Sirius - Capítulo 22
Capítulo 22: Pesadelo (1)
O casarão no centro da vila era a única estrutura relativamente intacta, uma grande estrutura horizontal de madeira, com apenas dois andares e uma larga extensão. Dentro, havia um grande salão com várias mesas e cadeiras, e, no fundo do cômodo, a cadeira onde sentava o líder da vila.
— Quando os ataques intensificaram, um toque de recolher começou a ser realizado à noite — disse o chefe. — Concentrar a população em um só lugar facilita a defesa. Casas sempre podem ser reconstruídas contanto que seus habitantes ainda estejam vivos.
— Do jeito que o senhor falou, nem sempre foi dessa forma — observou Akemi.
— De fato — O homem de armadura respondeu — digo, sempre houve pequenas agressões, ataques e sequestros, mas nunca invasões tão diretas e organizadas.
— Bator tem razão, apesar disso nós não temos ideia de pôr que mudaram de atitude — complementou Beldor.
— Iremos precisar de mais informação do que isso, o que vocês podem nos prover sobre o inimigo? — perguntou Wang.
O velho acenou com a cabeça e olhou na direção de Bator.
— O exército inimigo é relativamente novo, alguns anos atrás notamos que os goblins começaram a ficar mais organizados e recentemente confirmamos nossa teoria do porquê — O homem de armadura se aproximou de uma mesa e estendeu um grande mapa. — Um Rei Goblin nasceu em meio às crias, é um muito raro e ainda mais perigoso fenômeno que pode acontecer no cruzamento.
Bator apontou para um lugar no mapa mais ao norte da vila.
— Desde então, os goblins da região começaram a se juntar aqui, não sabemos exatamente quantos são, mas sabemos que felizmente, por ser um exército novo, só conta com um Shaman e um Rei entre a tribo.
Apesar da falta de compreensão, o conhecimento complementar oferecido pelo sistema dava até mesmo a Li, quem menos sabia do mundo em questão entre o trio, uma boa noção do que eles iriam enfrentar.
Um Rei Goblin é mais esperto e fisicamente mais forte do que um goblin comum, entretanto, entre todas as variedades é a única com o potencial de transformar um pequeno ninho numa grande ameaça. Já o Shaman é mais adepto à magia e até mais inteligente do que o Rei, porém é fisicamente fraco.
— A senhorita vai nos ajudar? — a garotinha se aproximou de Akemi e puxou a manga de sua roupa. — Vai fazer os monstros desaparecerem?
— Maria, não os incomode — Beldor se aproximou e puxou a filha para perto de si.
Akemi balançou a cabeça e se aproximou da menina, colocou a mão em seu rosto e afirmou:
— Não se preocupe, em pouco tempo você nem vai lembrar que existiram monstros.
— Então é melhor partirmos agora! — Exclamou Li.
— Vocês têm certeza? Acabaram de chegar — o velho perguntou.
— Já temos o que precisamos, quanto mais rápido resolvermos isso menos vítimas terão entre o povo — respondeu Wang.
— Se é assim, permita-me levá-los até o meio caminho, quando anoitecer tenho que estar na vila, por isso me perdoem se não posso acompanhá-los até o ninho — Bator se dispôs.
— Então contamos com o senhor — Li se curvou levemente em agradecimento.
— Não é nada, ser de alguma ajuda para os cavaleiros da ordem é sempre uma honra.
Após se cumprimentarem, o grupo recebeu alguns suprimentos para viagem, além de informações sobre o terreno local para questões estratégicas, e logo seguiram em direção ao ninho.
Enquanto caminhavam, Akemi se aproximou de Jihan, sussurrando.
— Então, o que achou?
— Ele é um pouco mais controlado do que eu pensava, esperava uma criança birrenta, mas até que ele é responsável com o que está fazendo.
— Não do Wang, seu imbecil, do chefe da vila.
