Um Alquimista Preguiçoso - Capítulo 125
O Guardião, Xiao Wu, e sua equipe tinham sido muito discretos ao se aproximar da residência do 1º Ancião Dong. Para não serem detectados, eles mantiveram distância enquanto observavam a mansão de um ponto alto. As luzes de boa parte da exagerada residência estavam apagadas, mas ainda era possível notar certa movimentação no pátio interno.
Por algum tempo, o grupo se manteve vigilante, observando cada anormalidade que saltava aos olhos. Porém, por causa da morbidez que cercava o local, Wu começou a ficar impaciente. Devido ao festival que acontecia na cidade, era de se esperar uma menor agitação, mas o lugar estava quieto demais. Então, mesmo sabendo que esta não era a abordagem mais indicada, ele decidiu se aproximar da residência.
O robusto Virtuoso assumiu a liderança e guiou os demais até a entrada principal da mansão, que, como de costume, estava fechada. Ele bateu com o punho fechado no imponente portão frontal, fazendo ecoar suas pesadas pancadas, mas não houve nenhuma resposta de imediato. Podia ver e escutar uma ou outra pessoa falando do lado de dentro, porém ninguém se deu ao trabalho de ir atendê-lo. Insatisfeito, o Guardião insistiu, dando pancadas impacientes na madeira ― estava ainda mais determinado a descobrir o que acontecia naquele lugar.
À medida que eram ignorados, os demais membros do grupo começaram a ficar impacientes e na esperança de encontrar algo revelador, passaram a estudar os arredores da residência e a subir nos muros. Eles conseguiam ver com clareza uma movimentação crescente no interior, mas ainda não havia indícios de alguém disposto a atendê-los.
E apenas quando o Guardião estava considerando tomar uma ação mais agressiva, algo aconteceu, roubando a atenção de todos. Uma enorme explosão tomou conta do céu, provocando breves tremores que afetaram até mesmo a distante residência do 1º Ancião.
Todos ficaram muito alarmados com o acontecido e a primeira reação de Xiao Wu foi esquecer o que tinha ido fazer ali e avançar na direção do clarão, afinal a explosão parecia ter acontecido dentro do território e era sua função investigar a causa. No entanto, antes que ele sequer conseguisse reunir seu pessoal, outro estouro aconteceu, mas desta vez de um lugar diferente.
De repente, explosões, luzes coloridas de Técnicas de Combate e gritos de guerra ― ressoando de muito longe ― começaram a se espalhar em todas as direções. Não era apenas um lugar que estava sendo atacado, mas diversos outros pontos também foram engolidos por chamas ardilosas e gritos desesperados.
Embora não estivessem em um lugar de elevação considerável, o grupo tinha uma boa visão do que acontecia em grande parte do território. E dali, uma região afastada das principais comunidades familiares, eles podiam ver numerosas batalhas se instaurando, algumas mais intensas e dominadoras do que outras.
O Guardião olhou para aquilo por um instante, tão surpreso quanto abalado pelo que via acontecer na “casa” de sua Família. E apesar de estar um tanto assustado, ele logo se recuperou e tomou uma atitude.
― Vamos retornar! ― ordenou. ― Nossa prioridade é auxiliar o Patriarca Enlai e depois reunir os outros esquadrões. A partir de agora, considere qualquer um que se colocar em nossa frente como um inimigo.
Suas palavras eram claras e expressavam o tamanho da gravidade provocada pela situação. Os demais membros do grupo não hesitaram por um único segundo quando se reuniram ao redor de seu líder e se preparam para partir.
Xiao Wu não queria perder tempo, então assim que reparou que todos estavam prontos, preparou-se para percorrer o caminho até a casa do Patriarca o mais rápido que suas pernas podiam correr, mesmo se isso significasse deixar alguns para trás.
No entanto, antes que o bando tivesse a oportunidade de dar os primeiros passos, o portão separando a residência do Ancião Dong se abriu e uma voz grave soou, vinda do interior.
― Não tenha tanta pressa, Wu!
Ao escutar a voz repentina, o grupo se virou em uníssono, apenas para encontrar um homem alto, dotado de braços fortes e que estava acompanhado por outros homens e mulheres, cujos rostos animosos demonstravam a astúcia e inflexibilidade de combatentes experientes.
― O que está fazendo aqui, King? ― perguntou Xiao Wu, desconfiado. Aquele sujeito, além de ser um Virtuoso da 5ª Camada, era também um dos Guardiões mais importantes e estimados da Família.
