Vida em um Mundo Mágico - Capítulo 10

Se passaram alguns dias e finalmente irei ter minha identificação.

Fui notificado que estará pronta amanhã, tudo que terei que fazer é ir até a guilda retirá-la. A guilda mais próxima de casa obviamente, a cidade é tão gigantesca que devem ter muitas guildas espalhadas por aí. Ouvi dizer que demora 4 dias para chegar do outro lado da cidade usando um veículo.

Eu já fiz um passeio por essas bandas e me surpreendi bastante. Aqui dentro existe um tipo diferente de carroça, invés de cavalos eles usam um dispositivo em formato de cilindro, ele flutua na frente puxando a carroça. É bem mais rápido do que um cavalo.

Muitas coisas são parecidas com o meu mundo, claro com algumas exceções como os robôs guardas, parecem tanques de guerra em miniatura feitos para prender criminosos. São muito assustadores de perto, mas se você não tiver uma ficha criminal eles não farão nada.

*Se me lembro bem ontem mesmo comprei algumas roupas pra mim, a maioria é moletom. Agora mesmo estou usando um moletom laranja-escuro e calças de moletom da cor preta, são muito boas para ficar em casa, tenho que passar naquela loja outra vez algum dia, minhas roupas sujam muito rápido.*

O dia estava lindo lá fora, o silêncio era muito confortável. Mas aquilo foi interrompido quando comecei a ouvir passos agressivos se aproximando.

*Às vezes ter esses sentidos aprimorados é um saco, consigo escutar tudo que falam ou fazem nesse apartamento inteiro, o que será agora?*

A porta do meu quarto se abre e um garoto alto de pele escura entrou com muita pressa. Ele estava desesperadamente querendo se esconder, claro que eu já conhecia a figura.

— Para onde você foi seu pirralho! — uma mulher gritava irritada do andar inferior

— Desculpa a intromissão, mas posso me esconder aqui?

— Claro que pode, corre pro banheiro. — eu disse depois de suspirar

O garoto rapidamente se escondeu. Então liguei a televisão e me sentei no chão esperando a senhora irritada chegar até o meu quarto. Como eu moro no último quarto do último andar ela com certeza vai vir aqui.

— Com licença! O senhor viu um garoto alto de cabelos vermelhos passar por aqui? — ela olhava em volta enquanto ficava parada na porta

Eu me levantei do chão e fiz uma expressão de confusão.

— Eu escutei alguns barulhos bem altos lá de fora, mas não vi ninguém passar por aqui.

— Entendo, deve ter pulado a janela. Esses delinquentes, sempre me dando trabalho.

— Delinquentes? Eu deveria me preocupar?

— Ah, não se preocupe, são apenas crianças. Agora vou me retirar, perdoe a minha indelicadeza — ela disse saindo dos meus aposentos.

*Vai pela sombra*, então eu olhei para onde o garoto estava, lentamente ele saiu de seu esconderijo e secou o suor em sua testa.

— Minha nossa, quase que ela me pegou dessa vez. Muito obrigado senhor Victor.

— Burst, se ela descobrir que estou acobertando você vou estar encrencado.

— Tá tudo bem, ela nunca vai descobrir!

— Ah tá bom, logo eu vou estar fugindo dela junto com você.

Aquela senhora irritada era a dona do estabelecimento, não a proprietária, ela é a pessoa encarregada de cuidar do lugar, mas para todos ela é a dona pelo jeito que lida com os problemas. Ela é mesmo dedicada ao seu trabalho e Burst anda causando problemas por aqui.

— Bem, muito obrigado por me ajudar nessa, agora vou pegar o meu rumo — eu me levantei e o segurei pelo braço —, s-sim?

— Você estava roubando comida, não é?

— C-como soube?

— Consigo escutar o seu estômago. Eu não tinha dito que quando estivesse com fome era só me procurar?

