Venante - Capítulo 43
No mundo cinzento, Leonardo andava de um lado para o outro, apenas por analisar as minúsculas movimentações dos dois que se separaram há pouco. Com uma mão no queixo, indagava-se de diferentes maneiras.
— A decisão mais sábia seria derrubar a Curse agora. — Olhou para trás, onde estava o Elfo Negro com as mesmas tatuagens da Banshee, e logo suplantou um novo corpo de seu avatar em frente ao Arqueiro. — Pelo visto, você tem algo escondido para eles fazerem algo mais arriscado…?
Diferente do habitual, uma vez encarnado na pele de Flaw, sentia-se mais confiante até em suas colocações. Não estava com medo, só a curiosidade era o estimulante da sua observação de uma decisão tão diferente daquelas mais viáveis que simulara.
Anteriormente, o mais provável seria J.Paulada ir até Lavour para derrubar a Curse — uma vez que o tempo da Possessão terminasse —, e Verbon estaria livre para ajudar no combate contra a menina, em um 3×2, para auxiliar o Escamão em um 2×2, ou apenas focar em solar o Kleth.
Leonardo dividiu sua consciência para uma visão por cima da arena e começou a inspecionar.
“São um time experiente, mesmo. Por mais que estejam em vantagem pelos níveis e equipamento, sem a Bruxa do lado deles, sabem que o Kleth é o único que vai prejudicar a situação inteira.”
Ao terminar esse simples pensamento, a plateia ao lado da arena foi consumida por uma névoa cinzenta e sumiu em poucos segundos, dando a aparição de outras plataformas de combate.
“Agora que chegou a esse ponto, preciso entender o motivo de fazerem isso. Tinham tantas outras opções com melhores resultados…”
As atuais simulações não eram apenas para prever o que viria de seus oponentes, mas uma reavaliação de por que não terem feito as ações já calculadas. Com as informações atualizadas, era possível caçar a resposta.
Em uma, J.Paulada e Verbon ajudavam o Arqueiro a se livrar da Banshee, mas Flaw impedia de derrubá-la tão rapidamente. Presos em um 3×2, Kleth teria mais espaço para virar o jogo. Um forte suporte vivo e livre para apoiar todos era a definição de vitória.
Seria uma virada rápida e óbvia: Claw com buffs poderia deitar o Escamão no soco sem sofrer muito mais. Curse e o Vampiro só precisavam esperar o amigo se livrar do Equidno para entrarem em um 4×3.
Claro, isso poderia não durar muito tempo. Uma vez que estava com a vida tão baixa e sem mana, Leonardo precisaria do total apoio ativo da parceira de equipe em suas magias de stun. Do contrário, seria apenas suicídio e não aguentaria nem 15 segundos.
Outra simulação viável era que Verbon segurasse Flaw, e J.Paulada ajudasse o Escamão a bater no Claw, livrando-se do tank dos Fodalhões em um combate mais prolongado. No entanto, seria uma batalha de atrito. Kleth estava em pé e poderia dar suporte para qualquer um no mapa.
Para essa situação, quem ganhasse no fundo — Curse vs. Lavour — seria o definidor de qual time sairia vencedor do PVP.
Mais e mais situações com pequenas mudanças surgiam em cada arena simulada.
Não havia muito tempo para simular; o combate continuava. Cada passo do inimigo era menos ações possíveis.
Até que…
— Espera. — Todas as simulações pararam. Um brilho cruzou os olhos do Leonardo principal quando notou uma área em especial. — Será que é isso? — Uma sobrancelha se levantou.
Um novo Verbon e J.Paulada saíram do chão, frente ao Vampiro.
— Para essa ação tão estranha… Vocês queriam fingir que não ligam de perder um membro para apenas tirar o nosso Suporte. — Encarou os olhos dos dois. — Um por um. Era isso que vocês buscavam passar a ideia, não é? Se eu não tivesse tempo para pensar e ver isso…
Em uma das simulações, a mesma cena da corrida se repetia, e o Vampiro simplesmente atacava Escamão, no tempo que J.Paulada e Verbon tentariam derrubar o Esqueleto.