― Estava esperando alguém aparecer, só não sabia que seria você ― respondeu, exibindo certo cinismo no tom.
Xiao Wu olhou para King e os outros atrás dele, que pareciam estar se posicionando. Em seguida, mirou os próprios seguidores com o canto do olhos e percebeu que tanto as mulheres quanto os homens se mostravam um pouco inquietos, mexendo os braços e estreitando os olhos.
Expressando uma seriedade pungente, o fiel seguidor do tio Chang encarou o companheiro que dividia o mesmo título e falou:
― Eu não tenho tempo para lidar com você ― declarou. ― Como já deve ter percebido, estamos sob ataque. Então vá com sua equipe assumir um posto e cumprir sua função.
― Eu já estou em meu posto ― alegou King, tornando-se ligeiramente mais intimidador, mas ainda contido.
No entanto, a despeito da falta de agressividade, tais palavras despertaram a máxima cautela em Wu, que semicerrou os olhos e apertou os punhos. Sua postura se tornou desafiadora ― não havia medo ou intenção de recuar em seu rosto, e o mesmo podia ser dito daqueles o seguindo.
― Eu já falei que não tenho tempo a perder com você ― sua voz carregava uma seriedade poucas vezes demonstrada ―, então seja cuidadoso ao me responder: você abandonou seus deveres perante a Família como Guardião para se juntar a este atentado?
― Eu não tenho a menor obrigação de responder ― argumentou King, firme e indiferente para o tom de ameaça do outro lado. ― Mas estou curioso… Dependendo da minha resposta, o que você fará?
― Eu vou acabar com você e depois irei auxiliar o Patriarca Enlai.
― Quanta confiança! ― desdenhou Xiao King, permitindo-se esboçar um ligeiro sorriso. ― Mas você está equivocado em alguns aspectos. Eu não deixei de ser um Guardião e você é o único aqui indo contra os interesses da Família. Qualquer um que tentar obstruir o caminho do novo Patriar…
No entanto, ele não teve chance de terminar sua fala, pois quando teve suas suspeitas confirmadas, Xiao Wu avançou contra o inimigo, pronto para subjugá-lo. Seu braço foi envolvido por uma luz verde afiada, que se estendeu feito um terceiro membro em forma de espada, longa, afiada e inclemente.
E embora estivesse preparado para o conflito, King se surpreendeu com o assalto repentino, de modo que recuou um passo por puro reflexo e tentou não ser atingido. Mas já era tarde demais.
O brilho verde penetrou sua guarda e avançou direto contra seu peito, abrindo uma fissura em sua pele e jorrando sangue feito um chafariz descontrolado.
― Aaaahhhh! ― King soltou um berro de agonia enquanto rolava pelo chão, experimentando uma dor que jamais imaginou sentir nessa noite.
― Eu irei colocar um fim nisso! ― afirmou Xiao Wu com um olhar resoluto, preparando-se para render de vez o adversário.
Porém, antes que tivesse a oportunidade de alcançar uma conclusão, os seguidores de King saltaram sobre ele, impedindo-o de usar o próximo ataque. Em resposta, as três mulheres e os dois homens que estavam sob os cuidados de Wu entraram na batalha, dando início a um grande confronto de cultivadores do Reino do Despertar e acima.
Enquanto isso, de volta ao confronto principal…
Embora estivesse diante daquele considerado um dos, senão o mais forte de toda a Família, Xiao Dong demonstrava uma confiança perturbadora. Seu rosto continuava áspero como sempre, do tipo que afasta qualquer um bem intencionado. Mas algo suspeito brilhava em seus olhos astutos, era o tipo de brilho capaz de causar calafrios em um homem destemido.
Exibindo uma valentia poucas vezes mostrada desde que assumiu o atual posto, o Patriarca Enlai encarou os dois oponentes à frente, pronto para assumir as consequências do que estava por vir. Calma e cautelosamente, ele começou a se deslocar para a lateral a passos lentos, sempre vigiando os antagonistas.
Dong e o Supremo-Ancião, por sua vez, para evitar de serem rodeados, começaram a acompanhar a movimentação do outro lado, fazendo o caminho oposto.
A tensão entre os três era esmagadora e bastava uma faísca para o conflito irromper, algo evidenciado pela maneira que pareciam prestes a saltar sobre a garganta do outro. Mas num primeiro momento, ninguém se atreveu a agir. Estavam se desafiando, provocando e instigando a parte opositora a assumir a responsabilidade da primeira ação, pois nenhum dos lados sabia ao certo qual opção era mais vantajosa; esperar ou atacar.
