Vida em um Mundo Mágico - Capítulo 12
Uma tarde fria, desta vez eu tenho um bom motivo para usar minha blusa de frio que recebi em Cirgo. Aos poucos ela está se tornando minha roupa favorita, mesmo não sendo necessária, afinal tenho resistência ao frio.
Burst parece ter problemas com temperaturas muito baixas. Ele está tremendo enquanto tenta acompanhar meus passos. Ele é um usuário natural de fogo, então ambientes úmidos não fazem bem para ele.
— Frio, por que você tem que sair em dias assim? Não podia esperar por um dia mais quente?
— Eu quero fazer as coisas o mais cedo possível. Quanto mais rápido você for atrás das coisas, mais cedo você vai tê-las.
*Adoro minhas frases filosóficas que vêm na minha cabeça do nada.*
— Mas estamos indo atrás do que exatamente?
— Da evolução. Vamos para a biblioteca principal procurar informações sobre evolução.
— Você está querendo subir sua classe como monstro? Parece ser uma boa idéia, desse jeito você vai chegar na mesma classe da minha irmã e assim você vai poder chutar a bunda dela quando ela querer me capturar de novo!
— Isso não vai acontecer e eu com certeza não vou puxar briga com ela pra começo de conversa. Essa pesquisa é mais para a Merlin, como você sabe, ela é um espírito e espíritos têm mais evoluções do que humanos.
Os espíritos são divididos em algumas classes, sendo espírito inferior (classe D), espírito pequeno (classe C), espírito médio (classe B), espírito grande (classe A) e espírito superior (classe S).
Sendo assim Merlin é um espírito médio. Se ela ganhar uma evolução agora se tornará um espírito grande, o que a daria um boost de poder enorme.
Com isso, os espíritos têm mais classes do que humanos, já que existem vários tipos de espíritos. Já os humanos são classificados de maneira diferente, sendo novato (classe B), veterano (classe A) e mestre (classe S).
Burst é muito jovem e já é veterano, um feito impressionante. Já a irmã dele está acima de veterano mas abaixo de mestre.
Sobre a evolução da minha espécie é menor ainda. Sendo metamorfo (classe A) e suprema metamorfose (classe S). Nós já nascemos na classe A.
— Essa não, olha o tamanho das escadas! — disse Burst pasmo olhando para a escadaria da biblioteca
— Que exagero. Era só fazer uma porta e colocar um elevador — eu disse brincando.
— É verdade! O que os arquitetos dessa cidade estavam pensando?!
— Mas não seria bonito e fantasioso se fosse assim. — disse uma voz feminina irritantemente familiar
— Quem é você?! — gritou Burst apontando para a mulher com um grande chapéu
— Oi — ela sorriu e acenou para Burst com a mão perto de seu rosto.
Essa é a primeira vez que a vejo em um lugar público, nos nossos encontros passados ela falava exclusivamente comigo quando não havia ninguém por perto.
Claro que eu fiquei surpreso, todos aqui agem de uma forma muito natural. A forma que ela se mistura na multidão e conversa com quem quer é impressionante, como se não se importasse com nada além do que quer.
Naquele momento em que ela estava distraída eu tive uma ideia. Se ela não vai dizer o seu nome eu vou descobrir usando minha habilidade de análise. Mas o plano deu errado.
» Impossível analisar. Bloqueio detectado.«
Ela consegue bloquear minha habilidade. Naquele momento ela me olhou com o canto do olho e deu um pequeno sorriso quase que imperceptível.
— O seu nome agora é Jarabahad, certo? É um nome interessante, se fala “Jarabarrad”?
— Isso mesmo. O que está fazendo aqui senhora?
— Vim ver o que você estava fazendo filhote. Estou com bastante tempo livre então vou ficar com vocês um pouco, talvez eu possa ajudar em alguma coisa.
— “Filhote”? Victor desculpe a pergunta, mas ela é a sua mãe?
— Não. Esse é só um apelido que ela me deu.
— O que é isso, eu sou muito jovem pra ser mãe. — ela disse fingindo estar envergonhada
———
Enquanto Victor e Burst estavam indo para a biblioteca principal da cidade, Merlin estava sozinha em casa se sentindo solitária.
Ela flutuava para todos os cantos enquanto pensava que talvez fosse melhor ter ido com eles.