— Vocês poderiam perder o tank, dessa forma. Até mesmo…
A cena, simulada antes, rebobinou, só que dessa vez Flaw atacava as costas de Verbon. “Isso também…” Kleth era ajudado por Leonardo. “Ou…” Curse recebia o apoio dele para derrubar o Arqueiro inimigo.
Uma bufada saiu do nariz do garoto.
— Sabem que eu sou o único livre para apoiar e o único a organizar as posições, mas também estou muito fraco no momento. Já plantaram a carta, não é? Só precisam ver a minha resposta para usar… — Em uma erguida de queixo, o canto do lábio dele subiu. — Se eu não tivesse simulado, eu nunca teria percebido isso. Vocês calcularam tudo e eu caí direitinho na armadilha.
Por mais que inicialmente tivesse avaliado como um time experiente, durante o combate até duvidou do que estava vendo. Depois de ter simulado tanto, viu todas as melhores possibilidades que abriria com suas ações, mas, ainda assim, optaram por tomar uma das mais prejudiciais — quase um erro amador, em sua visão.
Todavia, Penumbra era muito mais perigoso que isso. No momento que não conheciam as habilidades de um Ladrão de Feitiços e notaram que Flaw seria a chave do combate, prepararam algo que poderia enganá-lo. Na verdade, enganar a todos.
Apenas os olhos de um jogador profissional poderiam ver por trás disso, o que Leonardo claramente não era. Só que o garoto tinha uma arma que o time adversário nunca imaginaria.
No final, foi essa arma que o fez entender o que estava se passando por trás dos pensamentos deles em uma decisão tão prejudicial. Eles queriam fazer duvidar e tomar as decisões erradas. O resultado estava debaixo do seu nariz o tempo todo.
— Vocês querem ver o que eu vou fazer, né? Heh… Em qualquer opção, vocês têm a oportunidade de derrubar um membro do meu time. Mas eu não vou cair antes de levar um de vocês também.
Com os últimos segundos possíveis no Auct, a visão de Leonardo vasculhou todas as simulações da atual ação, em busca de algo que ajudasse, mas todas o incomodavam. Nenhuma resposta era a certa.
“Com essa carta deles, a situação toda está no controle deles… Só vai mudar quando eu fizer o último movimento.”
Ele planejava vencer com alguma facilidade o Penumbra, mas era impossível agora. Um fato, depois disso tudo. Todas escolhas de ajuda o levariam para sua própria morte.
Se sentindo perdido, sem a melhor opção, os olhos do Vampiro caíram sobre o Esqueleto. O descarnado apontava para longe, como se indicasse para alguém na distância.
“Kleth, você já percebeu, né? Vai estar na mão dos dois.” Um brilho cruzou a vista do Vampiro. Após uma exalada pesada, sussurrou: — Desativar.
As cores voltaram, o tempo parecia tomar vida, os gritos das pessoas enchiam os ouvidos.
Dentro da Ocultação, ouviu o berro de seu amigo: — A Curse! — Apontava para o Arqueiro que agora tinha as tatuagens pulsando. Era o sinal do término da Possessão.
Mesmo vendo que tinha dois caras com sangue nos olhos correndo para cima dele, Kleth preferiu que seu amigo protegesse a Banshee.
— Vocês não tão prontos para o Esqueleto mais doido desse Ambição Real! — O highcast consumira 50% da mana dele, mas não estava com medo e ainda gargalhou freneticamente: — Deixo na tua mão, tiozão! Kakakaka!
— Verbon, eles agiram! — gritou o Paladino Sombrio para o companheiro, que só assentiu com a cabeça.
Na tomada da decisão do parceiro, Flaw não esperou, bebeu um frasco de sangue e avançou no instante que viu o brilho vazar do corpo do Elfo Negro. Os corpos se separaram.
