Um Alquimista Preguiçoso - Capítulo 107
Dentro do território da Família Xiao, um pequeno grupo de cultivadores Despertados se movia a passos largos, liderados pelo Guardião Wu. Eles se deslocavam através de uma trilha já conhecida, que levava a outro extremo da extensão, entre as regiões nordeste e leste, próximo da divisa do território da Família Xu.
Embora estivesse tentando não chamar muita atenção com sua movimentação, o bando tinha pressa em sua jornada e por isso estavam correndo. O objetivo deles era alcançar as proximidades da residência do 1º Ancião Dong.
De acordo com as informações passadas por seu colega, Yin, o Ancião havia desaparecido sem deixar rastros, nem mesmo vestígios de sua Energia Espiritual puderam ser encontrados nas redondezas, mas Xiao Wu precisava começar por algum lugar.
Seu objetivo, antes de tomar uma ação drástica e acabar causando problemas desnecessários, era investigar à distância. Desejava encontrar um local seguro e que não pudesse ser localizado para só então sondar os arredores da moradia do Ancião em busca de algum vestígio. Porém, caso falhasse em encontrar algo, seria obrigado a assumir uma abordagem mais direta.
Enquanto pudesse evitar, ele não se atreveria a revelar que estava mantendo tal figura importante sob vigilância, mas se as alternativas acabassem, iria com toda a certeza bater na porta da frente da casa do velho suspeito, nem que para isso precisasse inventar uma desculpa banal.
Depois de alguns minutos correndo, o grupo havia alcançado a região central do território e estava passando por uma trilha adjacente às Arenas de Combate e Treinamento. Para a sorte do time, o local se encontrava vazio e durante toda a jornada, apenas um número bastante limitado de pessoas, retardatários em sua maioria, foram vistos se deslocando à luz do luar, o que ajudou na discrição.
Seguindo sempre na frente, Xiao Wu liderou seu esquadrão por caminhos menos frequentados. Mesmo que a maior parte dos membros estivesse fora, quanto menos chamasse a atenção melhor.
E por um instante pareceu que seria uma jornada sem grandes acontecimentos, ao menos até chegarem no local. No entanto, quando o grupo ia passando por uma área ocupada por pequenos edifícios inacabados, algo despertou o interesse de todos.
De repente uma poderosa e nada discreta Energia Espiritual surgiu.
Xiao Wu experimentou certa familiaridade na sensação despertada pela Energia, mas sem ter certeza de a quem possuía, ele fez um gesto com a mão, dizendo para seus seguidores pararem.
Mesmo que nem todos ali possuíam um Sentido Espiritual avançado, o abalo esmagador causado pela presença tornou fácil localizar a fonte de tal perturbação.
Em um movimento conjunto, o bando ergueu a cabeça para estudar o céu noturno e sem encontrar dificuldades ou obstáculos, avistou uma figura deslizando pelo ar com uma sutileza admirável, dando a impressão de que estava sendo arrastado por um complexo sistema invisível de esteiras.
Da mesma forma que aquele bando de praticantes medianos conseguiu sentir a presença, a figura detentora da marcante Energia Espiritual também os notou, pois enquanto flutuava pelo ar, fez uma breve pausa e logo em seguida mudou de direção, indo de encontro ao esquadrão.
Quando notou a mudança, no primeiro momento, Xiao Wu se alarmou, dado que a escuridão da noite obstruía sua visão e apesar da vaga sensação de familiaridade, não podia se descuidar, mas assim que o sujeito se aproximou, ele deixou escapar um suspiro de alívio, enquanto o resto do seu pessoal se mostrou profundamente surpreso.
Quem surgiu não foi ninguém menos do que o 1º Supremo-Ancião Xiao Feng, um poderoso cultivador da 7ª Camada do Reino Espirituoso.
