Vida em um Mundo Mágico - Capítulo 9
Uma turbulência me balançava na estrada de terra. Eu estava em uma carroça puxada por cavalos, observar o céu azul estava me ajudando a deixar meu ânimo alto. Mas mesmo assim, cansaço era a palavra que me definia naquele momento, cansaço de ter nada para fazer.
Não tem nem um celular para me distrair, a viagem ainda vai demorar um pouco mais. Então tudo que me resta é observar o céu, ver as nuvens me dava uma sensação de profundidade muito boa, mas mesmo assim os dias demoravam muito para passar.
Eu acabei ganhando uma viagem grátis para Bahad, no final tudo estava indo bem, mesmo que eu ainda esteja lesionado da minha última batalha, não estou sentindo dor, apenas um desconforto. Acho que ficar deitado é a melhor opção pra mim, mesmo querendo fazer algo acho que isso iria piorar minha situação.
— [Ei, você está bem? Está parado aí faz muito tempo.]
Merlin estava se divertindo por aí, como ela consegue voar ela pode sair da carroça, explorar a área e voltar sem maiores problemas. Demorou um pouco mas ela voltou para ver como eu estava me saindo, claro que não estou tão bem quanto ela, para um espírito que ficou anos vagando por aí alguns dias de viagem fazendo nada é fichinha.
— Estou entediado — eu disse bocejando.
— [Por que não anda um pouco nas pausas?]
— Não, acho que consigo encarar o vasto céu azul por mais algumas horas — eu disse em um tom sarcástico.
— [Oh, sim, você está encarando o céu já faz dois dias, isso não vai te fazer bem.]
Se eu fosse um humano isso não me faria bem, mas como sou um metamorfo várias necessidades básicas sumiram então não tenho nada com o que me preocupar.
— [Ficar parado por tanto tempo vai acabar fritando seu cérebro.]
*Cérebro, o que é isso?*
— [Olha um espírito da floresta!]
Assim que li o que Merlin escreveu eu me levantei e olhei para as árvores. Lá estava um animal parecido com um cavalo, ele era verde fluorescente e seus pelos voavam pelo ambiente.
— Que lindo…
O espírito nos encarava sem virar os olhos, seus olhos me atraiam e eu olhava diretamente para eles também. O espírito se virou e correu para longe.
Que aura majestosa ele tinha, parecia ser feito de energia pura.
— [Ei, você está muito impressionado, pare com isso e olhe para mim, sou muito mais bonita.]
— Eh? Você…
*Que estranho, Merlin realmente tem uma aura parecida com aquele espírito, parece ser muito pura também. Será que é porque todos os espíritos estão conectados com a natureza?*
— [“Você…”? Vamos, termine a frase, quero saber o que você iria dizer.]
— Não. Essa foi mais uma frase inacabada minha. Agora, por que está agindo assim?
— [Assim como?]
Até agora para mim Merlin foi uma tutora muito experiente, então por que estou a vendo como uma criança agora?
A primeira vez que falamos sobre nós mesmos foi quando nos conhecemos, depois nós não falamos tanto sobre assuntos diferentes, apenas sobre o mundo e o ambiente que estava à nossa volta. Mas agora estamos apenas jogando conversa pro ar.
— Digo, bem é que… Como posso dizer…
— [Ah já entendi! Você não está entendendo porque estou agindo tão abertamente com você, não é?]
Eu concordei com a cabeça, aquilo era o que eu queria dizer.
— [Veja bem, nós já estamos juntos a um tempo, então eu pensei que estava na hora de criar uma relação mais aberta e aconchegante entre nós. Amigos não conversam um com o outro apenas para resolver problemas, quando você está junto de alguém que gosta tudo se torna um tempo memorável e agradável.]
— Então era isso, entendi, tudo bem! — eu disse sorrindo
Mesmo que eu tente ser tão aberto quanto a Merlin isso não daria certo, minhas habilidades de comunicação são bem baixas. Mas vale a pena a tentativa, mesmo eu sendo uma pessoa completamente sem sal.