Após a Possessão, qualquer Raça Espiritual sofreria de um estado de enfraquecimento por alguns segundos, enquanto o inimigo estaria pronto para retaliar.
Curse já estava com a cabeça baixa e olhos fechados. O mundo pareceria estar rodando se abrisse, e sabia que uma saraivada de flechas a esperava.
Tinc tinc tinc tinc!
— Terminou…? — Abriu um dos olhos, devagar.
Na sua frente, o manto do Vampiro balançava, e algumas flechas caíram no chão. — Não. Vão derrubar o Kleth. Eu tenho pouco tempo, então preciso que você faça exatamente o que vou dizer… — A pressa na fala foi expressada, mas seu sussurro foi escutado com clareza.
O robe foi rasgado e a lâmina de Verbon prendeu no osso do antebraço do Esqueleto, que apenas desconectou a cartilagem mágica do membro, e reclamou: — É isso que vocês têm? Meu amigo ali derrubou em um só ata…
No instante que ia terminar de falar, se jogou no chão e rolou; uma martelada passou pelo lado dele e pousou no chão com um som alto de estouro.
— Cala a boca! — O Paladino Sombrio ativou outra habilidade apenas para esmagar o crânio daquele suporte.
Kleth, com seus magníficos 40% de vida restante, continuava a gargalhar. Seu báculo brilhava com diferentes cores.
Podia não ter a maior capacidade de mana ou as melhores magias, mas ele possuía algo que não contavam. — Daqui a pouco o Elfo ali, ó… — Era incrivelmente chato e não tinha vergonha de se esquivar dos piores jeitos possíveis.
Apertando os dentes, J.Paulada agarrou a roupa do Esqueleto e o forçou para o chão. Para evitar que fugisse, pisou sobre a caixa torácica dele e falou: — Acaba aqui.
— A-hum… — Deu uma limpada de garganta, e o antebraço desconectado apareceu no ombro do Paladino Sombrio e o tocou com o indicador.
Logo que virou a cabeça, viu a mão ossuda apontar…
Mais rápido.
As garras do Equidno acertavam o ar. Seus golpes passavam sobre a cabeça, nas laterais do corpo, a cauda tentara até enroscá-lo. Cada desviada digna de um lutador de MMA profissional.
Mais forte.
Para cada esquiva, um soco encaixava no corpo e rosto do escamoso. Mesmo quando seu oponente tentou acertar com as duas mãos, segurou os braços e o forçou a recuar com dor. Até a cauda que tentou ousar se prender seu corpo foi recebida pelas unhas afiadas daquela fera.
Mais bárbaro.
Seus golpes eram semelhantes a um sino tocando dentro da cabeça. Não bastava apenas socar sem parar a face do Escamão Fulêro, queria mais. Desejava extravasar tudo o que passou. Em nome de todos seus irmãos peludos! Prendeu o corpo atordoado do oponente em um abraço e, com as unhas cravadas naquela carne resistente e pegajosa, o lançou para longe, como uma boneca.
— Awuuu, filhão! O PAI TÁ NO PONTO!
MAIS BUFFADO.
O corpo do Lobisomem brilhava com os diversos buffs que havia recebido pelo seu suporte nesse tempo que estava esquivando.
O martelo caiu sobre a cabeça do risonho Esqueleto. — Verbon, pode usar. Só precisamos tirar aquela garota. Eu vou segurar aquele cachorro, de novo. — A carranca de J.Paulada estava mais visível do que nunca.
Enquanto começava o novo combate dos dependentes de Força, raízes enroscavam o corpo de Flaw. Porém as mãos do Elfo Negro foram presas a correntes enevoadas vermelhas no instante que ergueu o arco para atirar contra o Vampiro.
Os dois lados ficaram incapacitados.
No momento que viu que se encontrava num 1×2, Lavour já tinha uma forma de interromper o mais forte e acabar com a garota que tinha esgotado com praticamente toda a sua mana durante a Possessão.
