Sirius - Capítulo 9
Capítulo 9: O amor de um pai.
O Estalar de uma fogueira quebrava o canto dos grilos da floresta. Em uma caverna, no pé de um pequeno morro, um trio de esquisitos acampava. Uma Meio-Elfa dormia escorada nas pedras. Um Elfo negro mexia nas brasas, tentando manter o fogo aceso. Um humano olhava sua própria mão, apertando-a e soltando.
— Incrível! — Li estava se acostumando aos poucos e, após andar a tarde inteira, notou diferenças em seu corpo. Não estava cansado. Ele se sentia mais forte do que o normal. Isso, somado a sua capacidade cerebral aumentada, com certeza faria dele um boxeador sobre-humano. — Bem… não que isso importe agora. — Vendo Itzal próximo à fogueira, ele se levantou e foi se juntar ao elfo.
— Cansou de admirar a si mesmo e veio fazer companhia a esse velho homem? — O elfo não poderia deixar de pontuar, os dois riram.
— Você não consegue se segurar, não é mesmo? — Li sorriu. Após muitas conversas, ele já parecia ver o homem como um amigo.
— É muito fácil te encher o saco, garoto. Você tem que começar a blindar essa sua mente.
— Não enche, velhote. — Os dois se calaram durante alguns minutos.
— Você não quer saber? — Itzal cortou o silêncio.
— O quê?
— Sobre ela. — Apontou para Akemi.
— Não, não me importo muito.
— Então você não é tão abstraído, só não faz diferença mesmo? — Ele deu risada. — Bem, talvez seja por isso que sinto vontade de falar.
— Fique à vontade, um antigo amigo meu me disse que sou um ótimo ouvinte. — Li lembrou-se de Jhin. “Bem, ele não disse, mas acho que estava subentendido.” — Mas não vou mentir, me passou pela cabeça a curiosidade.
— Tudo bem. — Suspirando, o homem começou. — Sua mãe era uma humana. A mulher mais gentil e bondosa que conheci. Ela deu à luz a uma criança que era ainda mais bonita e amorosa do que ela mesma. — Os olhos dele brilhavam enquanto falava.
— Quando a Akemi era uma criança, ela costumava brincar num vilarejo. Apesar de sempre falarmos que ela não deveria se expor tanto, isso nunca a segurou. Ela era tão feliz… tão inocente na época. Como eu poderia falar para ela? Falar que ela nunca seria aceita pelos outros por nascer de um pai como eu? Que ela caminharia para sempre entre duas espécies?
O olhar de Itzal escureceu.
— Não demorou muito para descobrirem. No início ninguém se indignou, pelo contrário, a maioria deles a aceitou de braços abertos, mas… — A voz do elfo ficou mais grave, à medida que uma lagrima escorreu no seu rosto. — Aqueles SELVAGENS! Eles prenderam a minha filha e esperaram eu sair de casa para resgatá-la! — O velho se calou por alguns segundos. — Quando voltei, era tarde demais… eles a acusaram de “trair a humanidade”.
Itzal se levantou, atirando um galho na fogueira.
— Que tipo de humanidade tiveram esses desgraçados!?
— Os humanos aqui também são podres… é fácil entender por que ela não gosta de mim. — Li sussurrou, olhando na direção da menina. — Sendo assim, por que o senhor confiou em mim?
— É uma boa pergunta… talvez por parecer ser uma boa pessoa. Ou porque tem a idade da minha filha. Não poderia deixar alguém assim sozinho.
Li arregalou os olhos. “Não me lembro a última vez que alguém que me conhecia tão pouco disse isso.” Na verdade, ele lembrava. Mas fazia tanto tempo que a memória trazia mais dor do que felicidade.
— Obrigado, Itzal.
— Não, eu que agradeço por ouvir o desabafo desse velho pai. — Sorriu.
— O senhor é um bom pai. — Jihan encarou a fogueira estalando. — Se eu tivesse um pai, iria querer que ele fosse como você.
O Elfo paralisou. Lágrimas que não eram de dor nem de ódio escorreram pelas suas bochechas.
— Obrigado, Li. — Tentando impedi-las de cair, esfregou o próprio rosto. — Muito obrigado, garoto.
Deitada no canto, fingindo estar dormindo, Akemi mordia os lábios tentando não fazer barulho. Seu rosto inchado a denunciava e ela tentava fazer o choro parar. Embora em vão.
Ao raiar do sol, os três partiram do acampamento. Diferentemente do dia anterior, a jovem se esforçava para andar lado a lado com os dois.
— Ah! Akemi! Resolveu se juntar a nós? — O velho brincou.
— Sim, cansei de ficar pensando sozinha. E outra, esse moleque deve estar te cansando.
Uma voz agressiva, um pouco contrastante com a aparência meiga, saiu da boca da mulher.
— Você consegue falar a minha língua?! — Li perguntou surpreso.
— Nunca disse que não conseguia, só não queria falar com gente como você.
Entre os dois, Itzal riu. Ele sabia que não era isso. A sua filha odiava falar a língua dos humanos pelo que aconteceu a mãe. Ela sempre negou todas as partes dela que a lembravam de sua parte humana.
