Sirius - Capítulo 44
Capítulo 44: Individualidade
PFFF
Por um instante, Li falhou em segurar o riso.
— Maria… não chame seu irmãozão assim…
— Mas a mamãe sempre te chama assim!
STOMP STOMP STOMP
Passos pesados caminham em direção a porta.
Percebendo quem estava vindo, Matheus para, respira fundo e abre os braços.
BAM
Um soco vindo de dentro da casa acerta o seu rosto em cheio, derrubando-o.
— É muita cara de pau sua aparecer aqui! Achei que tinha esquecido da sua família!
Uma mulher de cabelo loiro, cacheado, tronco largo e braços fortes passa a frente da criança.
Sentado no chão, com a mão em sua bochecha, Matheus pergunta:
— A senhora realmente precisa fazer isso toda vez?
— AHN!? Se meu filho idiota viesse ver a mãe dele mais vezes, eu não precisaria reprimi-lo toda vez que ele viesse!
— Mas…
— Não responda a sua mãe!
— Certo…
De trás da mulher, Maria espiou.
— Irmãozão, a mamãe está fazendo almoço, você vai almoçar com a gente?
— Na verdade… — Matheus ia negar, mas no momento em que ele começou a falar, sua mãe olhou para ele com uma cara que dizia “você só tem uma resposta!”
— Sim! Eu vim aqui almoçar com vocês!
— Humpf, é bom mesmo.
A moça, então, se virou para Li e Mérida.
— E vocês?
Li virou-se para Matheus, que fez uma confirmação, acenando com a cabeça.
— Somos amigos do seu filho…
Mérida, que estava logo atrás de Jihan, não pronunciou uma palavra. A mulher, no entanto, olhou no rosto dela. A expressão opaca da que se escondia atrás do homem, deve ter lhe dito alguma coisa, pois ela não fez mais perguntas.
— Se são amigos do meu filho, são sempre bem-vindos. Entrem vocês dois.
Era uma casa simples. Como do lado de fora, tudo era majoritariamente de madeira. Um sofá simples perto da lareira da sala para tempos frios. O fogão a lenha estava aceso, fervendo uma panela de barro. O cheiro de sopa dominava todo o ambiente.
— É época de colheita, espero que gostem, coloquei um pouco de carne de sol para dar mais sabor.
Após ter andado tanto, o estomago de Li já roncava novamente. Matheus, que havia acordado mais cedo, estava com mais fome ainda.
— Mãe…
— Não se preocupe, estou economizando, mas não é sempre que você vem aqui.
Ele não retrucou.
Após comerem, a mulher pediu para que Maria fizesse companhia para Mérida, enquanto ela conversava com os dois.
— Bem, vamos começar novamente, meu nome é Laura, sou a mãe desse cabeça oca.
— Muito prazer, senhora, meu nome é Li Jihan…
— Não precisa me chamar de senhora, estou no auge dos meus 40 anos hahaha. Então… — Se virou para Matheus. — Qual é o real motivo de vocês virem até aqui?
Li olha para Mérida, brincando com Maria, era a primeira vez que ela estava sorrindo desde que se encontraram.
TS… TS… TS
— Então você acredita que ela possa estar amaldiçoada? — perguntou Laura, enquanto acendia um cigarro.
— Sim…
— Meu filho já te explicou o porquê ele te trouxe aqui?
Li negou, balançando a cabeça.
— Antes de ter minha filha, eu era uma sacerdotisa de Yan, o deus primordial da vida, com certeza já deve ter ouvido falar dele.
Pensando por um segundo, lembrou-se de ter lido em um dos livros da biblioteca.
— O ser que originou esse mundo, céu, terra, as estrelas e até a mana elemental.
— Exatamente… bem, ele também originou a igreja da vida, uma instituição que defende a mana como um presente do deus supremo… você sabia que existem alguns seres que nascem com constituições especiais?
— Não acho que tenha ouvido falar sobre…
— Pois bem, “a mana, como todo outro ser vivo, possui vida e consciência…” é o que os elfos pregam como verdade… eu sinceramente concordo com eles… dessa forma…
Laura estendeu a mão, um brilho, diferente da mana branca de Jihan, surgiu na palma de sua mão. Era dourado, não teria outra palavra para descrevê-lo, a não ser divino.
— Algumas pessoas nascem com o dom de alterar a propriedade desse ser vivo chamado mana; no meu caso, eu nasci com afinidade a mais pura e divina delas… como a igreja gosta de chamar, a Mana de Yan.
— Agora… — Laura fechou a palma, fazendo com que o brilho sumisse. — O que pretende fazer se estiver certo?
— Ahn… como assim? — perguntou Li, confuso.
— Eu quis dizer, garoto, o que você sabe sobre maldições?
Jihan foi pego de surpresa pela pergunta, ele de fato não havia realmente estudado a fundo, por isso, não sabia praticamente nada sobre o que estava lidando.
— Mesmo assim, eu quero tentar ajudá-la…
— Sim, sim… eu consigo ver que você tem vontade… me deixe te explicar uma coisa primeiro, garoto…
Após um trago no cigarro, Maria prosseguiu.
— Se a mana branca tem como polo oposto a mana obscura, a divina tem como oposição a sombria… uma espécie extremamente violenta e corrupta… eu honestamente não sei se consigo chamá-la de viva…
Maria colocou a mão no queixo, pensando alguns segundos.
— Basicamente, assim como as manas elementais têm variações, a mana branca e obscura também tem, se a Mana de Yan origina a vida, a Mana Sombria a suga, e, algumas vezes… ela se alimenta da dor e do sofrimento… — concluiu enquanto apontava para Mérida.