O estado Enfraquecido era um dos debuffs mais incômodos, afinal tornava a maioria das habilidades e magias inativas até que o efeito passasse. Assim que viu seu amigo ser preso em raízes, ativou uma das cinco magias possíveis: Correntes do Infortúnio.
Enquanto não fosse atacada, poderia durar 5 segundos de contenção, gastando mana para no máximo 10 segundos.
— Curse… preparada? — Era difícil para o Vampiro se virar.
A garota olhou para a aba de efeitos e disse: — No seu aviso.
Por mais que o “Enfraquecido” demorasse algum tempo para cessar, havia estágios por tempo. Para cada estágio que terminava, as habilidades e magias voltariam a ficar ativas. No momento, Curse estava no estágio 4, que precisava de 15 segundos para descer para o 3. E 11 segundos já tinham passado.
Foi impossível não suspirar pesado. O Vampiro estava numa situação perigosa, diferente da Banshee que ainda tinha muita vida e 40% da mana total.
Leonardo fechou os olhos e focou sua atenção na audição. Estava concentrado em apenas uma coisa…
Shim! Susshhh!
Um pequeno círculo mágico brilhou em cor roxa atrás deles, vazando para fora uma névoa negra, e uma adaga voou dela.
— Agora! — ordenou Flaw.
A Banshee por um breve segundo ficou translúcida e a adaga passou pelo corpo dela. Estava estampado o choque no rosto da garota.
No mesmo momento, um grito soou daquela névoa do círculo mágico. — Como?! Eu ocultei tudo! — Verbon tomou a forma humanoide mais uma vez e avançou para cima de Curse com a única adaga.
A plateia gritou com essa virada repentina, e Curse, como Flaw tinha avisado, fugiu do combate corporal.
— Eu nem tinha visto que o Espectro tinha marcado o local com um Retorno! Que ouvido é esse desse Vampiro?!
Ninguém prestara atenção naquele pequeno ponto estratégico. Exceto uma pessoa. A única pessoa que mais precisava ter ciência desse trunfo escondido.
Leonardo tivera mais que o tempo necessário para analisar tudo na arena. Até ele ficou surpreso que, só depois de simular muitas vezes, percebeu aquele pontinho roxo escondido.
Em verdade, Verbon tinha escolhido um local tão estratégico de Retorno que poderia aparecer em todos auxílios que Flaw estaria. Essa magia era a carta na manga do Espectro que poderia rivalizar com o único membro livre do time dos Fodalhões, mesmo que em desvantagem.
Eles queriam se livrar de Curse agora por um único motivo. Diferente de Flaw, que estava fragilizado e preso, apenas a garota tinha o poder de stunnar qualquer um quando se recuperasse; no caso, a única capaz de interromper o uso da Degradação do Caído à distância.
Leonardo sabia que seria derrota na certa se a sua amiga caísse, então explicou com pressa os próximos passos do plano.
“A Curse precisa viver até o Enfraquecimento terminar para ajudar o Claw.” Os olhos do Vampiro vasculharam a situação toda e os de Leonardo mudaram de cor. “Simulação.”
Flechas estavam prontas para serem soltas. Uma vez que a Banshee teve que usar outra skill para esquivar do ataque surpresa, desativando sua anterior, o arqueiro inimigo estava preparado para atacar. Assim, ele precisava de um tempo para pensar.
Era óbvio que não duraria mais. Todas as simulações o levavam para a morte. Mesmo sendo apenas um jogo, o sentimento de ser derrotado estrategicamente amargurava o coração do adolescente.
— Mas ainda tenho duas ações. — Sua voz soou firme.
O olhar caiu sobre o frasco que havia tomado na hora que foi ajudar a Curse. Era o seu trunfo final.
— E é vitória nossa, Penumbra. — As pupilas coloridas começaram a trocar de cor. — Desativar.