— Senhor Victor, você precisa aprender a ler as entrelinhas. Caso contrário você ficará boiando em algumas situações — disse o motorista da nossa carruagem, Sebastian.
Ele já está conosco faz tempo, então até que a viagem não está ruim já que todos nós conhecemos um ao outro. Sebastian é um homem alto com uma barba grande e chamativa.
— [Está fazendo uma piada com o meu meio de comunicação, Sebastian? Saiba que não há nada nas entrelinhas das minhas falas!]
— Eu não quis dizer isso, estou falando das diversas situações que vocês enfrentarão algum dia. Saber ler as entrelinhas pode ajudar bastante.
— Rei do varejo — eu disse.
— [He he, isso mesmo! Rei do varejo!]
— Que droga, já disse que foi só uma vez! Larguem do meu pé!
Nós então conversamos bastante enquanto seguimos o nosso caminho, com o tempo passando chegou a hora de parar a carruagem e dormir um pouco. Quando chegamos em um certo ponto da estrada o escudo de proteção foi implantado, ele serve não apenas para afastar monstros mas também para afastar os saqueadores. Sempre há bandidos nas estradas esperando roubar mercadorias.
Em alguns casos os bandidos conseguem atravessar o escudo, mas mesmo que algo parecido aconteça não terá problema, pois Merlin e eu estamos aqui.
Sebastian sempre dorme primeiro, afinal ele começará a dirigir assim que acordar. Merlin espera um pouco e fica conversando comigo até que ela precise recarregar sua energia. Já eu fico olhando para o céu ou para os meus arredores.
Como várias necessidades básicas foram embora eu demoro mais para ficar com sono, então sou o último a dormir e o último a acordar também. Mas não há nada que eu possa fazer, afinal este é meu corpo agora, tudo que posso fazer é seguir as regras que ele têm.
Eu já estava fechando meus olhos quando ouvi uma voz me chamando de fora da carruagem. Uma voz bem familiar.
— Olá, está se saindo bem?
Aquela mulher que tinha um chapéu esquisito e cabelos verdes apareceu diante de mim novamente. Tudo estava parecido, ela nem sequer trocou de roupa.
Por instinto eu olhei para Merlin e Sebastian, eles estavam dormindo profundamente.
Eu não sei o porquê, mas esta mulher me deixa na defensiva, sinto que ela pode me atacar a qualquer momento.
Eu limpei minha garganta e me preparei para respondê-la.
— Sim. Nada fora do comum até agora.
Os olhos dela se abriram um pouco mais, por um momento eu os vi brilhando, mas logo o brilho se apagou.
— Que bom, estou feliz por você. Este mundo está atendendo suas expectativas?
— É um lugar diferente, completamente fora da minha realidade. No fundo eu queria algo mais normal, mas não irei mentir dizendo que não acho tudo isso legal.
Os olhos dela brilhavam novamente, além de um sorriso um pouco assustador aparecer em seu rosto por um momento, mas ela colocou sua mão na frente.
— Você acabou lutando contra um demônio e foi espancado quase até a morte e ainda assim está com essa indiferença! Estou feliz, muito feliz! Você está atendendo todas as expectativas que coloquei em você! — ela disse não contendo sua expressão de alegria
Ela então colocou suas mãos embaixo das minhas axilas e me ergueu, assim me tirando da carruagem, então ela começou a rodopiar.
Neste momento eu percebi que ela era muito alta, me senti assustado de começo mas ela não parecia querer me machucar. Além disso fiquei curioso sobre essas tais “expectativas”, ela tinha dito algo sobre eu ter chamado sua atenção mas nada além disso.
— Poderia me contar quais expectativas são essas?
— Não, não. Isso é segredo, você não pode saber agora, você deve descobrir sozinho, meu filhote!
