Uma Nova Lenda Surge - Capítulo 22
Fiquei trancado naquela pequena sala de reuniões antes de partir para a floresta dos arredores para vistoriar o treinamento dos batalhões.
Mesmo utilizando armas falsas eles davam a vida como na guerra, para onde essas almas partiram ao fim dessa catástrofe criada pelos próprios senhores?
A resposta para o final da guerra estava mais próximo do que nunca e junto dela a salvação de todos aqueles que restaram…
— Você realmente acredita nisso? — Uma voz impertinente surge em minha mente, enquanto eu observava os soldados lutando, do alto daquele penhasco.
— Se eu não acreditar nisso o que irá sobrar além do desespero? — Dou uma breve pausa e prossigo. — A verdade sempre deve surgir no final de uma jornada, e nossa jornada acaba com essa guerra.
— Às vezes nós mentimos para nós mesmos, lembre-se disso.
— As mentiras são apenas portas para a verdade, assim como em um passado distante como agora, me pergunto quando nos reencontraremos.
— Só o futuro irá dizer isso…
A dona da voz misteriosa se materializa ao meu lado, como um ser feito de pura luz, uma jovem mulher com um longo vestido cobrindo o seu pequeno corpo, enquanto pequenas fitas que escorriam dele dançavam em meio ao ar.
Ela caminha sinuosamente em meio ao ar até se sentar ao meu lado para vislumbrar da mesma paisagem ao nascer do sol, uma luz que eu não via há dias, agora se mostrava belíssima em meio a aquele vale.
Perco a noção do tempo enquanto vislumbrava a paisagem em minha frente, e me perdia no mar de memórias que me mergulhava em meio ao caos.
Um ser de luz que mostrou o seu rosto poucas vezes para mim até hoje, ele é a razão da minha busca, ela é a razão da minha vida. Nunca pude vela pessoalmente, apenas em meus sonhos…
Uma jovem de longos cabelos arroxeados e olhos avermelhados assim como os meus, presa em meio a um jardim florido infinito, sempre a minha espera com uma xicara de chá preto.
Foi ela quem fez eu iniciar essa busca, me contando de um passado inexistente e seres fantasiosos de grande poder, terras das quais se festeja apenas por conseguir ficar vivo por mais um dia.
Pergunto-me se não passa de um sonho distante ou se é uma das muitas realidades que existe por essa terra destruída.
Fico lá em cima daquela rocha que sofreu a ação do vento e da chuva até se tornar um pequeno assento para alguém poder vislumbrar um belo por e nascer do sol.
Mas não poderia ficar parado para sempre, tinha que me mover, organizar o que seria necessário para essa viajem e coletar as ultimas informações necessárias.
Foi uma longa tarde coletando os itens restantes, e a mesma poderia ser resumida apenas em correria e coleta de informação, nada muito fora do normal.
E após uma boa noite de sono a hora havia chegado e Kazi Cadere era o destino de uma longa jornada.
Sigo para o hangar onde eu deveria me encontrar com Djinskrel e Scramblery. Elas me esperavam em frente à nave, da qual já havia usado no passado, junto de suas malas.
— Acredito que estejam prontas, então sem mais delongas, vamos seguir! — Animado sigo para dentro da aeronave, antes de ser impedido por uma das gêmeas.
— Você tem certeza de que iremos nos encontrar com a Morte? — Scramblery a irmã mais velha de longos cabelos vermelhos fala.
— O máximo que iremos acabar encontrando é nada, mas tenha fé, nós conseguiremos sim!
Fé? Será mesmo que eu estava certo em dizer aquilo e prosseguir a viagem com um grande sorriso em meu rosto? Provavelmente sim, pois pessoas que ainda não perderam a esperança são mais uteis do que as insanas.
A viagem durou em torno de meio dia, e ao chegar no local fomos recepcionados por Dead que se mantinha rodeado por suas empregadas sem face e vida.
— Ora, ora, vejamos quem temos aqui, se não é o temido por todos, o verdadeiro e único Kardurins! — E como sempre ele me recebe da sua forma carinhosa.
— Não tenho tempo para as suas piadas, que são tão baixas, quanto você, abandonou a guerra para proteger a pequena Shi… Que lindo.
— Vejo que recobrou as suas memórias e personalidade. — Ele fala seguido de um estalar da língua.
— De qualquer forma, eu agradeço por ter cuidado de mim, quando estava naquela forma patética, agora se possível eu gostaria de falar com a Klivsmert a sós.
— Se possível eu gostaria que não falasse os nossos verdadeiros nomes, eles trazem apenas dor.