— Maldições são muito mais perigosas do que você pensa. Nesse momento, ela pode estar dormente, mas dependendo do que fizermos, pode ter o efeito contrário e imediatamente consumir a vida do hospedeiro… você entende isso? Está preparado para tal situação?
Li engoliu a seco. Talvez ele não estivesse preparado para assumir tamanha responsabilidade por outra pessoa.
— Eu estou. — Mérida, que havia se aproximado da cozinha, declarou confiantemente.
— Me perdoe, mas eu não acho que a senhora está apta a tomar essa decisão por conta própria… — rebateu Laura.
— Então quem? …meu filho ainda pode estar vivo! — retrucou — você também é mãe… se eu não puder tomar essa decisão, quem vai tomar por mim?
Mérida ajoelhou-se com as duas pernas e se curvou.
— Por favor! De uma mãe para outra, se você estivesse no meu lugar, eu tenho certeza de que também daria a vida pelas suas crianças!
Lagrimas rolaram pelo rosto colado ao chão.
— Eu te imploro, todos que poderiam me ajudar já me abandonaram! Moça… me ajude a salvar meu filho! Me ajuda a salvar meu único filho!
— Mãe… — Matheus complementou.
— ARHG, tá! Mas não diga que eu não avisei!
— Obrigado… — disse Li.
— Não me agradeça ainda, garoto. Ainda não.
Concordando com o pedido, Laura pediu para que eles se dirigissem a um quarto nos fundos.
Diferente do resto da casa, o quarto estava completamente vazio, exceto por um pequeno altar de mármore na parede.
No topo do altar, uma espada negra de 7 pontas perfurava um coração dourado.
— São simbolismos, a espada negra, a mesma que matou Yan e partiu Kun ao meio. Um conto de fadas se me perguntar… — explicou Laura. — Venha.
A mulher direcionou Mérida até os pés do altar. Viradas uma para outra, Laura respirou fundo.
— Se quiser desistir, essa é a hora… quando começar, não vou poder parar.
— Por favor, prossiga…
— Como quiser… se serve de algo… eu faria o mesmo.
Estendendo as mãos, ela começou a se concentrar. Lentamente, a mana começou a circular ao redor do corpo de Laura. O brilho passava uma sensação aconchegante, suave.
“Não tem reação… será que ele estava errado?” pensou Matheus.
URGH
Subitamente, Mérida soltou um gemido de dor. Laura imediatamente prosseguiu, concentrando a mana que circulava ao seu redor, numa esfera condensada, e empurrando-a contra a senhora.
AARGH
A mana que transmitia uma sensação tão dócil, parecia machucá-la.
Li instintivamente deu um passo para frente, mas parou com Matheus colocando a mão em seu ombro.
— Está tudo bem mesmo? — perguntou Jihan.
— Só confie nela.
Em meio ao brilho dourado, uma grande boca feita de sombras surgiu do peito da mulher.
AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA
Os dois homens imediatamente levaram as mãos aos ouvidos
A boca gritava num tom áspero e agoniante, tentando com toda força devorar a luz que a machucava.
— CELEMODEDI QUI HEBOTE ISSI CURPU VUCI ISTE LUNGI DI SAE UROGIM. — Runas surgiram no ar, ao mesmo tempo, em que Laura começou a proclamá-las. — EBENDUNI ISTE ELME DISGREÇEDE VULTI PERE E ISCARODEO!
A esfera condensada brilhou ainda mais forte, consumindo vorazmente as sombras. No momento em que a maldição sumiu, a luz extinguiu-se e ambas as mulheres caíram no chão.
Matheus rapidamente correu até sua mãe, enquanto Li foi até Mérida.
— Ela está inconsciente — disse Laura, ofegante. — A maldição estava usando a força vital dela para ficar mais forte, eu não sei se consegui eliminar tudo.
— Nem mesmo você…? — Matheus perguntou em descrença.
— É bem mais forte do que eu imaginei… a mana sombria era bem mais densa… pobre mulher… ela deveria estar em extremo sofrimento.
— O que fazemos agora? — perguntou Li.
Apoiando-se em Matheus para se sentar, Laura falou:
— Aquele era só um resquício… a origem deve estar no vilarejo de onde ela veio, vocês devem alertar a Guilda para que eles a eliminem o mais rápido possível.
— Mesmo que fossemos até a instituição agora, duvido que eles atenderiam o pedido rápido… — raciocinou o líder.
— Não podemos ir nós mesmos?
— É muito perigoso! — rebateu Laura. — Eu te proíbo!
— Mãe…
— Matheus, eu te proíbo! Sabe muito bem!
O homem sorriu e a abraçou.
— Está tudo bem — disse — sendo assim, devemos avisar a Guilda imediatamente. A senhora está bem? Posso deixá-la com você?
— Não é nada, eu cuido dela — declarou a mãe. — Vão…
Ambos os homens saíram do quarto, assim que Matheus passou pela porta, Maria foi até ele e abraçou sua perna.
— Você já está indo…? — perguntou a criança com a voz chorosa.
— Volto logo, Maria… vou trazer um doce para você na próxima vez que vier.
— Promete? — A menina esticou o mindinho.
— Prometo. — E Matheus enganchou no dele.
Saindo da casa, imediatamente os homens começaram a correr em direção ao centro da cidade.
— Vamos mesmo deixar por isso mesmo? — perguntou Li.
— Temos que tentar as saídas corretas primeiro… no pior dos casos, eu vou ter mentido para a minha família.
Jihan não respondeu, apenas continuou o acompanhando.