Eu comecei a cuidar desse garoto faz alguns dias. Eu o encontrei pedindo dinheiro pelos becos, fiquei com pena e decidi ajudá-lo, então paguei um jantar pra ele, conforme os dias passaram ficamos bem próximos.

Até as roupas extravagantes que ele está usando foi um presente meu.

— Mas você já fez coisas demais pra mim, não quero ficar te incomodando.

— Bem, como você sabe eu sou um metamorfo e não preciso me alimentar com tanta frequência. Merlin nem se alimentar precisa, não tem problema você comer um pouco.

*Com minha habilidade eu posso absorver os nutrientes dos alimentos e produzi-los dentro do meu corpo, então posso ficar dias ou até semanas sem comer nada. Mas acho melhor não contar essa parte pra ele.*

— M-mas…

— Sem “mas”. Sente-se aí que eu vou pegar alguma coisa pra você.

Ele apenas concordou com a cabeça e se sentou na pequena mesa que fica no centro da sala. Com isso eu fui para a cozinha.

Burst têm 16 anos de idade. Com isso ele já é um adulto neste mundo ou, melhor dizendo, acabou de sair da adolescência já que se torna um adulto a partir dos 15 anos.

Não sei dos detalhes mas parece que ele está brigado com sua família e está morando nas ruas. Todos da cidade o ignoram, provavelmente é um caso onde estão tentando ferir o orgulho dele. Provavelmente fugiu de casa e disse que não voltaria, então sua família está tentando colocar pressão para cima dele até ele decidir voltar. Eu só sei que eles são uma família de classe alta, mas não sei quem são.

Eu não sei a história, não sei quem está certo nem quem está errado, mas não vou deixar o garoto morrer de fome só para inflar o orgulho da família dele seja lá quem eles sejam. Burst é um bom garoto, com certeza tudo isso se resolveria com um pedido de desculpas, mas enquanto nenhum dos dois tomar uma atitude eu vou cuidar dele até ele decidir o que fazer.

Já falei com as autoridades sobre ele, mas não fizeram nada. Não é como se ele estivesse desaparecido, a família dele sabe muito bem onde ele está e o que ele está passando e ainda assim não estão fazendo nada. Então o que estou fazendo não é nenhum crime, também não quero me meter muito nos assuntos da família dele, mas conhecendo o Burst tenho certeza que ele morreria mas não voltaria para a casa.

— Aaaaghhh!!! — Burst gritou da sala

Eu rapidamente fui ver o que estava acontecendo. Mas não era nada fora do comum.

— [He he, te assustei de jeito dessa vez, Burst!]

Burst estava caído no chão paralisado enquanto Merlin usava todos os seus emojis de risada. 

— Merlin não me assuste assim, quase tive um infarto!

— [Que coração frágil você tem Burst!]

Claro que os dois se deram bem, toda vez esses dois estão em uma pequena guerra. Pena que não sou do tipo de ficar brincando demais, do contrário eu estaria ali zoando também.

— Beleza seus dois barraqueiros, a comida está na mesa — eu disse colocando uma bandeja na mesa.

Rapidamente os olhos de Burst brilharam, já Merlin estava com inveja. Eu já absorvi nutrientes o suficiente então não irei precisar de comida por um tempo. Inclusive essa que preparei agora já estava absorvida só a coloquei novamente no mundo, por sorte tudo que eu absorvo fica em seu perfeito estado do momento que absorvi.

Eu não sei para onde vai exatamente o que eu absorvo, mas parece que é um espaço onde não existe tempo, apenas um espaço de tamanho indeterminado, um espaço que guarda tudo que quero e tira o melhor proveito daquilo e então transporta os benefícios para mim. Eu posso trazer algumas coisas de volta usando um truque para manipular minha habilidade, afinal de contas devolver o que eu absorvi não é algo que ela deveria fazer.

— Que delícia! Muito obrigado!

Eu apenas sorrio com o agradecimento de Burst. Tudo isso me dá um clima familiar que eu sempre quis experimentar.

