Sirius - Capítulo 7
Capítulo 7: O primeiro passo
Ao anoitecer, Li, em sua cama, relia o contrato pela vigésima vez. “Simples assim?”. O conteúdo do papel era bem limitado. Apenas um parágrafo tingia a folha branca. Em letras douradas, o documento dizia: “Você concorda em lutar para proteger a população e o mundo de Erebus em nome dos deuses que protegem todas as raças?”. Ao final do texto, uma pequena linha exigia a assinatura do contratado.
— Dane-se! — Jihan assinou seu nome, deixou o papel de lado e, como se o aviso de Michael não valesse de nada, apagou em sua cama.
A escuridão tomou conta da noite. Em meio ao breu, gotas de água caíam. *KABRUM* Um trovão iluminou os céus e acordou o garoto.
— Hm… O que aconteceu? Achei que tinha deixado o abajur ligado. — Li olhou ao seu redor e, sem conseguir enxergar, tateou o que pensou que seria sua cama. “Terra?”. Ele sentiu uma sensação familiar e inesperada em suas mãos. “Onde estou?”. Ainda com os olhos entreabertos, outro trovão iluminou sua frente.
— MAS QUE DRO- — Outro estrondo abafou o grito de Jihan. Na sua frente, tudo que via era uma mata fechada. “Como eu vim parar aqui?!” RING* RING*. Li sentiu uma vibração em seu bolso. Era seu celular. Na tela, um número desconhecido. Sem outra opção, resolveu atender.
— Quem é?
— Vejo que assinou o contrato! — Uma voz, facilmente distinguível, veio do outro lado.
— Michael? Onde estou? Como vim parar aqui? — Uma chuva de perguntas foi direcionada ao suspeito número 1.
— Calma, novato! Esse é só o primeiro teste! — O tom calmo o tranquilizou um pouco. — Agora, me descreva o que você está vendo.
— Nada! Só plantas e árvores!
— Então está tud-… Você disse “plantas e árvores”? Por acaso está em uma selva? — E o tom calmo logo se foi.
— Não ouviu?! Sim! Exatamente isso! — Jihan tentou descrever o ambiente da melhor maneira possível, destacando as árvores altas e a falta de luz.
— Isso é estranho…
— Eu concordo cem porcento! Agora há pouco isso era meu quarto!
— Não, não isso. Veja, você tem um contrato dourado! Isso quer dizer que você poderia saltar o primeiro teste convencional. Na verdade, ele começou há um dia e terminaria amanhã. Por isso, o prazo curto que te dei.
— Um teste? Se entendi bem o que você está dizendo, isso não quer dizer que estou um dia atrás de todo mundo aqui?
— Você pode pensar por esse lado…, mas também, pode ver o lado positivo!
— Que raios de “lado positivo”?!
— Enfim, não tenho muito tempo. Quando a hora chegar, entenderá o que quis dizer; mas primeiro preciso que você faça uma coisa. — Michael o apressou.
— Certo, o que precisa?
— Sua mochila deve estar perto de você. Dentro deve ter duas esferas. Você vai precisar delas, quebre-as, é um bônus do contrato dourado.
— Quebrá-las? Tudo bem, isso eu consigo fazer. Algo mais?
— Bem… tente não morrer. — A ligação desligou logo depois.
“Esse desgraçado. O que quer dizer com “tente não morrer”? Ele não sabe que isso é uma death flag? Deve estar querendo me condenar!”
Li tateou o chão novamente e depois de um curto tempo encontrou a mochila. Abrindo-a, duas esferas, emitindo uma fraca luz dourada, encontravam-se em seu fundo. “Deve ser isso”. Jihan pegou a primeira esfera e apertou em suas mãos.
Era um pouco maior que uma bola de neve e estourou como se fosse coberta por uma camada de gelo fino. De dentro do globo, uma luz ofuscante expandiu-se iluminando a selva. Após alguns segundos, a luz diminuiu e um brilho voou como um laser, acertando o rosto do menino.
Uma dor excruciante veio logo após. “Que droga é essa?! Achei que isso deveria me ajudar!”. O cérebro dele pulsava; mas conforme sua cabeça se acostumava com a sensação, pouco a pouco, a agonia foi passando. Encarando as suas mãos, esperando um poder mágico, se decepcionou um pouco. “Nada mudou.” Tudo que ele sentia era uma leveza em seu pensamento.
Desde sempre, Li teve facilidade com problemas de memória. Sua condição mental o fazia lembrar de tudo; mas não é como se fosse fácil. Seus pensamentos se embaraçavam, como num emaranhado de cordas. Ele poderia ter acesso a tudo, mas procurar alguma coisa específica era como achar um alfinete num palheiro.
Agora, sua mente parecia limpa. Como se trocassem o processador de um computador velho por um de última geração. Resolvendo experimentar essa nova máquina, tentou escolher memórias separadas, das mais longínquas e isoladas que ele conseguia se lembrar, as experiências mais marcantes e detalhadas que ele poderia sentir.