Mesmo os estampidos que ecoavam por todo o território da Família, os gritos de guerra que se levantavam em diversos cantos e as luzes anormais piscando sob o céu noturno, não eram capazes de tirar a atenção dos lutadores.
Por um instante, pareceu que nenhum deles se arriscariam. Ambos sabiam que se agissem de maneira precipitada, a menor falha em seus planos poderia trazer complicações irreversíveis. Mas então…
― Pegue-o! ― ordenou Dong, o qual, ao contrário do que era de se esperar, deu um salto para trás, afastando-se da ação.
Por outro lado, assim que recebeu a ordem, o 2º Supremo-Ancião se inclinou e avançou numa investida precisa e direta. O semblante em seu rosto era sério, concentrado de tal maneira que acentuava suas rugas e deixava um traço de severidade.
Notando que o outro lado não estava recuando diante de seu ataque, Dewei acelerou o passo e encurtou o espaço entre os dois numa ação explosiva a fim de evitar uma possível antecipação do inimigo. E quando chegou a poucos metros de distância, mudando a trajetória inicial, ele saltou.
Nesse momento, seus punhos começaram a ser envolvidos por uma fraca poeira bege, mas que logo se transformou em camadas ásperas e rígidas que grudaram umas nas outras, formando um sedimento sólido e poroso.
― Luvas Pesadas! ― rugiu o Supremo-Ancião, que ainda no ar, curvou o corpo para frente e mergulhou com o punho direito estendido, feito uma flecha sem ponta.
Enlai, que não se precipitou em momento algum, devolveu o ataque cobrindo a própria mão com uma aura vermelho-sangue, tão densa que chegava a parecer um líquido preso em uma bolha flutuante. E sem demonstrar hesitação, desferiu um soco para o alto.
“Paa!”
Quando os dois punhos se chocaram, um estampido se espalhou pela área, causando vibrações no ar e ecos que deram a vaga impressão de se espalhar pelo sopé da montanha. Enlai empurrou seu oponente, tentando obrigá-lo a retroceder, mas Dewei empurrou de volta, usando a vantagem de estar no ar e a habilidade de voar para sobressair.
Pressionado, o Patriarca conseguiu resistir, mas o mesmo não pôde ser dito do solo que começou a ceder sob seus pés. Quando a grama se abriu e o chão afundou, o respeitado e controverso líder dos Xiaos, por um segundo, recuou ao ter o equilíbrio afetado.
Vendo isso, Dewei abriu um meio sorriso e se vangloriou enquanto empurrava com toda a força:
― Ha! Parece que o grande 2º Supremo-Ancião é quem tem a vantagem.
― Você acha?! ― retrucou Xiao Enlai, exibindo um brilho malicioso no olhar.
De repente, desistindo do confronto direto e da disputa de poder, o Patriarca girou a mão direita, mudando de postura, e agarrou o pulso do adversário. Em seguida, antes que o outro lado pudesse reagir, puxou-o para baixo e com a mão esquerda desferiu um golpe que acertou em cheio o rosto do orgulhoso Supremo-Ancião.
A pancada foi tão forte que Xiao Dewei se viu sendo arremessado para longe e rolou cinco vezes, batendo o rosto e as pernas no chão, antes de conseguir parar e recuperar o equilíbrio.
Ajoelhado e com o canto inferior direito do lábio inchado, o vaidoso Dominador dos Juncos do Sul, bufou algumas vezes antes de enfim resmungar.
― Eu pensei que aguentaria um pouco mais sem ser atingido ― confessou para si mesmo através de sussurros. Notava-se uma profunda surpresa e decepção em seu rosto, mas esse não era o melhor momento para ficar remoendo a frustração, pois o inimigo já estava preparando o próximo movimento.
Sentindo que tinha obtido alguma vantagem, o Patriarca avançou, pronto para dar sequência em sua ofensiva. Seus braços haviam sido tomados pela aura vermelho-sangue, que ondulava de uma maneira bastante peculiar. Era como se o brilho fosse uma grande gota d’água que não podia ser afetada pela gravidade, devido à sua maneira singular de ondular e formar pequenas gotículas que se lançavam ao céu, alcançando alturas insignificantes até desaparecerem sem deixar rastro.