— Bem, mudando de assunto. Eu reparei que você está diferente desde a primeira vez que eu o vi — disse Burst.

*Eh? Do que ele está falando? Eu não percebi nada, estou exatamente igual.*

— [Burst está certo. Você está mais alto e seu cabelo cresceu pra caramba, já tá quase batendo no meio das suas costas.]

Eu então me levantei da mesa e vi que tudo era verdade. Minhas mãos estão um pouco maiores e meu cabelo cresceu muito. Eu diria que estou 10 centímetros mais alto, então 1,74, agora pareço mesmo ter 15 anos de idade.

*Olhando agora eu devo ter mais de 20 dias de idade.*

— Bom, fico feliz de ter crescido um pouco, mas preciso cortar o cabelo, isso é desconfortável.

— [Mas veja bem, não cresceu tanto assim, antes ele batia no seu ombro apenas aumentou um pouquinho.]

— Isso é um bom motivo pra eu cortar o cabelo — eu disse indo em direção ao espelho do banheiro.

Com algumas olhadas no espelho eu não parava de pensar em como era o meu reprodutor. 

*Olhando desta forma era como se eu tivesse roubado este corpo para mim, então eu não sei como reagiria caso encontrasse meu reprodutor, sendo um monstro ou não, ainda assim é minha família. Isso é se ele estiver vivo, talvez seja ela, sei lá.*

— Muito bem, muito obrigado pela comida, senhor Victor. Mas estou me retirando.

— [Até mais.]

— Espere, tente não chamar atenção — foi tarde demais —, e ele acabou de pular pela janela, não foi?

— [Devo admitir, ele é bem energético.]

Eu suspirei mas não estava com raiva, na verdade eu estava feliz em ver que Burst continuava sendo energético mesmo passando por tantos problemas.

*Talvez eu deva tentar ser mais parecido com ele*, eu pensei enquanto desligava a TV.

— Ei Merlin, você sabe se a guilda paga monstros pelos trabalhos depois de ter minha identificação eu estou pensando em fazer algo assim.

— [Ela paga sim, mas eu pensei que você não gostava tanto de aventuras e que não queria mais lutar.]

— Eu não disse que não gostava de aventuras, além disso posso pegar alguma missão que não envolva lutas. Eu pensei bastante e percebi que seria um trabalho que me desse mais liberdade.

— [Você está certo, trabalhar em uma guilda é um trabalho que dá muita liberdade. Mas você terá um prazo para completar as missões, mas tudo bem, deve ser divertido.]

 Então está decidido, vou tentar isso. Mas as missões mais pacíficas devem pagar menos, então terei que fazer várias por dia para ganhar uma boa quantidade de dinheiro. Mas não tem problema, com o dinheiro que tenho agora é mais do que suficiente para alguns meses, tempo o bastante para me acostumar com o trabalho e juntar uma boa quantidade.

— Avaliação, me avalie — eu ordenei.

» Nome: não nomeado

Espécie: Metamorfo

Idade: 20 dias +

Gênero: masculino

Classe de ameaça: (A) «

Enquanto estava deitado na minha cama eu tive a brilhante idéia de me avaliar novamente e tive uma surpresa. Minha classe de ameaça não mudou, mesmo depois de ganhar habilidades novas, mas agora eu tenho uma informação nova na minha ficha, finalmente sou considerado do gênero masculino.

Foi algo que aconteceu do nada, mas agora é algo definitivo e oficial. Este corpo finalmente é masculino, mesmo não aparentando tanto por fora ainda. Os 20 dias passaram rápido, então era mesmo verdade aquilo que a Merlin me disse.

—

Logo no dia seguinte eu fui em direção a guilda para retirar minha identificação. Não era tão longe, mas eu andava devagar para apreciar a cidade.

A cidade era gigante mas não saia tanto da simplicidade, na verdade a aparência rústica misturada com tecnologia era um visual interessante.