― Supremo-Ancião! ― exclamou Wu, surpreso com a aparição. ― Eu pensei que tinha voltado para o seu retiro. ― O discurso do Patriarca revelando a aliança com um Alquimista trouxe diversos membros que estavam longe de volta, mas era de se esperar que depois de um tempo todos retornassem aos seus afazeres. E por isso ele ficou tão chocado de ver aquela importante figura ali.
Xiao Feng não teve pressa para responder e calmamente desceu e pousou em frente ao grupo. A despeito de sua elevada posição, ele trajava roupas simples e discretas, que em nada indicavam poder ou riqueza. Nos pés havia um par de sandálias de dedos em cujas tiras eram feitas de palha trançada.
Seu rosto denunciava certa idade avançada, enquanto o cabelo grisalho, curto, mostrava-se pontudo em algumas partes e bagunçado em outras, feito um jovem que tentava se arrumar pela manhã, mas acabava desistindo antes de terminar. Seus olhos eram de um tom escuro, que intensificados pelo luar plácido passava uma angustiante e hipnotizante sensação abismal.
Quando seus pés tocaram o chão, o Supremo-Ancião tomou alguns instantes para memorizar os rostos presentes e por fim, abriu a boca:
― Após a revelação feita por Enlai, achei melhor adiar meus planos por algum tempo. ― Sua voz, além de grave, era firme, rígida, mas também calma e dotada de leves traços de sutileza. ― A aparição de um Alquimista pode despertar interesses indesejados e pensei que a Família poderia precisar de ajuda. ― Ele fez uma pausa. Encarou o Guardião por um segundo e continuou. ― Mas a verdadeira questão é: por que vocês estão tão agitados?
Era um sujeito perspicaz, isso ninguém questionava, e apesar do grupo ter tentado ser discreto, a peculiar movimentação de um bando de cultivadores treinados em combate numa noite calma não poderia passar despercebida por seus olhos.
Confrontado pela pergunta, Xiao Wu hesitou. Por se tratar de Feng, um importante aliado do Patriarca, sabia que não precisava guardar certos segredos, mas ainda existiam detalhes que não podia contar sem autorização, como a identidade do Alquimista. Além do mais, ele desconhecia o quanto a figura em sua frente compreendia do assunto atual. No final, até mesmo a verdade por trás de Xiao Ning talvez fosse um assunto público para o Supremo-Ancião.
Então, após refletir por um momento, o Guardião resolveu explicar os acontecimentos desde o começo, mas ainda mantendo pequenos detalhes em confidência, até porque, a ignorância dos demais presentes precisava ser mantida. E caso a outra parte já tivesse sido informada, palavras mais reveladoras poderiam ser dispensadas.
― Eu não sei se o Supremo-Ancião ficou sabendo ― ele começou ―, mas há algum tempo atrás houve um incidente na Floresta de Bambu…
― Você fala do ataque a um dos nossos membros mais jovens? ― inquiriu Xiao Feng em um tom insinuante. ― Enlai já me esclareceu a esse respeito.
Ouvindo isso, o Guardião se sentiu aliviado, pois percebeu que poderia avançar na explicação sem entrar em detalhes. E como as pessoas o seguindo já sabiam sobre o ataque, mas não o motivo, a progressão rápida na conversa permitia manter em sigilo aquilo que precisava ser escondido.
― Isso mesmo. ― confirmou, meneando a cabeça. ― Nós estávamos seguindo algumas pessoas que acreditávamos serem suspeitas pelo atentado, porém perdemos seus rastros, incluindo do praticante Soberano do Despertar, que sumiu esta manhã. Além do mais, agora há pouco eu recebi a notícia de que o 1º Ancião Dong desapareceu de sua residência.
― Desapareceu? ― repetiu o Supremo-Ancião em tom duvidoso. ― Xiao Dong não é tão perspicaz a ponto de se esconder dessa maneira.
― E é por isso que estamos indo verificar. ― acrescentou Wu, aprovando a alegação.