“Acho que vou tentar fazer chá para quando aqueles dois voltarem, será que consigo?”, Ela pensava, Merlin não tinha muita experiência nesse tipo de coisa, mas sua habilidade 『Iluminado』 fornece informações também, então ela pode cozinhar o que quiser caso esteja no banco de dados de sua habilidade, mas claro nem tudo depende da habilidade, o portador também não pode ser um idiota, por isso que Merlin estava com medo de tentar sem o Victor por perto, normalmente ela fornece a informação e Victor cozinha.
Mesmo ele dizendo que não era bom na cozinha, o metamorfo conseguia fazer pratos deliciosos. Merlin estava curiosa para saber como ele conseguiu essa experiência.
Mas chá não é algo difícil de se preparar, claro se Merlin usasse o fogão para ferver a água invés de sua pirocinese poderia sair algo bom.
Naquele momento alguém bateu na porta, Merlin pensou que Victor e Burst tinham voltado mas logo estranhou, eles não bateriam na porta só entrariam.
— Boa tarde, aqui é Jane Redline. Eu gostaria de conversar com Burst.
Merlin percebeu imediatamente quem era e ficou com um receio de abrir a porta, mas seria falta de educação deixar a garota na porta naquele frio que estava fazendo.
— Tem alguém em casa? — perguntou Jane dando mais dois toques na porta
Merlin viu uma oportunidade de dizer “não tem ninguém aqui”, mas ela não tinha voz. Então…
— [Não tem ninguém aqui!]
— Você…
Merlin abriu a porta e usou seu balão de fala. Jane ficou surpresa sem saber o que fazer, Merlin percebeu a burrada que fez e também ficou sem reação alguma.
———
Burst foi para a parte sobre seres sobrenaturais procurar mais sobre espíritos. Eu fiquei na parte que falava sobre atalhos para a evolução, ao que tudo indica há mais de um jeito de evoluir.
Eu obviamente estou optando pela forma mais simples e rápida de evoluir, uma que eu não precise gastar dinheiro. Naquele momento a imagem de uma loja chamada “Barraca da evolução” passou pela minha cabeça, além de um cartaz de promoção de 2 moedas de ouro para uma evolução rápida.
— Filhote, onde está o espírito que estava com você?
— Merlin disse que queria ficar em casa desta vez.
A mulher colocou o livro que estava lendo de volta e pegou outro logo em seguida. Como ela é alta fica fácil pegar livros que eu não consigo, odeio admitir mas ela está ajudando bastante.
— Acho que é melhor você não deixá-la sozinha. Do jeito que ela é vai ficar solitária, igual você, só que de uma forma bem pior.
— O que está querendo dizer?
— Vamos, você sabe do que estou falando. O solitário Victor, você e Merlin fazem uma boa combinação, dois espíritos solitários buscando abrigo um no outro, mas os dois estão tentando enganar a si mesmos.
Ouvir aquilo apertou o meu coração. Mesmo não sabendo do que ela estava falando exatamente eu sabia que havia uma verdade. Eu era mesmo muito solitário.
— O mundo me deu uma chance de melhorar, não é por isso que estou aqui agora?
— Talvez sim, mas eu diria que a resposta está mais voltada para o não. Por acaso existe alguém que possa falar a verdade absoluta sobre você? Conhece alguém assim?
*E lá vem ela com os enigmas de novo…*
— Ahm… Não?
— “Não”. Boa resposta, uma resposta muito óbvia. Algumas pessoas me responderam algo como “eu mesmo”. Mas você respondeu “não”, então isso quer dizer que você não se conhece? Isso se dá ao fato de que está em outro corpo em um mundo diferente ou, talvez, você nunca soube, mesmo quando estava no seu mundo original.
Eu fechei um livro que estava lendo e peguei um outro. Eu escolhi não dizer nada naquele momento.
— Você acha que está vivendo uma “segunda vida”, mas isso não é verdade. Você está na mesma vida que estava antes, você continua sendo Victor o humano normal, mas está usando o corpo de Jarabahad o monstro de um mundo de fantasia. Não mudou nada, você só está em uma viagem, uma viagem muito longa.
— Então é isso? Olha só eu não sei como isso vai me ajudar, se eu estou vivendo a mesma vida então o certo não é apenas viver?
— Viver. Apenas viver, talvez você esteja certo quanto a isso, não é como se fossemos obrigados a decifrar quem nós somos.