Com esta afirmação ela me colocou no chão e tentou conter seu sorriso. Ela é estranha, principalmente quando me chama de filhote, o fato de eu já ser um adulto deixa isso estranho.
— Então você pode pelo menos me dizer quem é você?
Ela olhou para os lados e pensou bastante, então olhou para mim novamente com aqueles olhos vermelhos brilhando.
— Mas isso não é óbvio? Olhe bem para mim, vou te dar três segundos — ela disse abrindo seus braços.
Olhando para ela eu não consigo identificar nada que revele sua identidade. Além da altura e das pequenas antenas em seu chapéu, tudo parece normal.
Todos os traços do rosto são belos e seu corpo parece ser forte e esbelto.
— E três! Acabou o tempo. Se você não conseguiu tente novamente outra hora, até mais!
Ela desapareceu bem diante dos meus olhos sem deixar rastros. Não consegui nem enxergar para qual direção ela foi.
— Senhor Victor está acordado?
— Oh! Sebastian, te acordei?
— Eu pensei ter ouvido alguma coisa, já que era o senhor, irei voltar a dormir.
— Certo…
Graças a Sebastian eu voltei para a realidade. Mas sério, quem é aquela mulher? O que ela quer com alguém como eu?
Além de tudo ela passou pela barreira que está em volta da carruagem sem esforço algum, não só isso como me arrancou de lá também, eu espero que ela não seja um inimigo.
Com tudo aquilo preso na minha cabeça eu voltei para a carruagem e tentei dormir novamente, depois de alguns minutos eu caí no sono.
—
Depois de vários dias finalmente chegamos no nosso destino. O que vi foi surpreendente, nunca tinha visto uma cidade tão grande.
Havia muros enormes que protegiam a cidade dos monstros, não só muros como também havia uma barreira por cima da cidade, assim nem monstros voadores podem chegar perto.
— Senhoras e senhores, sejam bem vindos a Bahad! — disse Sebastian com seus braços abertos
Eu fiquei boquiaberto com o que meus olhos viam, os portões não eram como eu esperava, eles tinham robôs e tecnologia para escanear quem entrava. Aquilo era…
— Então, o que achou, senhor Victor?
— O cúmulo do absurdo! O quão avançado é este lugar?!
Sebastian ficou pensante quando viu o quanto eu estava surpreso, mas antes dele me dizer alguma coisa Merlin começou a voar em círculos animada.
— [Que emocionante, nunca tinha visto essa cidade! Ei vamos entrar logo!]
Sebastian então sorriu e foi na frente junto de Merlin. Eu ainda estava incrédulo, aqueles robôs eram enormes e provavelmente tinham armas em todas as partes do corpo. Eu então andei cuidadosamente para a fila que estava no portão da cidade.
— [Ei Victor, você está parecendo triste, aconteceu alguma coisa?]
— É que no meu mundo nem existem essas coisas, a tecnologia de lá não é tão avançada. De certa forma isso faz com que eu me sinta inferior.
— [Não se sinta inferior só com isso, agora você também é parte desse mundo, com certeza vai se adaptar.]
Pensar por este ponto me alegrou, mas ainda assim é assustador pra mim, principalmente por eu ser um monstro agora.
— Senhor estes dois estão com você? — perguntou um robô bem mais pequeno que os outros guardas
— Sim. — respondeu Sebastian
O robô olhou para mim e me escaneou.
— Monstro não nomeado, este espírito é seu companheiro?
— Sim, o nome dela é Merlin e nós estamos juntos de Sebastian.
Eu fiquei preocupado com o fato de eu ser um monstro, talvez os robôs iriam tentar me matar mas felizmente tudo deu certo. O robô deu a mim um crachá escrito alguma coisa que eu não sabia ler.
— Vá para uma guilda assim que possível, mostre isso para o mestre da guilda e faça seu registro de cidadão, assim você não será mais um monstro não nomeado.