O rosto de Xiao Feng não mudou, mas o silêncio seguido dos esclarecimentos acerca da movimentação do grupo expunha que ele estava pensando em algo de importância significativa. E então, após um momento de reflexão, falou:
― Xiao Dong pode ser problemático, mas o que me preocupa é o desaparecimento de um Soberano. ― E quanto a isso, o Guardião Wu não tinha do que discordar. ― Como a maior parte dos nossos Anciões estão no festival ou em algum outro lugar, o monitoramento de nossas fronteiras foi enfraquecido. Acredito que se alguém for tentar invadir, essa pessoa dará a volta por fora da cidade e descerá pela montanha. ― concluiu, apresentando uma linha de raciocínio lógico.
― Eu concordo, mas não tenho pessoal a disposição o bastante para vigiar a montanha.
― Não se preocupe com isso. ― disse o Supremo-Ancião. ― Irei pessoalmente verificar a fronteira em busca de movimentações estranhas e você e seu grupo tentem encontrar o Xiao Dong. ― ordenou, designando papéis a serem cumpridos. ― Se encontrarem algo estranho, evitem o combate e vão imediatamente avisar Enlai.
― Eu farei isso! ― declarou Xiao Wu em tom respeitoso.
Após ficar decidido o que seria feito, o Supremo-Ancião não esperou mais e levantou voo, desaparecendo no céu noturno que cobria a Montanha Ancestral de Jade. Já o esquadrão liderado pelo Guardião Wu voltou a seguir seu caminho, rumo a residência do 1º Ancião.
Enquanto isso, no Festival da Geração do Caos, Xiao Jiao e o Jovem Nobre Bai já se encontravam posicionados sobre a arena, apenas aguardando a autorização para começarem. Em frente a estrutura que sustentava o palanque, o cartaz trazendo o nome dos participantes tinha sido atualizado e estava da seguinte forma:
Nas duas vezes em que esteve sobre aquela mesma arena, Xiao Jiao manteve a cabeça baixa durante todo o tempo, sufocada pela própria timidez. A única mudança acontecia quando a luta começava e a valentia que se escondia no fundo de seu coração se aflorava para mostrar um traço daquela que desejava ser.
Contudo, nessa ocasião em especial, uma mudança notável era perceptível em seu rosto e em sua postura no geral. Sua cabeça estava erguida de uma maneira desafiadora, os braços abertos demonstravam confiança. Ela encarava o inimigo a sua frente com tal ferocidade que parecia uma guerreira valente, moldada por batalhas sangrentas e selvageria.
O Jovem Nobre Bai percebeu a maneira com que estava sendo encarado e retribuiu o gesto exprimindo uma repulsa visível.
― Que olhos são esses? ― indagou ele, enojado. ― Acha que tem o direito de olhar para mim assim? ― Sua voz carregava um desprezo profundo e a soberba de quem se sentia superior.
― Sou uma Xiao e olho para quem eu quiser! ― retrucou ela, afirmando sua identidade.
― Hunf! ― bufou Xiao Bai, exprimindo um semblante de asco. ― Acha que só por ter ganhado um sobrenome por pena isso faz de você uma de nós? Uma miserável igual a você deveria estar lambendo os meus pés e agradecendo por não ser vendida a um bordel qualquer.
Palavras duras, tão duras que levou o rosto de Xiao Jiao a se deformar em pura fúria e um ódio profundo, antigo.
― Seu desgraçado maldito! ― grunhiu ela, apertando os punhos para se controlar e não cometer uma falta grave antes do início definitivo da disputa.
― Sabe ― começou o Jovem Nobre, falando em tom calmo, mas que escondia leves traços de provocação. ― Eu fiquei bastante surpreso e decepcionado com essa competição. Já não é a mesma coisa de antes. Mesmo uma Mundana da 6ª Camada conseguiu chegar até aqui. ― Apesar da distância entre seus cultivos não ser assim tão chocante, ele agiu como se sua superioridade fosse incontestável. ― Mas diferente dos outros, meu tempo é precioso e não estou interessado em ficar desperdiçando Energia Espiritual com tão pouco. ― Fazendo uma pausa dramática enquanto seu rosto revelava um discreto sorriso desdenhoso, ele colocou a mão no bolso e revirou o interior por um instante. Por fim, sacou cinco moedas de prata. ― Aqui! ― jogou-as no chão. ― Pegue-as e me poupe do trabalho.
