Um Alquimista Preguiçoso - Capítulo 95
Quando Xiao Shui subiu de volta ao palanque foi possível notar seu rosto tão pálido quanto o de um cadáver. Os olhos pareciam perdidos, como se não soubessem ao certo no que mirar e as mãos tremiam, demonstrando o pavor profundo criado pelo susto.
No instante em que ela surgiu, algumas pessoas vieram logo cumprimentá-la e parabenizá-la pela primeira vitória, incluindo membros das outras Famílias, mas ela estava desnorteada e não teve ânimo para responder a ninguém. Apenas acenou, exercendo um gesto automático, e contornou os admiradores que a cercavam, indo para o lugar em que o pai e o irmão a aguardavam.
Xiao Chang abraçou a filha, parabenizando-a pela conquista, enquanto o irmão se limitou a afagar suas costas e dar alguns tapas animados em seu ombro. Mas nem o afeto demonstrado pelos dois bastou para desmanchar a expressão cadavérica de seu rosto.
Foi apenas depois de alguns segundos mirando o nada, de cabeça baixa, que ela se manifestou:
― Eu… eu não queria fazer aquilo, foi sem querer. ― balbuciou Xiao Shui, cuja voz tremia quase tanto quanto as mãos e os lábios alvos.
― Não se preocupe. ― disse o tio Chang, em tom de consolo, apoiando-a pelo ombro e mantendo-a por perto. ― O doutor Wen irá cuidar do garoto. Ele vai estar bem antes mesmo do festival acabar.
Xiao Shui tentou com todas as forças acreditar no pai, mas era difícil esquecer o grito de agonia rasgando seus ouvidos, a visão do sangue jorrando e a sensação nauseabunda da carne sendo cortada que manchava seus dedos, muito embora, não tenha a certeza de ter experimentado nada disso, pois tudo aconteceu tão rápido.
Seja como for, por enquanto, apenas aceitaria o refúgio proporcionado pelos braços do pai para o horror e tentaria se recuperar do choque da melhor maneira possível, antes do próximo confronto.
Enquanto isso, no palco de batalha, o sangue derramado na última luta foi limpo e os preparativos para o embate seguinte foram terminados. A juíza escolhida para julgar a partida seguinte se adiantou e anunciou em alto e bom tom:
― Os candidatos deste confronto serão: Qin Yanyu contra Xu Guiren. Os participantes citados, por favor, apresentem-se.
Muitos ainda estavam assustados e surpresos pelo desfecho da última disputa, mas quando os nomes daqueles que se enfrentariam foram convocados, os espectadores não demoraram muito para se esquecerem da tragédia e passaram a vibrar alto, empolgados pelo que viria a seguir.
Os demais membros das Famílias Xu e Qin que estavam no meio da multidão, assistindo a competição junto de todo o resto, comemoraram e chamaram pelo nome dos representantes de suas respectivas organizações. Não importava se era um conhecido ou amigo lutando, para eles, bastava ser alguém portando o mesmo sobrenome para celebrar e apoiar.
Não foi muito tempo depois de ser convocada que uma garota alta, de cabelo de tom marrom, curto, cujos fios mais longos não ultrapassavam a distância de dois dedos depois da orelha, apresentou-se no palco. A expressão em seu rosto era fechada, exibindo uma seriedade implacável. Seu físico chamava a atenção, com braços vigorosos e músculos bem definidos; uma visão rara, mas ainda encantadora, de uma jovem em seu pleno auge corporal.
Diferente da maioria dos membros de sua família que trajavam poderosas e pesadas armaduras, Qin Yanyu usava uma simples calça larga, folgada nas pernas, e na parte de cima, cobrindo o busto e nada mais, ficava um top verde-escuro de alça fina. Não era difícil notar que a competidora possuía bastante orgulho de seus músculos bem torneados e fazia questão de exibi-los, como uma demonstração de força. Envolvendo os pulsos de ambas as mãos, percebia-se a presença de duas faixas protetoras verdes, contendo a imagem de espadas cruzadas em cada uma, bordadas em linha branca ― um adereço semelhante ao usado pela Matriarca Annchi. E para completar, ela não portava espada ou qualquer tipo de arma.
Qin Yanyu permaneceu no centro do palco de braços cruzados, mantendo uma postura resoluta e decidida, enquanto aguardava pelo adversário. Ela esperou e esperou mais um pouco, porém, ninguém apareceu.
