.”
E como se a vida pregasse uma peça nele, um grande bastão saiu da escuridão, atingindo o chão a sua frente e lançando-os para longe, os derrubando no processo.
A besta riu novamente. Ela parecia se divertir com o sofrimento deles. Li se levantou. Seu cérebro a mil pensou em uma saída. “Se eu a deixar aqui, talvez consiga mais algum tempo para escapar.” Subitamente, ele fechou os olhos e gritou:
— O QUE ACHA QUE ESTÁ PENSANDO, JIHAN???
“Agora não é hora de pensar essas merdas, seu maldito idiota!” Ele precisava sobreviver, mas mais do que isso, precisava que ela sobrevivesse. Ele havia vindo para esse mundo para mudar de vida, ser uma pessoa melhor. Se a deixasse morrer, seria um atestado de que nunca mudaria. Quando finalmente selecionou suas prioridades, sua mente clicou. Ele talvez tivesse outra opção. Então, Li suspirou. Seus poros abriram, seus músculos tensionaram. Suas veias expandiram.
FSSS*. Li respirou fundo.
TUM! O monstro deu o primeiro passo.
FSSS*
TUM! O coração do jovem começou a acelerar.
FSSS*
TUM! Os olhos pararam de tremer.
E ele prendeu sua respiração.
O Porrete desceu em sua direção.
— AAAAAAHHHHHH! — As árvores balançaram. Os pássaros grasnaram e voaram. Num grito desesperado para sobreviver, Li socou na direção do Troll, estourando as veias de seu corpo num contra-ataque. Sombras cobriram sua mão e estenderam-se numa garra avassaladora, levando junto para o limbo metade do corpo do monstro.
O Troll urrou de dor, caindo no chão. Seu corpo pouco a pouco se regenerava, mas, nesse ritmo, demoraria algumas horas para se recuperar. Jihan rapidamente correu até a mulher. Ela estava com um olho inchado, sem conseguir enxergar, mas seu outro olho demonstrava espanto misturado a medo, sem ideia do que tinha acabado de acontecer.
— Akemi, nos preci- — A visão do garoto ficou turva. — Eu não… — E ele desmaiou.
— Li! — A Meia-Elfa se esforçou para levantar-se do chão. Virando o corpo dele, que caiu de frente, levou as mãos à boca. As veias de seu braço estavam estouradas, de seus olhos escorriam lágrimas de sangue, seu corpo estava em frangalhos.
“Não é à toa que ele conseguiu ferir aquilo… como ele está vivo?” Ela estava espantada, mas o gemer da besta a fez voltar à realidade. “Seja o que for que aconteceu, posso perguntar para ele depois. Tenho que dar um jeito de nos tirar daqui.” Puxando-o pelos braços, desesperadamente começou a arrastá-lo.
Quando abriu os olhos, Jihan estava escorado na parede de uma caverna.
— Akemi…
A jovem se levantou e, com certa dificuldade, foi até o menino.
— Não fale! Seu corpo está nas últimas, tem que guardar toda energia possível.
— O velho…
— Ele está morto, Li!
— Me… Desculpa… — Lágrimas começaram a cair do olho já pálido dele. — Eu deveria… ter… ajudado.
— Pare de falar, Jihan, por favor! — O pedido não foi ouvido.
— Eu… estava… com medo… — Confessou. — Ele… era… eu sou… patético.
E, gastando suas últimas forças, ele adormeceu novamente, deixando a mulher sozinha.
— Do que você está falando? Seu… Seu IDIOTA! — Desabafando consigo mesma, aproveitando que o outro não estava ouvindo, ela continuou. — Não era nem para você estar aqui! — Socando os punhos no chão com cada frase. — Você me salvou! EU… EU… sou tão fraca…
Enquanto o grito se esvaia, um brilho verde cercou o corpo dos dois jovens, levando-os para longe dali.