— Ah! Bem… não sei ao certo, ele parece ser uma pessoa que se importa bastante com Edremit, entretanto algo está me incomodando, não sei ao certo — respondeu Li.
— Então não sou somente eu… acha que o Bator está envolvido nisso?
— Na verdade, não. O que você acha?
— Não sinto nada de errado desde que saímos da vila, mas não vou descartar a suspeita. De qualquer forma, pelo menos estamos indo no caminho certo.
— Como tem tanta certeza disso?
— Você pode ter esquecido, mas meu pai era um elfo e eu também sou, seria ridículo se eu não conseguisse me localizar em uma floresta.
— Certo… — “Você fala como se eu fosse um especialista em elfos.”
— Ei, o que vocês estão sussurrando aí atrás?! — alguns passos à frente, Wang gritou.
— Estamos pensando em um plano, tem alguma ideia? — respondeu Akemi.
— Se me permitem, eu tenho uma proposta — disse Bator.
— Claro, prossiga — permitiu Xu.
— Os ataques têm sido constantes tarde da noite, contudo o Goblin Rei raramente está presente e o Shaman nunca esteve. Minha ideia é que os senhores esperem o exército deixar o ninho para depois atacar quando a guarda for menor.
— Parece um bom plano para mim, mas isso não coloca os habitantes da vila em risco? — perguntou Li.
Parando de andar, Bator virou-se para Jihan e Akemi e, colocando a mão no punhal de sua espada, disse:
— Não se preocupem com isso, Edremit não vai cair tão facilmente, não comigo presente — declarou. — Logo, deixo vocês por aqui, tenho que voltar para liderar meus soldados — curvando-se levemente, o homem concluiu. — Conto com os senhores para me ajudar em minha missão.
— Pode contar conosco — afirmou Li.
Cumprimentando-os, Bator os deixou e voltou em direção à vila. Com Akemi os guiando, o caminho foi tranquilo e sem problemas. Em certo ponto, goblins perdidos começaram a aparecer e com seu arco, a Meio-Elfa rapidamente abateu os monstros. Deixá-los vivos os daria abertura para voltar para o ninho e informar seus iguais sobre a ameaça próxima.
— Li, você está bem? — perguntou Akemi. Jihan estava um pouco suado e mais cansado que o normal.
— Só estou um pouco desidratado, não precisa se preocupar — respondeu.
— Acho que podemos descansar aqui, ainda falta muito para o anoitecer e já estamos perto do ninho.
— Ela está certa, é melhor estarmos prontos e em perfeito estado quando for a hora, vamos parar por algum tempo — Wang concordou. — Vamos tomar turnos para manter a vigia.
— Se todos concordamos, acho que não me importo — cedeu.
Após acharem um lugar coberto, Akemi se dispôs a iniciar a vigília. Li deitou-se embaixo de uma árvore, seu corpo estava quente e suor escorria pela sua testa. Sua mão ardia. Alguns momentos depois, Jihan abriu os olhos, mas não estava mais na floresta.
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“Onde eu estou?” Pensou Jihan. O Cenário que emergia diante de seus olhos era um de completa destruição, o céu vermelho carregava a fuligem e a faísca do fogo que circundava toda a floresta. Os estalos da madeira escaldante carregavam consigo uma sinistra voz que entoava um dialeto que Li nada entendia.
— AMUM, QUI DISCEM IN TUDUS NUS, GRINDAR VEI RITURNER
De forma hipnótica, o garoto era atraído pelo canto e inconscientemente ia ao seu encontro. O ser, no topo de uma pedra pontuda, se dirigia a uma gigantesca multidão, milhões de goblins que esperneavam e gritavam um único nome.
“Grindar?” se questionou. Após alguns minutos, Jihan já reconhecia um pouco do lugar onde estava. Na realidade, ele não tinha se movido, apenas o cenário que tinha se alterado. Dando alguns passos a frente para enxergar melhor a cerimônia, foi instantaneamente surpreendido, o encapuzado que realizava o encantamento se virou rapidamente na direção do garoto.
