Sua Alma Amada - Capítulo 23
— Dio, você está me ouvindo? Como você conseguiu tocar essa música? — questiona Zac enquanto algumas lágrimas correm do seu rosto.
— O que houve, meu rapaz, não gostou da música?
— Jamais, eu amei, pois cada detalhe é majestoso, mesmo não compreendo muito bem algumas partes da letra.
— Viu Kyron, diferente de você que é um velho ranzinza, o rapaz tem bom gosto. Ele sabe reconhecer quando algo é bom.
Kyron esboça apenas um sorriso de canto de boca, com bastante desdenho para com o que acabou de ouvir.
— Você não tem salvação mesmo Kyron, já te disse uma vez e repito novamente, que essa sua busca pela perfeição vai acabar te levando a perdição. É como minha mestra dizia: “Esta pequena parte da minha vida, eu chamo de felicidade”, lembre-se rapaz que uma vida perfeita só ocorre se você sorrir e para isso, você precisa se entregar a pequenas partes dela.
— Mestra, caramba, que legal, ela também sabe tocar algum instrumento? — pergunta Zac com um olhar sorridente estampado em seu rosto.
— Ehhh rapaz, falar sobre ela é um pouco difícil, mas acho que vale a pena, um bom apreciador como você não pode viver sem ouvir essa história. — Thome acaba se emocionando um pouco e algumas lágrimas caem do seu rosto, que devido a velocidade em que Jack corre, se mesclam com o vento tornando um só.
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Mas antes de falar qualquer outra palavra, tudo vai ficando turvo, uma espécie de fumaça negra surge e começa impedir a visão, aos poucos o som se dissipa e já não é possível ouvir mais nada.
Em algum lugar bem distante tanto de tempo quanto de espaço, duas pessoas estão tendo um diálogo, mas esse lugar é um pouco familiar, pois outrora já apareceu por aqui.
— Sério que eles fizeram a gente vir aqui só para ficar vendo a história desse rapaz? O mundo está acabando, estamos presos aqui, não é possível, estou de saco cheio de ouvir esse cara cantando.
— Ei se acalme, tem que ter algo aqui, eles não iriam errar. Eles se sacrificaram por isso.
— Ahhhhhh, você é muito bonzinho, o pessoal do lado de cima é muito amável. Já estamos aqui por dias e nada, nenhuma pista do que fazer.
— Eu não queria estar aqui, muito menos trabalhando com você. Mas foi o último pedido que ele me fez, eu segui as indicações e cheguei nesse lugar que eu nem sabia que existia, te ver aqui foi um choque, pois não imaginei isso.
— Você falou isso já, eu já sei isso, não tô duvidando das palavras que ela me enviou, mas só quero entender. O mundo está um caos lá fora e estamos aqui, acompanho três almofadinhas, um cego, um maníaco e um jovem carente. Como isso vai salvar o mundo?
— Eu não sei se você percebeu, você não deve acompanhar as coisas lá em Urano, mas alguns assuntos que estou vendo aqui estão respondendo algumas perguntas que eu tinha.
— Sério? E eu com isso? Tu acha que alguém lá de Gaia vai se preocupar como vocês vivem? Grande coisas, estamos dias aqui e você respondeu algumas perguntas.
Após essa fala, surge um silêncio que ecoa por toda aquela sala. Os dois rapazes não emitem nenhum som, até que um deles decide puxar a cadeira em que estava sentado para trás, com o intuito de se levantar.
— Ei, acho que seria uma boa dar uma pausa, pois estamos aqui desde que chegamos. Começamos bem mas acho que seria bom dar uma respirada, pois não está produtivo.
O rapaz que se levanta veste uma túnica branca que flui suavemente em sua figura. Cada dobra do tecido parece carregar consigo a essência da pureza. Detalhes dourados, como raios de sol capturados, adornam a vestimenta, destacando a ligação especial do sábio com o precioso metal. É possível observar símbolos intrincados, bordados em fios dourados, contam a história silenciosa de sua jornada espiritual. À medida que ele se move, a luz dança nos ornamentos, revelando uma riqueza que transcende o material, algo que só o conhecimento profundo pode proporcionar.
— Tem razão, me desculpe pela grosseria, é uma ótima ideia darmos uma observada neste lugar e voltarmos depois.
Os dois sem nem perceber foram consumidos pela atmosfera do local, um cenário desolador, uma espécie de cômodo onde suas paredes despidas e desprovidas de qualquer cor. Criam uma atmosfera cinzenta e monótona que domina o ambiente, como se a própria vida tivesse sido drenada. No centro, uma mesa de madeira maciça, desgastada pelo tempo, rodeada por algumas cadeiras.