— Certo, por sinal, peça para as suas empregadas colocarem as suas mascaras, da forma que estão eu não consigo entender as suas expressões.
— Meninas, vocês cuidam das demais visitas, enquanto eu levo o senhor Kardurins até os aposentos de Shi. Por aqui senhor… — Ele segue em um tom de desgosto.
Caminho pelos longos corredores onde uma história já enterrada por muitos ainda é guardada pela jovem imperatriz da morte, Shi…
Antes de ser concebido a ela o dom da imortalidade, ela e o seu irmão mais velho sofreram nas mãos de seus cuidadores, sendo abusados e no fim abandonados para morrerem em um beco escuro e frio em uma noite chuvosa.
Ainda me lembro de seus olhos sem vida, os hematomas ao longo de seus pequenos corpos e o medo de Dead, quando tentei ajudar a sua irmã que havia perdido as suas pernas e seu olho direito.
Lendas, mitos ou verdades cruéis que nos cercam? A verdade é uma dor causada aos inocentes… Mas aquela dor iria acabar ali…
Naquela noite eu matei os criadores das duas crianças e aprisionei suas almas em duas armas, um pequeno revolver de calibre trinta e dois, que eu havia achado em uma gaveta do escritório, e uma faca que escorria com o sangue da pequena menina.
Hoje eles provavelmente não sabem o que aconteceu em suas vidas passadas, mas naquela noite chuvosa duas crianças morreram em um beco, após a morte de seus criadores, e renasceram como lendas.
Parados diante da grande porta, Dead me encara uma ultima vez com ódio antes de abrir a porta para que eu seguisse para dentro.
— Shi, Kardurins veio lhe ver.
— Kardurins voltou?
— Sim, pequena Shi, eu estou de volta, e dessa vez cem por cento.
Entro no quarto sem cerimonia, e sigo até a pequena mesa circular de seu centro, me sentando em um dos assentos que havia em seu entorno.
— Não sei se fico mais contente com esse acontecimento… — Deixando de lado o seu jeito infantil de ser, Shi revela a sua face mais madura se sentando a minha frente.
— Infelizmente as coisas tem que seguir em frente, eu não sou mais o mesmo, ao mesmo tempo em que você cresceu…
— Que assunto lhe trouxe aqui então, eu já lhe entreguei o caderno e minha infância, o que mais quer tirar de mim?
— Nada muito complexo, apenas três passagens de ida para a Morte original e quatro de retorno.
— Resolveu ir até ela? Se você veio até mim, existe uma razão, ou você acredita que eu saiba sobre o local em que ela se encontra, ou eu sou uma porta até onde ela está.
— Não nego ambas as opções, mas o meu objetivo é mais importante do que ficar questionando o lado que está certo e errado, se você me traiu teve seus motivos.
— Fico feliz de ouvir isso de você, mas o peso de saber que estou te engano é algo que não consigo suportar mais. Eu fui à causa do que ocorreu com a Morte, tudo porque eu queria os documentos que ela possuía sobre a verdade.
— Não se preocupe com isso, mas me diga o que obteve com isso?
— Nada…
— Isso já serve como aprendizado para vocês dois…
— Não culpe o Dead! Ele era contra desde o principio!
— Mas ele me traiu permitindo que você se alia-se ao inimigo, lembre-se Shi, só aqueles que lutaram com você no passado são os seus verdadeiros aliados.
— Mas por mais que eu pedisse, ela nunca me deu acesso aos documentos sobre o assunto!
— Provavelmente ela queria lhe proteger de algo, bom, mas foi bom que tenha sido você a me trair, assim podendo agir como um agente duplo no final.
Encaro fixamente os dois pequenos olhos ametistas que hoje brilhavam com uma forte luz. Talvez eu deve-se ter apenas ajudado as crianças, invés de transforma-las em monstros…
— Shi, me fale tudo o que você sabe sobre o esconderijo dos corvos.
— Eu não sei o que eles planejam fazer lá e nem o motivo de escolherem um lugar tão inóspito como Kazi Cadere, mas sei exatamente onde eles se escondem.
— Exatamente o que eu preciso saber, se puder me dar um mapa com as coordenadas já agradeço.
— Kardurins… Posso considerar que o projeto tenha sido reaberto?
— Pode ter certeza, por sinal lhe passarei uma missão que deve ser espalhada para todos os sobreviventes que queiram retornar.
Puxo o máximo de ar que eu pudesse antes de continuar falando.