— ONVESUR! CEPTARIM E VOVA!
“Ele consegue me ver!?” Apesar de parecer uma ilusão, o brilho do olhar ameaçador que escapava pela escuridão do rosto coberto do feiticeiro fazia uma onda de calafrios escalar a espinha de Jihan. O monstro esticou a mão como se tentasse agarrar o pescoço do garoto, mas subitamente, seus dedos se desfizeram em uma espécie de fumaça preta, que voou em direção a Li.
— Li!
“Akemi?”
— Li!
No momento em que a fumaça iria alcançá-lo, Jihan abriu os olhos, tossindo fortemente. Seu rosto estava pálido, a boca seca e, como se tivesse febre, suava bastante.
— Você está bem? — perguntou Akemi.
— O que aconteceu?
— O que quer dizer? Não aconteceu nada. É o seu turno da vigia, eu vim te acordar, mas parecia que você estava tendo um pesadelo.
— Um pesadelo… sim… eu estava tendo um pesadelo — colocando a mão na cabeça, Li afirmou, mais para si mesmo do que para a mulher.
— Enfim, você não me parece estar bem, quer que eu tome a próxima ronda?
— Não… não, eu estou bem, descanse um pouco.
— Tem certeza?
— Não se preocupe, eu já estive em situações piores do que um pesadelo — disse Jihan, se levantando e sorrindo para disfarçar o cansaço.
Akemi, ainda um pouco preocupada, viu Li se levantar, limpar a poeira de sua roupa e partir para realizar a ronda.
— Fique de olho nele, do jeito que as coisas estão indo, o moleque vai se tornar um problema — Wang, que estava descansando ao lado da menina, sem abrir os olhos, avisou. — Ele parece ser um cara duro na queda, mas não podemos arriscar.
— O Li vai ficar bem, você deveria se preocupar mais consigo mesmo — retrucou a Meio-Elfa. — Ainda está com a sensação ruim de que disse mais cedo?
— Não é uma simples sensação, é instinto! Algo não me cheira bem nessa história.
— Vamos nos manter alertas.
Em outro lugar, Jihan abria a mata fechada para revelar uma grande pedra pontuda no meio da floresta.
— É aqui? Parece tão… normal?
Além da grande pedra, nada ao redor parecia similar ao pesadelo que Jihan teve. Uma simples floresta, recheada de árvores altas e mata rasteira.
SUISH*
O som de algo se mexendo nos arbustos cortou o ar.
— Quem está ai!? — gritou Li.
Nenhuma resposta foi ouvida.
“Foi impressão minha?” limpando o suor da testa, Jihan respirou fundo. “Tem alguma coisa errada comigo, como estou cansado depois dessa caminhada tão curta? Passei praticamente um dia inteiro andando da última vez e mal senti a fadiga”.
Não tendo achado nada de mais, Li achou melhor voltar para o grupo, e assim o fez. Do chão, um pequeno par de olhos redondos observava o garoto ir embora.
Quando a noite chegou, Jihan acordou os outros integrantes, na intenção de prepararem para a batalha.
— Os animais estão agitados. O exército já deve ter começado a se mover — observou Akemi.
— Já podemos começar então — anunciou Xu. Esticando ambos os braços para frente, partículas de energia começaram a se materializar no ar, o brilho rapidamente tomou forma de dois machados de uma mão.
— O que você fez? — perguntou Jihan.
A pergunta foi recebida com um olhar de surpresa.
— Você realmente não sabe? Não te ensinaram nada antes de vir para cá?
Lembrando-se da personalidade de sua treinadora, Li pensou que talvez ela poderia ter esquecido de alguns detalhes sobre o sistema de missões.
— Você consegue invocar os equipamentos que possui nas instalações do centro de testes. Claro, existem limites, mas armas e consumíveis básicos são padrões — explicou Wang. — Tente, é só visualizar mentalmente.