O local é semelhante a uma cápsula de silêncio, onde as sombras dançam sem vida. Não há adornos ou decorações, apenas a fria simplicidade das paredes sem cor e do chão gasto. A luz escassa filtra-se por frestas nas paredes, criando reflexos pálidos que iluminam timidamente a desolação.
Sobre a mesa, documentos empoeirados e uma pena ressequida testemunham dias longos de solidão e reflexão. Cada superfície parece marcada pelo peso do tempo, enquanto as portas, carentes de vitalidade, permanecem como sentinelas de um passado que se recusa a ser revivido.
Nesse cômodo além de estantes velhas, é possível observar duas portas, que são opostas. À esquerda, uma porta de carvalho maciço, enriquecida por detalhes entalhados, sugere um caminho marcado pela tradição e pela solidez. À direita, uma porta de ferro, austera e minimalista, que aponta para uma jornada mais conturbada e permeada pela modernidade.
O rapaz com a túnica branca vai na direção da porta de ferro, pois como ele entrou pela porta feita de carvalho, ele já sabia o que poderia encontrar nela, então optou por descobrir o novo.
— Essa foi a porta que eu entrei, não tem nada aí além de um extenso corredor. — Informa o rapaz que usa vestes escuras, densas como a noite, coberto por uma capa negra, ornamentada por detalhes prateados ao decorrer do tecido e alguns símbolos intrincados, costurados com linhas prateadas.
— Eu imaginei que assim fosse, mas quero ver se é a mesma paisagem pela qual passei.
— Interessante vou fazer o mesmo. — Após falar, o rapaz se levanta e parte em direção a porta feita de carvalho.
Os dois encostam na porta e ao girar maçaneta nada acontece, eles tentam algumas vezes, mas a maçaneta nem sequer se mexe.
— Não é possível, estamos trancados aqui? — questiona o rapaz de vestes brancas.
— Tem essa possibilidade, deixa eu ver se consigo abrir a sua porta e você a minha.
Eles então decidem trocar, cada um vai tentar abrir a porta pela qual passou e entrou nesse local. Mas nada acontece, pois ambos estão trancados nesse cômodo sórdido.
— Não é possível, pelo menos a sua ideia de sair daqui e fazer algo não vai mais rolar.
— Tá, Tá, Tá, ahhhhhhh — O rapaz de vestes preta solta um leve grito — Vamos fazer o seguinte, antes de voltarmos, porque eu tô ficando maluco ouvindo essas músicas, vamos pegar esses cadernos jogados aí e para montarmos uma anotação com algumas coisas.
— Acho que é interessante a gente fazer isso, aliás, você pode não saber muito sobre Uranos, mas muito do que estamos vendo aqui moldou a Uranos que conhecemos hoje.
Ambos se sentam ao redor da mesa central, pegam algumas folhas e começam a escrever algumas informações.
— Podemos começar por aí, sabemos que o rapaz é a chave, o próprio Kyron falou abertamente. Também sabemos que ele está tramando um plano e não está sozinho, não sei se reparou mais o presente dado para o Dioniso tem algo a ver com isso.
— Então a família de Zeus teve uma grande mudança nesses últimos 3 anos, e acho que isso tem haver com o Zac. Pois atualmente eles estão vivendo um momento difícil.
— Certo, estava lembrando aqui, também teve o roubo dos livros que aconteceu e o Kyron estava envolvido nisso. Você sabe algo sobre eles? Pois lembro de que já ouvi uma história sobre os doze livros.
— Sobre os livros talvez a mesma coisa sobre você, que tinha um conjunto de doze livros em branco. Esse rapaz ter conseguido ler me gerou certa curiosidade, falando nisso, eu achei a conduta da Flora bem estranha, eu a conheço há muito tempo e sei o quão leal ela é. Mas ela parecia estar escondendo algo.
— Também percebi isso, a voz que pareceu ao Zac quando estava dentro da planta me pareceu saber de algumas coisas. Outra coisa, acho que a Fenrir é importante nessa história, porque esse jovem teria um dos três animais lendários?
— Realmente, é loucura pensar que ele conseguiu o poder da Fenrir, sendo assim sobram mais dois, temos a serpente que vaga por Gaia e o paradeiro do terceiro é desconhecido. Será que tem algo haver com isso?