Os espectadores começaram a se agitar, impacientes pela demora, e até mesmo a juíza se mostrou incomodada quando começou a lançar olhares sobre a multidão, procurando pelo outro participante. Contudo, depois de mais alguns minutos sem indícios do indivíduo, resolveu chamar.
― Xu Guiren! ― Sua voz reboou alto, sobrepondo-se ao burburinho. Porém, não houve respostas.
Enquanto isso, no palanque, um garoto de roupas largas, cabelo despenteado e usando uma sandália, era visto escorado no parapeito, olhando para o alto, contemplando o céu acima e o mar de lanternas que cobria toda a cidade. Seu rosto estava tomado por uma expressão absorta, perdida em pensamentos.
Ele olhava para o alto, sem um alvo específico, e de tempos em tempos soltava um suspiro sonhador.
― Xu Guiren! Xu Guiren! ― Parado atrás do jovem, o Patriarca Jian chamava por seu nome, tentando ganhar sua atenção. Entretanto, suas palavras tocavam o vazio, incapazes de perturbar a mente desatenta.
Foi apenas quando Xu Jian o agarrou pelo ombro e o sacudiu, que enfim conseguiu despertá-lo de seu devaneio.
Xu Guiren se virou, parecendo confuso, e procurou ao redor, tentando encontrar aquilo que havia lhe balançado de um modo tão brusco e repentino.
― Ahhhhh, Patriarca, foi você que me chamou? ― disse ele, como quem havia encontrado uma resposta, mas não possuía a total certeza. Sua voz era arrastada e vagarosa, tão lerda quanto, ou até pior, uma pessoa que foi grosseiramente despertada de um sono profundo. ― Qual o problema? Precisa de algo? ― perguntou, alheio a toda a situação o envolvendo.
― Chegou sua vez. É melhor você ir…
Porém, antes que o Patriarca tivesse a chance de terminar de falar, Xu Guiren parou de prestar atenção e virou a cabeça para o lado, mirando o exterior do palanque com um semblante perdido e a boca meio aberta.
― Guiren! Xu Guiren! ― gritou o líder dos Xus, tendo a necessidade de mais uma vez sacudir o jovem pelo ombro para arrancá-lo de seu devaneio.
― Aaahhhh! Ah! Ah! Sinto muito, eu pensei ter visto uma coruja! ― comentou ele, esboçando um sorriso relaxado. Não apenas o seu rosto ou suas palavras, mas cada aspecto que o compunha, incluindo o riso nada vigoroso, era de uma lentidão exagerada. ― A noite está taaaaãooo bonita hoje. ― continuou falando, olhando mais uma vez para o exterior do palanque. ― Eu me pergunto, como as estrelas estão se sentindo tendo o seu brilho ofuscado. Ah! Mas as lanternas também estão taaaãooo bonitas. ― soltou um suspiro contemplativo.
― Ei, esqueça as estrelas! ― ralhou o Patriarca Jian, que precisou segurar o rosto do jovem para mantê-lo focado. ― Chegou a sua vez de participar do festival.
― Ah, o festival… ― grunhiu Xu Guiren, parecendo se recordar. ― E então, as lutas já acabaram? A gente ganhou? ― perguntou em um tom inocente, esboçando um sorriso fraco.
― Como as batalhas podem ter acabado se você ainda nem lutou? ― vociferou Xu Jian, que estava começando a se exaltar. Ele não aguentava aquela atitude desligada, alheia aos assuntos externos, tratando o mundo como se fosse irrelevante.
― Vamos, acalme-se, Patriarca. ― Percebendo que seu líder estava perdendo o controle, uma mulher de nariz caído e lábios estufados se aproximou e interviu. Aquela era Ushi, uma Anciã. ― O jovem Guiren só está um pouco ansioso.
― Ah, Anciaaaã… ― disse ele, prolongando a fala. ― Você também veio? ― indagou, demonstrando não ter entendido o que estava acontecendo. ― Eu acabei de ouvir que o festival vai começar em breve.
― Esse garoto está fazendo isso de propósito, não está? ― bufou o Patriarca Jian, exibindo sinais de irritação.
― Escute-me, Guiren, você precisa descer e se apresentar no palco perante a juíza, pois sua luta já está para começar. ― explicou Xu Ushi, pronunciando cada palavra com calma e delicadeza.