O martelo bateu contra o braço musculoso e peludo de Claw, que logo foi empurrado para o lado. A dor o fez ranger os dentes e gritar: — Cai dentro!
O armadurado não ousava receber um arranhão que fosse desse Lobisomem superbuffado. Todos ataques que fazia era garantindo sua segurança. Quanto mais pontos vida um Lobisomem tomasse de alguém, mais força ganhava em seus atributos. Era por isso que sempre usavam um tank poderoso para conter esse tipo de Raça.
Por mais que o avatar não suasse, João Paulo, jogador no corpo do Paladino Sombrio, suou frio com o que captou com o canto do olho. Aquele ataque secreto foi percebido pelo time oponente, e, pior, a Banshee fugiu!
Porém, por sorte, os Fodalhões não tinham recuperação. A garota estava lenta demais para escapar de um ladino e o Vampiro já com o pé na cova. Quando se livrasse de qualquer um dos dois, teria o apoio para ativar a Degradação do Caído sem medo.
E quem era mais provável…
— Lavour! Me ajude a parar o Lobisomem! — ordenou e logo desviou das garras do oponente.
Ao ouvir o pedido, o arqueiro atirou suas flechas contra o Vampiro e logo se concentrou em Claw.
O público ficou sem fôlego. Mesmo no último suspiro de esperança, o time Penumbra ainda sobressaiu.
Curse já estava tendo que castar magias básicas para se afastar do Espectro, o Lobisomem foi acertado por uma flecha amarela, fazendo seu corpo ficar cada vez mais lento, e o corpo do Vampiro tinha sido solto pelas raízes e caiu no chão.
— É, o cara foi bom pra caralho no início e na hora de ouvir o ataque, mas agora caiu…
— Pera… Você disse que ele caiu…?
— Sim? — Quando essa pergunta saiu da boca da pessoa, escancarou os olhos.
Os murmúrios pararam por um segundo e as pessoas se encararam. Todos estavam se estranhando.
Em Ambição Real, uma vez que o HP chegasse ao zero, o avatar se transformaria em partículas. Em um PVP, apenas desapareceria da arena e teria que esperar o combate terminar para seu corpo voltar ao mundo do jogo.
Mas estava ali ainda. O Vampiro estava ali! E seu oponente não tinha percebido essa bizarrice ainda. Na verdade, ninguém dentro da arena prestou atenção nisso.
Todos olharam o status do PVP, onde listava os dados atuais dos jogadores. Exceto pelos mortos, Lavour estava com 92% da vida total, Curse em 87%, J.Paulada, 84%, Claw em 72%, Verbon, 67%, Flaw… 3%.
Curse estava com clara dificuldade em desviar dos ataques, mas fez o seu melhor.
— Pare de fugir. A partida já terminou. — O Espectro atacou outra vez, passando sua adaga pela intangível Banshee.
O HP dela abaixou. Por mais que a maioria dos ataques físicos não a machucassem, a arma dele ainda possuía ataque mágico.
Seu corpo flutuou para trás. Sua expressão mostrava que sentiu a dor do golpe. E, como se aceitasse a derrota, ela parou na ponta da arena e deu uma olhada para baixo.
— Desistiu, finalmente.
— Sim… — Assim que levantou o olhar, parecia encará-lo, mas na verdade olhava para o que se encontrava atrás dele. — Finalmente tu ficou longe do teu namorado.
Verbon virou a cabeça devagar e viu uma poça de sangue atrás de J.Paulada se mexer e começar a se erguer. Em sua visão, isso acontecia em câmera lenta. A poça começou a tomar a forma de um avatar que viu antes.
Duas adagas em mãos e um manto negro rasgado.
— Paulo! — berrou Verbon.
J.Paulada já estava com um sorriso no rosto e a mão estendida, ativando a Degradação do Caído. Porém, assim que ouviu o grito, uma dor lancinante o atingiu nas costas.
— Aaaaaghh!