Havia alguns bancos flutuantes espalhados em diversos lugares da cidade. Eles funcionavam com um dispositivo gravitacional, com isso tinham três discos verdes embaixo dos bancos que permitiam que eles ficassem no ar. Deixar eles flutuando é bem desnecessário, mas tenho que admitir que é muito legal.

As pessoas usavam estilos de roupas muito diferentes umas das outras, não só isso mas também outras raças andavam juntas por aqui. Como cada uma tem uma cultura diferente seus estilos são diferentes, aqui em Bahad tem a capacidade de agradar a todos, o que eu achei bem legal.

Mas voltando ao assunto principal. Quando cheguei na guilda fui em direção ao balcão onde fui atendido.

— Aqui está, senhor Jarabahad. — o balconista disse enquanto me entregava a minha identificação

Eu fiquei surpreso, o atendimento é mesmo rápido. Nada mal.

O meu cartão contém informações básicas como meu nome, raça e gênero. Eu não consegui dizer minha data de nascimento neste mundo, então dei minha antiga, com isso eu sou oficialmente maior de idade.

Agora, “Jarabahad” foi o nome que Merlin me deu. Ela queria muito que este fosse o meu sobrenome neste mundo, não sei o que significa mas agora esse sou eu, Victor Jarabahad.

— [Jarabahad, agora o que faremos?]

— Primeiramente vou procurar alguma missão naquele mural ali e, por favor, me chame de Victor.

Eu fui em direção ao mural para procurar alguma coisa. Quando cheguei aqui eu não conseguia ler nada, Merlin tentou me ensinar mas não foi tão eficiente, agora eu só consigo ler algumas palavras. Então eu leio as palavras que eu entendo e tento formar o resto do texto baseado nelas.

*”Roubar” isso pode ser usado para “colher” ou “coletar” também, com “plantas para culinária”, seria “legumes”? Então este aqui está pedindo ajuda para coletar legumes. Isso! Ele está pagando 1 moeda de ouro por este trabalho, vai ser esse!*

Eu peguei o folheto e levei para a bancada e pronto a missão era minha. Agora precisarei comparecer na fazenda do cliente hoje mesmo para ajudar na colheita. A missão foi colocada aqui alguns dias atrás e está pagando uma moeda de ouro para cada um que ajudar.

— [Fico feliz que você está se virando com a leitura, mas eu poderia ler para você, sabia?]

— Eu sei, mas eu quero aprender também, não posso depender só de você para essas ocasiões.

— [Faz sentido. Então agora seremos fazendeiros, muito bem!]

Não é como se fosse tão complicado, com minha habilidade eu poderia absorver todos os legumes, um de cada vez, mas como Merlin vai comigo ela provavelmente vai tirar todos da terra de uma vez só. Esses poderes paranormais que espíritos têm são muito legais, estou até com um pouco de inveja.

— Ei, você ouviu sobre a “torre inexistente”?

— Sim, parece que ela está aterrorizando o reino dos elfos agora. Não vai demorar muito para ela chegar aqui.

Dois aventureiros estavam conversando entre si sentados em uma das mesas. A conversa chamou minha atenção então fiquei escutando um pouco.

— Ela não parecia representar nenhuma ameaça até que ela começou a sequestrar crianças.

— Sim, estou preocupado com isso, o reino não deu nenhuma palavra sobre isso ainda. Além do mais, a torre desaparece do nada e aparece em outro lugar, como se realmente parasse de existir por um momento.

— Mas acho que está tudo bem, temos muitos cavaleiros poderosos do nosso lado. Com certeza o reino já planejou alguma coisa para nos defender.

Eu então sai da guilda quando lembrei da minha missão. Mas agora parece que tem uma torre sequestrando crianças, o que é assustador demais para qualquer um que cuida de uma criança.

Mas com certeza o reino vai fazer alguma coisa sobre isso, digo, eles não podem permitir alguém sequestrar as crianças que serão o futuro do reino, não é?