Uma Nova Lenda Surge - Capítulo 13
Em meio aos corredores eu me volto a perguntar sobre “Ela”, enquanto observo as tapeçarias que cobriam as paredes pelo qual caminhávamos. “Ela” deveria ser a dona de tudo que me rodeava e provavelmente conhecia sobre o meu passado…
— Chegamos. — Dead fala abrindo uma porta que dava para um quarto rodeado por móveis brancos, tendo apenas os livros da estante no canto se destacando das demais coisas dele. — Sente-se e não mexa em nada! — Ele termina sua fala e retira-se, me deixando no quarto branco.
No do cômodo, há uma pequena mesa redonda no centro, com ladrilhos, formando um quadrado xadrez de preto e branco e, em um dos cantos, uma cama com os lençóis esbranquiçados, bem esticados.
— Quem é vivo sempre aparece. — Uma voz em um tom de deboche vem da única porta do quarto. — Mas é bom rever um velho amigo.
Viro-me rapidamente para ver a figura que acabara de entrar. Era uma pequena criança, diria que teria em torno de doze anos, ela vestia apenas um pequeno vestido branco, que ia até os seus joelhos. A pequenos passos a menina se aproxima de mim, com seu longo cabelo dourado, balançando no ar junto de seus passos, até chegar ao outro lado da mesa onde senta-se.
— Vai ficar em pé?
— Me desculpe, mas eu não esperava por uma criança.
— Essa é uma primeira impressão que eu sempre acabo passando, mas você deve saber no seu interior, que eu não sou o que aparento.
— Não posso negar. — Puxo a cadeira a minha frente e sento-me nela. — Gostaria de ir direto ao ponto de nossa conversa se possível, senhorita… Desculpe-me, mas como já deve saber eu perdi as minhas memórias.
— Me chame de Shi, e assim como a Morte e o Dead, sou um deus da morte. — Ela fala sobre a sua reputação demonstrando um sorriso infantil. — Kardurins, eu sei que você veio até aqui só por causa do livro, mas… Eu estou entediada!!! — E por fim toda a formalidade dela se vai e ela demonstra a sua verdadeira face.
— Entediada?
— Isso! Você sempre vinha aqui antes de sumir! Até pediu para o Dead cuidar de mim antes de ir! Mas ele é muito chato!!! É sempre “Shi não faça isso” ou “Shi assim você irá se machucar”, ele é um saco! Eu gostava mais quando você brincava comigo e me levava para ver o cosmos de perto!
— Certo…
Sem duvidas ela é uma criança mimada, mas… Era eu quem cuidava dela?! Qual era a relação que eu tinha com esses deuses?
— Por isso, você irá jogar comigo antes de eu te devolver o livro!
Eu poderia recusar e apenas sair dali? Talvez, mas provavelmente seria jogado em Kazi Cadere novamente… O meu passado provavelmente se encontra nesses livros que foram perdidos, mas um deles está diante de meus olhos, talvez eu não tenha outra chance.
— Certo, e qual será o jogo?
— Xadrez! Você sempre disse que o campo de batalha é como no xadrez, você tem que saber o próximo movimento do seu oponente antes de agir.
Ela arruma as peças uma a uma, acima dos ladrilhos da mesa antes de iniciarmos o jogo, ela parecia bem animada para jogar, no entanto eu usaria essa oportunidade para extrair o máximo de informações possíveis dela, durante a partida.
— Me diga, por que tem todas aquelas tapeçarias espalhadas pela mansão? — Falo ao fazer o meu movimento.
— Elas contam uma história antiga, para ser mais exata de antes da guerra.
— Você poderia me contar ela?
— Naquela época os céus e a terra eram um só, e todos os seres vivos e deuses viviam em harmonia, no entanto nada é eterno… E uma luta de ideais se iniciou entre dois poderosos seres…
— O cavaleiro negro e o branco?