— Fala sério, por que você não só me deixa em paz? Eu nem te conheço — eu disse fechando outro livro —, se você acredita que não precisamos decifrar nada e apenas seguir em frente, então porque só não me diz quem é você?
Ela ficou calada e inclinou sua cabeça para a direita e para a esquerda, como se estivesse pensando seriamente em como responder minha pergunta.
— Porque estou com medo.
Eu olhei para ela surpreso com a resposta. Ela não mudou sua expressão de calmaria, ela continuava a ler o livro calmamente.
— Do que você tem medo?
— Com medo de que isso cause mudanças drásticas.
— Está com medo de me contar quem você é porque acha que isso vai me mudar?
— Não. Estou falando de mim, talvez isso me mude de alguma forma, algo assim seria bem problemático. Eu me conhecia muito bem antes, mas você está me fazendo duvidar disso, quanto mais olho para você mais em dúvida fico.
Eu fiquei calado pensando em como reagir sobre o que acabei de ouvir, mas não veio nada.
— Você é tão complicada quanto eu. Mas foi um bom papo.
— Que bom, mas chega por hoje. Aqui — ela me deu o livro que estava lendo com as páginas abertas —, acho que é isso que você estava procurando.
“O salão dos espíritos”, estava escrito no livro. Quando reparei ela já estava indo embora.
— Diga ao menino de cabelo vermelho que eu disse “tchau” — então ela desapareceu outra vez.
*Se ela acha que minha presença causa tantas dúvidas, então é só parar de vir atrás de mim.* Com este pensamento eu voltei para o livro. Ele dizia sobre o salão dos espíritos administrado pela força da natureza, lá os espíritos poderiam evoluir caso chegassem em um determinado nível de força.
— Senhor Victor achei muitas coisas, mas nada que ajude tanto. — disse Burst vindo em minha direção
— Não se preocupe Burst, já encontrei o que estava procurando — eu virei o livro para ele —, só precisamos ir aqui.
— Então se levarmos a Merlin aí ela vai evoluir?
— Sim. Aqui diz que fica na fronteira para o reino dos elfos, acha que podemos chegar lá em quantos dias?
— É muito longe, levaria meses. Mas nós chegaríamos bem mais rápido se tivéssemos alguém com uma habilidade de teletransporte.
— Burst, você se teletransporta não é? Como no outro dia.
— Sim, mas veja bem, minha habilidade só funciona em lugares que eu já estive, então ela seria bem inútil agora.
Então essa é a limitação da habilidade de teletransporte do Burst. Provavelmente a habilidade da irmã dele tem a mesma limitação, mas ela é mais velha e administra vários negócios da família, me pergunto se ela já esteve naquela área.
— Então vamos arrumar outro jeito. Vou perguntar para os aventureiros da guilda se eles conhecem alguém que possa nos levar. Você vai querer ir também?
— Sim, por favor. Tenho certeza que posso ajudar, além disso seria bem chato ficar aqui sem vocês dois.
— Então tá, vou te contar sobre qualquer novidade.
Tudo ficou silencioso por um momento. Burst olhou em volta enquanto eu tentava colocar o livro de volta no lugar que estava, mas falhando miseravelmente pois era muito alto.
— Sabrina já foi embora?
— S-sim, acho que ela arrumou alguma outra coisa para fazer. Por favor me ajude aqui!
— Desculpe!
Sabrina, esse foi o nome que ela deu a ele. Com certeza é falso ela não entregaria seu nome tão fácil assim. Mas que mulher estranha.
E assim nossa viagem pela biblioteca acabou. Depois de pegarmos o trem e sairmos da biblioteca nós voltamos para a casa.
———
Quando chegamos lá tivemos uma surpresa. Uma visitante inesperada, Jane estava sentada na mesa tomando um chá.
— Bem vindo de volta — ela disse com uma expressão séria.
— O que você está fazendo aqui?! — Burst partiu pra agressão como se ela fosse algum bandido
— Obrigado pela recepção — eu disse olhando para Merlin que estava com um emoji de confusão.
Eu decidi não pensar muito nisso. Ela só está aqui para ver o Burst afinal de contas, como ele está ficando muito em minha casa é uma ótima oportunidade para se aproximar dele. Mas do jeito que ela é deve ter outro motivo envolvido.
— [Victor ela bateu na porta pouco tempo atrás, obviamente eu a recebi com toda a graça e educação.]