― Luta? Eu vou lutar? ― indagou ele. ― Não seria melhor deixar isso para os representantes da Família Xu?
― Você é um dos representantes. ― respondeu a Anciã, tentando ser atenciosa.
― Eeeeuuuu soooou? ― grunhi Xu Guiren, abrindo a boca e arregalando os olhos de um modo exagerado. Até mesmo sua expressão de surpresa levou algum tempo para ficar pronta. ― Como isso aconteceu? ― perguntou, parecendo bastante confuso.
O Patriarca Jian precisou respirar fundo para não perder o controle. De qual maneira poderia existir nesse mundo uma pessoa tão desatenta?
― Como aconteceu, não importa. ― respondeu a Anciã Ushi, mantendo o tom prestativo e informativo. ― Mas você precisa ir para o palco agora, está entendendo?
― Bem, se você está dizendo, então eu vou. ― Xu Guiren se despediu com um leve aceno e um meio sorriso largado e começou a deixar o tablado.
Enquanto o assistia se afastar, arrastando os pés pelo piso de madeira sem muita pressa, o Patriarca Jian não pôde evitar de soltar um comentário pessimista.
― Será que ele vai ficar bem?
― Eu estou mais preocupada é em saber se ele vai conseguir chegar no palco. ― disse a Anciã Ushi, em resposta.
Não apenas a juíza e Qin Yanyu, os espectadores em geral também estavam começando a ficar impacientes. Murmúrios e reclamações se ergueram em meio à multidão, queixando-se do atraso e exigindo que algo fosse feito.
Sem muita escolha, a árbitra se pronunciou:
― Se Xu Guiren não aparecer dentro de um minuto, a partida será concedida à Qin Yanyu, por desistência.
Embora todos ansiassem por ver a luta, o atraso num evento tão importante era indesculpável. A decisão de conceder a partida por desistência era mais do que justificável e até incentivada por alguns.
Apenas quando muitos pensavam que essa rodada terminaria assim, sem grandes emoções, um garoto arrastando os pés, de postura largada e cabelo bagunçado, subiu no palco.
Xu Guiren parecia que sequer escutava os resmungos vindos dos espectadores. Ele avançou pela arena improvisada e parou de frente para a adversária, abriu um meio sorriso largado e acenou.
― Ooooiii! ― cumprimentou.
A ação chamou a atenção de Qin Yanyu, que tombou a cabeça de lado, estranhando o gesto.
― Ahn… ah… é… oi. ― respondeu ela, meio sem jeito, retribuindo o aceno.
― A noite está taaaão bonita, não é? ― comentou Xu Guiren, casual, olhando para o alto enquanto falava. ― Eu gosto mais da noite do que do dia, e você? Acho… ― respirou fundo. ― refrescante.
― É, a noite… é bonita. ― Qin Yanyu possuía uma expressão de estranheza marcada na testa enrugada, encarando o sujeito relaxado em sua frente. Subiu no palco esperando por uma batalha feroz contra alguém formidável, mas essa situação estava além de sua imaginação.
Demonstrando estar completamente alheio a posição na qual se encontrava, com um sorriso vagaroso no rosto, ele avançou pelo piso de madeira, arrastando as sandálias, em direção a garota que deveria ser sua oponente, e falou, através de um tom demorado:
― Eu me chamo Xu Guiren, prazer em conhecê-la. ― saudou, esticando a mão para cumprimentá-la. ― E você, como se chama?
― Qin… Qin Yanyu. ― Ela não queria retribuir a saudação. Seu maior desejo era começar logo a batalha. Mas antes que percebesse, estava esticando o braço, respondendo ao gesto amigável.
Quando foi selecionada para participar do festival, não esperava confraternizar com ninguém ou se envolver em uma conversa sociável, mas algo naquele garoto, sua atitude relaxada e seu modo natural de agir, a desconcertava. Era como se estivesse sendo levada pelo ritmo dele.
― Yanyu? Mas que nome bonito e delicado, quase tão bonito e delicado quanto você. ― elogiou, esboçando um meio sorriso.
― Obrigada. ― Agradeceu, ruborizando de leve. As pessoas não tinham o costume de dizer que ela era bonita e muito menos delicada; forte, determinada, imponente, ameaçadora, sempre ouvia esse tipo de coisa, mas, bonita, era raro.