— Sim, a serpente vaga pelas profundezas de Gaia, mas ela vive em um local que é inóspito à vida humana. Sem falar que esse rapaz não pode entrar lá né, por ser de Urano, ele não pode entrar em nosso continente. Porém o terceiro animal foi visto transitando entre nossos continentes, então se esse rapaz encontrar poderá ser perigoso.
— Sim, ele não consegue entrar, então fico mais tranquilo quanto a isso. Mas como você falou, se ele encontrar o animal que transita entre os dois, pode ser um pouco complicado. Mas não deve ser o nosso foco, na verdade sinto que tem algo relacionado com o poder dele, algo ali me chama bastante atenção, pois nunca vi nada parecido com o poder do Zac em toda Urano.
— Eu também não, lembro que quando houve a competição escolar, falavam muito sobre um rapaz que tinha um poder de dar vida aos mortos. Mas como não pude estar lá, nem você, até porque estávamos no mesmo local, acabei não vendo esse poder.
— Verdade, queria ter visto com meus próprios olhos o que aconteceu naquele dia. Sinto que esse dia foi o estopim para a guerra que estamos vivendo.
— Tenho o mesmo sentimento, voltando aqui, como você falou, também acho que o poder dele é a chave, além de que quando ele leu o livro houve uma relação direta com o poder das sombras.
— Sim, então acho que podemos partir desses dois pontos, outra coisa importante são os sonhos que ele está tendo. Pois o rosto da mulher me parece muito familiar, mas não consigo afirmar com certeza quem é.
— Interessante essa parte, irei anotar aqui. Eu não prestei muita atenção nesses detalhes, ainda bem que estamos nessa juntos. Mas uma vez desculpa pela forma que falei mais cedo, não estava bem.
— Tranquilo, também não estava muito bem, e quando vi que estávamos trancados aqui, sem podermos fazer nada, já que as regras desse lugar não permitem, eu quase tive um treco, então a sua ideia de refletir gerou uma luz e me trouxe uma paz.
— Acho que os dois não estavam tão errados em nos enviar até aqui não, você acha que tem mais algumas coisas.
— Por enquanto acho que temos que ficar de olho no Zac, Kyron, Flora, Dioniso e no rapaz que matou os guardas.
— Verdade, tinha me esquecido desse rapaz, se não me falhe a memória, lembro dele sapateando enquanto uma fumaça cobria o local, na verdade ele tava tocando algo também, pois lembro de que tinha uma música de fundo.
— Bem lembrado, me recordo de ouvir um instrumento com um som bem agudo, acho que era uma gaita. Ahhhhh não pode ser, será que é?
— Sim, é isso mesmo, foi esse rapaz que presenteou o Dioniso com a gaita.
— Agora faz mais sentido, mas o que ele queria com isso e porque estava escrito “presente para Enoque”?
— Eu particularmente não sei, só sei que tem algo aí, aliás, não é muito estranho que toda essa história tenha haver com música?
— Isso é, acho que já juntamos algumas coisas interessantes aqui. Acho que podemos voltar certo?
— Sim, aliás acho que fazer essa pausa de tempos em tempos é bom para organizarmos nossas ideias.
— Faço das suas palavras as minhas.
Após esse belo diálogo, os dois usam seus poderes e mais uma vez tudo vai ficando turvo, uma espécie de fumaça negra surge e começa apresentar algo, aos poucos o som se condensa e é possível ouvir o barulho dos lobos correndo no chão tecnológico que permeia essa região da Pandeia.
_______________ :Notas do Autor: _______________
É a primeira vez que faço isso, mas acho interessante essa interação, pois como autor desta história me senti no dever de parar um pouco e falar sobre como tem sido essa jornada, durante esse primeiro arco vimos muita ação, correria, amizade, felicidades, tristezas e por aí vai.
Eu particularmente chorei enquanto escrevia algumas cenas do primeiro arco, nesse segundo vai ter bastante rima, música, ciência e bastante poesias, e eu espero que curtam.
O primeiro arco acabou fazem alguns capítulos e já iniciamos no segundo arco, mas senti a necessidade de parar um pouco e relembrar algumas coisas enquanto apresento outras.
Gosto de intitular esse arco como Fermentação, pois dialoga com tudo que está para acontecer, já que no final desse arco os personagens vão conseguir um pouco de energia, mas a pergunta que fica é: A que custo?
Ahhhhh já ia me esquecendo, não vou confirmar nada mais pretendo lançar o próximo capítulo o mais rápido possível.