Quando Xiao Bai jogou as moedas sobre o piso da arena, no palanque, uma pequena comoção em forma de revolta teve início.
― Quem você pensa que é, seu fedelho insignificante! ― rugiu Ah-kum, que não se importou com sua posição ou em como aquilo pareceria aos olhos dos demais. ― Se deseja tanto assim levar uma surra, eu mesma vou até aí quebrar sua cara.
Do outro lado, Zhan Xin Qian também ficou indignada diante da injustiça que sua antiga rival estava sofrendo. Embora não se conhecessem a um nível íntimo, sentia que não precisavam ser amigas de longa data para demonstrar simpatia.
― Seu nojento maldito! ― rugia ela, colérica. ― Você vai levar um soco tão forte que seus olhos irão parar na nuca!
Por um segundo, Xiao Jiao ficou paralisada diante da cena. Seus olhos se fixaram sobre as moedas como se estivesse vendo algo abominável. Então, a expressão em seu rosto afundou e seu semblante se tornou mais pesado. Sentia um enorme desconforto dentro do peito, como se alguma coisa estivesse perfurando seu coração.
O Jovem Nobre Bai olhou para aquilo com um enorme sorriso desdenhoso, porém ainda não estava satisfeito.
― Eu ouvi dizer que seu pai fez um ótimo negócio quando a vendeu, mas eu não acho que você vale tanto assim.
Aquilo foi o limite para Xiao Jiao. Deixando sua raiva se manifestar, ela apertou tanto as mãos que seus dedos ficaram brancos feito os de um cadáver. Estava se preparando para atacar.
― Eu vou esmagar sua cabeça no chão! ― ameaçou, rugindo igual a uma fera. Naquele segundo, qualquer vestígio de timidez ou de uma garota recatada desapareceu e o que restou foi a mais pura e simples ira de uma mulher ofendida.
Mas a despeito do olhar feio que era dirigido a sua pessoa, o Jovem Nobre Bai não se intimidou e aceitou o desafio, algo que ficou claro pela maneira com que ergueu a cabeça, cheio de soberba.
― Já basta! ― A tensão entre os dois estava crescendo e parecia que um conflito se romperia a qualquer instante, mas neste momento o árbitro designado para julgar a partida se intrometeu, agindo antes que fosse tarde demais. ― A disputa ainda não começou e se lutarem antes de receberem autorização, ambos serão desqualificados. ― Olhou de um para outro, condenando a postura dos jovens. ― Tendo dito isso ― ele acrescentou após uma breve pausa. ― Se vocês estão tão animados assim, então podem começar.
Xiao Jiao não quis saber se o juiz estava falando sério ou apenas se preparando para dar a autorização. No instante em que ouviu: “podem começar”, ela chutou o piso de madeira tão forte que um barulho alto ecoou da parte oca da estrutura, como se fosse um tambor rufando.
Sua agressividade ao iniciar a investida se mostrou bastante diferente das lutas anteriores, em que existia graça em seus movimentos. Ela avançou em uma investida direta contra o alvo, correndo com passadas pesadas e o punho cerrado, pronto para desferir o primeiro golpe.
O Jovem Nobre Bai sorriu diante da tentativa, pois a explosão da adversária em nada poderia surpreender seus olhos. Mantendo a calma, ele a acompanhou por um segundo, até que estendeu o braço direito à medida que uma luz indistinta passou a se manifestar. Contra alguém da 6º Camada seria uma vitória fácil.
Ao menos foi o que acreditou. Mas foi nesse momento que uma assombração de um passado não tão distante se manifestou.