― Então, Yanyu ― Xu Guiren deu continuidade a conversa ―, o que você está fazendo aqui?
― Bem, nós vamos… Huhum! ― Ela se interrompeu no meio da frase e pigarreou alto, obrigando-se a voltar ao seu característico tom de voz, simples e direto. ― Eu vim lutar! ― declarou, resoluta. Não podia se deixar abalar pelo inimigo. Esse jeito descompromissado que possuía um estranho efeito hipnotizante sobre ela poderia muito bem ser uma armadilha para fazê-la baixar a guarda.
― Oh! Então você veio lutar? ― exclamou ele, expressando um semblante de surpresa que demorou a se formar. ― Contra quem? ― perguntou, inocente.
― Contra você, seu idiota! ― ralhou Qin Yanyu, perdendo o controle por um instante. Foi uma bronca dada sem intenção, mas era difícil se manter indiferente quando ele agia daquela maneira.
― Ei, os dois! ― Nesse meio tempo, a juíza, cansada de esperar, viu-se obrigada a interferir. ― Vocês não vieram aqui para conversar. Preparem-se, a batalha irá começar.
Xu Guiren ainda não parecia estar pronto, mas ao ouvir o aviso da árbitra, ele deu as costas para a oponente e começou a se afastar, indo para um lugar em que pudesse se posicionar para a disputa. Porém, no meio do caminho, virou-se e falou:
― Boa sorte, Yanyu. Espero que você vença. ― exprimiu um sorriso que era tão sincero quanto ingênuo.
Aquilo, mais uma vez, pegou a integrante da Família Qin de surpresa, deixando-a sem reação. Ele por um acaso não entendia o que aconteceria se ela vencesse? Como poderia existir alguém assim no mundo? Como uma pessoa consegue torcer para ser derrotada?
Era um sujeito estranho, do tipo que nunca viu na vida. Mas agora, ela precisava se concentrar, pois a luta estava para começar.
Antes de fazer o anúncio autorizando o início, a juíza responsável por julgar a partida desceu do palco e se posicionou num lugar em que poderia monitorar de perto a situação e agir caso algo acontecesse. Por fim, ergueu a mão e proferiu, fazendo sua voz rebar pela multidão.
― A disputa entre Qin Yanyu, 1ª Camada do Reino do Despertar, e Xu Guiren, 7ª Camada do Reino Mundano, começa agora! ― declarou.
O público aplaudiu e o entusiasmo tomou conta do lugar. Estavam todos ansiosos para ver mais uma disputa de uma Despertada.
No instante em que a autorização para começar a luta foi dada, Qin Yanyu posicionou os punhos fechados em frente ao queixo e se preparou para atacar. Para ela não importava se o adversário possuía o cultivo mais fraco; lutaria dando tudo si, e mostraria sua seriedade desferindo o primeiro golpe.
De repente, uma névoa misteriosa que emitia feixes de luz verde-esmeralda cobriu suas mãos, envolvendo seus membros feito luvas etéreas, que ondulavam como se possuíssem vida própria, expandindo e encolhendo. Embora não parecesse uma grande exibição a princípio, a bruma e luz verde se misturaram, conforme lampejos eram irradiados, e o que se revelou a seguir foi um nevoeiro enigmático, carregado de incógnitas e segredos.
A névoa luminescente refletiu seu brilho sobre a pele de Qin Yanyu, banhando seu corpo em tom de esmeralda. Fascínio e o oculto a cercavam, moldados na forma de uma massa verde.
Decidia a desferir o primeiro golpe e abrir o espetáculo com a mais bela exibição, ela chutou o chão e partiu em uma corrida indômita, curvando o centro do corpo para baixo e mantendo os punhos na frente do rosto, no caso de precisar se defender. Não pretendia usar a melhor de suas habilidades logo de início. Antes de mais nada, pressionaria o adversário e o obrigaria a demonstrar suas técnicas.
Porém, quando avançou cinco passos, ela freou de repente, interrompendo a investida, e abaixou os punhos.
Xu Guiren tinha uma expressão perdida no rosto, olhando para o alto como se contemplasse algo nas nuvens, além do teto de lanternas posicionadas sobre sua cabeça. Com a boca entreaberta e os ombros relaxados, não havia o menor indício em sua postura que denunciava a cautela de alguém prestes a entrar numa briga.
