Uma Nova Lenda Surge - Capítulo 30
Aos poucos vou retornando para o mundo e sinto um grande peso sobre o meu corpo, tínhamos sido atacados? Pouco provável…
Começo a abrir os olhos para poder ver o que pressionava o meu peito, “uma criança”? Uma jovem se colocava acima de meu corpo e dormia, como um gato manhoso.
Olho para a cama de Kashisujo, ela estava em um sono profundo e dificilmente acordaria para me ajudar.
Dá onde ela teria vindo?
Ergo-me um pouco novamente, vendo o topo da cabeça da menina, com seu longo cabelo preto, com mechas prateadas, escorregando em meio ao cobertor de seda.
Se me movesse muito ou de forma brusca provavelmente acabaria acordando a criatura. Mas não poderia ficar o dia todo ali…
Movo minha mão direita, que era a única que o ser não havia ficado em cima, e cuidadosamente a movo até ficar próxima da boca da criança, e em um rápido movimento tampo sua boca e ergo o meu peito, levando em sequencia o meu braço esquerdo para os braços dela, a impedindo de se movimentar, o que acabou por acordar o ser de supetão.
— Não quero ouvir gritos, apenas fale quem é você, como chegou aqui e quais os seus objetivos.
Retiro a minha mão de sua boca, ficando pronto para fecha-la novamente quando necessário.
— Sou Suserans, e você me libertou mestre! — Sua voz fina e irritante ressoa em meus ouvidos.
“Suserans”, eu o libertei?
— Você fala de liberdade, mas eu nunca te vi.
— Hum… Você não se lembra do que fizemos na noite anterior Mestre?
— Minha fama não vem por meio de minha memoria, mas eu tenho certeza que lembraria se eu tivesse trazido uma criança para a minha cama. Afinal quem é você, se tentar me enrolar não terei piedade, na verdade será um prazer ver você agoniar.
— Eu falei a verdade, você me salvou e me usou, eu gostei… — A criança ri em um tom de malicia.
Afinal quem era ele? Não tinha como ele estar falando a verdade né?
— O que você é?
— Sou um Skblander e… Eu queria que nós nos uníssemos… — Ele fala respirando pesado.
Com certo receio o seguro com mais força, para que não tivesse como fugir.
— Me impressiona como você continua a falar esse tipo de coisa mesmo tendo a vida ameaçada…
— Eu não me importo desde que o Mestre fique feliz.
— Você fica me chamando de “mestre”, mas no final eu sequer sei quem é você e que porra é um Skblander, essa merda não existe!
— É claro que existe! — Ele aumenta um pouco o tom de voz e para evitar mais barulho tampo a boca dele.
— Hum… — Escuto os gemidos de Kashisujo, mas ela permanece dormindo.
— Certo, você é um ser que nunca existiu e quer se unir a mim, espero que esteja falando como um aliado?
Retiro novamente a minha mão da boca dele.
— Quero ser mais do que isso… Quero ter seu sangue dentro de mim, e quero que sua energia se alastre pelo meu corpo.
— Você não é humano… — Solto um breve suspiro. — Um Skblander?
Começo a me lembrar de todos os paços feitos na noite anterior, um pingente e uma rapieira foram às únicas coisas que eu havia trazido para o quarto na noite anterior.
Seria ele que nem a Kashisujo? Lembro desses seres existirem, mas eu acreditava que não passavam de lendas…
— Você é a rapieira?
— Sim Mestre! Você lembrou! Estou tão feliz!
— Quando você fala de se unir, seria algum tipo de pacto ou contrato?
— Um beijo, com nosso sangue escorrendo pela garganta do outro…
Um pacto por beijo, provavelmente terei de cortar o meu lábio inferior, mas se ele realmente for o que diz ser, será de grande ajuda…
Ativo o primeiro circulo marcado em minhas costas, criando uma pequena adaga que levo até a minha boca e corto o lábio inferior internamente, em sequencia levo-a até a boca do menino sentado em meu colo, e também corto o seu lábio inferior no mesmo lugar com um movimento rápido.
Em seguida desativo o circulo fazendo com que a adaga suma, eu o viro e uno os nossos lábios de forma forçada, Suserans não tenta resistir, e mesmo com os braços presos ele relaxa, gemendo em meio ao pacto.
— Eu não acredito que você está fazendo isso! — Kashisujo enfim havia acordado, exatamente quando não era mais útil.
Solto a criança que havia acabado de realizar um pacto comigo, ele cai sobre a cama respirando profundamente, como se o seu ar tivesse acabado.
— Um pacto?
— Sim! E ainda por cima com um homem!
— Eu não queria ser isso… — O jovem dala.
— Então troca de aparência e larga do meu homem!
— Mas…
— Vocês dois se acalmem, temos muito a fazer para se preocupar com idiotices. Você fique em sua forma de espada, e não saia desse quarto, Kashi, procure e resolva logo, quanto ao lugar para treinarmos, temos pouco tempo.
— Mas… — Suserans fala em um tom de desistência.
— Sem “mas”, não temos tempo a perder.
— Você tem razão, mas assim que tivermos algum tempo eu espero que você me diga exatamente o que ocorreu.
— Se algum dia houver tempo, irei te contar toda a história detalhadamente. Agora se não se importam, eu tenho um trabalho a fazer. Vou me encontrar com a Evelyn, ela será de grande ajuda.
Saio da cama e vou até a cadeira onde deixava as minhas roupas, e vou cobrindo as tatuagens e cicatrizes de meu corpo com elas.
— Façam o que eu ordenei e não causem problemas. — Falo antes de abrir a porta do quarto e sair dele o quanto antes.