— Isso! Mas esse não era o nome que eles traziam consigo na época, um era condecorado como a justiça e o outro como a iluminação, dois paladinos que buscavam apenas uma coisa: a verdade.
O Justo… De acordo com a Djinskrel e a Scramblery, esse nome era meu, mas por eu ter desistido me tornei a Preguiça. Bom, mesmo a história tendo sido contada bem por cima.
— Ao longo de suas lutas para descobrir o que buscavam ambos acabaram se corrompendo por poderes antigos, algo que não pode ser chamado nem de magia, nem de energia… Ele foi nomeado como corrupção, facilitando assim. Isso fez ambos iniciarem uma guerra entre si e seus seguidores, e as coisas foram seguindo até se tornarem o que vemos hoje.
— Xeque! Mas o que seria essa “verdade”?
Ela silencia-se por alguns segundos, encarando o tabuleiro, antes de começar a resmungar algo incompreensível.
— Você trapaceou! — Ela fala em um salto, derrubando a cadeira.
— Que?
— Você trapaceou! Não é possível que você tenha retornado tão bom nesse jogo!
De certa forma ela tem a razão, antes de chegar ao forte, eu nunca tinha ouvido falar em xadrez, não sabia nem os termos usados. No entanto após muito estudo pude ver estratégias desse jogo e por em prática, com alguns soldados da instalação.
— Posso te afirmar que eu não trapaceei.
Ela apenas fica parada, me encarando, enquanto resmunga.
— Invés de ficar ai me encarando, poderia me devolver o livro?
— Mais um!
— Não! Eu tenho mais o que fazer! — Mentira, eu apenas queria sair dali o quanto antes.
— Tá bom… Mas me promete que vai voltar?
Fácil? Não esperava por essa reação, talvez eu fosse assim com ela no passado também, mas por que ela seria tão grudada em mim?
Ela caminha até a cama e pega de baixo de um dos travesseiros um livro, de capa de couro verde, com escritos em dourado em sua lateral, e o traz até mim em seguida.
— Pegue, com ele, você deve descobrir o que busca.
— Obrigado, Shi, ele será de grande ajuda para o resto de minha jornada. Mas agora, você poderia me informar onde as outras duas foram colocadas?
— Não se preocupe, elas devem estar até agora dormindo na nave que te levou até a mansão.
— Vocês sempre tem uma carta na manga mesmo. — Como resposta recebo apenas um sorriso.
— Você deve chegar até a sua nave ao cruzar a mesma porta que te trouxe até aqui.
— Agradeço novamente. — Falo antes de dar as costas e ir em direção da porta do quarto e me encontrando novamente no dormitório.
Olho para o relógio, que é usado para marcar o tempo de viagem, e seus dígitos estavam dois minutos adiantados, ou seja, o tempo que eu estive fora foi relativamente baixo em comparação com o que eu presenciei.
Estavam todos dormindo, se eu ligasse os motores provavelmente iria acabar acordando todos os tripulantes, o que seria um problema. Então pego o diário e começo a ver seus detalhes com mais cuidado.
As inscrições na sua lateral é um antigo cântico, que fala sobre a deterioração, provavelmente colocado para que o livro não se torne um monte de poeira um dia. As linhas em paralelo com o texto eram pequenas serpentes desenhadas detalhadamente.
As primeiras páginas retratavam a situação que eu passava no momento, uma grande perda de memória, em seguida falando um mínimo do que eu tinha que saber, mas algumas partes tinham sido queimadas, algo ou alguém não queria que eu soubesse certas “verdades”.
“Para o eu do futuro, gostaria de deixar essas memórias, mesmo sabendo que provavelmente ELE irá me impedir a todo custo. Saiba que o destino do futuro se encontra nas suas mãos, apenas se você encontrar o arco do destino, poderá encerrar essa guerra que a tanto enfrentamos.
Não escute o que a Ira fala, apenas siga suas pistas.
Ignore a Luxuria, ela irá apenas te atrapalhar.
A Gula nunca foi um caminho a se seguir.