― Ei, o que você está fazendo? ― ralhou Qin Yanyu, incrédula quanto a falta de atenção apresentada pela outra parte. Esse era um importante evento no qual milhares de pessoas estavam testemunhando. Qualquer deslize poderia custar uma péssima fama no futuro e a exclusão de muitas oportunidades vindouras. Mas, alheio a tudo isso, aquele avoado não demonstrava o mínimo de nervosismo esperado em sua atual situação ou sequer parecia entender o risco de ficar olhando para o nada no meio de uma luta.
E, apesar de ela ter gritado em alto e bom tom, o distraído nem ao menos notou sua voz ou se incomodou com o burburinho vindo do público.
― Ei, você está me ouvindo? ― voltou a vociferar enquanto batia o pé contra o piso da arena, frustrada.
E isso pareceu enfim chamar a atenção de Xu Guiren, que abaixou a cabeça e abriu um meio sorriso abobado, antes de perguntar:
― Qual o problema, Yanyu? ― perguntou ele, usando uma voz arrastada. ― Aconteceu alguma coisa?
― É claro que sim! A luta já começou! ― exasperou ela. Não podia acreditar que existia alguém tão distraído neste mundo.
― Mas já? ― exclamou ele, expressando surpresa.
― Já. Então, por favor, preste atenção. Eu não quero machucar você por acidente.
― Você é taaaão gentil, Yanyu. ― disse Xu Guiren, abrindo um sorriso completo. ― Tudo bem, eu vou prestar atenção.
Notando a expressão desatenta que marcava seu rosto, ficava difícil acreditar em sua alegação.
― Então, concentre-se. Aqui vou eu. ― Embora não precisasse, Qin Yanyu se sentia na obrigação de avisar.
Tornando a evocar a bruma luminescente, ela mais uma vez se preparou, armando uma postura defensiva e ofensiva ao mesmo tempo, e partiu para o ataque.
Com os braços largados e um olhar desatento no rosto, Xu Guiren não parecia nem um pouco preparado para se defender ou interceptar o ataque da adversária. A única coisa que não desmotivou a outra parte a continuar a investida, foi que desta vez ele não se distraiu olhando para o céu ou qualquer outro lugar.
Quando estava a três metros de distância, buscando alguma imprevisibilidade em seu ataque, Qin Yanyu flexionou o joelho direito e chutou o chão com força, aumentando ainda mais sua velocidade. A força explosiva de seus músculos era impressionante, o que a permitiu cobrir o espaço entre os dois numa fração de segundo.
Mantendo o punho esquerdo fechado em frente ao rosto para o caso de precisar se defender, no instante em que ficou frente a frente com o oponente, ela balançou o braço, desferindo um soco direto.
A névoa verde-esmeralda envolvendo seus punhos tremeluziu e aumentou o brilho, lançando lampejos ofuscantes em todas as direções, feito uma bola de cristal lustrada refletindo o mais puro e imaginável mistério. Quando a mão fechada de Qin Yanyu atravessou o ar como uma lança precisa e implacável, um jato de luz cercado por nébula foi projetado, abafando e subjugando qualquer obstáculo à frente.
O golpe foi tão poderoso e veloz que atravessou o palco, obrigando um dos juízes a saltar no último instante para interceptar o jato, o qual terminou sendo quebrado e dissolvido em milhares de pequenos feixes reluzentes.
Não passou de um ataque de sondagem, algo executado na intenção de medir e definir a força do adversário, mas o poder por trás se mostrou assombroso e indefensável para um praticante comum do Reino Mundano.
Entretanto…
O punho de Qin Yanyu atingiu o vazio. O alvo que deveria ter sido golpeado, o mesmo que estava lá um instante atrás, tinha desaparecido. Ela sentiu uma brisa suave soprar contra o seu corpo e levantou a cabeça. Foi quando viu…
Xu Guiren estava parado no alto, em pleno ar, flutuando sobre o palco de madeira. Suas vestes largadas drapejavam feito uma bandeira enquanto ele olhava para baixo. Contradizendo sua postura desatenta, enlevada, apresentada de início, vendo-o ali, elevando-se sobre alturas anormais, era como assistir a imposição de um ser absoluto.
Qin Yanyu ficou tão impressionada que permaneceu paralisada no mesmo lugar, com a cabeça erguida e a boca entreaberta, ao passo em que uma sombra de estupefação desmanchava sua expressão determinada e segura de si.