Sigo pelos movimentados corredores da manhã, mesmo sendo um dia de estudos livres todos se dedicam para superarem os seus limites.
Caminho cuidadosamente, para não esbarrar em ninguém em meu caminho até sair do prédio dos dormitórios. Suspiro ao observar o desespero dos humanos por um pingo de atenção, antes de prosseguir.
Com passos curtos e pesados, vou até a arvore mais movimentada do campus, me deitando em seus pés, tiro do bolço de minha calça o pingente que havia pego na noite anterior e começo a balança-lo como se fosse um pendulo sobre a minha cabeça.
— O que você tem de tão importante para ter sido preso lá?
Ele seria que nem a Kashisujo e o Suserans? Provavelmente não, ele é um pingente feito de ouro e tem um mecanismo que o abre, e em seu interior tem um compartimento para guardar algo, mas o que?
Fiquei ali, sobre o gramado que se estendia além de minha visão, analisando o pingente enquanto observava todos que passavam pelo local, esperando pela aparição de Evelyn.
Até que a Jovem dama saiu de um dos prédios a minha frente, com o seu longo vestido branco, e deixando o seu escuro cabelo cobrir seus olhos enquanto escorrem até os seus ombros.
— Evelyn. — Me levanto, e vou na direção da garota, que para ao ouvir o seu nome. — Tenho um presente para você.
— O que seria? — Ela me recepciona com o seu tom caloroso.
Olho os arredores antes de prosseguir:
— É algo que você queria muito, mas eu preciso falar com você no particular, tudo bem se formos até o seu quarto?
— Só tivemos um encontro depois de tanto tempo, e você já quer passar para o próximo passo?
— Por favor.
— Certo…
Retornamos para o prédio dos dormitórios e no corredor da direita do primeiro andar, entramos em um dos quartos, esse bem organizado em sua maior parte, mas acima de um armário podia-se ver pilhas de folhas manchadas de tinta, com o frasco vazio do lado, e mais uma pilha de livros com folhas saltando para fora dele.
— São seus?
— Não. — Ela retorna ao seu tom normal, frio e sem vida. — Agora poderíamos ir para os nossos negócios?
— Como prometido, aqui está o seu pingente, agora poderia me contar o que preciso saber?
— Você quer saber como eu descobri que você estava nessa instituição certo? Foi simples, pois nunca poderia esquecer o seu olhar.
— Você me conheceu na mesma época que a Catrina?
— Sim… Você me deu um novo motivo para viver, e sou muito agradecida por isso…
— Então você não tinha certeza que eu era eu, até ir ao meu quarto naquela noite?
— Sim.
— Entendo… E como nós nos conhecemos?
— Foi um pouco depois de eu perder esse pingente… Meu pai era uma grande influencia entre os Nobres de Djarski, mas um dia quando ele voltou para casa, ele havia perdido a noção da realidade, minha mãe me entregou esse pingente falando que era um artefato que iria me proteger, antes de me expulsar de casa…
Ela falava com lagrimas nos olhos, e a mão direita sobre o peito segurando seu pingente de ouro com força.
— Eu corri em meio à floresta escura ouvindo os lobos uivarem não muito longe de mim, mas… Acabei sendo pega por dois ladrões que viviam na região, eles me levaram para o seu abrigo onde passei dois anos acorrentada e sendo forçada a servi-los…
Desde pequena ela sofreu abusos… Mas se manteve firme e viva? Como uma criança conseguiria manter a mente sã após dois anos tendo o corpo violentado por dois homens estranhos?
— Não sei dizer se foi sorte, mas um dia os dois estavam extremamente bêbados e brigaram um com o outro, deixando as chaves das algemas caírem próximas de meu corpo, eu a peguei e decidi fugir para a floresta, para pular do alto de uma colina, rumo a minha morte.
Ela para, seca as lagrimas e abaixa a cabeça, antes de continuar:
— Mas eu encontrei o acampamento do seu povo, e lá eu conheci você e a Catrina, a única pessoa da minha idade no acampamento, eu vivi lá e fui treinada por você tendo em mente o objetivo de cuidar da jovem princesa.
— Entendi, temos uma história juntos…
Após ela terminar de contar um pouco de sua história as imagens do passado começam a retornar em minha mente, eu havia vingado o sofrimento dela, eu havia matado e queimado os corpos dos dois homens…
— Sei que nunca terei outra chance, por isso… Senhor Kardurins, eu gostaria de pedir que apenas por algumas horas nós pudéssemos ficar juntos, como um casal. — Ela fala me encarando com força, seus olhos brilhavam quando a luz batia nas lagrimas que acabaram de escorrer por seu rosto.
— Me desculpe Evelyn, mas você deveria saber que isso não é possível.
— Mesmo assim, eu queria ao menos dessa vez.
— Você ainda é muito jovem para desperdiçar os seus sentimentos comigo, ainda mais sabendo quem eu sou.
— Eu deveria saber… Sempre terei você em meu coração, por mais que não deseje.
— Eu só não quero fazer você perder o seu tempo com algo que não irá para frente… Eu sei que não é certo eu mudar de assunto agora, mas eu vim até aqui para receber informações e não uma declaração.
— Desculpe. — Ela fala enxugando as lagrimas que ainda permaneceram em seus olhos. — Vá até o cemitério e desenterre o Rei, Infelizmente eu sei tanto quanto você, mas não posso buscar resquícios da memória de alguém já morto.
— Entendo… E ele saberia alguma coisa?
— Na verdade, ele foi quem iniciou tudo.
— Obrigado Evelyn e me desculpe novamente… — Falo saindo do quarto e fechando a porta silenciosamente em minhas costas.
Seguindo para a biblioteca onde eu passaria o resto do dia junto da Gainiri.