Acenando com a cabeça, Li estendeu as mãos e visualizou as Manoplas de Járngreipr, entretanto, assim que a luz começou a se formar, ela cessou.
— Não conseguiu? — perguntou Akemi.
— Não, eu consigo, mas estou bem no momento, caso seja realmente necessário, não vou ter problemas em manifestá-las.
Akemi e Wang se olharam, mas não perseguiram o assunto.
— Tudo bem, vamos começar, primeiro revisemos a estratégia — Xu pegou um galho no chão e começou a desenhar na terra. — Bator nos disse que o ninho do Rei Goblin possui 5 saídas, túneis retos que levam ao mesmo lugar. O que pode ser um problema, mas também uma vantagem.
— Discorra.
— Não vamos ser cercados facilmente, mas estaremos lutando num lugar fechado, em pleno território inimigo. Não podemos tomar esse risco — explicou o Albino.
— Se não podemos ir até eles, vamos trazê-los até nós — comentou Akemi.
— Correto, existe uma maneira moderna de lidar com ninhos de goblins — marcando um X em 4 das 5 entradas, Wang continuou. — Vamos selar parte das saídas e queimá-las, a fumaça deve entupir cada centímetro das passagens, e, como ratos, os monstros vão procurar a saída mais fácil — circulando a saída que restou, Xu concluiu — e é aqui que nós estaremos.
— Parece um bom plano, entretanto como vamos criar uma queimada tão forte a ponto de fazê-los abandonar o próprio lar? — perguntou Li.
Levantando e cerrando os punhos, Wang fez a temperatura do ambiente rapidamente subir. A mana de fogo acumulou ao redor do homem.
— Material para combustível temos aos montes, estamos em uma floresta, afinal. E sobre o fogo… — Xu apertou o galho que estava em suas mãos, a madeira seca instantaneamente entrou em combustão — deixe isso comigo.
A escuridão da noite rapidamente dominou os céus. Pequenos raios de luz conseguiam com dificuldade ultrapassar a copa fechada de árvores e, em meio as plantas rasteiras, três sombras se moviam em direções distintas, carregando troncos de madeira seca
“Eu só preciso tapar as duas entradas daqui com essas madeiras velhas? Parece fácil…, mas…” Li levou uma das mãos ao rosto. “Por que parece tão difícil?”
Fora alguns goblins que realizavam patrulhas em pequenos grupos de três, nenhum grande problema fora encontrado, o ninho parecia deserto, entretanto…
“Que energia sinistra…” Pensou Akemi. “Que tipo de monstro é esse Rei Goblin para exalar um poder tão sombrio?”
Após um curto tempo, as saídas laterais estavam finalmente tapadas, o trio se juntou na única que ainda estava aberta e tanto a Meio-Elfa quanto Jihan arrancaram um trapo de roupa e amarraram na ponta de um galho grosso. Wang então, estendeu ambas as mãos na direção das tochas improvisadas e, circulando a ponta dos seus dedos no ar, uma auréola de fogo começou a se formar. Assim que tomou o tamanho de um punho, o albino atirou-as nos tecidos amarrados, acendendo ambos simultaneamente.
— HÁ! Não poderia ser diferente, esse elemento é perfeito para mim — comemorou Wang. — Agora vão! Não temos tempo a perder, queimem primeiro as entradas mais distantes e logo em seguida as mais próximas. Não demorem muito, ou teremos problemas.
Ambos concordaram e rapidamente correram em direção aos respectivos alvos. Xu Wang encarou a entrada.
— Esses desgraçados… são bastante inteligentes, já perceberam que tem alguma coisa errada — Xu empunhou os dois machados de uma mão, as lâminas rapidamente esquentaram, um brilho incandescente surgiu do metal. — Consigo sentir o cheiro desse lixo de longe.
Uma dúzia de olhos surgiram na escuridão.
— Podem vir vermes!
A temperatura do ar explodiu subitamente.