― Vo… você pode voar? ― Ela gaguejou, tendo dificuldade em acreditar nos próprios olhos. Considerando o mundo do cultivo em geral, aquela não era uma visão tão espetacular, porém, ainda assim, era impensável para um Mundano executar tal feito. ― Mas… como é possível? Você nem é um Espirituoso.
― Aaahhh! Ah! Ah! ― Xu Guiren exprimiu um sorriso vagaroso. ― Eu não estou voando. Apenas usei o vento para me ajudar a pular bem alto e flutuar um pouco. ― respondeu ele, inocente e sincero. ― Veja só, já comecei a cair.
E de fato, seu corpo estava perdendo altura. Ele não caiu de uma única vez, ao invés disso, parecia estar perdendo altitude, gozando de uma queda controlada e segura.
― Se você não pode voar, então… ― Qin Yanyu cerrou os punhos e o brilho da névoa luminescente aumentou de intensidade ― a vantagem é minha. ― declarou, confiante.
Sem hesitar ou pensar muito nas possibilidades, ela desferiu um soco para o alto, ainda mais poderoso e veloz do que o anterior. Um jato de luz verde misturado com mistério e intriga disparou de sua mão.
Porém, antes que Xu Guiren fosse atingido, uma ventania forte soprou, vinda pela direita, e o empurrou para longe do ataque, levando-o até o outro lado do palco, longe do alcance de sua oponente. E assim, ele conseguiu pousar no chão em segurança.
A despeito de seu aspecto alheado, ele conseguia se mostrar uma pessoa bastante capaz quando estava prestando atenção.
― Ah, essa foi por pouco. Eu nunca me desloquei tão rápido. ― comentou Xu Guiren, deixando escapar um suspiro de alívio, uma vez que achava-se numa distância segura. ― Você é tão forte quanto eu pensei. Porém, o vento é meu amigo.
Foi apenas por um instante, uma efêmera revelação de uma segunda personalidade, mas ao dizer a última parte, um sorriso confiante, corajoso e engrandecedor sombreou seu rosto.
Notar aquela expressão resoluta fez o sangue de Qin Yanyu ferver e o coração bater rápido. A princípio, não sabia muito bem o que esperar dessa luta, mas agora estava empolgada, pois sentia que o adversário poderia estar escondendo alguns truques.
― Para ser sincero ― Xu Guiren começou a falar ―, eu não gosto muito de lutar contra mulheres. ― comentou, em um tom casual. ― Elas me assustam muito quando ficam zangadas. Ah! Ah! Ah! ― E sorriu, revelando a própria fraqueza. ― Mas eu sinto que se não lutar a sério contra você, aí sim ficará com raiva.
― Sim, verdade. ― admitiu Qin Yanyu. ― Se você se conter agora que está ficando divertido, eu irei ficar irada.
― Foi o que imaginei.
Ansiosa por um combate emocionante, Qin Yanyu se privou de dizer mais palavras. A névoa ao redor de seu corpo se expandiu, lançando feixes cada vez mais reluzentes. E então, sem qualquer aviso prévio, disparou contra o rival.
Sua velocidade enquanto cruzava o palco feito um animal indomável nem mesmo se comparava a antes. A fase de testar o oponente para descobrir o seu potencial havia terminado e agora ela lutaria exercendo seu poder de 1ª Camada do Reino do Despertar.
Ao vê-la correndo em sua direção conforme um sorriso feroz se abria em seu rosto, Xu Guiren decidiu tomar alguma iniciativa e lançar o seu primeiro ataque. Como se respondessem a um chamado natural, rajadas de vento começaram a colidir e se comprimir logo à frente do sujeito que as invocavam.
De repente, um zumbido baixo, insistente e agudo, reverberou pela área ao redor, ganhando maiores proporções e intensidade em poucos segundos. Xu Guiren esticou o braço e uma lâmina em formato de foice formada de puro ar caótico se manifestou. O objeto apresentava um corpo semitransparente, com exceção de uma linha esbranquiçada que parecia delinear seus contornos.
Notando a aproximação ligeira e implacável da oponente, a qual já se encontrava a poucos passos de distância, ele decidiu não esperar mais e atirou a foice através de um movimento de mão.
A arma formada de ar condensado girou enquanto rasgava o vazio, almejando atingir o alvo. Acompanhando sua trajetória, lufadas revoltas eram sopradas ao passo em que uma sinfonia pungente ecoava, numa mescla de cacofonia e harmonia.