— Logo estaremos libertos e salvos, mesmo que eu me perca novamente, venham até mim e me ergam novamente, assim juntos seguiremos a nossa busca!
— Obrigada.
— Não me agradeça, só faça o seu trabalho e nunca mais me traia, pois um dia a sua traição poderá custar a sua vida.
Ela engole a seco e me encara tremendo em medo, mas eu ignoro esses fatos e prossigo.
— Shi, eu acreditei que apenas a Morte havia prosseguido as pesquisas.
— Ela não foi à única, mas foi à que obteve resultados mais plausíveis.
— Entre as suas pesquisas, me diga o que você sabe até o momento.
— Acreditamos que a verdade esteja conectada com os nossos passados, para ser mais exata com a criação da realidade a qual vivemos.
— Algum teste que foi realizado chegou perto de confirmar isso?
— Tentamos uma vez enviar uma de nossas empregadas para o outro lado, abrindo um portal, mas em seu retorno obtivemos apenas uma massa de carne queimada.
— Entendo… Shi, existe um cubo que é guardado pela Fortaleza Final, preciso que peguem ele, é provável que com ele possamos ter algum avanço nas pesquisas.
— Entendido Senhor!
— Por agora apenas envie eu e minhas companheiras para a terra desolada.
Sem questionar as minhas palavras, como se eu fosse uma autoridade, ela se levante e segue até o lado da cama onde um pequeno telefone branco ficava, ligando provavelmente para uma das empregadas que bate em sequencia na porta.
— Sim, minha Senhora! — A figura de uma mulher vestindo um longo vestido preto com um avental branco, sem face aparece abrindo a porta com delicadeza.
— Leve nossos convidados até o portal, e deem mantimentos para três dias.
— Entendido, com a sua licença. — A mulher abre mais a porta e libera a passagem esperando a minha saída.
— Nosso reencontro será em breve Shi, até lá siga as instruções que passei.
— Estarei esperando ansiosa por esse dia.
Lento e me retiro do pequeno quarto circular, seguindo a empregada escadaria abaixo até retornarmos para os corredores, seguindo entre eles até a sala onde Djinskrel e Scramblery estavam a minha espera.
— Fique a vontade Senhor, logo retornaremos para lhes levar até o portal.
Ela fecha a porta e nos deixa na pequena sala, onde poderíamos nos sentar em uma das poltronas e beber um bom conhaque enquanto esperávamos o seu retorno.
— Acho que nunca irei me acostumar com essas criaturas sem rosto. — Deixo escapar, tentando quebrar o gelo que ficava na sala aquecida por uma lareira.
— Realmente, mesmo não sendo a primeira vez que as vejo, ainda não consigo ver aquilo como algo normal. — Djinskrel fala junto de um arrepio ao se lembrar das empregadas.
— Eu sempre peço para o Dead ordenar que elas fiquem de mascara durante a minha visita, mas ele nunca foi de me escutar…
Até hoje a única ordem que ele havia acatado era a de proteger Shi, mas ele nunca foi bom, mesmo nesse serviço.
Eu vou até a única poltrona livre no cômodo me servindo um copo de conhaque e puxando o livro que esqueceram sobre a bancada para ler.
Era uma história infantil, mas com o seu tema voltado para uma trama real, duas crianças abandonadas na floresta tendo que sobreviver sozinhas, após serem deixadas pelos seus pais.
Nas notas do autor ele conta como aqueles dias foram terríveis e que só de se lembrar de ver a sua irmã sendo devorada pelos lobos em meio à floresta o enojava até os dias de hoje.
Um tempo se passa até que batem na porta três vezes antes de abri-la, uma das empregadas se mantinha ali em pé segurando uma pequena mochila para a nossa viajem.
— Me desculpem pela demora.
— Não se preocupe, o tempo passa rápido quando temos uma boa leitura e uma bebida de qualidade para saborear.
— Se não se incomodam, eu peço-lhes para que sigam-me.
Voltando para os corredores, somos levados até uma pequena sala, a mesma que uma vez me levou para Kazi Cadere, uma sala branca, onde não tinha como saber as suas dimensões, e que fechada só sabia-se onde ficava a saída.
— Esperem cinco minutos antes de saírem da sala, quando o tempo passar é só seguirem para a mesma porta da qual entraram.
— Agradecemos pelo serviço.
— Tenham uma boa viajem.
Após entrarmos na sala a empregada a fecha, esperamos o tempo determinado antes de seguir para saída.
Ao abrir a porta eu podia sentir a calorosa luz do sol em seu meio dia eterno, e rever a paisagem de uma civilização que progrediu até a sua queda.