— Obrigado.
Então os portões se abriram e Sebastian avançou com a carroça. Até que não foi tão ruim. É bom saber que monstros inteligentes podem ter uma chance de viverem como humanos.
— Ainda bem que deu tudo certo, agora só irei entregar as mercadorias — disse Sebastian aliviado.
— [Então Victor, você vai fazer a sua identificação como cidadão?]
— Eu vou sim, mas por falar nisso, se eu for para uma guilda agora, quanto tempo levaria para eu ter minha identificação em mãos?
— Bem, normalmente você receberia em uma semana.
*É muito tempo!*
— [Nós não temos um lugar para ficar e nada para fazer, então uma semana é muito tempo. Pois é, vamos ter que morar na rua Victor!]
Merlin descreveu perfeitamente o que eu pensei, mas não quero morar na rua!
— Vocês não ganharam uma recompensa do rei? Vocês podem usar o dinheiro para alugar um apartamento temporário.
— Sério? Eu não quero gastar tudo tão rápido, afinal são poucas moedas.
— Mas são todas moedas de ouro, uma moeda já paga o apartamento por um mês e ainda volta troco.
— O que?!
Eu fiquei espantado, uma moeda de ouro vale tanto assim? Olhando deste lado nós estamos bem financeiramente.
— [O rei nos deu 200 moedas de ouro, não vejo nenhum problema em gastar uma.]
Eu o absorvi para que não tenha como roubar ou eu perder. Bom que eu sou uma bouça ambulante, estou descobrindo vários jeitos de usar minha habilidade, no final ela é bem útil para essas situações cotidianas.
— Então senhor Victor, sabe o que vai fazer? Tipo, um emprego ou coisa assim?
— N-não. Eu não pensei sobre isso ainda — eu disse cruzando minhas mãos uma na outra.
— Bem, missões de caça de monstros dão muito dinheiro hoje em dia —, Sebastian olhou para mim e logo se arrependeu do que falou — desculpe, eu não deveria ter dito isso!
— Não, tá tudo bem eu entendo o quê quer dizer. Mas eu queria não me envolver em lutas outra vez, mas se é tão eficiente assim acho que posso tentar…
Eu estive me fazendo de forte, mas na verdade aquela minha luta anteriormente me deixou bem assustado. O que aconteceria se eu enfrentasse alguém mais forte do que eu? Eu não queria morrer, por isso eu estava muito assustado em entrar em combate novamente.
Mas se eu pensar que as missões da guilda são caçar monstros fracos eu ficarei bem, além de tudo Merlin está aqui também.
Após andar mais um pouco nos deparamos com um estabelecimento que abrigava pessoas. Era como uma casa grande com vários quartos, como parecia uma casa normal nós alugamos um quarto no último andar. Três cômodos cada quarto.
O lugar era bem cuidado, então eu estava satisfeito. Lá já tinha móveis úteis para o dia a dia, como fogão? Privada com descarga? Televisão?!
— Isso é melhor do que eu esperava! Tem até ar condicionado!
— [Victor você parece estar se divertindo muito, essas coisas existiam no seu mundo, não é?]
— Sim! Estou muito feliz em ver coisas que eu conheço.
Sebastian riu da situação e disse que tinha mais alguns assuntos para resolver antes de voltar para Cirgo, então ele saiu nos deixando sozinhos.
Eu explorei bem os três cômodos do lugar e fiquei muito satisfeito com o que vi. Agora poderei relaxar no meu espaço.
— [Então nós vamos criar sua identificação agora?]
— Não, quero fazer algo antes. Merlin, vamos assistir televisão? — eu perguntei animado
— [Claro. Victor, quando você está animado suas pupilas dilatam cobrindo quase toda a sua íris, isso é bem fofo de certa forma.]
Com este comentário nossa viagem de 15 dias acabou, demorou bastante mas foi uma viagem tranquila.