Seu corpo se arqueou para trás conforme uma ardência subia para a sua cabeça e cinco ícones diferentes de debuff surgiam. Ele olhou para trás com medo e viu quem menos esperava…
O cabelo branco de pontas vermelhas não o enganava. Era o Vampiro Flaw.
No entanto o corpo dele começou a se tornar cinzas e desapareceu em partículas. Enfim, o HP tinha zerado.
Na mente dele, entendeu. Usaram a mesma estratégia que eles haviam planejado! Verbon não tinha conseguido o ataque surpresa, mas o adversário, sim!
Porém, sem tempo para refletir como tinham alcançado isso, a grande sombra de uma fera o lembrou contra quem estava lutando.
Além de ter recebido o ataque crítico pelas costas realizado por um ladino e outros cinco debuffs, sua habilidade mais forte fora interrompida, gerando um rebote severo no player.
Não havia como fugir.
A grande mão peluda agarrou o rosto de J.Paulada e o puxou para perto, espremendo-a.
— Ah, como eu tava esperando por isso, seu safado. — Olhou dentro dos olhos do Paladino Sombrio. — Essa vai ser pelo meu maninho.
Todos fora da arena ainda presenciavam aquela cena incrédulos. Nesse instante, o combate chegara ao fim. O time vencedor foi definido.
No chão estava o Lobisomem deitado com a sua tanga bárbara. Ele respirava fundo e ria de vez em quando.
Os avatares dos competidores começaram a surgir um por um.
Os Fodalhões tinham vencido. Depois de moer o J.Paulada no soco, Claw auxiliou a Curse em um 2×2 desbalanceado por mais 1 minuto e meio. Mesmo assim, Lavour ainda conseguiu machucar o suficiente a Banshee para derrubá-la antes dele cair.
A plateia, no entanto, só conseguiu colocar para fora o que pensava quando a figura de Flaw surgiu.
Um pedregulho caiu na poça silenciosa: a massiva onda de comentários surgiu em voz alta, como um gigante falando.
— Ele… sabia que ia ficar vivo? — O primeiro, ainda incrédulo, falou.
Um rapaz escandaloso não aguentou e disse: — O cara contou a quantidade de dano que as flechas iam fazer? QUE PORRA FOI AQUELA?! — Colocou as mãos na cabeça.
— Sorte, eu acho. Ou esse tal de Flaw é um gênio dos cálculos… — Um Espectro de óculos falou e ajeitou a armação no rosto. — Para fazer um cálculo preciso do dano baseado nos equipamentos é um trabalho difícil; claro, é possível, mas o problema vem depois disso…
Uma garota, que estava reassistindo o registro, apontou enquanto dizia: — Aqui, ó. O Elfo atirou 4 flechas, mas apenas duas o atingiram… — Posicionou a câmera da gravação e pausou no momento certo para mostrar o feito absurdo. — Duas iam no peito e as outras iam acertar a coxa e a perna. Ele conseguiu interromper uma que ia no peito com a adaga e a outra ele evitou apenas movendo um pouco a perna…. Como caralhos ele sabia onde iam atingir?
— Isso sem contar quando ele bebeu o frasco com a magia “Irmão de Sangue” no local mais certeiro… Equipamentos, mana em falta, posicionamento… Ele é um A-Player? Porque só assim para ele ter esse tipo de reação!
O fôlego de todos foi segurado. Um A-Player, ou melhor, um Auct-Player, era a definição que davam para um jogador que usava seus poderes dentro do Ambição Real. Normalmente só vistos no top ranked do VR — tão raros que apenas só eram citados em grandes competições.
Ignorando toda a reação do povo em volta, os dez competidores se encaravam. Dois riam de tudo aquilo, alguns se encaravam sérios e outros estavam tristes.
J.Paulada ainda ruminava a derrota. Era mais que impossível que o time com menos membros, equipamento pior e menores níveis ganhasse deles. Como líder de um time quase-profissional, foi uma queda que não se recuperaria tão cedo.