Qin Yanyu não hesitou ou pensou em se esquivar quando viu o ataque indo em sua direção. Ganhando vida e um instinto protetor, a névoa que a cercava se expandiu dando forma a uma massa luminescente.
As duas técnicas se chocaram e no instante em que a foice rasgou a nuvem verde-esmeralda, lampejos foram projetados, como se a luz presa no interior estivesse sendo enfim liberta de seu cativeiro.
A habilidade usada por Xu Guiren se provou poderosa, rasgando a névoa e abrindo caminho mesmo depois de ter sido interceptada. Entretanto, a diferença de força se mostrou notável, pois no segundo em que foi ferida, a bruma se expandiu ainda mais, abraçando e sufocando a foice, até ela desaparecer, levando consigo sua cacofonia estridente.
Qin Yanyu não se deteve ou diminuiu a investida em momento algum, mesmo quando foi atacada. A colisão entre as habilidades durou um mísero segundo e no instante em que a foice foi subjugada, ela recolheu a névoa, obrigando-a a voltar para os punhos. O adversário estava logo à sua frente e não querendo dar a ele outra chance de fugir, pisou forte contra o chão e atacou.
Um jato de luz verde misturado com nébula disparou de sua mão, atravessando o espaço entre os dois feito o clarão de um relâmpago cortando o cume de uma montanha.
Mas novamente, Xu Guiren conseguiu evadir sem nenhum problema. Porém, desta vez, ele não fugiu para o alto. Sua esquiva foi mais simples e eficaz do que isso. Tudo o que fez foi se distanciar alguns passos para o lado, evitando ser atingido.
Apesar do fracasso, Qin Yanyu não parou e logo lançou outro jato de luz misturado com névoa. E foi quando o oponente se esquivou de novo que enfim reparou. Enquanto desviava de seu golpe, ele não mexia os pés, na verdade, parecia mais que estava flutuando sobre o piso, deslizando acima da madeira como se essa fosse a superfície de um lago congelado.
Notar aquilo a deixou estupefata. Talvez, em outra ocasião, teria parado para perguntar o que estava acontecendo e como ele conseguia se mexer daquela maneira. Entretanto, essa não era a ocasião mais adequada para se ter uma conversa.
Mantendo a investida e pressionando o rival, Qin Yanyu lançou jatos de luz e névoa em sequência, sempre ficando a apenas um passo de distância da outra parte, pois sentia que caso permitisse abrir um maior espaço entre os dois, não conseguiria voltar a se aproximar.
Enquanto isso, Xu Guiren continuou se esquivando das técnicas que eram lançadas contra ele. Seu corpo desliza pela arena, arrastado por brisas amigáveis que o carregavam feito uma mão gentil, protegendo-o dos males que o perseguiam.
Embora soubesse que essa não era a hora apropriada para esse tipo de coisa, era difícil para Qin Yanyu deixar de admirar a elegância dos movimentos executados pelo oponente. Era como se ele estivesse dançando em plena arena, apresentando uma bela exibição ao público, que suspirava e se encantava a cada passo coreografado.
Ela não soube quando aconteceu, mas em certo ponto, parou de se preocupar com a vitória e teve como único objetivo deslumbrar-se da bela exibição tanto quanto lhe fosse permitido. Seu ataque incessante continuou, entretanto, já não sabia mais se estava tentando acertá-lo ou dançar ao seu lado.
Qin Yanyu desconhecia suas verdadeiras intenções, mas algo dentro dela se alegrou por ser uma das protagonistas na elegante e charmosa exibição.
Ela desferiu inúmeros socos que eram acompanhados por jatos de luz e névoa e sempre que ele desviava, o sorriso em seu rosto se tornava mais largo, permitindo-se apreciar cada um dos movimentos.
Em certo momento, sua empolgação atingiu o auge e querendo ver os limites de Xu Guiren, usou uma parte de sua real força como uma praticante da 1ª Camada do Reino do Despertar para lançar um soco ainda mais poderoso e rápido.
E então, quando estava para ser atingido, Xu Guiren, que havia se mantido focado, de repente virou o rosto para a direção contrária e levantou a cabeça.
Qin Yanyu percebeu a mudança, mas era tarde demais para se conter. Seu punho acertou em cheio a face do distraído, conforme a névoa luminescente envolvia todo o seu rosto.