Entretanto, quando estava perto de alcançar o oponente desguarnecido, Enlai foi obrigado a frear seu movimento a fim de se proteger. Vindo de uma distância segura, duas bolas de luz foram atiradas em sua direção, visando impedi-lo de continuar avançando.
― Você também está me enfrentando! ― grunhiu o 1º Ancião, que continuava afastado, mas demonstrava estar bastante confiante em sua abordagem.
― Verdade… ― murmurou o Patriarca, lançando um olhar seco na direção do velho. ― Sendo assim, por que não acabamos com isso de uma vez?
Com a aura em seus punhos se tornando ainda mais intensa, Enlai virou de lado e começou a correr na direção de Xiao Dong que, quando percebeu a mudança, ficou branco de preocupação. E antes mesmo de ser alcançado, ele tentou recuar numa busca desesperada para preservar o espaço seguro que existia entre os dois.
― Dewei! ― chamou, demonstrando uma calma falsa, mas traído pelo tom agitado. ― Dewei, agora! ― Ele se esforçou para correr, mas não podia se comparar ao forasteiro miserável que já estava em seu encalço. Mais duas ou três passadas de perna e o Patriarca o alcançaria. Sua única chance era a volta do aliado.
E o Supremo-Ancião não o decepcionou. Quando ouviu seu nome sendo chamado, ele chutou o chão e disparou contra o oponente que estava de costas e distraído. Sua aproximação foi tão veloz e sorrateira que em um instante conseguiu cobrir todo o espaço existente entre inimigo e aliado. E então, sem anunciar sua presença, balançou os braços e preparou a próxima ofensiva.
Mas antes que conseguisse fazer qualquer coisa, uma mudança aconteceu.
Tirando proveito do fato de sua Energia Espiritual não estar sendo sentida pelo outro lado, Dewei se preparou para golpear o Patriarca num ponto cego, ajudando assim o velho fujão e retribuindo o golpe que levou. Porém, quando estava prestes a usar uma Técnica de Combate de um ponto que não poderia ser evitada, o astuto líder dos Xiaos parou a perseguição e saltou, voando rumo ao céu noturno.
A ação repentina foi bastante desconcertante para Dewei, que atravessou o vazio e quase saiu rolando ao perder de vista seu ponto de impacto. Desequilibrado, ele se atrapalhou e tropeçou nos próprios pés. Só não caiu, pois usou as mãos para ficar longe do chão.
Após falhar em sua tentativa, o Supremo-Ancião parou ao lado de Xiao Dong e ambos levantaram a cabeça para encarar a figura que sobrevoava logo acima, imponente e desafiadora.
― Vocês conseguem ouvir? ― A voz de Enlai soou poderosa e com um leve toque de angústia. ― O caos está se espalhando e por isso preciso colocar um fim nessa coisa ridícula o quanto antes. E deste jeito é mais fácil.
Seguindo suas palavras, a aura que envolvia suas mãos aumentou de tamanho e se espalhou pelo céu feito uma enorme bolha sangrenta. Sua presença, à princípio, não impunha medo ou cautela, mas conforme se expandia, uma sensação de perigo e hostilidade tomava conta do ambiente, causando calafrios até mesmo nos dois sujeitos do Reino Espirituoso.
E então, quando a coisa começou a liberar gotas que se desprendiam de todos os cantos, flutuando rumo ao espaço ocupado pelas estrelas e colorindo a noite insossa, o Patriarca inclinou o corpo e atirou a bolha com toda a sua impetuosidade.
No chão, ao ver o ataque caindo sobre suas cabeças, mesmo o Supremo-Ancião perdeu as cores e deixou escapar uma expressão de assombro e urgência.
― Merda! Aquele desgraçado vai usar isso logo no começo!? ― praguejou ele. Nesse momento, seu ódio e medo do Patriarca era o mais profundo já sentido em toda sua existência. ― Rápido, fique perto de mim! Casco Rochoso! ― Sabendo o tamanho do perigo que se aproximava, Dewei não poupou esforços quando começou a usar sua técnica de proteção.
No instante em que o orgulhoso praticante gritou o nome da habilidade, o chão começou a se mover, desenhando um círculo que abrangia o espaço ocupado pela dupla. Em seguida, camadas de terra se desprenderam do solo e se lançaram sobre a cabeça de ambos, cobrindo-os de todos os lados. E o que se formou, no final, foi um domo poeirento, frágil.