De repente, Xiao Jiao chutou o chão com ainda mais força e perante o poder esmagador de suas pernas, toda a estrutura de madeira tremeu e rangeu, surpreendendo quem assistia. Parecia que as runas de reforço não suportariam aquela força e o palco acabaria desabando.
A velocidade explosiva e repentina da oponente espantou Xiao Bai que inevitavelmente se lembrou de um acontecimento do Evento de Seleção.
Assustado, ele tentou mudar a postura a fim de se defender, mas agiu tarde demais.
Seu rosto foi atingido por um punho pesado que forçou seu corpo a recuar e, impotente, ele se viu sendo arremessado para longe e terminou rolando pela arena.
O aclamado Jovem Nobre foi atirado por alguns metros de distância e quando parou de girar, estava caído de frente, encarando o chão sujo. Seu rosto se encontrava marcado por um profundo espanto e uma visível confusão, e a região ao redor do olho esquerdo exibia um tom vermelho, brilhante e com traços de inchaço, dando a impressão de que um anel estava se formando, um anel muito semelhante aos contornos de uma mão fechada.
Por um breve segundo, ele ficou sem reação, perdido, sem entender muito bem o que tinha acontecido. Mas logo percebeu que não poderia ficar assim por muito tempo e começou a se erguer.
Entretanto, quando tentou se apoiar para conseguir ficar de pé, seu rosto mais uma vez foi golpeado por uma força esmagadora, desta vez, atingindo-o bem no nariz. O poder foi tamanho que sua cabeça ricocheteou e bateu a nuca contra o piso de madeira. Sentiu a mente flutuar e um torpor tomou conta de seus pensamentos. Talvez estivesse exagerando, mas a impressão que teve foi a de o cérebro ter chacoalhado, abalando sua lucidez.
Caído de braços abertos, Xiao Bai se sentiu desorientado, sem rumo. Apesar de seus olhos estarem abertos, a maneira com que o céu acima e as lanternas se mexiam, girando e rodopiando, deixavam-no duvidoso da própria sanidade, sem saber se ainda estava acordado ou se havia se perdido num estranho mundo onírico.
A sensação de desorientação somada com a dor pungente que atravessava sua cabeça foi desagradável de uma maneira perturbadora, mas não durou por muito tempo ― ao menos ele pensou que não. Aos poucos notou uma crescente recuperação da sobriedade e seus sentidos voltaram a se manifestar, enquanto o céu e todo o resto deixou de ficar borrado.
Embora ainda estivesse meio grogue, ele conseguiu se escorar usando os cotovelos, feito um bêbado caído num beco qualquer, e só precisava de mais alguns instantes para se recuperar.
Porém, tão logo sua visão deu sinais de recuperação e a lucidez voltou a se estabilizar, um vulto caiu sobre seu corpo, mantendo-o no chão. E então, uma sequência de pancadas impiedosas recaiu sobre seu rosto.
Xiao Jiao não se importou em preservar o espírito esportivo que existia na competição. Antes que seu maldito rival tivesse a chance de se recuperar, ela se atirou sobre ele, pressionando seu peito com o joelho, e começou a desferir um soco depois do outro.
Seus golpes foram tão poderosos que a arena estremeceu a cada impacto. As pessoas que assistiam ficaram surpresas ao verem um Despertado cair antes mesmo de fazer um único movimento, mas não demorou muito e a surpresa se transformou em assombro quando uma disputa imparcial começou.
Os apoiadores do Jovem Nobre Bai se calaram diante da cena. Por um segundo, temeram que a derrota fosse inevitável.
Sobre o palanque, a 7ª Anciã Huo olhou para a sequência de golpes brutais desferidos pela jovem tímida e, assim como todo o resto, não conseguiu esconder o choque.
― Quanta ferocidade! ― grunhiu enquanto franzia a testa. ― Foi você que ensinou isso a ela? ― perguntou em tom de censura fitando Xiao Ah-kum.