— ARGH* — A dor voltou a atingir o seu cérebro, como uma agulha o perfurando. Bem, ainda era um computador velho. — Parece que ainda vou ter que treinar a minha mente para lidar melhor com essa habilidade.
“Falando nisso…”. Li pegou a outra esfera e a estourou sem nem pensar duas vezes. O orbe, diferentemente do outro, não liberou nenhuma luz. Apenas se desfez como cinzas, deixando no meio uma pequena pérola redonda.
— E o que seria isso? — O item, à primeira vista, não parecia nada de especial. Apenas que a cada segundo que se passava, ela liberava um odor agradável, cada vez mais forte.
Uma insana sensação de fome dominou a mente de Jihan, fazendo-o instintivamente engolir a pílula inteira, quase se engasgando pelo seu tamanho. Depois de alguns segundos, nada havia acontecido ainda.
“Será que eu deveria ter comido mesmo?” O arrependimento veio quase instantaneamente; mas como se sua mente rejeitasse a ideia de estar errado, ele rapidamente se recompôs. “Incrível, é como se eu estivesse sempre focad-” AHG* Li se engasgou.
A temperatura do seu corpo aumentou subitamente. O pensamento de que existia a possibilidade de ser um veneno passou por sua cabeça, mas foi rapidamente rejeitado. Afinal, se realmente fosse isso, ele já estava condenado, logo, não adiantaria pensar sobre. Caindo no chão, a dor cresceu. Como se sua pele fosse revirada e seus órgãos fossem dilacerados, Jihan se debatia no chão.
Seu cérebro processou rapidamente o que ele poderia fazer. Rasgando um pedaço de sua camisa com toda a força que lhe era possível, colocou em sua boca para evitar algum acidente e disfarçar a dor. Tremendo e suando, com seus olhos quase saltando para fora de seu crânio, Jihan resistiu à dor o máximo que pode. “Eu não posso apagar.” Sua cabeça o lembrava dos perigos de ficar desacordado, onde ele não sabia nem mesmo onde era.
Já amanhecendo, depois de seis horas de sofrimento, a dor cessou. Ainda sem forças, o garoto se levantou do chão, apoiando-se onde conseguia para manter-se de pé.
“Preciso achar um lugar para descansar.” Seu corpo, suado depois de tanto ardor, lutava para se mexer. Cambaleando, Li conseguiu enxergar uma caverna ao longe. Após muito esforço, chegou aos pés da caverna e, já um pouco além da entrada, desmaiou escorado nas pedras. Rápido o suficiente para não notar a mulher na escuridão.
O sol raiava a pino, iluminando todos os cantos da grande floresta. Olhos piscavam tentando se abrir. O cansaço ainda tomava conta do corpo de Jihan, mas seus instintos lutavam para proteger a si mesmo. Quando finalmente sua Fortitude ganhou a batalha, sua mente foi confrontada com outra surpresa: mãos e pés atados.
“Desde que encontrei aquele desgraçado do Michael, minha vida está indo por água abaixo.”
Ignorando o seu próprio cérebro, alertando-o de sua tentativa de enganar a si mesmo, Li questionou-se: “Agora, como vou lidar com isso?” Do outro lado da caverna, uma mulher estava sentada encarando Jihan como um filé mignon. Cabelo preto, pele pálida, olhos claros e… orelhas pontiagudas?
— Bom dia, senhorita! Acho que você cometeu um engano, eu só estou perdido!
A moça recusava-se a mexer um centímetro que fosse.
— Realmente não sei quem você é, não tem como resolvermos isso de maneira amigável?
Em uma língua que Li não reconhecia, ela respondeu.
— Perdão?
— Ela disse que: É exatamente por isso que você está preso. Humano estúpido! — Da escuridão, um homem se revelou. As mesmas orelhas pontiagudas, apesar de um pouco mais velho, mas com a pele e cabelo escuros como a noite.
— E você é?
— Não me apresento para quem está próximo de morrer!
— Escuta, não sei quem são vocês, mas só estou aqui para terminar um teste! Que nem sei ainda qual é.
— Nós também estamos aqui pelo teste. Ha, é bem típico de seres tão arrogantes e ignorantes, como seu tipo, não saber que todas as raças podem tentar o desafio dos deuses.
— Desafio dos deuses? — A reação genuína de desentendimento de Li o fez até questionar a si mesmo.
“Ele realmente não sabe?” Virando-se para a mulher, perguntou.
— Sabe dizer se ele está mentindo? — Ele perguntou na mesma língua que a jovem.
— Não está. — Respondeu silenciosamente e Jihan, obviamente, não entendeu uma palavra.
“Talvez, ele possa ser de algum uso para mim”
— Garoto, eu acredito em você! Sendo assim, tenho uma proposta!
— Que tipo de proposta?
— Preciso de sua ajuda para lidar com um problema… — O homem sorriu.
— Problema?
ROARRRRRRR
Muito Longe da caverna, um rugido ecoou por toda a floresta.
— Esse problema.