No entanto, a técnica não parou por aí. Assim que a base foi formada, camadas e mais camadas de terra começaram a se agrupar e solidificar. A execução da habilidade foi tão impressionante que em poucos segundos um domo rochoso e maciço, dotado de dois metros de altura e quatro de diâmetro, surgiu em torno dos aliados, cobrindo todas as possíveis brechas.
Olhando de cima, o Patriarca se viu obrigado a confessar que aquela parecia ser uma defesa inabalável. A superfície era igual a parede de um penhasco, irregular e repleto de fissuras que passam a ilusão de falha, mas difícil de penetrar e dotada de uma robustez impressionante.
Mesmo assim, ele não retrocedeu e deu seguimento ao ataque. A bolha despencou do céu e caiu direto sobre a habilidade defensiva, envolvendo não apenas a estrutura, como toda área a sua volta.
No primeiro instante, nada aconteceu. A aura vermelho-sangue continuou se espalhando de um modo bastante inofensivo, quase como se estivesse tentando envolver o Casco Rochoso em uma manta quente e pacífica. Contudo, foi ao cobrir o domo por inteiro e penetrar nas frestas da parte externa que uma mudança violenta aconteceu.
A bolha estourou de repente e o que se seguiu não foi uma enorme explosão e muito menos um evento protagonizado por luzes vermelhas. Quando a película se rompeu, uma onda de choque aniquiladora foi lançada contra a bolha de terra sólida e tudo o que se encontrava ao seu redor, gerando uma calamidade pavorosa que submeteu o solo a uma força singular. Nacos de terra e grama foram atirados para todos os lados, fissuras com mais de cinco metros de profundidade se abriram e uma vibração inquietante se espalhou pelo ar. Mesmo a casa, localizada a algumas dezenas de metros de distância de onde a luta acontecia, estremeceu tão magnificamente que os vidros das janelas quebraram e parte do telhado desabou. Era como se um castigo divino tivesse caído naquele lugar, trazendo a ira de um Deus.
A onda de choque não parou após uma breve apresentação. Ela continuou aumentando de proporção e pressionando com mais intensidade o casulo que os inimigos usavam para se proteger. A devastação foi tamanha que mesmo a robusta parede feita de rocha passou a se fragmentar como se fosse de calcário. O Casco Rochoso resistiu bem nos primeiros instantes, mas à medida que a terra ao redor cedeu, ele afundou, desaparecendo numa cratera profunda que foi engolida por uma densa nuvem de poeira.
Parado no alto, o Patriarca contemplou a destruição que causou com um olhar indiferente. Tudo estava muito quieto, tirando o barulho das pedras rolando para dentro da enorme cratera que foi aberta. Mantendo a posição, ele tentou checar o resultado de seu assalto, mas a poeira dificultava enxergar dentro do buraco escuro. Em outra ocasião, teria usado o Sentido Espiritual para saber o que tinha acontecido sem precisar correr nenhum risco. Porém, desde o começo, a Energia Espiritual daqueles dois estava sendo escondida por alguma coisa.
Enlai aguardou por mais alguns segundos, até uma rajada de vento passar e levar junto a nuvem responsável por obstruir sua visão, contudo isso não aconteceu. Era estranho, muito estranho na verdade, mas apesar de sua casa ficar em um lugar alto, o vento tinha desaparecido há alguns minutos, apesar das nuvens sobre a montanha terem se tornado mais tempestuosas.
Sem muita escolha, ele decidiu descer e, mantendo uma prudência justificável, pousou longe da cratera. Em seguida, caminhou cauteloso, observador e com os ouvidos bastante atentos, até chegar na orla do buraco.
Parecia que a poeira havia se condensado naquele lugar, girando feito um tornado de proporções menores. O Patriarca esticou a cabeça para enxergar melhor, mas a quietude o estava o incomodando. Dessa forma, tentando evitar riscos desnecessários, ele estendeu uma mão e se preparou para atacar…
No entanto, antes que tivesse a oportunidade de fazer alguma coisa, o chão sob seus pés cedeu, tentando arrastá-lo para dentro da nuvem poeirenta numa trapaça desconcertante.
― Agora! ― Uma voz surgiu de repente, mas ela não vinha de dentro da cratera.
Nesse momento, a uns vinte metros de distância, o 2º Supremo-Ancião e Xiao Dong saíram do chão, levantando tufos de grama enquanto saltavam para a superfície. Aquela tinha sido uma evidente “porta” improvisada e julgando pelas roupas sujas de ambos, notava-se que eles tinham traçado um longo caminho através do subsolo.