Quando viram o inventário vazio, foi ainda pior. Queriam estrangular aqueles quatro na vida real.
— Certo, — iniciou Flaw — acredito que não temos mais o que resolver agora. — Se virou para os amigos e perguntou: — Vamos para o próximo PVP?
Só com esse comentário e despretensão, o armadurado foi forçado a ranger os dentes. — É isso? — Para manter a aparência de controlado e superior, forçou sua indignação para uma risada dolorida.
— Eu não costumo pisar no calo dos outros — respondeu. — Eu só quero me divertir no PVP, não ficar humilhando.
— Boa, maninho. — Esfregou o cabelo do Vampiro e olhou com escárnio os perdedores. — Essa é a diferença entre nós. Nós somos foda e vocês não, sacou?
Os rostos do Escamão e Verbon na vida real se contorceram. Eles não humilhavam? E toda tiração que tiveram quando os desafiaram?! E que tipo de comentário era esse de ser foda?
Depois de engolir em seco, J.Paulada assentiu sério e disse: — Quando cansar de brincar com os seus amigos… — Suspirou pesado. — Recomendo que pense em formar um time de verdade, assim não vai desperdiçar seu tempo com gente sem futuro. Vai ser melhor para você e seu talento.
Sem esperar qualquer resposta, o Paladino Sombrio se virou e levou seu time junto. Ele não queria mais ver a cara desse timezinho outra vez no resto de sua vida.
— Ele pode ter uma personalidade de merda, mas até que consegue ver as coisas da forma certa. — Kleth comentou.
Flaw preferiu se abster de comentar e mudou o foco. — Ainda tenho uma hora para aproveitar aqui. Então, quem mais venceu nosso time?
— Bah, é mais fácil tu perguntar quem nós ganhamos… — A Banshee balançou a cabeça.
Foi então que Claw segurou o ombro do Vampiro. — Tá na hora dos Fodalhões tomar esse campo. — E levantou seu amigo trevoso, gargalhando.
Depois de mais de cinco combates de plateia cheia e ter que consertar alguns equipamentos, jogar alguns itens inúteis no leilão e zoar com outros times, enfim chegara a hora de Leonardo.
— Foi muito bom jogar com vocês — comentou com um sorriso. — Agora vou almoçar. Tenta arranjar algum tempo para jogar, Claw. — Deu um soquinho no peito do amigo e olhou para Curse e Kleth. — E vocês dois, Junho tá chegando, que tal se verem logo?
A Banshee olhou com seriedade para o Esqueleto, que desviou o rosto, com vergonha.
— Bem, vou indo. Fiquem bem e tentem não perder muito.
— Falou, manim. Vê se não esquece de mandar mensagem para nós, hein. Sei que essa vida de herói mirim é cheia, mas tem que ter algum tempo para ficar com os broders.
Leonardo riu com isso e acenou em despedida. Uma luz tomou o corpo do Vampiro e o transformou em partículas.
— Ele continua o mesmo, né? — Curse perguntou.
Kleth assentiu. — Com Auct ou sem, ainda é o mesmo Flaw de antes.
Apenas Claw apertava os lábios e segurou a vontade de chorar.
— Ele não mudou, só melhorou.
Em suas memórias, a visão de um garoto teimoso, sombrio e solitário surgiu. Reclamava toda vez que ouvia a risada do Lobisomem. E como odiava gente sorridente e alegre. O garoto que se abriu para ele sobre a perda da sua vida, como algo necessário para ser um adulto.
Agora… Era como uma verdadeira renovação. Claw era o único ali que sabia do passado de Leonardo e, também, da sua mudança. Questionava-se do quanto exigiu da mente e coragem do jovem para destruir algo tão aprofundado quanto esse medo e tristeza.
— Meu maninho melhorou muito.
Agradecimentos:
Meu imenso agradecimento aos Despertados:
Pedro Kauati e José Victor
E tão incríveis quanto, os meus Perpétuos FODELHÕES:
? Paulinha e Alonso Allen?
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