Inveja é apenas uma criança mimada.
A Avareza irá tentar te alcançar, ignorar não é opção.
O Orgulho irá te guiar até a perdição.”
As frases eram confusas, mas possuíam um sentido, enganar aqueles que não são eu, eram dicas, como dito, mas o destino estar em minhas mãos, é algo que não consigo acreditar.
“Durante a minha jornada, me deparei com variadas espécies, vivenciei suas políticas e crenças, mas essa é uma que eu não consigo aceitar ou me calar.
Uma sociedade onde a alta burguesia e pessoas de poder são os Karins, vivendo as custa daqueles que deveriam proteger, mas só valorizando os da mesma espécie, transformando os Kardiuns em escravos, ou apenas ignorando eles, para depois usar seus corpos em troca de dinheiro.
Eu normalmente me calo, prefiro não me intrometer muito na sociedade já formada, mesmo sabendo que esse tipo de corrupção se estende por todo o cosmo, queria tentar encontrar uma cura, assim aceitei cuidar e ensinar filhos de nobres locais sobre a magia e os espíritos.
Eles aceitaram a minha oferta após uma pequena amostra do poder que eu poderia entregar para eles, talvez seja um erro. No momento estou a erguer um grande palacete nas terras que me foram dadas, junto do titulo “O Sábio”, deveria ser uma grande honra receber ele.
Espero que a corrupção, que esse lugar carrega, não acabe por contaminar o resto de meu corpo, pelo menos até eu terminar a minha pesquisa devo conseguir ajudar esse povo, sem me envolver sentimentalmente com eles.”
— Kardurins? — Uma voz sonolenta vem de traz da porta junto com duas batidas lentas.
— Pode entrar. — Falo colocando o livro em cima do travesseiro.
A Djinskrel entra esfregando o olho direito, será que eu estava lendo em voz alta e não notei?
— O que você está fazendo? — Ela fala bocejando em seguida.
— Eu estava lendo o livro, o mesmo que vim atrás.
— Hum? Mas ele não estava aqui!
— Sim…
— Então como?
— Eu me encontrei com uma pequena criança chamada Shi, parece que ela conhecia a mãe de vocês, e o livro estava em sua posse, não sei muito sobre os detalhes.
— Eu já tinha ouvido falar que existiam outros como a minha mãe, mas muitos se encontram em uma dimensão fora dessa.
— Devo concordar com essa afirmação, já que eu fiquei cerca de dois dias fora, eu acho, e o tempo aqui sequer passou.
— Mas você encontrou o que procurava?
— Ainda não, só consegui ler algumas poucas páginas até agora, mas teve algo que me chamou atenção, algumas das primeiras páginas foram carbonizadas, alguém teve esse livro em mãos antes da Shi, é o que quero acreditar.
— Eu também não gostaria que os outros agissem dessa maneira, mas por que você acha que fariam isso?
— Como fui eu que o escrevi, provavelmente tinha informações de mais, e alguém não queria que eu me lembrasse. Seja como for, não está conseguindo dormir?
— Sim… A verdade é que, desde que nossa mãe foi levada eu tenho tido pesadelos constantes, mas não queria que a Scramblery soubesse disso.
— Você quer me contar?
— Não… — Ela faz uma pequena pausa e tenta continuar. — Eu… Ainda não estou pronta, mas prometo lhe contar quando a hora chegar…
— Certo, quer dormir aqui? Talvez eu consiga espantar os pesadelos que te atormentam.
— Agradeço a oferta, mas ainda não nos conhecemos o suficiente.
— Eu entendo, então eu irei para a sala de conferências, e você fica aqui para dormir, talvez seja melhor assim, para você não acordar a sua irmã.
— Nesse caso eu aceito.
— Durma bem. — Falo antes de me retirar com o livro.
Amanhã será um novo dia, acho que terei que tentar falar diretamente com eles, talvez assim eu obtenha algumas respostas mais esclarecedoras.