Os dois estavam vivos, mas longe de estarem bem. Enquanto o velho já não possuía cabelo e barba tão branca quanto antes, além de ter alguns cortes pequenos ao longo dos braços, o orgulhoso Dominador dos Juncos do Sul e Guardião da Fronteira do Caos se encontrava em uma situação delicada. A metade esquerda de seu rosto se achava manchada de sangue, proveniente de um corte na testa. De tão ofegante, não seria estranho pensar que ele havia acabado de correr uma longa maratona. Seus braços tremiam, mais do que o normal, e a pele pálida lembrava a de um cadáver.
Por outro lado, foi um momento de desatenção, mas que não ofereceu riscos ao Patriarca, pois ele logo recuperou o equilíbrio e se afastou da borda da cratera. Vendo os dois retornarem para a superfície, com o 1º Ancião sempre ficando um pouco atrás, ele os encarou por um segundo antes de abrir a boca:
― Estavam esperando eu me distrair para sair? ― Seu tom era calmo e a postura confiante.
― Pirralho desgraçado… Nunca ouviu falar… que antes de finalizar uma luta… é preciso testar o oponente? ― Xiao Dewei arfava com extrema dificuldade. Sua voz, geralmente áspera e alta, saiu feito um murmúrio, lutando para não se perder no espaço que existia entre eles. ― Não exagere. Nós acabamos de começar.
― Eu já conheço a força de vocês ― alegou o Patriarca.
― E essa será sua ruína! ― replicou o 2º Supremo-Ancião, que apesar de estar cansado e sangrando, abriu um sorriso provocativo. ― Mas… se é assim… então é minha vez de contra-atacar!
Ele ergueu o braço, preparando-se para lançar uma ofensiva, porém…
― Não vou deixar! ― rugiu o Patriarca, que no mesmo instante chutou o chão e avançou contra o adversário numa velocidade fantástica.
Naquele momento, nos breves segundos que levaram para o líder dos Xiaos atravessar todo o espaço existente entre ele e o inimigo, o 1º Ancião ― que se encontrava um pouco afastado do companheiro ― teve um vislumbre de algo que julgava exótico e assombroso.
Tão raro era a aparição “daquilo” que se ele não soubesse de sua existência milenar, teria imaginado que a mente estava tentando lhe pregar uma peça, criando a ilusão de algo há muito extinto. E mesmo não conseguindo ver sua forma completa, apenas um traço apagado, quase impossível de enxergar, ele sabia que deste ponto em diante as coisas ficariam complicadas. Pois enquanto Enlai se preparava para “correr”, uma entidade preeminente surgiu do nada e envolveu suas pernas feito a cauda de uma serpente, terminando ao catapultá-lo para frente.
Quando viu o Patriarca “disparando” em sua direção igual a uma flecha lançada por um arqueiro experiente, o 2º Supremo-Ancião se espantou com a reação rápida e se viu obrigado a desistir da ofensiva. Então, no piscar de olhos que lhe restou, o vaidoso homem esguio e de feições duras mudou de postura e num movimento simples ergueu uma barreira de pedra sólida bem na frente de seu corpo.
Porém, aquilo não importou para Enlai, que atravessou o obstáculo como se fosse feito de papel, lançando destroços para todos os lados. Seu punho esmagou as pedras e com a mesma impetuosidade acertou o rosto de Xiao Dewei, provocando um som horrível de dentes batendo violentamente e carne sendo esmagada.
A pancada foi tão descomunal que o Supremo-Ancião foi jogado colina abaixo, rolando sem nenhum controle pelos morros que compunham aquela região e parou apenas depois de ter descido quase todo o caminho que levava até a casa do líder dos Xiaos.
Ao ver seu aliado sendo surrado e por fim perceber que estava sozinho contra um dos maiores praticantes, Xiao Dong percebeu a situação desastrosa na qual se encontrava. Apavorado, ele se preparou para dar meia volta e correr para o outro lado, mas…
Demonstrando toda sua impetuosidade, Enlai chutou o chão e avançou contra seu inimigo antes que ele fugisse. Seu braço direito foi envolvido pela característica aura vermelho-sangue e quando se aproximou, esticou a mão para agarrar o rosto do velho, ficando a poucos centímetros de tocá-lo.
― Eu avisei, Xiao Dong! ― Sua voz soou pesada e decisiva. Ele estava pronto para finalizar essa loucura.
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