— Do que você está rindo, velho!? — A menina perguntou.
— Nada. Só pensei que você lembra muito a sua mãe.
— Ora, seu! — Corando, ela deu um soco no peito dele.
— Ai! Quer matar o seu velho pai?
Li apenas sorriu. Ele parecia estar num sonho. A caminhada foi tranquila. Como sempre, quando sentia perigo, Itzal os fazia contornar para evitar desgaste. O tempo passou rápido, e exceto por quando paravam para se alimentar, não fizeram pausas. Poucas horas depois do sol a pino, pararam.
— Estamos próximos. Li, Akemi, escutem bem. Vocês vão fazer exatamente o que eu mandar! Entenderam?
— Sim! — Disseram em uníssono.
— Muito bem. Agora escutem, só tenho uma regra quando se trata desse tipo de missão. E isso serve em dobro para vocês dois.
Ambos engoliram a seco.
— Não morram. Item ou artefato, nenhum é mais importante que a vida de vocês dois. — Itzal terminou de falar e então os abraçou. — Eu os proíbo de ir contra essa regra. Me prometam. — E eles o abraçaram de volta, prometendo.
— E agora? — Perguntou Li.
— Nós esperamos.
A tensão fez o anoitecer demorar. Assim que escureceu, começou a chover, e como nos outros dois dias, o primeiro trovejar foi ouvido. Itzal foi na frente para checar se estava tudo certo, para dar início ao plano.
— Acha que vai dar certo? — Jihan dirigiu-se à Akemi.
— Vai dar, é o meu pai. Ele pode fazer qualquer coisa.
Alguns minutos depois, a sombra reapareceu. “Então essa é a habilidade dele? Emergir com as sombras?”
— Tem alguma coisa errada. Não estou sentindo nenhum ser vivo no ninho.
— O que quer dizer? — A mulher perguntou.
— Quer dizer que o chifre está desprotegido! Se o trovão ainda está caindo na mesma direção e não tem nada vivo na caverna, só pode ser isso!
— Devemos arriscar? Digo, não era esse o plano.
— Não se preocupe, Li. Se der errado, eu distrairei o Troll e vocês correm. Vão em direção a onde estávamos, Akemi não deve ter problemas em achar.
— Confio em você, senhor.
— E eu em você, garoto. Vamos.
Andando por alguns minutos, eles finalmente alcançaram o ninho. Uma grande caverna na base de um morro. Cercada de musgo, a entrada quase não aparecia se você a visse de longe. O seu topo parecia destruído. “Os raios devem ter, eventualmente, quebrado e atravessado as pedras.” Após Itzal confirmar que não havia ninguém, eles entraram.
— Velho, tem certeza de que não tem ninguém aqui?
— Bem, fiz uma limpa na caverna, nada reagiu ou se mexeu.
— Por que não pegou o chifre então? — Li perguntou curioso.
— Se a besta não está aqui dentro, ela está lá fora. Nesse caso, é vocês que estavam em perigo. Logo, não tive tempo de procurar.
Eles andaram pelo lugar. Perto do fim, uma luz passava pelo teto, iluminando a caverna.
— Deve ser aqui. Se o buraco é causado pelos raios, então o chifre deve estar por perto.
Após vasculhar por alguns minutos, Itzal finalmente achou um objeto. Em sua mão, um grande chifre brilhava. Era quase do tamanho do braço do elfo. Li só conseguia imaginar o tamanho que o seu dono original teria.
— Achamos! — Akemi, ao lado de Jihan, comemorou.
— Perfeito, agora podemos sair daqui. — Alguma coisa incomodava Jihan, foi muito fácil, sua mente desconfiava de algo, como se uma peça do quebra-cabeça estivesse faltando. — “O que eu estou deixando passar…”
— Espere, Li. Tenho um presente para você. — Tirando uma faca da cintura, Itzal apoiou o chifre sobre uma pedra, próxima à parede. E com toda sua força, o acertou no meio, quebrando o chifre e a pedra junto.
“Esse velho é muito forte!”
Pegando a metade, ele estendeu a mão e chamou o garoto para o entregar. Li, animado, correu até o homem. Tomando cuidado para não escorregar no piso lamacento, olhou para o chão onde pisava. Um pensamento correu e uma imagem foi conectada na mente de Jihan. Sua expressão congelou.
— Garoto? Você está b-
— Velho! Não tinha pegadas… na entrada não tinha pegada alguma… como ele não deix-
— O que está dizendo, garoto, está me assustando.
— Quer dizer… como ele entrava na caverna senão pela porta?
Um par de olhos piscou na escuridão. Uma arma redonda tapou a iluminação.
ROARRRRRR*
As pernas da menina paralisaram. Tremendo.
— AKEMI! — O elfo saltou com tudo na direção da sua filha, estourando o chão onde ele pisava, puxando-a para longe do monstro e tomando seu lugar na trajetória do porrete.
BUM*
O corpo atirado para longe trouxe Li de volta à realidade.