Mas a 2ª Anciã não deu importância para a acusação, pois estava ocupada demais comemorando.
― É isso aí! ― vibrava, balançando os braços. ― Acaba com a raça dele!
Ali do lado, Zhan Xin Qian aplaudia e gritava como se estivesse torcendo para uma amiga querida.
― Mostra pra ele quem é que manda! ― dizia ela.
― Ainda bem que eu não precisei enfrentá-la. ― Se para muitos era uma surpresa a força explosiva e feroz de Jiao, o que Xiao Ning experimentou foi alívio.
Xiao Bai se achava sendo assolado por uma chuva interminável de socos. Tudo aconteceu tão de repente que ele não sabia ao certo se estava sentindo dor ou meramente experimentando um profundo horror da própria situação. Sua mente parecia incapaz de se firmar ou sequer formar um pensamento claro. Quantas vezes havia sido atingido? Duas? Quatro? Dez? Isso não sabia ao certo, porém cada golpe que recebia fazia sua mente balançar.
Em determinado momento ― não por estar recuperando as faculdades ―, ergueu os braços na frente do rosto e se protegeu da melhor maneira que podia. Seus instintos lhe diziam que se continuasse assim, acabaria encontrando uma situação muito pior do que a derrota. A tentativa surtiu algum efeito, mas as pancadas continuaram o atingindo.
A dor que antes martelava em seu rosto passou a atingir seus braços, tentando forçá-los a ceder. Não apenas encurralado, mas Xiao Bai estava começando a ficar desesperado. Ele podia sentir o sangue escorrendo do nariz, o rosto inchado e uma dor pungente e aguda pulsando no olho esquerdo.
Por um segundo, quem assistia o desenrolar dos acontecimentos acreditou que aquele seria o fim. Até o juiz se adiantou, preparando-se para entrar na arena e intervir. Mas então…
“Roarr!”
O rugido imponente de uma besta ecoou. Era como se um urso faminto de dezenas de toneladas tivesse se manifestado. O urro foi tão poderoso que aqueles cercando a arena foram obrigados a tapar os ouvidos, vivenciando uma breve surdez. Mas a mais afetada de todas foi Xiao Jiao, que levou as duas mãos até a cabeça e rolou de lado, colocando fim ao seu ataque implacável.
Graças a sua tentativa desesperada de se proteger, Xiao Bai conseguiu reorganizar uma parte de seus pensamentos e numa última tentativa de se livrar da agressora, usou uma de suas técnicas. Seus braços doíam e o rosto mais ainda, porém ele era um Despertado e principalmente, estava acostumado a ser espancado. Não era do tipo que cairia por causa de uma ou duas dúzias de socos bem dados.
Conseguindo pela primeira vez afastar a rival e sabendo que não poderia ficar caído daquele jeito, ele se esforçou para levantar, mas quando tentou se erguer, experimentou uma estranha fraqueza nos membros inferiores e quase voltou a cair sem ao menos ter sido capaz de se sentar.
Era perceptível para qualquer um que seu estado não era dos melhores e com toda a certeza teria sido eliminado ali mesmo se o rugido anterior não fosse uma abordagem eficaz que pegou a inimiga despreparada. Entretanto, apesar disso, Xiao Jiao não ficaria longe por muito tempo e por isso ele tentou tão desesperadamente se colocar de pé. Enquanto tentava, cambaleou algumas vezes ― estava grogue ― e até mesmo chegou a cair de novo e de novo. Foi somente depois de gritar para si mesmo e respirar fundo ― pela boca ― que ele enfim conseguiu se recuperar.
Suas pernas tremiam, sua respiração estava pesada, o nariz e a boca sangravam, nada em seu aspecto parecia indicar que seria capaz de iniciar um contra-ataque, mas a fúria em seus olhos mirando Jiao, que ainda pressionava os ouvidos, demonstrava que não desistiria sem antes se vingar.
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