O golpe se mostrou tão poderoso que o corpo de Xu Guiren foi arremessado para longe, atravessando a arena igual a uma pedra sendo jogada na superfície de um lago, quicando no piso de madeira e caindo no lado de fora do palco.
Tudo aconteceu tão rápido que Qin Yanyu ficou paralisada no mesmo lugar, em choque, sem entender o que tinha acabado de ocorrer. E quando enfim se deu conta, levantou a voz, esganiçando em um tom de bronca:
― Seu idiota, porque não desviou? ― A luta estava ficando tão interessante que ela não queria chegar a uma resolução tão cedo. Desejava testar os limites do adversário e se deleitar um pouco mais com sua dança. Era muito frustrante saber que tinha acabado daquela maneira tão patética e repentina.
Caído de costas no chão, com os braços estirados, Xu Guiren demorou algum tempo para reagir, como se estivesse inconsciente, apesar de seus olhos estarem bem abertos. Foi só depois de um tempo que ele levantou o tronco, usando as mão para se escorar. E enquanto ainda estava sentado no chão, falou:
― Aaahhh! Ah! Ah! Sinto muito, eu pensei ter visto uma coruja. ― Com uma expressão descontraída no rosto, ele gargalhou alto.
― Como assim pensou ter visto uma coruja? ― grunhiu Qin Yanyu. ― Você poderia ter se machucado. ― Demonstrando uma genuína preocupação, ela desceu do palco correndo e foi de encontro ao desatento rival. ― Venha, deixe eu ajudá-lo. ― falou, apoiando-o pelo braço e o ajudando a se levantar.
― Ah, obrigado. ― agradeceu ele, expressando um meio sorriso.
― Você está bem? ― perguntou ela, olhando para o lugar em que o atingiu. O rosto dele só estava vermelho, na altura do osso malar, sem nenhum machucado grave aparente, mas é sempre bom ser cauteloso, ainda mais se tratando de um ferimento causado por uma Técnica de Combate.
― Sim, estou bem. ― respondeu Xu Guiren. E para demonstrar que estava falando a verdade, começou a girar os braços e balançar o tronco, imitando um corredor se aquecendo antes de uma dura jornada. Entretanto, quando tentou pular, perdeu o equilíbrio e começou a cair de lado.
Qin Yanyu, que estava de prontidão, foi logo o agarrando pelo braço e o ajudando a se manter de pé.
― Viu, você não está bem. ― grunhiu ela, expressando uma bronca. ― Sorte a sua que eu não usei toda a minha força, senão, estaria desmaiado agora.
― Aaahhh! Ah! Ah! ― Xu Guiren esboçou um sorriso descontraído. ― Você é tão forte. ― elogiou.
― Agora não é hora de ficar sorrindo. ― bronqueou Qin Yanyu, reprovando a maneira descompromissada de ele agir. ― Venha, eu vou levá-lo para ver um médico. ― Ela passou o braço de Xu Guiren sobre o seu ombro e segurou em sua cintura, usando o próprio corpo como se fosse uma muleta.
― Você é tão gentil. ― Ele voltou a dizer, expressando um agradecimento pela amável atitude.
Nem mesmo ela sabia o porquê estava fazendo aquilo; não era o tipo de coisa que fazia por qualquer um, ainda mais alguém de outra Família ―, porém, Qin Yanyu se sentia na obrigação de ajudar aquele garoto desatento que fica olhando para o céu no meio de uma luta, procurando por corujas.
A disputa tinha chegado ao fim e um detalhe importante havia sido deixado de lado. Parte do público notou a estranha ocorrência e começou a resmungar, querendo saber o que tinha acontecido.
Porém, apesar da ausência da vencedora, a juíza subiu no palco e, para a tranquilidade dos ansiosos, declarou:
― A vencedora é Qin Yanyu!
No palanque, os membros da Família Xu, frustrados, não puderam deixar de resmungar. Em destaque estava o Patriarca Jian, que balançou a cabeça e suspirou:
― E pensar que aquele garoto empatou com Xu Xia não faz muito tempo.
― Bem, pelo menos ele conseguiu chegar no palco. ― comentou a Anciã Ushi.
Niveis do Cultivo: Mundano; Despertar; Virtuoso; Espirituoso; Soberano do Despertar; Monarca Místico; Santo Místico; Sábio Místico; Erudito Místico.
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