Naquele momento Jane olhou para Merlin com um olhar estranho, como se estivesse dizendo “é sério?”. Merlin está mentindo, me pergunto o que aconteceu com essas duas para chegarem nessa situação.
— Não, está tudo bem. Jane já está servida?
— Oh? Não, mas não se incomode comigo.
— Tá tudo bem, temos comida de sobra. Só espero que seja boa o bastante para o seu paladar.
Burst se sentou na cadeira e ficou encarando sua irmã enquanto eu me dirigia para a cozinha.
— Burst, não fique aí me encarando. Diga alguma coisa.
— O que você veio fazer aqui? Me levar de volta para o castelo?
— Não. Jarabahad não contou pra você que eu iria conversar com o papai? Então, fiz o que eu disse e consegui convencê-lo a te deixar em paz.
*Então ela conseguiu mesmo. Talvez agora Burst possa ficar mais tranquilo, mas com certeza não foi algo tão simples como uma conversa de pai e filha, deve ter uma negociação aí.*
— Sério? Você fez mesmo isso?
— Sim. Mas em troca eu vou ficar com você 24 horas por dia. Espero que não se importe.
*Aí está. Mas isso não parece ser um problema, foi algo bem mais leve do que eu estava esperando.*
— Como assim?! Mas você não tem o seu trabalho no castelo? Você não pode simplesmente abandonar suas obrigações assim!
— Você abandonou, então eu também posso. Só que no meu caso tem alguém de confiança para fazer o meu trabalho por mim, já você é insubstituível.
Depois de materializar um monte de comida que eu tinha guardado e colocá-las sob a mesa, os dois pararam de discutir. Quando me sentei na mesa, Burst pareceu ter tido uma ideia.
— Mas espera aí! Onde você vai ficar?
— *Uhm*? Você não mora aqui com Jarabahad?
— Claro que não! Eu durmo na rua, o senhor Victor apenas não me deixa morrer e me abriga aqui em dias frios ou chuvosos.
Jane ficou pensativa e olhou para mim. Eu logo percebi o que ela queria, mas não vi nenhum problema naquilo.
— Vocês dois podem dormir aqui, mas garantam de não quebrar nada.
— Sim. Muito obrigada, prometo que não vou causar problemas. — ela disse se levantando da cadeira e se curvando
— Mas, senhor Victor! Você viu o que ela é capaz de fazer, vai deixar ela dormir sob o mesmo teto que você?
Ele diz isso mesmo tendo feito literalmente a mesma coisa que ela. Eles podem ser poderosos mas sabem o que é autocontrole e é com isso que estou contando. Se ninguém fizer nada exagerado podemos morar sob o mesmo teto sem destruir tudo.
— Burst, sua irmã teve o trabalho de convencer a majestade a te dar uma liberdade maior, não acha que agora você precisa agradecer a ela e aceitar os termos que foram impostos?
Burst ficou relutante mas entendeu. Então ele olhou para Jane e suspirou.
— Tá bom! Tá bom! Muito obrigado por ter convencido o papai!
— Hehe, de nada. Estou impressionada com você Jarabahad, consegue fazer esse cabeça dura te obedecer com um simples olhar e poucas palavras. Nem mesmo nosso pai conseguiu uma façanha deste nível.
— Tá bom, chega! Vamos comer logo! — disse Burst puxando seu prato para perto
Eu apenas sorri com o comentário. As coisas ficaram bem agitadas em casa, Merlin e Burst ficam brincando e se zuando sempre que estão juntos. Eu não sou tão energético como eles, então fico na minha assistindo TV, mas agora eu tenho companhia, Jane também não é do tipo muito agitada então ela fica na dela como eu, assistindo TV sem comentar nada.
Mas não consigo parar de pensar no que Sabrina me disse, será mesmo que tudo que estou fazendo é enganar a mim mesmo? Mas quanto a Merlin, o que ela faz é genuíno, ela parece estar realmente feliz. Eu entendo que ela não goste de ficar sozinha, afinal ela ficou sozinha por muito tempo, então estou feliz que ela tenha outras pessoas para conversar. Eu decidi parar de pensar sobre isso e apenas aproveitei a noite assistindo programas de TV.
Assim nossa pesquisa acabou. Agora partiremos amanhã para o salão dos espíritos, agora que Jane está aqui posso perguntar a ela se ela consegue nos levar.